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A evolução da disciplina de administração aplicada à enfermagem na escola de enfermagem da USP no período de 1980 a 1995

The evolution of the discipline "administration applied to nursing" in the escola de enfermagem da USP, in the period From 1980 to 1995

Resumos

Com o objetivo de descrever a evolução da disciplina "Administração Aplicada à Enfermagem", no período de 1980 a 1995, estudou-se os planos de curso construídos pelos docentes responsáveis por sua elaboração e condução. Os textos dos itens "Objetivos e Conteúdo" foram analisados sob a ótica da Fenomenologia, sendo submetidos ao processo de análise de discurso proposto por Martins e Bicudo. Os resultados dos procedimentos empregados nessa análise permitiram a identificação de seis categorias de pensamento: Gerenciar em Enfermagem, Bases Ideológicas e Políticas do Gerenciar em Enfermagem, A Comunicação como Instrumento para Gerenciar, Gerenciamento de Recursos Físicos, Gerenciamento de Recursos Materiais e Gerenciamento de Recursos Humanos. As modificações observadas nos planos de curso ao longo do período estudado indicaram a ocorrência de dois momentos marcantes - um no fim da década de 80, com a reformulação das bases ideológicas nas quais se assentava a disciplina e outro ao fim do primeiro lustro da década de 90, com a reorganização curricular,. A identificação desta trajetória possibilitou o acompanhamento e a compreensão do desenvolvimento da disciplina, podendo trazer recursos para a análise de disciplinas correlatas ou da mesma disciplina em outros contextos e experiências.

Ensino de Enfermagem; Administração em Enfermagem


With the objective to describe the evolution of the discipline "Administration Applied to Nursing", in the period from 1980 to 1995, courses' plans texts writed by the academic staff responsible for their elaboration and execution were studied. Texts of the items "Objectives and Content" were analyzed under the point of view of Phenomenology, being submitted to the process of analysis of speech defined by Martins and Bicudo. The result of the procedures used in the analysis, allowed the identification of six categories of thinking: Nursing Management, Ideological and Politic Bases for Nursing Management, Comunnication as an Instrument to Managing, Management of Physics Resources, Management of Material Resources and Management of Human Resources. The modification in the courses' plans observed during the studied period, evidencied two important moments - one at the end of the eighties, were the reformulation of the ideological basis wich the discipline basis was adapted and another at the end of the first five years of the nineties, with curricular reorganization. The identification of this course allowed the follow-up and comprehension of the development of the discipline, providing resources for analysis of the correlated disciplines of the same discipline in other contexts and experiences.

Nursing Teaching; Nursing Administration


ARTIGO ORIGINAL

A evolução da disciplina de administração aplicada à enfermagem na escola de enfermagem da USP no período de 1980 a 1995

The evolution of the discipline "administration applied to nursing" in the escola de enfermagem da USP, in the period From 1980 to 1995

Maria Cristina Sanna

Enfermeira. Mestre em Enfermagem.Professora Adjunta III do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Paulista - UNIPOBJETIVO. Professora Assistente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Santo Amaro - UNISA

RESUMO

Com o objetivo de descrever a evolução da disciplina "Administração Aplicada à Enfermagem", no período de 1980 a 1995, estudou-se os planos de curso construídos pelos docentes responsáveis por sua elaboração e condução. Os textos dos itens "Objetivos e Conteúdo" foram analisados sob a ótica da Fenomenologia, sendo submetidos ao processo de análise de discurso proposto por Martins e Bicudo. Os resultados dos procedimentos empregados nessa análise permitiram a identificação de seis categorias de pensamento: Gerenciar em Enfermagem, Bases Ideológicas e Políticas do Gerenciar em Enfermagem, A Comunicação como Instrumento para Gerenciar, Gerenciamento de Recursos Físicos, Gerenciamento de Recursos Materiais e Gerenciamento de Recursos Humanos. As modificações observadas nos planos de curso ao longo do período estudado indicaram a ocorrência de dois momentos marcantes - um no fim da década de 80, com a reformulação das bases ideológicas nas quais se assentava a disciplina e outro ao fim do primeiro lustro da década de 90, com a reorganização curricular,. A identificação desta trajetória possibilitou o acompanhamento e a compreensão do desenvolvimento da disciplina, podendo trazer recursos para a análise de disciplinas correlatas ou da mesma disciplina em outros contextos e experiências.

Unitermos: Ensino de Enfermagem. Administração em Enfermagem.

ABSTRACT

With the objective to describe the evolution of the discipline "Administration Applied to Nursing", in the period from 1980 to 1995, courses' plans texts writed by the academic staff responsible for their elaboration and execution were studied. Texts of the items "Objectives and Content" were analyzed under the point of view of Phenomenology, being submitted to the process of analysis of speech defined by Martins and Bicudo. The result of the procedures used in the analysis, allowed the identification of six categories of thinking: Nursing Management, Ideological and Politic Bases for Nursing Management, Comunnication as an Instrument to Managing, Management of Physics Resources, Management of Material Resources and Management of Human Resources. The modification in the courses' plans observed during the studied period, evidencied two important moments - one at the end of the eighties, were the reformulation of the ideological basis wich the discipline basis was adapted and another at the end of the first five years of the nineties, with curricular reorganization. The identification of this course allowed the follow-up and comprehension of the development of the discipline, providing resources for analysis of the correlated disciplines of the same discipline in other contexts and experiences.

Uniterms: Nursing Teaching. Nursing Administration.

1 INTRODUÇÃO

A história do ensino da disciplina Administração Aplicada à Enfermagem no Brasil tem suas raízes nos currículos praticados pelas primeiras escolas de enfermagem do pais, desde o fim do século XIX. Com a implantação do modelo Nightingale em 1923, ano da fundação da Escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública, a formação de novos enfermeiros foi reorientada para a atuação em saúde pública, preservando-se, no entanto, as disciplinas voltadas à administração hospitalar.

As leis6 que regulamentaram o ensino e a prática profissional desde então, reconhecem a função administrativa desempenhada pelo enfermeiro e a necessidade da inclusão desse conteúdo na sua formação. Dos pareceres nºs 271/62 e 163/72 do Ministério de Educação, que regularam o ensino da Enfermagem de 1949 a 1995, sempre constou a Administração em Enfermagem. Com denominações diversas como Administração Hospitalar, Princípios de Administração Sanitária, Administração, Serviço de Administração Hospitalar e, finalmente, Administração Aplicada à Enfermagem, a ênfase desse conteúdo no currículo sofreu algumas variações, crescendo em intensidade e aumentando sua carga horária com o passar do tempo.

Também as leis6 que dispõem sobre o exercício profissional nesse período - nº 2604/55 regulamentada pelo Decreto nº 50387/61 e nº 7498/ 86 regulamentada pelo Decreto nº 94406/87, atestam o desempenho da função administrativa do enfermeiro e evidenciam, principalmente a última, como apontado por LEITE16, a importância do ensino da disciplina Administração Aplicada à Enfermagem, uma vez que admite como prerrogativa da enfermeira, entre outras atividades, a de planejar, organizar, coordenar, orientar e avaliar serviços de assistência de enfermagem, bem como participar de programas de treinamento e aprimoramento de pessoal de saúde, particularmente de programas de educação continuada".

O ensino dessa disciplina na Escola de Enfermagem da USP, a partir da passagem definitiva dos cursos de Enfermagem para o nível superior, como disposto na lei nº 2995/56, acompanhou essa trajetória e sempre ocupou lugar de destaque, com o desenvolvimento de atividades teóricas e práticas, estas predominantemente na área hospitalar. Inicialmente pautada no ensino das teorias de Taylor e Fayol e na aplicabilidade do pensamento administrativo daqueles autores à atividade de enfermagem, a disciplina tinha como objetivos, segundo LEITE16, "que os alunos fossem capazes de planejar e coordenar o trabalho em equipe, de orientar o funcionário, de elaborar normas, rotinas e procedimentos, e tomar decisões". Os alunos eram submetidos a um programa teórico inicial e a seguir eram encaminhados para as unidades de internação hospitalar em grupos de 3 a 5, onde desempenhavam alternadamente os papéis de enfermeira e enfermeira-chefe, sob supervisão desta última. A supervisão do professor era realizada diariamente e se concentrava na cobrança de tarefas previamente estabelecidas.

Fatos importantes de natureza exógena e endógena marcaram o desenvolvimento da disciplina de 1980 em diante. Entre os primeiros se destacam o reposicionamento politico da categoria profissional com a redemocratização do pais, que tem na eleição de diretoria da Associação Brasileira de Enfermagem de 1992 o seu marco. Esta escolha de profissionais que questionavam o modelo de ensino e o compromisso do enfermeiro com a sociedade para conduzir uma entidade que sempre influenciou, no nível nacional, as decisões políticas sobre as questões de ensino e saúde, demarcou o início de uma nova era para a Enfermagem brasileira.

No campo do ensino da Administração em Enfermagem são fatos notórios da década de 80 a realização de cinco encontros nacionais para o exame dessas mudanças, denominados Ciclos de Estudos de Professores de Administração Aplicada à Enfermagem, cuja proposta, nos anos de 1985 a 1989, foi repensar coletivamente o ensino da disciplina16. Como resultado desses encontros destacam-se as recomendações de incorporar, ao âmago da disciplina, o referencial político, econômico e cultural, bem como a reflexão sobre a gerência participativa e a discussão do processo administrativo nos serviços de saúde frente às mudanças decorrentes da implantação do Sistema Único de Saúde.

No âmbito interno da escola onde se realizou o presente estudo, foram marcos do desenvolvimento da disciplina de Administração Aplicada à Enfermagem: a ampliação da carga horária de 345 para 540 horas, ocorrida em 1980, e o questionamento dos alunos quanto ao conteúdo ministrado e ao relacionamento professor-aluno que incluiu, nessa época, greves e outras manifestações de caráter coletivo.

Em função desses acontecimentos, um processo de restruturação da disciplina, com a participação de alunos e enfermeiros de campo, foi instaurado, sendo pontuado com a adoção de metodologias de ensino mais participativas e a avaliação dos resultados de sua utilização.7,23 Nessa década também ocorreu a substituição de professores por aposentadoria ou demissão e o preparo para o ensino de um novo grupo de docentes, mais recentemente graduados, predominantemente nos programas de pós-graduação da própria escola e de outras unidades da mesma universidade.

Essas modificações, ocorridas durante a década de 80 e nos primeiros anos da década de 90, envolveram não só a disciplina de Administração Aplicada à Enfermagem como outras disciplinas do curso de Graduação em Enfermagem que, durante um período de doze anos, vivenciou um processo de mudança curricular, concretizada em 1993 e implementada para os novos ingressantes a partir e 1994, demarcando o fim deste ciclo. Os registros dessa intensa atividade modificadora relatam o fenômeno de um ponto de vista abrangente porém, mesmo os estudos realizados e publicados a esse respeito, comentados por LEITE16 e ANTUNES3, se abstêm de enfocar, de maneira detalhada, o desenrolar do processo ensinoaprendizagem nessa disciplina.

No início de um novo ciclo de desenvolvimento da disciplina, que agora no novo currículo passa assumir um caráter totalmente novo, constituindo-se em eixo integrador do programa de graduação e, portanto, estando distribuída ao longo do curso, é importante compreender a evolução desse processo. Tal compreensão pode ajudar não só no desenvolvimento da instituição pesquisada, como servir de parâmetro para as disciplinas de mesmo teor em cursos de Graduação em Enfermagem de outras instituições.

Esta compreensão pode ser buscada de diversas formas. Uma das escolhas possíveis seria o estudo do significado das transformações ocorridas, junto aos alunos e professores que as experimentaram. Para tanto dever-se-ia proceder à interação com esses sujeitos, com a finalidade de recolher e organizar os relatos de suas percepções a respeito do fenômeno. Uma outra possibilidade estaria na abordagem do enfermeiro de campo que participou do processo ensino-aprendizagem ao longo desses anos e convive com o enfermeiro graduado nesses moldes. Há que se considerar, no entanto, que os significados atribuídos pelos atores desse período da história poderiam ter se modificado ao longo dos anos, pela oportunidade de reinterpretar o fenômeno vivido. A rigor essa condição não representaria uma limitação à busca pretendida porém, os aspectos de singularidade dos momentos vividos a cada ano poderiam ser perdidos.

Nesse contexto a opção pela análise dos documentos que regiam o processo ensino-aprendizagem representados pelos planos de ensino, permite uma abordagem mais favorável à perspectiva de narração da evolução da disciplina no período estudado. E importante lembrar, no entanto, que essa documentação revela somente a intenção de um dos três atores do processo ensino-aprendizagem nesse período - o(s) professor(es) que a redigiu(ram).

A compreensão do fenômeno por meio da atribuição de significados por aqueles que o experienciam se tornou uma prática relativamente corriqueira na pesquisa em Enfermagem e na pesquisa em Educação, e a valorização da subjetividade não é mais questionada nesses meios. A forma de fazê-lo, no entanto, tem preferido o contato direto com os sujeitos, de forma exclusiva ou apenas complementada por outros dados. Fontes alternativas, no entanto, parecem ser bastante ricas e estudos esclarecedores, como os de BAPTISTA4, vem sendo valorizados não só pelo conteúdo que expressam, como pelo próprio desenho da pesquisa.

A respeito da convencionalidade e nãoconvencionalidade da pesquisa em Educação, SOARES24 afirma: “em pesquisa e produções acadêmicas, não cabem juizos de valor. Não se trata de valorizar o não convencional e desvalorizar o convencional, nem cabem aqui comparações maniqueístas. Na verdade, convencional ou não-convencional não é propriamente a metodologia de pesquisa, é a maneira como as pessoas vêm a metodologia”. Nessa perspectiva, a opção pelo trabalho exclusivo com documentos se justifica.

A escolha de planos de curso, dentre outras documentações existentes sobre a disciplina em foco, se deve à valorização desse instrumento na Enfermagem. A despeito da formação de professores nos cursos de pós-graduação incluir a aproximação desses conteúdos, uma singularidade própria do curso de Graduação em Enfermagem torna o professor-enfermeiro sensibilizado para o uso dos recursos de planejamento de ensino. Trata-se da disciplina Didática Aplicada à Enfermagem, incluída em caráter de obrigatoriedade no currículo mínimo de graduação até 1994. Entendendo que o enfermeiro exerce funções educativas junto ao cliente, sua família, comunidade e equipe de enfermagem, a formação desse profissional prevê a capacitação para o exercício dessas atividades e lhe fornece os instrumentos para isso, dentre os quais se destacam os planos de ensino. Dessa forma, a importância do planejamento das atividades de ensino é um valor assumido mesmo pelo enfermeiro que ainda não ingressou em programas de pós-graduação e não se dedica ao ensino de segundo ou terceiro grau, e muito mais pelos que exercem a atividade docente.

ABREU; MASETTO1 definem plano de curso como a apresentação organizada do conjunto de decisões tomadas pelo professor em relação à disciplina que se propôs a lecionar. Os autores admitem a existência de vários arranjos para a apresentação desses planos, ressaltando, porém, a indispensabilidade dos itens Objetivos, Conteúdo Programático, Estratégias de Ensino Aprendizagem e Métodos de Avaliação. Já para BORDENAVE; PEREIRA5, que vêm o processo de ensino-aprendizagem como sistema, "objetivos são definidos como conhecimentos, habilidades intelectuais, atitudes e valores, e habilidades motoras que devem ser desenvolvidas pelos alunos". A estratégia de ensino-aprendizagem é conceituada pelos autores citados5 como o preparo do caminho para o aluno percorrer esse sistema, e a avaliação é um meio de retro-alimentação do mesmo sistema. O conteúdo programático, por sua vez, é o conjunto de conhecimentos e vivências que os alunos experimentam quando submetidos ao sistema processo educativo. Entender como esses conceitos foram tratados ao longo desses quinze anos nos planos de curso da disciplina de Administração Aplicada à Enfermagem permitirá, nessa perspectiva, perceber a evolução por ela vivenciada nesse período.

ANGELO2 aponta para o caráter de integração que as novas propostas curriculares na Enfermagem vêm experimentando e sublinha a necessidade das instituições de ensino procurarem "desvendar caminhos que orientem suas ações para a formação do chamado enfermeiro da nova era, do próximo milênio". De fato, as revoluções curriculares não são experiências exclusivas da Enfermagem brasileira. O mundo ocidental parece bastante envolvido nessa tarefa e, mesmo nos países da América inglesa, onde a profissão se encontra num estágio mais avançado de desenvolvimento, esse fenômeno é observado. A esse propósito, MIDDLEMISS; VAN NESTEKENNY20 chamam à atenção para o fato da revolução na Educação em Enfermagem não se dar isoladamente mas ocorrer como parte deum movimento mais amplo que envolve a área de Educação.

NOVOA21, ao comentar a formação de professores em Portugal, pondera que esta implica no estímulo a "uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada". O mesmo autor ressalta que a construção da identidade do professor requer um trabalho livre e criativo sobre os próprios percursos e a reflexão sobre suas práticas. A dimensão reflexiva somam-se, na opinião de MARINI17, o fato da atividade de ensino ser uma prática intencional, que requer o compromisso com o momento históricoonde se dá, propiciando ao professor a oportunidade de ampliar a sua visão e estimular a busca da compreensão do fenômeno que ele mesmo produz. Nesse cenário, a evolução de uma disciplina num período histórico determinado por fatos e tendências tão marcantes quanto as que envolveram a Administração Aplicada à Enfermagem, ministrada na Escola de Enfermagem da USP, precisa ser estudada e revelada.

Assim, diante da argumentação desenvolvida, o presente trabalho se propõe a descrever a evolução da disciplina citada, no período de 1980 a 1995, a partir da análise dos Objetivos e Conteúdo Programático contidos nos planos de curso elaborados pelos professores que a ministraram nos anos citados, com a finalidade de ensejar a discussão sobre aquela vivência para o seu aperfeiçoamento.

2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Para atingir o objetivo proposto foram requisitados os planos de curso da disciplina Administração Aplicada à Enfermagem referentes aos anos citados, junto à Secretaria Acadêmica e ao Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP ao qual a disciplina estava vinculada .

Os documentos foram copiados na íntegra e suas páginas foram datadas com o ano a que se referiam. A seguir foram separados os conteúdos por item, ou seja - objetivos, conteúdo programático, estratégias de ensino-aprendizagem, métodos de avaliação e referências bibliográficas. O material referente aos itens objetivos e conteúdo programático foi selecionado para a análise e os demais permaneceram intocados.

Para o procedimento de análise propriamente dita foi percorrido o caminho da fenomenologia estrutural segundo MARTINS; BICUDO18, que permite a visualização do fenômeno do ponto de vista de suas qualidades, consideradas como os atributos que estão ocultos e que podem se mostrar a partir da investigação.

A fenomenologia significa discurso esclarecedor sobre aquilo que se mostra10. Esta trajetória não parte de uma teoria explicativa e não se baseia em um problema pré-existente ou em hipóteses a serem testadas. Ela procura descrever o fenômeno e intuir a sua essência19. Seu rigor não está numa teoria a ser aceita ou rejeitada mas sim na busca do esclarecimento a partir da reflexão. Ao fazer pesquisa utilizando este caminho, reconhecese que o conhecimento é subjetivo e que esta subjetividade se expressa através da comunicação19. Por comunicação entende-se aqui o discurso esclarecedor do sujeito que vivência o fenômeno, o que inclui a expressão oral e escrita.

A investigação sob esse prisma se dá em três níveis - a descrição, a redução e a interpretação. A descrição constitui-se no resultado de uma relação dialógica na qual o discurso de um sujeito se dá com a intenção de revelar ao outro a sua percepção do fenômeno. A percepção está contida no discurso e constitui a estrutura do fenômeno. A redução consiste na busca de significados, a partir da consciência das descrições, para compreensão daquilo que é essencial ao fenômeno. "É o movimento do espírito humano que, através de seus atos de perceber, intuir, imaginar, fantasiar, lembrar, raciocinar, organizar, consegue transcender a multiplicidade dos diferentes aspectos do fenômeno olhado e compreender o que lhe é essencial"18. A interpretação é a explicitação da redução na qual se retrata o que foi compreendido dos discursos. Ela é conseguida por meio da análise ideográfica e análise nomotética. A primeira consiste na análise da ideologia que permeia as descrições ingênuas do sujeito. A segunda é a busca da estrutura final do fenômeno, que é resultante da compreensão das convergências, das divergências e individualidades.18 Os momentos dessa análise incluem a busca do sentido do todo, a determinação das unidades de significado, a construção de categorias de pensamento e o entendimento da articulação existente entre estas22.

Embora estes procedimentos sejam habitualmente empregados em discursos obtidos em entrevistas realizadas pelo pesquisador com quem vivência o fenômeno estudado, o que aqui se pretendeu foi um pouco diferente. Considerando-se que o plano de curso é uma forma de comunicação do professor ao aluno a respeito dos significados e valores que o primeiro atribui ao fenômeno ensinoaprendizagem de sua disciplina, pôde-se assumir que o discurso ali escrito era esclarecedor a esse respeito.

Assim, se procedeu à análise do conteúdo expresso nos itens objetivos e conteúdo programático, selecionados dos planos de curso, em busca do entendimento da evolução da disciplina de Administração Aplicada à Enfermagem ao longo do período estudado, considerando que cada plano era o discurso dos professores que o formularam e, portanto, a expressão da compreensão que tinham do fenômeno à época em que o descreveram.

Para tanto os quinze conjuntos de objetivos bem como os quinze de conteúdo programático foram analisados separadamente em busca das unidades de significado. Após a análise isolada de cada um dos trinta conjuntos, foram identificadas as convergências, divergências e especificidades dessas unidades, a fim de que se pudesse organizá-las em categorias de pensamento. Várias leituras dos planos de curso e das análises ideográficas elaboradas foram feitas e, destesprocedimentos, se obteve a compreensão do fenômeno com a busca da articulação existente entre as categorias encontradas.

Esta análise compreendeu, na primeira etapa, a divisão do texto de cada item em seqüências discursivas autônomas, isto é, separação de partes do discurso que guardassem um significado completo. Esse procedimento de segmentação se efetuou segundo critérios lingüísticos tais como: os nomes utilizados para designação do sujeito, a presença de um verbo, a de um advérbio que modifica um objetivo, verbo ou frase, ou uma preposição que fosse ligada à regência de um verbo ou que introduzisse um complemento adverbial de circunstância. Feita a separação dessas seqüências, se procedeu à identificação de relações binárias existentes entre elas, ou seja, buscou-se a repetição de significados por meio da comparação entre as seqüências discursivas autônomas encontradas e, ao selecioná-las, também se relacionou os significados que se contrapunham aos primeiros achados e os que não se enquadravam nessa relação. Dessa forma se obteve as unidades de significado22.

A seguir, sob cada uma dessas unidades de significado as seqüências discursivas foram reagrupadas e, por meio da análise da temática de cada agrupamento, foram construídas as précategorias de pensamento. Repetido o mesmo procedimento para cada item, até o esgotamento de todos itens de discurso, obteve-se uma relação de pré-categorias de pensamento. Essas pré-categorias foram então analisadas segundo os mesmos critérios, ou seja, a busca de semelhanças, contraposições e outras diferenças, a fim de que fossem construídas as categorias de pensamento22.

Finalmente da análise dessas categorias e do entendimento da articulação existente entre elas surgiu a compreensão global do fenômeno - a análise nomotética, que é, como o próprio vocábulo significa, "a elaboração de leis que se origina dos fatos ou neles se baseia"17.

O revelado nessa análise foi comparado com a literatura existente a respeito a fim de que o objetivo fosse atingido.

3 ANÁLISE DOS DADOS

A leitura dos programas de curso do período analisado revelou que duas modificações foram efetuadas na redação do item objetivos - em 1985 e em 1989, e uma no item conteúdo programático - em 1989. Isto equivale a dizer que nos períodos de 1980 a 1984, de 1985 a 1988 e de 1989 a 1995 cada texto que indicava os objetivos da disciplina permaneceu exatamente o mesmo. Também de 1980 a 1989, o texto que descrevia o conteúdo programático da disciplina permaneceu inalterado. Dessa maneira foi possível reconhecer cinco Itens de análise, como se verá a seguir.

O texto do item objetivos expressava comportamentos finais a serem exibidos pelo aluno. Já o texto do item conteúdo foi redigido sem o emprego de verbos, mencionando apenas os temas elencados para discussão com os alunos. A ausência dessa estrutura gramatical dificultou a percepção da intencionalidade dos sujeitos que redigiram o item conteúdo, embora não tenha inviabilizado sua análise.

Os produtos da análise ideográfica desses textos foram identificados com o intervalo de tempo a que pertencem. Seu processamento obedeceu ao planejado e, como se pode observar na Figura 1, os excertos do texto, selecionados segundo os critérios já descritos, foram colocados à esquerda e a nominação das unidades de significado à direita no espaço correspondente. Antecedendo a apresentação da análise nomotética está o demonstrativo de convergências (Figura 2). Este exibe todo o conjunto de unidades de significado à esquerda e a freqüência com que foram encontradas nos itens analisados, devidamente identificados, no espaço correspondente à direita. Já o produto da análise nomotética apresenta as unidades de significado agrupadas à esquerda e a categoria de pensamento no espaço correspondente à direita, como se pode ver no exemplo a seguir (Figura 3).




4 ACHADOS E REVELAÇÕES

A análise efetuada resultou na construção de seis categorias, a saber: Gerenciar em Enfermagem, Bases Ideológicas e Políticas do Gerenciar em Enfermagem, Comunicação como Instrumento para Gerenciar em Enfermagem, Gerenciamento de Recursos Físicos, Gerenciamento de Recursos Materiais e Gerenciamento de Recursos Humanos, como se comentará a seguir.

Gerenciar em Enfermagem. O processo gerenciar em enfermagem aparece na descrição do conteúdo programático da disciplina a partir de 1989, exatamente com esses vocábulos. Desde 1980, porém, os objetivos da disciplina já indicavam as etapas planejar, executar e avaliar como ações desejáveis. Essas ações eram integradas ainda pela preocupação em controlar a assistência, completando a perspectiva de processo. Tal preocupação, no entanto, deixa de existir a partir de 1989, o que pode indicar uma desvalorização do controle em favor de uma ênfase maior em outras etapas do processo.

Embora não selecionadas como unidade de significado, as declarações sobre o locus onde se propõe experienciar o processo gerenciar em enfermagem aparece com as variações "unidade de internação" e "unidade de internação e ambulatório". Também a definição do receptor do cuidado variade "pacientes" para "clientes e familiares". Essas indicações podem esconder alguma intencionalidade. Porém, como o que se pretende ensinar sobre o processo gerenciar em enfermagem fica oculto nessa expressão, será preciso observar os desdobramento futuros da evolução da disciplina para dar prosseguimento à análise.

CIAMPONE; LEITE; GAIDZINSKI8 descrevem os esforços desenvolvidos para a reestruturação da disciplina a partir da ampliação da carga horária de 345 para 540 horas, ocorrida na década de 80. Com a participação dos alunos e enfermeiros dos campos de prática, uma redefinição do marco conceitual da disciplina acabou sendo delineada, na qual a percepção da inserção da prática gerencial de enfermagem passou a incluir o meio sócio-político e econômico onde se desenvolve a assistência à saúde. Nessa perspectiva, a ação gerencial ganhou a conotação de processo e assim pôde ser explorada a partir da mudança do programa da disciplina ocorrida em 1989. A menção ao processo gerenciar, no entanto, é pontual e dela não se depreende as construções de agentes, objeto, instrumentos e finalidades que o constituem. Assim, o aparecimento do processo gerenciar no texto do conteúdo e objetivos é apenas indicativo de que mudança na direção do pensar a prática de forma dinâmica e contextualizada estava em curso mas não se efetivara completamente.

GOMES11, em seu estudo sobre a gênese do conhecimento de Administração em Enfermagem, explica que sua prática precisa ser entendida como parte do processo de trabalho que contém as relações sociais concretas onde ela se insere e não encarada como "prática que vai se reproduzindo isoladamente e auto-determinando-se ora a cuidar, ora a administrar". O esforço para contemplar esse aspecto é evidenciado quando se encontra as unidades de significado planejar, executar e avaliar a assistência nos objetivos dos programas da disciplina em todo o período estudado. No entanto, não se percebe a articulação entre essas proposições e a intenção de provocar uma reflexão critica sobre a organização do trabalho em saúde. O resultado é que, mesmo após 1989, ocorre a fragmentação do conteúdo em compartimentos estanques, sem um eixo norteador que permita percorrer com coerência o panorama do que se pretendia ensinar. Esta aparente inexistência de uma declaração das bases ideológicas a partir das quais o processo gerenciar em enfermagem é definido também se faz sentir em outros momentos do discurso analisado.

Bases Ideológicas e Políticas do Gerenciar em Enfermagem. O comportamento de analisar criticamente é incorporado ao elenco dos objetivos da disciplina a partir de 1989, bem como os temas filosofia e objetivos do Serviço de Enfermagem ao conteúdo programático. Tais inclusões podem ser interpretadas como a confissão de que um posicionamento a respeito das crenças, valores e relações de poder são desejáveis e de que sua compreensão e critica integram o conjunto de habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos. Esta mudança de rumos se estende a outros aspectos abordados no conteúdo programático da disciplina como o estudo das estruturas organizacionais.

Em contraposição à exclusiva valorização do estudo da estrutura administrativa do Serviço de Enfermagem até 1988, a opção de 1989 em diante insinua a mudança de enfoque e ampliação do ângulo de abrangência das bases ideológicas e políticas para gerenciar em Enfermagem. Ora aparecendo como item contemplado na apresentação do conteúdo programático, ora como ação desejada de adequação da estrutura administrativa do Serviço de Enfermagem à estrutura da instituição de saúde, a preocupação com este tópico revela que a ênfase na discussão sobre a expressão estática das estruturas de poder consolidadas foi sendo substituída pelo aprofundamento no conhecimento das posições do Serviço de Enfermagem a esse respeito.

A esse propósito é oportuno comentar que, embora os objetivos da disciplina tenham sido redefinidos em 1985 e 1989, a descrição do conteúdo programático permaneceu a mesma no período de 1980 a 1989. Esta constatação não encaminha conclusões mas permite inferir que os valores definidos pelos organizadores da disciplina são atribuídos primeiramente às expectativas do comportamento a ser exibido pelo aluno e, posteriormente, incorporados aos conteúdos que o corpo docente propunha para discussão. Este achado se torna bastante curioso, uma vez que lógico seria esperar o contrário. O que explicaria a projeção do futuro modificado no aluno antes de se tornar uma realidade para o professor? Seria a conseqüência da desvalorização pela qual a ação gerencial de enfermagem passou nos anos 80?

ERDMANN et al.9 fazem interessante comparação entre a importância atribuída à filosofia de enfermagem na escola e nos serviços de saúde. Na tentativa de posicionar a ação gerencial do enfermeiro em igualdade de condições com a ação cuidativa, as autoras chamam à atenção para a necessidade de definições e compromissos com o "deve ser" do enfermeiro, que começam na graduação mas se efetivam no trabalho. Elas afirmam: "temos observado em nossa prática, que a grande maioria das escolas de enfermagem, senão sua quase totalidade, não tem sequer explicitado a filosofia de seu curso". E vaticinam: "Um curso de enfermagem que não busca alterar a sociedade, o confronto com as contradições profissionais da área de saúde e da sociedade, certamente, estará formando profissionais descompromissados com as mudanças que são necessárias". O que essas autoras explicam faz pensar que, na disciplina Administração Aplicada à Enfermagem ministrada na EEUSP no período estudado, a introdução do conteúdo denominado filosofia e objetivos do Serviço de Enfermagem provavelmente guardava a mesma intencionalidade - ampliar o horizonte da discussão sobre as bases ideológicas e políticas para gerenciar em Enfermagem e evoluir para um comprometimento dos corpos docente e discente com profundas mudanças no pensar e agir.

Também é sintoma dessa reorientação a abordagem das Teorias de Administração que, a partir de 1989, passam a ser "lidas" em função da problemática de Enfermagem e não o contrário. A concretização da mudança, entretanto, não vai além. O elenco de teorias ensinadas, sua ordem de apresentação e o ângulo de discussão adotado pela disciplina não transparecem nos textos dos objetivos e conteúdo programático. Tampouco é explicitada sua relação com a assistência de enfermagem à qual aparece enigmaticamente vinculada.

GOMES11 alerta para o caráter normativo e prescritivo dos conteúdos privilegiados nas disciplinas de administração em enfermagem, apontando o caráter de formalismo e simplificação da realidade, como fator impeditivo para a percepção da instituição onde se dá a assistência de enfermagem como um instrumento de trabalho com finalidade social e histórica. Nesse aspecto dá especial ênfase ao enfoque atribuído às Teorias de Administração. Condena, ainda, a visão hospitalocêntrica assumida por essas disciplinas e a exagerada valorização da Administração Geral em detrimento do desenvolvimento de um "corpo de conhecimentos de administração reelaborado pela enfermagem e mais específico e circunscrito para subsidiar sua prática".

HENRY; ARNDT; DI VICENTI13 alertam para a necessidade de se rever as bases teóricas do ensino de Administração em Enfermagem, buscando a aproximação com as Teorias de Enfermagem. Propõem que os mesmos princípios observados no cuidado do cliente sejam empregados no gerenciamento de recursos humanos, indicando este como uma das múltiplas possibilidades e vantagens dessa associação. E difícil vislumbrar como isso se daria na prática mas parece ser um caminho para a conciliação entre a ciência de Enfermagem e a ciência de Administração, com vistas à harmonização entre o ensino dos processos cuidar e gerenciar.

A Comunicação como Instrumento para Gerenciar. Interesses variados cercam este item de conteúdo programático e objetivos, embora por vezes ele chegue a desaparecer do elenco de preocupações da disciplina como comportamentos finais a serem exibidos pelos alunos. A perspectiva na qual ele é abordado também varia. No início sua menção é feita como instrumento, em seguida o foco se desloca para os meios de comunicação, retornando mais tarde como sistema de informação.

CIAMPONE et al.7 ao explicarem como a disciplina estava sendo desenvolvida, não revelaram o que significava a variação na forma como este item de conteúdo apareceu nos programas até aquela data. Dos trabalhos de KURCGANT et al4,15 publicados em 1994, é possível inferir que este era um dos pontos vulneráveis da mudança que estava em curso. No estudo citado, publicado em duas etapas, as pesquisadoras descobriram que, de inicio "os alunos consideravam a administração aplicada à enfermagem como exercício da burocracia, associado à ineficiência administrativa".

Esta visão caricata da enfermeira, presa ao desempenho de um papel rígido, voltada ao cumprimento de regras e tendo hipertrofiada a função de controle é um dos principais "inimigos" dos professores de Administração. Não que sua construção esteja distante de fatos reais - os trabalhos desenvolvidos por TREVIZAN25, dentre os quais a publicação de 1988 é um clássico, infelizmente atestam que há um fundo de verdade nessa impressão. O problema está em limitar as possibilidades do desenvolvimento do gerenciamento em enfermagem a essa única vertente. O desafio de desconstruir essa imagem é uma das mais árduas tarefas para o docente de Administração em Enfermagem. Como o sistema de informação em saúde e a prática gerencial hospitalar abusa do uso de instrumentos escritos e o termo burocracia, no meio leigo, é associado ao manejo de impressos, o ensino desse conteúdo se torna um ponto nevrálgico para os atores do processo ensino-aprendizagem.

Recuperar os conteúdos de comunicação ensinados em outras disciplinas, justificar a necessidade e a essencialidade de seu manejo para o bom gerenciamento da assistência de enfermagem e analisar criticamente o uso desses recursos no passado e no presente dos Serviços de Enfermagem, ampliando a visão do aluno sobre o tema, é a missão que o enfoque no processo gerenciar atribui ao professor. Desempenhá-la a contento requer alertar o aluno para as oportunidades de aprendizagem que as situações vivenciadas na prática apresentam para que este identifique a problemática, analise-a sob o prisma da teoria estudada e se posicione a esse respeito. Talvez isso quisessem dizer os objetivos da disciplina instituídos de 1980 a 1988. Não se explica, entretanto, o seu desaparecimento de 1989 em diante.

Gerenciamento de Recursos Físicos. Atenção menor é destinada a este item, que deixa de integrar os objetivos e o conteúdo programático a partir de 1989. Nos dois momentos em que é mencionado, o gerenciamento de recursos físicos aparece sem detalhamento, evidenciando-se, num deles, a orientação para as atividades de enfermagem.

A responsabilidade da enfermeira com a gerência desse tipo de recurso vem sendo limitada com o concurso de novos profissionais e a adoção de novos modelos gerenciais. Permanece no entanto o disposto na Lei do Exercício Profissional de 1986, que atribui ao enfermeiro, entre outras funções, a de opinar sobre a construção e reforma de ambientes hospitalares.

Raízes históricas explicam esse papel na "governança" do estabelecimento destinado ao cuidado do doente. A organização do espaço terapêutico do doente no modelo nightingaleno é reconhecida por GOMES11 como um dos marcos do comprometimento da enfermagem com o gerenciamento dos recursos físicos. Sua evolução acompanhou o progresso de ciências como a Microbiologia e a Epidemiologia, além da própria Arquitetura mas manteve reservado à enfermeira, o papel de manutenção da ordem e das condições de funcionamento dessas instalações.

ANTUNES3 em seu estudo de 1989 reconhece a existência desse conteúdo nos programas das disciplinas de Administração em Enfermagem de onze escolas públicas brasileiras, ressaltando que sua freqüência, em relação aos demais itens, é baixa quando observado o conjunto de temas sobre Administração Hospitalar. O ensino deste conteúdo tem se prendido, principalmente, à apresentação de regras e normas do Ministério da Saúde a respeito e à assunção de um papel fiscalizador de seu cumprimento pelo enfermeiro. Nada disso porém transparece na análise dos textos estudados, evidenciando-se apenas a proposição de adequação do recurso físico às atividades de enfermagem.

Experiências gerenciais como o "administrador de área", profissional de formação divergente da Enfermagem, que é introduzido no ambiente hospitalar para se ocupar, entre outras atividades, da manutenção do espaço físico, tem provocado grandes mudanças na participação do enfermeiro nas decisões a esse respeito. Este fato, somado ao movimento pela reorientação da ação do enfermeiro para as questões mais próximas da assistência, faz com que a definição de um novo papel deste profissional no gerenciamento de recursos físicos venha a se estabelecer. Como esta mudança ainda está em curso é difícil prever se o abandono do ensino deste conteúdo na disciplina da escola estudada é definitivo.

Gerenciamento de Recursos Materiais. Ao contrário dos recursos físicos, o gerenciamento de recursos materiais aparece com freqüência e em múltiplas facetas ao longo do período estudado. As ações de prever, prover, controlar e utilizar esses recursos são mencionadas tanto nos objetivos como no conteúdo da disciplina durante todo o período investigado. Apesar disso, sua abordagem não parece mudar nos quinze anos em que é citado, o que lhe confere um estranho caráter de neutralidade.

Reconhecida como uma das funções do enfermeiro pelos alunos do estudo de LEITE16, esta não parece despertar a censura dos futuros enfermeiros tanto quanto o fazem os instrumentos de informação nos estudos de KURCGANT et al14, 15. Talvez o reconhecimento da importância da tecnologia para a assistência de enfermagem explique a valorização desse conteúdo para os docentes e discentes. E relevante salientar porém, que o papel de provedor de recursos materiais para outros agentes de saúde, além da equipe deenfermagem, não é destacado nessa oportunidade.

A disciplinarização do trabalho da Enfermagem se deu a partir da instrumentalização dessa prática e da organização de um elenco de procedimentos normatizados em seus mínimos detalhes, incluindo a seleção e utilização de recursos materiais. A evolução da indústria de artefatos e equipamentos para a assistência à saúde só fez aumentar o volume de preocupações do enfermeiro a esse respeito e acrescentou ênfase à sua participação no gerenciamento desses recursos. Por outro lado, a este envolvimento também é atribuído por TREVIZAN25, o distanciamento do enfermeiro da assistência de enfermagem. Os programas da disciplina não deixam claro a posição adotada frente a esses argumentos.

A dicotomia estabelecida por esta conjunção de fatores, parece ter acabado por causar uma relação ambígua do docente da escola em foco com este item de conteúdo pois, se é fato que o estudo detalhado das ações que envolvem o processo gerenciar recursos materiais é referendado nos itens de discurso analisados, também o enfoque na análise crítica da adequação desses recursos à assistência de enfermagem está presente nos programas da disciplina de 1989 em diante. Não são explicados, no entanto, os parâmetros ou os referenciais para esta análise, o que sugere uma intenção não concretizada e. portanto, uma atitude de aceitação tácita de gerenciador desses recursos.

CIAMPONE; LEITE; GAIDZINSKI8 comentando comunicação efetuada por GAIDZINSKI, esclarecem que a função administrativa tem dois significados para egressos do curso de graduação da EEUSP: um que tem "como objetivo o controle, a manutenção e a ordem dos recursos da unidade e outro relacionado à administração do cuidado de enfermagem", sendo este último aquele que a enfermeira gostaria de exercer com exclusividade. Esta preferência é indicativa de que a valorização do gerenciar a assistência de enfermagem se dá a partir da desvalorização do gerenciar recursos para outros processos de trabalho que não os desenvolvidos exclusivamente pela equipe de enfermagem. A pergunta que se faz é: são processos mutuamente excludentes? O texto dos objetivos e conteúdo da disciplina de 1980 a 1995 também não lida com essa questão.

Gerenciamento de Recursos Humanos. Seguramente a maior parte da atenção dos docentes que lecionaram a disciplina no período estudado se concentrou neste aspecto. É bem verdade que o interesse e a importância cresceram ao longo dos anos, ao ponto de merecer redação exclusiva de objetivo e conteúdo programático a partir de 1985. Antes desta data, recursos humanos e recursos materiais eram citados no mesmo objetivo no qual as ações de previsão, provisão e controle apareciam igualmente indicadas. As ações de supervisão, orientação, educação e avaliação também são citadas regularmente nos objetivos, mas é no conteúdo programático, definido apartir de 1989, que a valorização dos recursos humanos se torna mais explícita. Embora a partir desta data outros itens de conteúdo passem a ser melhor detalhados, é neste que se concentra a ênfase da disciplina.

Os comportamentos de prever, prover, controlar, supervisionar, orientar, educar e avaliar recursos humanos de enfermagem vão sendo explicitados no decorrer do desenvolvimento da disciplina, passando de administração de pessoal de enfermagem no conteúdo de 1980 a 1985, a recursos humanos e a prática da enfermagem após 1989. É também a partir desta época que a preocupação com o relacionamento intergrupal passa a integrar o elenco de temas da disciplina. A indicação é pouco precisa e não se consegue identificar qual é a abordagem praticada e a que dimensão de grupo os docentes se referem. Supõe-se que a discussão desse tópico tivesse como objetivo a dinâmica das relações humanas na equipe de enfermagem. No entanto, parece prudente acompanhar o desenvolvimento da disciplina nos próximos anos para que esta impressão se confirme.

Não se pode negar que o gerenciamento de recursos humanos exige maior dedicação do enfermei ro que os demais recursos. Sua complexidade, abrangência e essencialidade para a administração da assistência de enfermagem são amplamente reconhecidos e, nas bases ideológicas explicitadas nos programas da disciplina a partir de 1989, essa valorização cresce de intensidade. Ocorre que ainda prevalece um certo foco no enfermeiro como agente desse sistema, numa leitura que importa, da ciência da Administração, a interpretação dos momentos em que se deve dar a intervenção daquele ator. Explicando melhor: a despeito de, a partir de 1989, se construir um novo elenco de valores para a disciplina, no qual o paradigma emergente é o entendimento de que a participação é o caminho para o gerenciamento de recursos humanos, os textos analisados acabam demonstrando que o enfermeiro é o único agentereconhecido como tal neste processo.

Esta contradição demonstra a fragilidade da proposta. Por um lado se deseja romper com o modelo burocrático, afastado do cliente e "domesticado para controlar", como define ANTUNES3. Por outro se busca a visão abrangente, comprometida com a crítica social e engajada numa ação transformadora, como proposta por GOMES11. Os objetivos da disciplina, porém, indicam que o privilégio continua com o enfermeiro, em detrimento dos outros "atores da Enfermagem".

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

CIAMPONE; LEITE; GAIDZINSKI8 descrevem os caminhos trilhados pela disciplina a partir da implantação do novo currículo e, dessa apresentação, é possível depreender-se que esforços estão sendo envidados no sentido de prosseguir nessa conquista. A EEUSP já havia iniciado a implantação de sua reestruturação curricular, depois modificada para atender às exigências do currículo mínimo de Graduação em Enfermagem aprovado pelo MEC em 1994, quando o presente trabalho se iniciou. Na nova proposta o conteúdo da disciplina citada foi redesenhado e os objetivos redefinidos em quatro disciplinas ministradas ao longo do curso e não mais no último ano da graduação.

A esse propósito é interessante considerar o inventário feito por HAYNOR12 sobre os pontos fortes, fraquezas e oportunidades de desenvolvimento da função gerencial do enfermeiro no próximo século, para cujo enfrentamento prescreve um currículo mais eclético, no qual a transdisciplinaridade esteja presente e a abordagem centrada no paciente expanda as possibilidades de apreensão dos processos gerenciar e cuidar em enfermagem. Essa parece ser a opção escolhida pela EEUSP, que é endossada pelas disciplinas de Administração em Enfermagem relacionadas.Porém, para que esta ampliação possa ocorrer, será preciso dimensionar adequadamente o peso que os conteúdos que tradicionalmente vem sendo ensinados devem ter, a fim de que se crie espaço para o novo.

Por enquanto, diante dos achados ora apresentados, é possível afirmar que o caminho percorrido pela disciplina Administração Aplicada à Enfermagem teve, nesses quinze anos, dois momentos marcantes - um no fim da década de 80, com a reformulação das bases ideológicas nas quais esta se assentava, e outro no fim do primeiro lustro da década de 90, com a reorganização curricular. O estudo dessas transformações pode contribuir para a superação das contradições apontadas até o momento e ajudar a consolidar as posições enunciadas, trazendo benefícios para os alunos e professores das disciplinas de Administração em Enfermagem. É precisamente neste sentido que o trabalho realizado pretendeu contribuir, propiciando a reflexão sobre a trajetória evolutiva da disciplina, que certamente apontará para as possibilidades de seu desenvolvimento nos próximos anos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 1999
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