Indissociabilidade entre saúde pública, saúde planetária e processo de enfermagem: premissa para o desenvolvimento sustentável

RESUMO

Objetiva-se conduzir reflexão teórica sobre a indissociabilidade entre saúde pública, saúde planetária e processo de enfermagem à luz do pensamento da complexidade, no intuito de contribuir para o desenvolvimento saudável e sustentável. Estudo de abordagem teórico-reflexiva que acessou fontes bibliográficas de autores contemporâneos que defendem a indissociabilidade entre saúde pública e saúde planetária e, paralelamente, conferem sustentação teórico-sistêmica ao processo de enfermagem, sob um viés crítico indutivo. Concebe-se o processo de enfermagem como fenômeno complexo, que compreende uma dinâmica interdependente, abordagens dialógicas, percepção crítico-reflexiva e liderança prospectiva. A reflexão teórica acerca do processo de enfermagem e o desenvolvimento sustentável suscita um olhar ampliado, contextualizado e interdependente sobre a atuação do profissional de enfermagem nos diversos contextos da saúde, a fim de não comprometer o bem-estar e a saúde ambiental.

DESCRIPTORES
Processo de Enfermagem; Enfermagem em Saúde Comunitária; Desenvolvimento Sustentável; Saúde Ambiental; Dinâmica não Linear

ABSTRACT

The aim is to conduct theoretical reflection on the inseparability among public health, planetary health and the nursing process in light of complexity thinking, with the aim of contributing to healthy and sustainable development. Study with a theoretical-reflexive approach that accessed bibliographical sources from contemporary authors who defend the inseparability between public health and planetary health and, at the same time, provide theoretical-systemic support to the nursing process, under an inductive critical bias. The nursing process is conceived as a complex phenomenon, which comprises interdependent dynamics, dialogical approaches, critical-reflective perception and prospective leadership. Theoretical reflection on the nursing process and sustainable development raises an expanded, contextualized and interdependent look at the role of nursing professionals in different health contexts, in order not to compromise well-being and environmental health.

DESCRIPTORS
Nursing Process; Community Health Nursing; Sustainable Development; Environmental Health; Nonlinear Dynamics

RESUMEN

El objetivo es realizar una reflexión teórica sobre la inseparabilidad entre la salud pública, la salud planetaria y el proceso de enfermería a la luz del pensamiento de la complejidad, para contribuir con el desarrollo saludable y sostenible. Se trata de un estudio con enfoque teórico-reflexivo que accedió a fuentes bibliográficas de autores contemporáneos que defienden la inseparabilidad entre la salud pública y la salud planetaria y, al mismo tiempo, otorgan apoyo teórico-sistémico al proceso de enfermería, bajo un sesgo inductivo crítico. El proceso de enfermería se concibe como un fenómeno complejo, compuesto por dinámicas interdependientes, enfoques dialógicos, percepción crítico-reflexiva y liderazgo prospectivo. La reflexión teórica sobre el proceso de enfermería y el desarrollo sostenible suscita una mirada ampliada, contextualizada e interdependiente sobre la actuación profesional de enfermería en los diversos contextos de salud, con el fin de no comprometer el bienestar y la salud ambiental.

DESCRIPTORES
Proceso de Enfermería; Enfermería en Salud Comunitaria; Desarrollo Sostenible; Salud Ambiental; Dinámicas no Lineales

INTRODUÇÃO

A compreensão de desenvolvimento sustentável induz a um percurso que considera as necessidades atuais prementes e como estas devem ser atendidas para não comprometer o bem-estar e a saúde das gerações futuras. Realizada em 2015, com a participação de 193 países, a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável adotou 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a serem alcançados até 2030. Também chamados de Objetivos Globais, os mesmos abordam de forma abrangente e sistêmica as ameaças das mudanças climáticas ao bem-estar das pessoas e à saúde planetária, com base nas dimensões econômica, política, social e ambiental(¹,²).

As crescentes alterações climáticas e a degradação dos ecossistemas representam consequências irreparáveis à saúde pública, a qual está indissociavelmente ligada à saúde planetária. O impacto dessas alterações associa-se às intensas secas, inundações, ondas de calor, aumento do nível do mar e outros, cujas repercussões são altamente prejudiciais à humanidade e à sobrevivência da biodiversidade. Estudos evidenciam, nessa direção, que a saúde planetária já está comprometida e as ameaças sanitárias já influenciam as condições de sobrevivência, assim como as relações, interações e associações humanas no seu processo de viver saudável, sobretudo, em contextos de maior vulnerabilidade social(³-⁶).

Essas discussões, todavia, não são novas para a enfermagem, a qual há mais de 100 anos exerce importante contribuição para o desenvolvimento de ambientes saudáveis e sustentáveis à saúde e o bem-estar das pessoas. Embora reconhecida como a fundadora filosófica da enfermagem moderna, Florence Nightingale foi também uma das teóricas mais bem sucedidas na ampliação do conceito de saúde e na indução de boas práticas relacionadas à saúde ambiental, tais como a higiene, limpeza, saneamento e outros(⁷,⁸).

A enfermagem, enquanto protagonista e agente reformadora do cuidado em saúde, é impulsionada a fazer frente às novas doenças e/ou crescente número de casos de arboviroses decorrentes das alterações climáticas e de práticas ecologicamente irresponsáveis que degradam os relacionamentos humanos, sociais, afetivos e emocionais(⁹-¹²). É fundamental, para tanto, que a enfermagem considere o desenvolvimento sustentável nos currículos de graduação e pós-graduação e desenvolva mecanismos de educação permanente com foco nas habilidades e competências requeridas para um pensar e agir indissociável entre saúde pública e saúde planetária.

O processo de enfermagem, reconhecido como o padrão da prática assistencial, abarca um movimento circular e prospectivo que requer, por parte da enfermagem, percepção crítico-reflexiva, alinhamento teórico multidimensional e interprofissional, além de atitude ética, cidadã e visionária. Fundamentado em suporte teórico, o processo de enfermagem possibilita, por meio da avaliação, diagnóstico, planejamento, implementação e evolução, um olhar atento, responsável e sustentável sobre a prática do exercício profissional da enfermagem(¹³).

À vista disso, o presente estudo teve origem com a análise de indicadores recentes que demonstram o rápido e acelerado aumento das alterações climáticas, cujas consequências poderão ser devastadoras à sobrevivência da biodiversidade. Deve-se como questão pesquisa: Como conduzir processos indissociáveis entre saúde pública, saúde planetária e processo de enfermagem, de modo a assegurar o desenvolvimento saudável e sustentável, a partir de uma perspectiva integral e ecossistêmica? Objetiva-se, para tanto, conduzir reflexão teórica sobre a indissociabilidade entre saúde pública, saúde planetária e processo de enfermagem à luz do pensamento da complexidade, no intuito de contribuir para o desenvolvimento saudável e sustentável.

Os ODS fornecem, nesse campo de discussões, orientações claras e prospectivas ao processo de enfermagem. Embasado em suporte teórico prospectivo, o processo de enfermagem à luz do pensamento da complexidade não se restringe às etapas interdependentes - avaliação, diagnóstico, planejamento, implementação e evolução, mas se amplia na compreensão circular e indissociável dos fenômenos cuidado, saúde, bem-estar(¹⁴). Com base nesse entendimento não será adotado, nesse estudo, uma etapa específica do processo de enfermagem, mas serão conduzidas reflexões que requerem, da enfermagem, uma apreensão sistêmica da realidade, no sentido de possibiltar intervenções saudáveis e sustentáveis nos diferentes cenários.

MÉTODO

Estudo de abordagem teórico-reflexiva que acessou fontes bibliográficas de autores contemporâneos que defendem a indissociabilidade entre saúde pública e saúde planetária e, paralelamente, conferem sustentação teórico-sistêmica prospectiva ao processo de enfermagem, sob um viés crítico indutivo. A indissociabilidade entre saúde pública, saúde planetária, processo de enfermagem, à luz do pensamento da complexidade, afere uma perspectiva multidimensional ao desenvolvimento sustentável e, simultaneamente, privilegia a diversidade cultural, a solidariedade, a ética, a equidade, a justiça e os direitos humanos e sociais.

O pensamento da complexidade, na perspectiva de Edgar Morin, não prediz um percurso linear de concepção e análise dos fenômenos sociais e ambientais(¹⁵,¹⁶), mas induz a um itinerário prospectivo, no qual o investigador deve protagonizar o seu próprio caminho, a partir de seu contexto e as experiências do vivido. Sob esse impulso, os proponentes deste estudo debruçaram-se, inicialmente e de modo individual, na busca e no aprofundamento de referenciais que pudessem ampliar a perspectiva teórica em relação ao objeto de investigação. E, num segundo momento, foram realizados encontros para a socialização, discussão e refinamento das temáticas reflexivas, que serão discutidas a seguir.

Idealizado sob esse pensamento, o presente estudo concebe a complexidade do processo de enfermagem e do desenvolvimento sustentável em perspectiva ampliada, ao tecer em conjunto as experiências do vivido no aprender, ensinar, investigar, congregar e refletir sobre o impacto da degradação ambiental que conduz à degradação dos relacionamentos humanos, sociais, afetivos e emocionais. Defende-se, que a indução do pensamento da complexidade entre os profissionais de enfermagem/saúde é essencial à compreensão ampliada, contextualizada, sustentável e interdependente das etapas do processo de enfermagem(¹⁷). Explora-se, para tanto, sem dá-las como conclusivas as seguintes temáticas reflexivas: Pensamento da complexidade como indutor de processos indissociáveis; e Processo de enfermagem como gerador de boas práticas sustentáveis.

Pensamento da Complexidade Como Indutor de Processos Indissociáveis

Parte-se do princípio de que o pensamento da complexidade é, por excelência, indutor de processos circulares e indissociáveis, sejam eles de saúde pública, saúde planetária, processo de enfermagem e outros. O pensamento da complexidade incorpora a noção de sustentabilidade e defende a importância do universal e do particular, do singular e do multidimensional, do individual e do coletivo, a partir de uma perspectiva integral e ecossistêmica(¹⁵).

A saúde pública configura-se como unidade complexa, o que é tecido em conjunto, a partir do uno e do múltiplo(¹⁶). Interconectada aos sistemas econômico, político, cultural, ambiental, a saúde deve ser apreendida como bem-social, não reduzível a um composto mercadológico de produção e disseminação de doenças e recursos farmacêuticos. Enquanto unidade complexa, a saúde está interligada aos diferentes sistemas sociais que visam promover o viver saudável de indivíduos, famílias e comunidades, a partir de uma perspectiva socio-ecossistêmica evolutiva e sustentável(¹⁸).

O conceito de saúde planetária surgiu, recentemente, em função da intensificação do chamado efeito estufa e consecutivo aquecimento global. O mesmo reflete as interdependências entre a saúde dos sistemas naturais do planeta e a saúde da civilização humana. Impulsionado pela modernidade que teve em seu bojo o progresso ilimitado, o desenvolvimento científico e tecnológico prometeu o sonhado futuro melhor. Esse carácter eurocêntrico da modernidade e com desequilíbrios de poder entre o norte global e o sul global, no entanto, vem sendo questionado e confrontado à luz de referenciais que refletem a superioridade ontológica desse pensar e agir devastador(¹⁹).

O processo de enfermagem, por sua vez, transcende perspectivas técnicas pontuais e lineares. O mesmo reflete um modo de ser e agir profissional comprometido com o desenvolvimento sustentável. O processo de enfermagem compreende, para tanto, uma dinâmica interativa, abordagens horizontalizadas e dialógicas, percepção crítico-reflexiva e liderança prospectiva. Os profissionais de enfermagem, especialmente o Enfermeiro, precisam estar aptos a exercer movimentos circulares e interdependentes, no sentido de compreender a unidade na diversidade, o todo na parte e vice-versa(²⁰).

Os princípios do pensamento da complexidade, dentre eles a não linearidade, a transdisciplinaridade, a análise de sistemas abertos e a fenomenologia global-local, fornecem uma base teórica substancial à compreensão indissociável dos fenômenos saúde pública, saúde planetária e processo de enfermagem. Essas premissas coadunam com os múltiplos contextos de investigação, prática e educação, cujos limites são multidimensionais, complexos e, por excelência, indutores de boas práticas de sustentabilidade(²¹).

O pensamento da complexidade compreende um processo contínuo de (re)organização, resultante da conexão entre diferentes elementos e dimensões que confluem e determinam a saúde/cuidado - unidade complexa. Para compreender o mundo em sua dinâmica prospectiva e evolutiva é preciso, sob esse impulso, conceber uma mente complexa, aberta, organizada, capaz de contextualizar, flexibilizar, confrontar as certezas e analisar os fatos e acontecimentos sociais de forma multidimensional, ética e responsável(¹⁸-²²). O ser humano detentor de mente aberta - cabeça bem-feita na lógica de Edgar Morin(¹⁶) é capaz de transcender processos de trabalho rígido, unidimensionais e acríticos, hegemônicos no pensamento simplificado, redutor, involuído e devastador dos bens naturais.

A difusão do pensamento complexo entre os profissionais de saúde e cidadãos, em geral, é premente para o alcance de boas práticas de sustentabilidade nas diferentes áreas e contextos sociais. Estudos evidenciam que níveis mais elevados de pensamento complexo entre as pessoas estão associados a processos mais favoráveis de comunicação, gestão, segurança e de relacionamentos humanos e sociais mais saudáveis e sustentáveis. A associação favorável entre o pensamento complexo e a promoção de medidas preventivas e protetivas de saúde também foram evidenciadas(²³,²⁴).

A saúde, enquanto fenômeno complexo, depende da estrutura social e é determinada por condições que podem ser integradas num tripé de desenvolvimento sustentável: desenvolvimento econômico (crescimento econômico, combate à pobreza, redução das desigualdades sociais); desenvolvimento social (demografia, economia e rendimento, empoderamento das mulheres, educação, governança, estrutura do sistema de saúde); e proteção ambiental (geografia, saneamento básico, fontes de energia seguras, sustentáveis e outros). A promoção da saúde planetária, sob esse enfoque, é resultado da atividade humana que compreende esforços no sentido de (re)construir processos educativos transdisciplinares, indissociáveis e multidimensionais(²⁵,²⁶).

Associado a ideologia consumista, o modelo econômico centrado no produzir a qualquer custo e no descartar sem critérios, chegou ao seu limite. Atingiu-se, especialmente no sul global, mas com impactos crescentes no norte global, níveis degradantes de sobrevivência e tornou-se inviável seguir o curso normativo sem pensar em alternativas sustentáveis, tais como a reciclagem e o processamento adequado dos resíduos, a agricultura sustentável para segurança alimentar, a preservação de habitats naturais, a restrição do uso de pesticidas, a proteção dos recursos hídricos e outros, as quais impactam diretamente na sustentabilidade da vida humana e na coexistência com a natureza. Os sistemas capazes de interagir e de situar-se neste pensamento complexo – evolutivo e sustentável - estarão aptos à fecundidade, à sobrevivência e à sustentabilidade dos relacionamentos humanos, sociais, políticos e planetários.

Ao invés de destinatários, a crise climática nos convoca à autonomia pensante, ao uso consciente dos recursos naturais, ao protagonismo colegiado, consciente e responsável e à promoção da economia com um rosto mais humano, fraterno, solidário e sustentável. A transformação econômica e social demanda, em suma, um novo modo de ser e conviver em comunidade, além de coragem para induzir percursos disruptivos e repensar as escolhas individuais e coletivas rumo ao desenvolvimento saudável e sustentável.

Processo de Enfermagem Como Gerador de Boas Práticas Sustentáveis

O pensamento evolutivo-sustentável, na perspectiva do pensamento da complexidade, induz à coerência de vida em âmbito pessoal, profissional e social. Essa forma de pensar traduz-se em movimento emancipatório que se desloca do pensar individual ao agir coletivo e colaborativo, em prol da dignidade humana e da sobrevivência da biodiversidade. Organizado em etapas inter-relacionadas, interdependentes, recorrentes e cíclicas, o processo de enfermagem(¹³) transcende a percepção teórico-intervencionista verticalizada e se revela como alternativa indutiva e (re)ordenadora de um novo modo de pensar e proceder em relação ao cuidado em saúde.

Considerada uma das profissões mais engajadas na promoção da saúde, a enfermagem ocupa função central na construção de um mundo mais justo, próspero e sustentável às gerações presentes e futuras. Os objetivos globais são, crescentemente, perseguidos pela enfermagem ao assegurar a integralidade e a qualidade do acesso aos cuidados de saúde, sobretudo, aos mais vulneráveis; ao reduzir as disparidades de acesso; ao combater às desigualdades sociais e de gênero; ao defender a construção de sociedades mais equitativas e pacíficas; ao contribuir na redução dos gastos excessivos em saúde, ao promover o bem-estar e o viver saudável de indivíduos, famílias e comunidades(²⁷-²⁹).

As boas práticas sustentáveis, em âmbito da enfermagem, contemplam investimentos que vão da preservação dos recursos ambientais e habitats promotores de saúde às simples mudanças de processos, comportamentos e posturas profissionais. Os profissionais de enfermagem, por meio do processo de enfermagem, contribuem para o bem-estar dos usuários e facilmente adaptam-se às situações adversas, de modo a serem resolutivos nos encaminhamentos, a otimizarem o processo de trabalho e a minimizarem deslocamentos, intervenções desnecessárias e outros(³⁰).

Com o objetivo de promover a gestão compartilhada e o cuidado integral em saúde, especialmente em contextos de maior vulnerabilidade social, a enfermagem induz novos modos de pensar em saúde e conduz a movimentos mais colegiados e sincronizados com o bem-comum. Estudos demonstram que comportamentos éticos, conscientes e integrados, por parte dos profissionais de saúde, conduzem a níveis mais elevados de satisfação e bem-estar dos usuários, além de agregarem maior eficácia e sustentabilidade ao processo de cuidado em saúde(³¹,³²).

Face à crescente crise climática, os profissionais em geral são desafiados a desenvolverem estratégias que contribuam para a redução da emissão de gases de efeito estufa e outros poluentes que impactam na saúde humana e ambiental. Nessa direção, apresenta-se no Quadro 1 questões reflexivas indutoras de boas práticas sustentáveis no processo de enfermagem. Desenvolvidas com base em evidências científicas(³³-³⁵), essas questões prospectivas visam contribuir à utilização responsável e sustentável dos recursos nos serviços de saúde.

Quadro 1
Questões reflexivas indutoras de boas práticas sustentáveis no processo de enfermagem. Santa Maria, RS, Brasil, 2024.

N	Boa prática sustentável	Questões reflexivas e evolutivas
1	Descarte correto dos resíduos	Como realizo a segregação dos resíduos de saúde? Como descarto os resíduos para o seu possível reaproveitamento? De que forma as minhas atitudes contribuem para que o material descartado não gere impacto no que se refere à poluição da água, solo e ar? De que modo eu contribuo para otimizar os recursos e reduzir os gastos por parte dos usuários e serviço de saúde?
2	Redução do consumo de papel	Quais mecanismos utilizo para separar as categorias de papéis que podem ser recicladas? Qual o meu posicionamento diante das plataformas digitais que visam reduzir o número de impressos? Qual o meu discurso face à digitalização de documentos e o armazenamento de dados, com vistas à redução do consumo de papel e impressos na saúde?
3	Consumo racional da água	Como procedo para evitar o desperdício de água por ocasião da lavagem de mãos? Qual a minha postura face à lavagem correta das mãos, de modo a reduzir a contaminação cruzada? Qual a minha atitude face o banho com vistas a redução da quantidade de água a ser lançada nos afluentes?
4	Preparo e administração consciente dos medicamentos	Quais mecanismos utilizo no preparo dos medicamentos, no sentido de evitar erros relacionados à dosagem, desperdícios e contaminações? Quais os cuidados elegíveis no momento da administração dos medicamentos, para evitar possíveis erros relacionados à via, paciente e técnica?
5	Uso de materiais biodegradáveis	Qual a minha postura face a aquisição de insumos de limpeza biodegradáveis? Qual a minha prática face ao uso dos copos reutilizáveis para o café e o consumo de água?
6	Promoção da saúde	Qual a minha compreensão de saúde e bem-estar, sobretudo, em relação aos grupos mais vulneráveis? Quais estratégias eu protagonizo para promover a saúde e reduzir as taxas de internação hospitalar por motivos evitáveis? Quais mecanismos eu fomento para promover a educação em saúde e reduzir as reinternações hospitalares?
7	Arquiteturas ecológicas em saúde	Qual o meu pensamento em relação às arquiteturas ecológicas em saúde, aliadas à redução do consumo de energia, água, ar condicionado e outros? Quais iniciativas eu promovo em relação à ambiência ecológica e o processo de enfermagem evolutivo e sustentável?

Estudo recentemente realizado analisou ações ambientalmente sustentáveis no processo de medicação, desde o recebimento da farmácia ao descarte dos resíduos pelos profissionais de enfermagem. O estudo identificou a redução de 74,8% dos resíduos químicos, infectantes e perfurocortantes e a redução de 48% dos resíduos destinados ao aterro sanitário, após intervenções educativas de enfermagem(³³). Essas dados revelam que o processo de enfermagem necessita intuir o raciocínio crítico-reflexivo por meio de atividades sistemáticas de educação permanente com o envolvimento de todos os atores.

Programas de Educação Permanente efetivos são, portanto, capazes de promover maior engajamento entre os profissionais de enfermagem e reduzir o consumo de água, energia e resíduos tóxicos e, consequentemente, ampliar o volume de materiais recicláveis. A educação permanente em saúde, com base em referenciais teórico-metodológicos interativos e associativos, à exemplo da complexidade, são capazes de intuir um pensamento evolutivo, autônomo e comprometido com as boas práticas sustentáveis em saúde(³⁶).

As medidas de contenção impostas pela pandemia da Covid-19 demonstram, igualmente, que a enfermagem pode ir além das práticas normativas e institucionalizadas, mais especificamente no que se refere às consultas virtuais. Estudo demonstra, que entre março de 2020 e abril de 2021 a emissão de gases do efeito estufa foi reduzida em mais de 15 mil toneladas métricas. Além disso, 5,3 milhões de páginas impressas foram eliminadas em função de programas digitais e consultas virtuais promovidas nos serviços de saúde(³⁷). Essas e outras medidas demonstram que é possível superar práticas tradicionais e investir em novas abordagens que garantam maior sustentabilidade nos serviços de saúde.

O processo de enfermagem, sob esse impulso, deve/pode ser apreendido como fenômeno complexo, dinamizado com base nas múltiplas relações, interações e associações sistêmicas, com vistas à promoção do bem-estar humano, social e ambiental(¹⁹). Pelo seu caráter humano, interativo e proativo, a enfermagem é capaz de intuir boas práticas sustentáveis nos diferentes contextos de saúde, desde que haja motivação e engajamento por parte dos profissionais.

Morin defende que é preciso ensinar a compreensão humana a partir de mecanismos transdisciplinares e correlacionados com o mundo em movimento. Importa considerar, nessa direção, que os sistemas vivos que compõem a sociedade estão em permanente dinâmica evolutiva e produzindo mudanças que requerem análise contextualizada por parte dos cidadãos. Sob esse enfoque, Morin defende um pensamento integral, transdisciplinar e sistêmico, capaz de questionar o pensamento mutilante que apreende apenas uma parte para satisfazer os interesses locais e transitórios(¹⁵).

Ao questionar o previsível, o absoluto e a linearidade das ações humanas, o pensamento da complexidade oportuniza o repensar da realidade planetária pela capacidade de reunir, contextualizar, globalizar, mas também de reconhecer o singular e o multidimensional em relação ao desenvolvimento sustentável(¹⁵,¹⁶). Alcançar uma perspectiva sistêmica em relação ao desenvolvimento sustentável significa perceber e promover a interatividade, a complementaridade e a sustentabilidade com e entre todas as coisas e criaturas.

Conceber o processo de enfermagem como indutor de boas práticas sustentáveis implica, necessariamente, em ampliar a concepção de ser humano, de cidadania, de cuidado, de saúde, de gestão/liderança em saúde, de viver saudável. Se o profissional de enfermagem tem aptidões e potencial para promover o processo de enfermagem como bem-comum-social, este o tem, também, para evoluir, (re)construir, agregar, inovar e prospectar estratégias e políticas sustentáveis e comprometidas com a vida e a saúde(³⁸).

As contribuições deste estudo para o avanço da ciência de enfermagem estão relacionadas à proposição de um pensamento complexo que induz à ampliação, a complementariedade e a indissociabilidade entre saúde pública, saúde planetária e processo de enfermagem. Outra contribuição está associada ao fomento de um pensamento evolutivo e sustentável entre os profissionais de enfermagem, capaz de ampliar e induzir boas práticas sustentáveis nos diferentes ambientes e contextos da saúde.

A proposição de um referencial teórico apenas – pensamento da complexidade para discutir o processo de enfermagem e o desenvolvimento sustentável, constitui-se em limitação para o avanço do conhecimento nesta área específica. Outra limitação pode estar associada ao fato deste estudo não ter considerado uma etapa específica do processo de enfermagem e, sim, a dinamicidade de cada parte no todo. Possibilita-se, no entanto, pontos de reflexão para que outros pensadores/ investigadores avancem na deliberação de novas perspectivas que induzam boas práticas de sustentabilidade em enfermagem/saúde.

CONCLUSÃO

A reflexão teórica acerca do processo de enfermagem e o desenvolvimento sustentável suscita um olhar ampliado, contextualizado e interdependente sobre a atuação do profissional de enfermagem nos diversos contextos da saúde, a fim de não comprometer o bem-estar e a saúde ambiental. De forma incipiente, a reflexão teórica sugere intervenções de enfermagem relacionadas ao uso sustentável dos recursos naturais e ressalta, sobremaneira, a importância de seguir aprofundando a estreita interconexão entre os fatores sociais, ambientais e de saúde.

A compreensão das ações indutoras de boas práticas sustentáveis e a promoção de cuidados associados à saúde planetária são importantes desafios a serem superados para o avanço e a sustentabilidade da ciência de enfermagem. Deliberado de modo sistemático e prospectivo em todo o contexto socioambiental em que ocorre o cuidado de enfermagem, o processo de enfermagem é capaz de fomentar estratégias e políticas evolutivas alinhadas ao alcance dos Objetivos globais.

• Apoio financeiro Chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 18/2021 – Faixa A – Grupos Emergentes. Processo: 402157/2021-4.Chamada CNPq Nº 4/2021 – Bolsas de Produtividade em Pesquisa – PQ. Processo: 308760/2021-2.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Thelma Leite de Araújo

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  04 Fev 2024
• Aceito
  23 Abr 2024