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A reprodução assistida em Cuba: traços de uma biopolítica racial

Assisted reproduction in Cuba: traces of a racial biopolitics

La reproducción asistida en Cuba: rastros de una biopolítica racial

Resumo:

A fertilização in vitro por ovodoação é uma das tecnologias reprodutivas empregadas em Cuba. Mesmo que as biotecnologias reprodutivas forneçam possibilidades para confrontar a ordem simbólica que assume a raça como um elemento central da matriz de inteligibilidade do parentesco, no caso da ovodoação, os esforços do Estado cubano se concentram na vigilância das marcas fenotípicas como condição para a troca de material reprodutivo entre doadoras e receptoras de óvulos. A análise que desenvolvemos busca caracterizar essa biopolítica racial do parentesco, seus pressupostos racistas, os quais delimitam um âmbito de abjeção reprodutiva em função das misturas fenotípicas envolvidas, e as possibilidades abertas para a sua subversão. A dimensão crítica que propomos busca contribuir com os debates antirracistas na sociedade cubana atual.

Palavras-chave:
doação de óvulos; biopolítica; raça; parentesco

Abstract:

In vitro fertilization by ovule donation is one of the reproductive technologies used in Cuba. Although reproductive biotechnologies offer possibilities to confront the symbolic order that assumes race as a central element of the kinship intelligibility matrix, in the case of ovule donation, the efforts of the Cuban State are focused on the surveillance of phenotypic marks as a condition for the exchange of reproductive material between ovules donors and receivers. The analysis that we have developed seeks to characterize this racial biopolitics of kinship, its racist presuppositions, which delimit an area of reproductive abjection due to the phenotypic mixtures involved, and the possibilities open to its subversion. The critical dimension that we propose seeks to contribute to anti-racist debates in current cuban society.

Keywords:
Ovule donation; Biopolitics; Race; Kinship

Resumen:

La fertilización in vitro por ovodonación es una de las tecnologías reproductivas utilizadas en Cuba. Si bien las biotecnologías reproductivas brindan posibilidades para confrontar el orden simbólico que asume la raza como elemento central de la matriz de inteligibilidad del parentesco, en el caso de la donación de óvulos, los esfuerzos del Estado cubano se centran en la vigilancia de las marcas fenotípicas como condición para la el intercambio de material reproductivo entre donantes y receptoras de óvulos. El análisis que hemos desarrollado busca caracterizar esta biopolítica racial del parentesco, sus presupuestos racistas, que delimitan un ámbito de abyección reproductiva por las mezclas fenotípicas involucradas, y las posibilidades abiertas a su subversión. La dimensión crítica que proponemos busca contribuir con los debates antirracistas en la sociedad cubana actual.

Palabras clave:
donación de óvulos; biopolítica; raza; parentesco

Introdução

Desde a década de 60 existem consultas de infertilidade em Cuba. Na época, não se contava com estatísticas que permitissem uma análise científica do problema, nem tinham sido criados protocolos específicos neste campo. Essa situação mudou entre os anos 80 e 90, período em que os serviços nesta área foram ampliados, incluindo atenção primária, secundária e terciária, formação de especialistas e criação de novos programas. Em decorrência desse percurso, em 2007 se aprovou o Programa Nacional de Atención a la Pareja Infértil, com protocolos assistenciais e de atuação das equipes multidisciplinares (CUBA, 2012CUBA. Ministerio de Salud Pública - MINSAP. Programa Nacional de Atención a la Pareja Infértil. La Habana: Minsap, 2012.).

No presente trabalho, discutiremos especificamente questões concernentes à reprodução assistida por ovodoação, tecnologia reprodutiva disponibilizada dentro do Programa Nacional de Atención a la Pareja Infértil. Para tal, analisamos o seu documento normativo (CUBA, 2012) em conjunto com uma das publicações cubanas mais recentes sobre o tema, intitulada “Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos”, de autoria de Roberto Fumero (2021FUMERO, Roberto Tomás Álvarez. Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos. La Habana: Editorial de Ciencias Médicas, 2021.), a qual contém atualizações dos protocolos e procedimentos a serem seguidos pelas equipes multidisciplinares que trabalham nestes serviços.

Vale mencionar que o texto “Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos” (FUMERO, 2021FUMERO, Roberto Tomás Álvarez. Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos. La Habana: Editorial de Ciencias Médicas, 2021.), publicado em Cuba em formato de livro, constitui um instrumento orientador das práticas em saúde reprodutiva sob o amparo do Ministério de Saúde Pública. Neste sentido, ele atualizou algumas diretrizes contidas no Programa Nacional de Atención a la Pareja Infértil, tais como a abordagem feita no capítulo sobre os efeitos da vacina contra a Covid-19 em pessoas em tratamento da infertilidade. Contudo, concernente aos protocolos, é possível notar que não existem grandes mudanças entre o documento normativo de 2012 e este último documento regulador da reprodução assistida lançado no país em 2021. Por outro lado, os protocolos específicos sobre a reprodução assistida por ovodoação em Cuba são contemplados no Documento “Propuesta de Metodología para la Introducción de la Técnica de Reproducción Asistida por Ovodonación en Cuba1 1 Os referidos documentos “Programa Nacional de Atención a la Pareja Infértil” e “Propuesta de Metodología para la Introducción de la Técnica de Reproducción Asistida por Ovodonación en Cuba” não existem em formato digital, apenas em formato impresso. Ambos os documentos foram objeto de análise no contexto da pesquisa de campo realizada em Cuba por parte de uma das autoras deste artigo, na ocasião da realização da pesquisa de doutorado que, como mencionado no início deste artigo, serve como base para as reflexões aqui desenvolvidas. (CUBA, 2013CUBA. Ministerio de Salud Pública - MINSAP. Propuesta de Metodología para la Introducción de la Técnica de Reproducción Asistida por Ovodonación en Cuba. La Habana: Minsap, 2013.).

Além disso, outras atualizações em torno da reprodução assistida no país aconteceram enquanto estávamos finalizando este artigo. Com a aprovação do Novo Código das Famílias em Cuba (CUBA, 2022CUBA. Constitución. Ley 156/2022 Código de Las Familias. Cuba: Gaceta Oficial de La República de Cuba, 2022a. Disponível em Disponível em https://www.parlamentocubano.gob.cu/sites/default/files/documento/2022-09/goc-2022-o99.pdf . Acesso em 01/10/2022.
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a), entrou em vigor a Resolução n.º 1151/2022 do Ministério da Saúde Pública (MINSAP) (CUBA, 2022b), que estabelece a Regulamentação da Reprodução Assistida em Seres Humanos. Neste novo cenário, garante-se acesso às técnicas de reprodução assistida a todas as pessoas que manifestarem a sua vontade e necessitarem fazer uso dessas tecnologias, não estando mais restrito a casais heterossexuais, como explicitamente pautado nos documentos normativos precedentes e vigentes até 2021.

Com a Resolução n.º 1151/2022, estabelecem-se como requisitos fundamentais para o acesso às técnicas de reprodução assistida: ter completado 20 anos de idade e ter até 45 anos, para as mulheres, e 55 anos, para os homens; ter o consentimento livre, informado e expresso das pessoas envolvidas; avaliar de forma fundamentada e científica pela equipe multidisciplinar as possibilidades de sucesso da aplicação das técnicas, e o risco à saúde das pessoas envolvidas e dos possíveis descendentes (CUBA, 2022CUBA. Ley nº 1151/2022. Resolución 1151/2022 Reglamento de La Reproducción Asistida En Seres Humanos. Cuba, 2022b. Disponível em Disponível em https://salud.msp.gob.cu/GACETAS/goc-2022-ex67.pdf . Acesso em 28/10/2022.
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b). Atualmente, existe uma rede de serviços que inclui 168 consultas de infertilidade em cada município, 15 centros provinciais de reprodução assistida e 6 centros territoriais2 2 Conforme se informa nos documentos consultados, os centros territoriais encontram-se localizados em Cienfuegos, Camagüey, Holguín, Santiago de Cuba e dois em Havana. de alta tecnologia com criopreservação de óvulos, embriões e sêmen. Estes serviços são disponibilizados de forma gratuita pelo Sistema Nacional de Saúde pública cubano (CUBA, 2012; FUMERO, 2021FUMERO, Roberto Tomás Álvarez. Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos. La Habana: Editorial de Ciencias Médicas, 2021.).

Uma análise da nova Resolução 1151/2022 do Ministério da Saúde Pública escapa aos propósitos deste artigo. Neste trabalho, concentramo-nos na dimensão racial da reprodução assistida, a partir de regulamentações do Programa Nacional de Atención a la Pareja Infértil, terreno no qual se inseriu esta última resolução. Vale mencionar que na Resolução n.º 1151/2022 não se menciona nada acerca da administração fenotípica de gametas por parte das equipes, o que não significa que a dimensão racial tenha desaparecido das regulações estatais reprodutivas. Nesse sentido, este trabalho abre espaço para futuras investigações que acompanhem os desdobramentos da administração fenotípica dos gametas.

Tendo em conta esse cenário, este trabalho soma-se às disputas abertas em torno do lugar que ocupam os projetos reprodutivos nas políticas emancipatórias da saúde. Na análise empreendida, relacionamos enunciados e regulações expostas nos documentos formais da política, com coordenadas conceituais sobre biopolítica, raça e chaves analíticas das epistemologias latino-americanas e caribenhas que nos possibilitam expor a constituição histórica das dimensões coloniais dessa gestão reprodutiva.

Este texto toma como antecedente dados empíricos coletados no contexto da pesquisa de doutoramento sobre políticas reprodutivas em Cuba (Yarlenis Ileinis MALFRÁN, 2021MALFRÁN, Yarlenis Ileinis Mestre. Políticas públicas de salud trans-específica y de reproducción asistida en Cuba: un análisis feminista interseccional. 2021. Doutorado (Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.). Em grande medida, conforme constatado nesta pesquisa, as políticas públicas reprodutivas, localizadas no contexto pós-revolução e enquadradas em discursos que pretendem garantir igualdade de acesso aos serviços públicos, são fortemente impactadas pela inércia histórica que a cis-heteronormatividade tem na hora de organizar a inteligibilidade social das relações de parentesco.

Precisamente, um dos campos cruciais na crítica da relação do Estado com os saberes da Medicina é o que Pablo Pérez Navarro (2018PÉREZ NAVARRO, Pablo. “Géneros, sexualidades y biopolíticas del orden público”. In: OBANDO, Santiago Gómez; TORRES, Catherine Moore; RUIZ, Leopoldo Múnera (Eds.). Los saberes múltiples y las ciencias sociales políticas. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2018. p. 193-220.), em diálogo com Michel Foucault (2000FOUCAULT, Michel. Defender la sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2000.), designa como biopolíticas reprodutivas. Não à toa, uma das peças centrais dessa engrenagem é a retórica da defesa da família, da infância e da sociedade, sempre imaginadas dentro de uma lógica conservadora do gênero, que garante a impunidade das manobras do poder biomédico para conceder e negar direitos reprodutivos seletivamente. Ao mobilizar o pânico moral reprodutivo que supostamente indicaria a existência de ameaças à família heterossexual e monogâmica, legitimam-se exílios reprodutivos dos corpos dissidentes da normatividade cisheterossexual (PÉREZ NAVARRO, 2019PÉREZ NAVARRO, Pablo. “¿Es la reproducción siempre ya heterosexual?”. Encrucijadas Revista Crítica de Ciencias Sociales, España, v. 17, n. 1, p. 1-22, 2019. Disponível em Disponível em https://recyt.fecyt.es/index.php/encrucijadas/article/view/79179 . Acesso em 02/02/2022.
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).

Recursos biotecnológicos, como a fertilização in vitro, possibilitam formas específicas de rompimento dos imaginários tradicionais sobre parentalidade e parentesco e, nesse sentido, nos aproximam ao plano das democracias corporais, de gênero e reprodutivas. Assim o tem considerado uma longa tradição feminista cuja genealogia inclui autoras como Emma Goldman (1911GOLDMAN, Emma. Anarchism and Other Essays. New York & London: Mother Earth Publishing Association, 1911.), quem já defendia o direito de a medicina experimentar com contraceptivos para “levar ao mundo um novo tipo de maternidade”, e Simone de Beauvoir (1949BEAUVOIR, Simone de. Le Deuxième sexe. París: Gallimard, 1949.), que em O segundo sexo manifestava a sua confiança nas tecnologias reprodutivas, incluindo a inseminação artificial, como instrumento para atingir a libertação da “escravidão da reprodução”. Na mesma linha, pensadoras utópicas como Shulamith Firestone (1979FIRESTONE, Shulamith. The Dialectic of Sex. Londres: The Women’s Press, 1979.) ou, mais recentemente, e influída tanto por ela como por Donna Haraway (2019HARAWAY, Donna J. Seguir con el problema: generar parentesco en el chthuluceno. Traduzido por Helen Torres. Bilbao: Edición Consoni, 2019.), Sophie Lewis (2019LEWIS, Sophie. Full Surrogacy Now: feminism against family. London: Verso, 2019.), enxergam as tecnologias reprodutivas como porta para a superação das hierarquias de opressão próprias da família tradicional burguesa.

A partir destas coordenadas conceituais, compreendem-se as possibilidades de emancipação que oferecem as biotecnologias, pois elas ampliam as possibilidades de autodeterminação inscritas na nossa relação com múltiplos processos corporais. Especialmente, claro está, quando o acesso às mesmas faz parte de um compromisso com os serviços públicos à margem das lógicas do mercado, como vem acontecendo, entre outros lugares, e por motivos históricos óbvios, no caso de Cuba.

Se as tecnologias reprodutivas constituem potenciais instâncias de renegociação da norma e abrem possibilidades de fissura nos regimes heterocentrados e cisnormativos do parentesco, é de se esperar que a democratização do acesso a elas contribua a que as concepções tradicionais sobre parentesco, família e afins sejam ressignificadas para além da inércia em que as cosmovisões ocidentais as colocaram. Nesse sentido, é pertinente se questionar acerca das regulações estatais que, mesmo neste cenário, apostam na reificação dos modelos hegemônicos de parentesco e parentalidade.

O caso das inércias normativas presentes na regulação estatal da fertilização in vitro por ovodoação (FIV/OD), em particular, é extremamente proveitoso para tornar evidentes as tensões existentes entre as potencialidades abertas pelas tecnologias reprodutivas e o peso histórico das formas herdadas de organização social do parentesco que fazem parte do pensamento biomédico. É justamente a partir dessa convicção que, para desenvolver o exercício analítico em torno da biotecnologia reprodutiva da FIV/OD, pretendemos explorar aqui a configuração da biopolítica racial do parentesco no contexto da política reprodutiva cubana, com foco nos processos administrativos que concernem à doação de óvulos.

Como questão preliminar, queremos explicitar que a problematização que estamos propondo não deve ser entendida como um julgamento moral sobre ser “bom ou ruim” querer ter filhos semelhantes aos pais. Em todo caso, nossa análise responde mais a uma estratégia genealógica nietzschiana-foucaultiana. Esta última constitui uma forma de análise histórica que explora as contingências que favorecem que certos discursos alcancem o status de regimes de verdade (FOUCAULT, 2020FOUCAULT, Michel. Defender la sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2020.). Trata-se, portanto, de um exercício que opera uma crítica à noção de verdade e ao essencialismo. Por esse argumento, nas seguintes secções, cabe-nos perguntar: o fenótipo das doadoras e receptoras de óvulos é o índice de verdade última sobre o parentesco? Essa gestão biopolítica, supostamente protetora dos “desejos raciais” que fazem parte dos projetos reprodutivos dos pais e das mães de intenção, não estaria de mãos dadas com a preservação de uma ordem colonial racista? Resumidamente, com este exercício, procuramos traçar as cumplicidades entre essa gramática racial do parentesco promovida por uma política de Estado, e o projeto colonial moderno que instituiu a raça como índice de classificação da humanidade, e cujas premissas racistas repercutem nos processos administrativos de reprodução assistida.

Refutando a lógica biologicista do parentesco e da parentalidade

O olhar crítico às várias instâncias simbólicas - casal, mãe, doadora, receptora de óvulos, filho, sangue, útero, raça, dentre outras que estão no cerne da imaginação biomédica e do senso comum sobre o parentesco - permite-nos continuar esgarçando os jogos biopolíticos que buscam cercear a autonomia reprodutiva. Nosso argumento, neste trabalho, é o de que os processos administrativos da reprodução assistida, no contexto analisado, tomam a raça - além do gênero e da heterossexualidade -, como uma das peças-chave para exercer o controle biopolítico dos agentes reprodutivos e, por meio dela, manter intacto o modelo de família de raiz burguesa e eurocêntrica.

Com efeito, quando analisamos as regulamentações reprodutivas institucionalizadas da fertilização in vitro por doação de óvulos (doravante FIV/OD), no Sistema Nacional de Saúde cubano, identificamos que elas incluem parâmetros de ordem fenotípica tais como a textura do cabelo, a cor dos olhos, a cor da pele. Estas marcas corporais são cuidadosamente observadas tanto no caso das doadoras quanto das receptoras de óvulos (CUBA, 2012; FUMERO, 2021FUMERO, Roberto Tomás Álvarez. Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos. La Habana: Editorial de Ciencias Médicas, 2021.).

No documento antes mencionado, refere-se que, para a seleção e aprovação da doadora, os profissionais devem levar em consideração os seguintes aspectos:

No caso das doadoras anônimas, uma vez aprovadas as mulheres com condições para o procedimento, dentre essas possíveis candidatas é selecionada aquela que, fenotipicamente e com base nos estudos e pesquisas realizadas, melhor se adapta ao casal receptor em questão (FUMERO, 2021FUMERO, Roberto Tomás Álvarez. Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos. La Habana: Editorial de Ciencias Médicas, 2021., p. 112, tradução e destaques nossos).3 3 No original: “En el caso de las donantes anónimas, una vez aprobadas las mujeres con condiciones para el procedimiento, de estas posibles candidatas se selecciona aquella que, fenotípicamente y por los estudios e investigaciones realizadas, más se adecue a la pareja receptora en cuestión”.

Igualmente, no tópico que trata da seleção das doadoras, menciona-se que “nas instituições que lidam com esses processos, deve ser elaborado um arquivo que inclua dados físicos: altura, peso, cor da pele e dos olhos, cor e textura do cabelo, marcas ou sinais físicos visíveis e foto” (FUMERO, 2021FUMERO, Roberto Tomás Álvarez. Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos. La Habana: Editorial de Ciencias Médicas, 2021., p. 109).4 4 No original: “En las instituciones que se ocupan de estos procesos debe confeccionarse un expediente que incluya datos físicos: talla, peso, color de la piel y de los ojos, color y textura del pelo, marcas o señas físicas visibles y foto”.

No entanto, os argumentos para a inclusão dessas marcas corporais como requisitos essenciais da FIV/OD não estão expostos nos documentos oficiais a que tivemos acesso, o que já pressupõe sua condição de serem considerados elementos “naturais”, universais, isentos de qualquer explicação no que se refere ao papel que ocupam na organização das práticas reprodutivas. Tampouco consta em qualquer protocolo médico de reprodução assistida que o tipo de cabelo, a cor dos olhos ou o tom de pele sejam determinantes para que a gravidez ocorra, toda vez que a semelhança ou diferença fenotípica não torna o material genético mais apto à reprodução, nem no caso de FIV/OD, nem em outras práticas reprodutivas “independentemente de a inseminação ser feita com pênis ou com seringa, em vagina ou em placa de Petri”5 5 No original: “con independencia de que la inseminación se lleve a cabo con pene, con una jeringa, en una vagina o sobre una placa de Petri” (PRECIADO, 2019, p. 69). (Paul B. PRECIADO, 2019PRECIADO, Paul B. Un apartamento en Urano: crónicas del cruce. Barcelona: Anagrama, 2019., p. 69, tradução nossa).

Assim sendo, e conforme os dados empíricos coletados no contexto da pesquisa de doutoramento sobre políticas reprodutivas em Cuba (MALFRÁN, 2021MALFRÁN, Yarlenis Ileinis Mestre. Políticas públicas de salud trans-específica y de reproducción asistida en Cuba: un análisis feminista interseccional. 2021. Doutorado (Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.), fonte de onde tomamos os principais subsídios para este trabalho,6 6 Uma descrição mais ampla sobre os procedimentos para a reprodução assistida e sobre a constituição histórica destes serviços no país pode ser consultada na pesquisa de doutoramento já mencionada. o único pressuposto em que se baseia esse registro de parâmetros fenotípicos é a expectativa de mães e pais de intenção, de ter filhos semelhantes a eles. Em entrevista realizada em 2018, recolhida na referida tese, consta que uma profissional do serviço, ao ser interrogada sobre a doadora de óvulos, comentou que os óvulos da doadora têm sua carga genética, sua carga física e, portanto, o ato de doar seus óvulos a torna ao menos uma das mães da criança, invocando uma posição de sujeito que equivaleria a uma “mãe genética” (MALFRÁN, 2021). No caso de, além do que já é prescrito nos documentos, uma profissional com uma longa inserção neste serviço equacionar a doadora com a mãe, evidencia-se a consolidação da perspectiva biologicista do parentesco enquanto peça central do agir biomédico.

Portanto, demonstra-se que os processos administrativos da reprodução assistida se deslocam para além dos aspectos técnicos da troca de gametas, operando no universo simbólico em que a raça ocupa o lugar de critério de inteligibilidade da relação de parentesco. Cabe entender, nesse sentido, que a gestão administrativa desses dados pressupõe, naturaliza e, em definitivo, institucionaliza o desejo de homogeneidade fenotípica entre os materiais genéticos envolvidos, elevando-o assim à categoria de ideal da reprodução assistida.

Nesse sentido, o documento “Atención a la Pareja Infértil: aspectos metodológicos” (FUMERO, 2021FUMERO, Roberto Tomás Álvarez. Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos. La Habana: Editorial de Ciencias Médicas, 2021.) fornece as informações do consentimento de doação de óvulos. Este documento é performativo pois não só busca definir os critérios para doação de óvulos como também busca produzir a raça e o gênero como fundamento das relações de parentesco. Assim, por exemplo, palavras como “altruísta” são usadas para descrever essas doadoras, caracterizando o ato como um dos fatores inerentes à doação de óvulos e não outro motivo qualquer como a legitimação genética de uma pessoa. O texto sinaliza que será doadora aquela que: “atende aos critérios de seleção estabelecidos posteriormente e que, após assinar o consentimento informado, decide doar seus óvulos de forma solidária, altruísta e gratuita e renuncia a todos os direitos a reclamações legais ou emocionais após o procedimento”7 7 No original: “cumpla los criterios de selección que posteriormente se exponen y que, previa firma del consentimiento informado, decida donar sus óvulos de maneira solidaria, altruista, no retribuida y renuncian a todo derecho de reclamación legal o afectiva posterior al procedimiento”. (FUMERO, 2021, p. 109).

Voltando ao documento, nota-se que o mesmo exige que junto ao histórico clínico da receptora seja enviada também uma foto (FUMERO, 2021FUMERO, Roberto Tomás Álvarez. Atención a la Pareja Infértil en Cuba: aspectos metodológicos. La Habana: Editorial de Ciencias Médicas, 2021.). Problematizar o envio de uma foto demonstra não só o caráter performativo do documento que produz não só gênero, se apropriando de palavras como generosidade e estabilidade psicológica, como também a pretensão de materializar uma corporalidade por meio de elementos que foram historicamente relevantes para as políticas médicas. Elementos como altura, peso, naturalidade, cor dos olhos e cor e textura dos cabelos são exigidos, por sua vez, na caracterização da doadora, onde se percebe, igualmente, uma necessidade de estabelecer uma visualidade baseada na aparência que também é atravessada por moralidades em relação a peso e estética corporal, cor da pele e forma do cabelo, local de nascimento (classe). Nota-se, portanto, a importância de consagrar imaginários estéticos, raciais, morais e de classe sobre os corpos da receptora e da doadora em questão, integrando-os no imaginário biomédico que distingue entre a “loucura” ou a sanidade.

Ao mesmo tempo, quando se caracteriza o corpo da doadora e da receptora, estamos pensando em transmissão genética, que pode ou não servir a uma política de ‘embranquecimento’ familiar e/ou nacional. No entanto, o documento informa que materializar a diferença através de marcadores sociais, produzindo visualidade e imaginação moral, é um caminho central para validar ou não as relações de maternidade. Em resumo, essas informações pessoais e o apelo visual podem ser fundamentais para delimitar a legitimidade da reprodução e a manutenção do corpo reprodutivo como centro de ‘reprodução’ da organização racial da nação cubana.

A crítica decolonial do biologicismo

Vale notar que essa forma de entender o parentesco não se inaugura na política estatal e nos processos administrativos que dela se desdobram. Também, não é algum tipo de prerrogativa das pessoas usuárias dos serviços de reprodução fazer parte, de forma consciente ou inconsciente, do racismo que associa diferentes graus de desejabilidade e legitimidade às relações de parentesco (María Luisa PERALTA, 2022PERALTA, María Luisa. “La guerra en Ucrania y la gestación por sustitución”. Sexuality, Policy Watch, 2022. Disponível em Disponível em https://sxpolitics.org/es/la-guerra-en-ucrania-y-la-gestacion-por-sustitucion/5417 . Acesso em 10/08/2022.
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). Os estudos antropológicos, em particular, têm destacado que as noções de filiação e pertencimento familiar têm sido historicamente associadas a ‘substâncias’ como sangue, genes e marcas corporais (Marilyn STRATHERN, 1995STRATHERN, Marilyn. “Necessidade de pais, necessidade de mães”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 2, n. 95, p. 303-329, 1995. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/16443 . Acesso em 15/05/2018.
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). Da mesma forma, a Antropologia, principalmente no diálogo com os estudos de gênero e feministas, tem questionado o caráter naturalizante dos imaginários que vinculam raça e parentesco, ressaltando que se trata justamente de ficções que colaboram com processos de estratificação social (Verena STOLCKE, 1992STOLCKE, Verena. Racismo y sexualidad en la Cuba colonial. Madrid: Alianza Editorial, 1992.). Não pretendemos submeter a um escrutínio excepcional os usos das tecnologias reprodutivas, e sim salientar que é importante questionar de onde vêm essas ficções, como elas se infiltram nas estruturas epistêmicas das políticas públicas e quais são os efeitos políticos da sua manutenção.

Tal projeto requer mudar o imaginário que regula as relações entre processos biológicos e relações sociais, que começa com uma imagem muito concreta e, ao mesmo tempo, de ficção: “Um feto flutuando num espaço vazio que, com sorte, sabe-se ser líquido amniótico. No máximo uma das pontas do cordão umbilical ligado à sua barriga. Talvez algumas veias” (Marília MOSCHKOVICH, 2022MOSCHKOVICH, Marília. “Sobre laranjas mecânicas, feminismo e psicanálise: natureza e cultura na dialéctica da alienação voluntária”. In: TEPERMAN, Daniela; GARRAFA, Thais; IACONELLI, Vera. Parentalidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2022. p. 109-124., p. 109). Essa imagem, como adverte Moschkovich, é uma das mais recorrentes para representar o filho que está por vir no imaginário coletivo. Contudo, essa representação é bastante precária se pretendemos compreender cabalmente o parentesco e a parentalidade enquanto instâncias que se situam na intersecção dialética entre natureza e cultura. Para tanto, é preciso inscrever este debate na história e nos modos como historicamente essas imagens foram consolidadas para defender uma ontologização das categorias mãe, pai, filho como posições de sujeito assentes na biologia.

Essa insistência em manter o corpo sempre à vista, sob escrutínio, e a atribuição de poder supremo ao ato de ver, em detrimento de outras cosmopercepções, expõem claramente o modo como a estrutura epistêmico-política do mundo ocidental tem se articulado em termos geopolíticos, ontológicos, econômicos e subjetivos. Trata-se de uma ideologia do determinismo biológico como fundamento da organização social. Como afirma Oyèrónké Oyěwùmí (2021OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021., p. 16), “essa lógica cultural é, na realidade, uma bio-lógica”. Não é de se estranhar que a Medicina, amparada nessa bio-lógica, se posicione como árbitro do reconhecimento (João Manuel de OLIVEIRA, 2009OLIVEIRA, João Manuel de. Uma escolha que seja sua: uma abordagem feminista ao debate sobre a interrupção voluntária da gravidez em Portugal. 2009. Doutorado (Curso de Psicologia Social e das Organizações) - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Portugal.) dos direitos reprodutivos, sob o argumento de manter a salvo o parentesco e a parentalidade.

Retomando as palavras de Moschkovich (2022MOSCHKOVICH, Marília. “Sobre laranjas mecânicas, feminismo e psicanálise: natureza e cultura na dialéctica da alienação voluntária”. In: TEPERMAN, Daniela; GARRAFA, Thais; IACONELLI, Vera. Parentalidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2022. p. 109-124., p. 109), “a parentalidade, afinal, é uma atividade essencial do sistema de parentesco e só pode existir contida nele, mas voltemos ao feto, onde ela, para nós, parece começar”. Para operar essa fiscalização dos corpos que observamos no contexto da reprodução medicamente assistida, os saberes biomédicos recorrem justamente aos fundamentos biogenéticos do parentesco e da parentalidade, como se tais bases esgotassem esses laços sociais. Moschkovich (2022) tensiona ainda mais a preponderância que historicamente tem sido dada à genética como base das relações de filiação, ao argumentar que essa representação exclui outros tipos de vínculos biológicos centrais no exercício da parentalidade, como adequar o ritmo adulto de sono às necessidades de um recém-nascido, a troca de saliva, urina e outros fluidos, carregar no colo, dentre outras trocas que vêm à tona no âmbito do cuidado da criança. Isso, afirma a autora, é muito mais relevante que a genética para a construção de relações de parentalidade e parentesco.

Por isso, a insistência no fenótipo como marca registrada dos projetos reprodutivos mediados pela doação de óvulos se apresenta como um cenário propício para a problematização das práticas biomédicas que continuam equacionando a biologia a formas de organização social como o parentesco. Trata-se, também, de um debate emancipatório em torno da própria ideia de direitos reprodutivos e o modo como eles são enquadrados em regimes simbólicos que nos situam em uma continuidade com projetos coloniais.

Levando em consideração o papel da raça nestes processos, subscrevemos que, ao adotar esta última como uma matriz de reconhecimento reprodutivo, preservam-se premissas racistas relacionadas à pureza racial, delimita-se uma zona de abjeção reprodutiva na qual certas misturas fenotípicas seriam indesejadas e se estabelece um regime biopolítico de exceção, toda vez que não ocorre em outros projetos reprodutivos que igualmente demandam assistência do Estado e não estão sujeitos a tais formas de administração, burocratização e, em definitivo, das marcas fenotípicas dos agentes reprodutivos. Para aprofundar a significação dessa vigilância fenotípica partimos, na próxima secção, do lugar que a categoria raça ocupa no desenvolvimento da própria noção de biopolítica.

Óvulos, espermatozoides, peles e cabelos: substâncias e metáforas de uma biopolítica racial do parentesco

Foucault nomeou de ‘biopolítica’ o movimento entre a vida e os processos históricos nos quais poder-saber atuam como agentes de transformação. A biopolítica, para o autor, ocupa-se da relação entre espécie, seus processos biológicos e a sua regulamentação. O corpo se torna alvo de controle e regulação, e para administrá-lo é necessário compreendê-lo por meio da descrição e da quantificação em termos de nascimentos, mortes, fecundidade, longevidade, criminalidade, migração etc. Saberes como a estatística, a demografia e a medicina surgem como saberes que atuam diretamente no adestramento desse corpo.

Uma das consequências da relação entre poder e corpo é a instauração da norma. Uma vez que o poder tem como tarefa principal a garantia da vida ou a gestão da morte, terá sempre a necessidade de mecanismos contínuos, reguladores e corretivos. O racismo, por sua vez, é a forma com que os Estados modernos decidem quem deve morrer e quem deve viver. Para isso, classifica-se biologicamente os grupos da população: as raças. A primeira função do racismo é provocar fragmentações no interior do conjunto biológico a que se dirige o biopoder (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense, 2010.). Nesse sentido, a Medicina opera como um dispositivo de poder, produzindo teorias e práticas profissionais que caminham na direção da normatização dos corpos que, além de atuar em termos de regulação do que se entende como saúde, codifica também o que se chama de biopolítica racial; a normalização da espécie em relação à raça. Anne McClintock (2010McCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Traduzido por Plínio Dentizien. Campinas: Editora da UNICAMP, 2010.) mostra que as classificações em torno da espécie humana, ou do que se nomeou “homem”, giraram em torno dos homens brancos, heterossexuais, cisgêneros e europeus, de modo que o estatuto de verdade da evolução da “família do homem” hierarquizou em uma escala evolutiva o homem em uma pirâmide de importâncias cujo ápice classificava esse indivíduo como o corpo verdadeiramente evoluído.

Na compreensão dos dispositivos de regulação e estratificação da humanidade, resulta fundamental a ideia de humanismo debatida por Foucault (2007FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2007.), que afirma que “o limiar da nossa modernidade se situa no dia em que se constituiu um duplo empírico-transcendental chamado homem” (p. 13). Para o autor, em determinado momento histórico surgiu um homem que era igualmente o fundamento do saber e que se constituiu como objeto desse saber. Ou seja, a consciência humana passa a estar no centro do universo, não mais a infinitude de Deus. Assim, o humanismo, na compreensão de Foucault (2007), convoca duas dimensões em teorias científicas: a higiene e a higidez.

Precisamente o exercício do poder encontra na higiene e na higidez o sentido epistemológico que garantia o encontro de uma sociedade mais “sã” através da regulação racial em direção da normalização da branquitude. A pureza e o embranquecimento da população garantiriam uma raça mais apta, dócil, produtiva, e que não cometesse crimes. Surgem então inúmeras teorias que buscaram legitimar a inferioridade e estabelecer cientificamente, por meio da sistematização de dados e métricas que mulheres, pessoas negras, homossexuais, pessoas com diversidade funcional e transexuais poderiam ser classificados enquanto existências patológicas, uma vez que não correspondiam à norma. Desta maneira, para Foucault, uma segunda função do racismo é a de administrar a morte a fim de garantir a normalização. O racismo cria uma relação positiva entre a morte do outro e a minha vida, já que na medida em que a morte do outro, do degenerado, do anormal, de raça inferior, permite a continuidade da vida da espécie humana de modo mais sadio e puro, ela significa a minha melhor possibilidade de vida (FOUCAULT, 1997FOUCAULT, Michel. “O Nascimento da Biopolítica”. In: FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Tradução de Andréa Daher; consultoria de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.).

A biopolítica se caracterizou também em políticas de medo acerca do fim da escravidão em países do sul global. O ideal de homogeneidade racial era oposto ao de heterogeneidade de povo e, para as elites, nação era, sobretudo, sinônimo de branquitude, progresso e civilização, já que as elites projetavam nos negros a ideia de violência e incivilidade. Os medos de cunho sexual e de gênero também estavam conectados visto que mulheres e homossexuais eram percebidos como ameaças à ordem, e associados à anormalidade e ao desvio, demandando controle e disciplinamento de estruturas médico-legais. Foram elas que regularam os casamentos entre “desviados” e conduziram ao embranquecimento através de uniões desejáveis (com brancos e brancas). Portanto, o “desejo da nação” (Richard MISKOLCI, 2012MISKOLCI, Richard. O desejo da nação: masculinidade e branquitude no Brasil de fins do XIX. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2012.) traduziu um projeto de poder que notava a sociedade como realidade biológica, racialmente mensurável e cuja harmonia era invariável ao embranquecimento.

Já no caso de Cuba, as investigações antropológicas de Stolcke (2014STOLCKE, Verena. “¿Qué tiene que ver el género con el parentesco?”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 44, n. 151, p. 176-189, 2014. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015742014000100009&lng=es&tlng=es . Acesso em 26/03/2020.
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), especialmente sua obra seminal sobre “Racismo e sexualidade na Cuba colonial” (STOLCKE, 1992STOLCKE, Verena. Racismo y sexualidad en la Cuba colonial. Madrid: Alianza Editorial, 1992.), nos aproximam a uma genealogia do racismo e de sua coconstituição com o sistema de gênero e parentesco. A autora demonstrou “a estreita ligação política e simbólica que prevalecia no mundo colonial hispano-americano entre a ordem na república, a honra das boas famílias, o casamento endogâmico”8 8 No original: “el estrecho vínculo político y simbólico que prevalecía en el mundo hispano-americano colonial entre el orden en la república, el honor de las buenas familias, el matrimonio endogámico” (STOLCKE, 2014, p. 184). (STOLCKE, 2014, p. 184, tradução nossa). Segundo estes estudos, a Cuba colonial mostrou uma forte conexão entre uma ideologia racista engendrada pela ordem escravista e os imaginários sobre parentesco e casamento. Conforme lembra a imagem colonial e pós-colonial da mulata: “em Cuba não há tamarindo doce nem mulata virgem”9 9 No original: “En Cuba no hay tamarindo dulce ni mulata virgen” (STOLCKE, 2014, p. 184). (STOLCKE, 2014, p. 184, tradução nossa).

Em outras palavras, o sistema de parentesco imposto no contexto da colonização espanhola tinha na raça um de seus princípios organizadores. Neste mesmo trabalho, Stolcke (2014STOLCKE, Verena. “¿Qué tiene que ver el género con el parentesco?”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 44, n. 151, p. 176-189, 2014. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015742014000100009&lng=es&tlng=es . Acesso em 26/03/2020.
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) destaca que, na Cuba do século XIX, era evidente a importância que as elites brancas atribuíam à virgindade para garantir a pureza racial de sua linhagem. Esses indícios históricos mostram a implementação de um projeto racial, processo pelo qual foram atribuídos significados culturais a características físicas, a fim de estabelecer processos de diferenciação entre os seres humanos (Adilson MOREIRA, 2019MOREIRA, Adilson. Racismo Recreativo. São Paulo: Pólen, 2019.).

Notadamente, o que se entende como família passa a ser regulado pelos saberes médicos e interesses do Estado, que buscam regular o corpo nacional legítimo. Nesse sentido, o termo “eugenia” foi criado por Francis Galton (1822-1911), que o definiu como: “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente” (GALTON apud José Roberto GOLDIM, 1998GOLDIM, José Roberto. “Eugenia”. Portal Bioética da UFRGS, Porto Alegre, Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1998. Disponível em https://www.ufrgs.br/bioetica/eugenia.htm.
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). Nessa ordem, os limites políticos e simbólicos da nação são produzidos por regulações, seja na forma de estatutos jurídicos, seja através da ação mercadológica de empresas ou mesmo do Estado que atuam no controle biomolecular dos corpos.

Mesmo se tratando de uma práxis de controle racial que foi preponderante até o fim da Segunda Guerra Mundial, não devemos descartar os esforços políticos de circulação de ideias eugênicas, que muitas vezes podem aparecer atualizados em novas formas de atuação que têm como objetivo o controle ou o embranquecimento de grupos sociais, especialmente organizados através da relação Estado/iniciativa privada. No curso “O nascimento da biopolítica”, Foucault (1997FOUCAULT, Michel. “O Nascimento da Biopolítica”. In: FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Tradução de Andréa Daher; consultoria de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.) dirige seu interesse às diferentes formas de controle dos sujeitos e das populações, associando-as às modernas concepções de economia oriundas das mudanças do pós-guerra e da ascensão do neoliberalismo. Para o autor, o poder passa a governar para o mercado, no lugar de governar por causa do mercado. A fim de pensar nos termos de Foucault, mas para além do período histórico, Preciado (2011PRECIADO, Paul B. “Multidões queer: notas para uma política dos anormais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 11-20, 2011. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/yvLQcj4mxkL9kr9RMhxHdwk/ . Acesso em 03/03/2021.
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) chama de ‘sexopolítica’ o modelo de poder em que as identidades sexuais, os órgãos chamados sexuais, as práticas sexuais e os códigos de masculinidade passam a ser elementos centrais para o poder, tornando discursos sobre o sexo e as tecnologias de normalização das identidades de gênero um agente de controle da vida. Ou seja, para o autor, biopolítica também é uma ação de normalização sexual. Na sexopolítica, o corpo e suas partes também se tornam mercadologicamente reguláveis e capazes de produzir identidades, vida e morte.

Deste modo, observa-se que substâncias corporais como saliva, óvulos, sêmen e sangue se tornam ferramentas importantes do Estado na gestão e manutenção da vida e, particularmente, na ideia de pertencimento nacional, exatamente por suas capacidades produtivas de pessoas e relações. As substâncias e os fluidos são acionados para produzirem ou desmobilizarem relações nas quais os grupos sociais e as regulações de sociabilidade se encarregam de estabelecer regras e limites a respeito de como devem interagir. Notavelmente, é frequente a compreensão de determinado grupo de que é o sêmen quem faz pai, ou dividir o mesmo útero caracteriza o que é uma mãe. Em outros inúmeros casos é o controle racial quem estabelece o controle rigoroso das relações e trocas de substâncias.

Muito embora as dimensões de pertencimento e família sejam muito diferentes, o que parece constante é o controle político dos fluidos corporais. As definições de pertencimento nacional são traduzíveis em dimensões fluidas atribuídas através de contatos corporais e das trocas permitidas ou negadas de suas substâncias. Por sua vez, as transformações de ordem tecnológica tornaram possível a manipulação de fluidos, a confecção de materiais sintéticos.

A comercialização farmacológica de substâncias corporais e suas tecnologias implicam novas regulações coletivas a respeito das possibilidades de seus usos, como nos casos em que são utilizadas sem o desejo de garantir a legitimidade do corpo nacional e ao mesmo tempo com o fim de traçar fronteiras daquilo que não é o corpo soberano.

Não somente as formas de produzir relações, pessoas e identidades importam para pensar comunidades, grupos e Estados-nações, mas a própria noção de raça e heterossexualidade é constitutiva da organização política em diferentes contextos. Historicamente, as práxis dos Estados nacionais foram marcadas por políticas de construção de identidades nacionais baseadas na homogeneização e no embranquecimento nos quais o caráter heterossexual e reprodutivo operacionalizou hierarquias raciais e étnicas.

Os dispositivos de poder convertem o corpo em controle, organizando sobre as bases das políticas nacionais ideias como a assimilação e o branqueamento (Ochy CURIEL, 2013CURIEL, Ochy. La Nación Heterosexual: Análisis del discurso jurídico y el régimen heterosexual desde la antropología de la dominación. Bogotá: Edición Brecha Lésbica y en la frontera, 2013.), transformando corpos negros e indígenas em problemas sociais e jurídicos. Uma vez fora do ideal de corpo nacional legítimo, a nacionalidade passa também a ser negada através de estratégias legais de exclusão da cidadania. Portanto, estatutos jurídicos de regulamentação são caminhos efetivos pelos quais as ações de controle do Estado atuam de modo a organizar práticas coletivas de produção do “Outro”, para que assuma o lugar de estrangeiro e seja privado de um regime pleno de nacionalidade. Nessa disputa, as tecnologias reprodutivas e também os fluidos se tornam ferramentas políticas que atuam diretamente nas fronteiras nacionais.

Tempo e espaço: útero, território e imaginação racial

Contudo, o parentesco também, e de forma fundamental, provê um reino imaginativo para pensar, parcialmente em termos éticos, mas também de forma mais especulativa, sobre quem somos nós e o que podemos ser no futuro; sobre nossas conexões no presente assim como para com gerações do passado, e com os não nascidos. “Nos tornamos crianças de nossas crianças, os filhos de nossos filhos... E ficamos velhos e jovens ao mesmo tempo”, como diz a epígrafe de Marshall Sahlins (2013SAHLINS, Marshall. What kinship is... and is not. Chicago: The University of Chicago Press, 2013., p. 04).

Dessa forma, temporalidade é uma parte crucial da potencialidade imaginativa do parentesco. O tempo e suas dimensões sobrepostas entre futuro, passado e presente relevam continuidades e descontinuidades naquilo que se define como parentesco. A imaginação atua sobre o tempo, conferindo uma responsabilidade ética e estética. Ana Paula Boscatti (2020BOSCATTI, Ana Paula Garcia. “Algumas reflexões sobre o covid-19 e a recolonização do corpo nacional”. Revista Estudos Libertários, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 71-89, 2020. Disponível em Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/estudoslibertarios/article/view/34122 . Acesso em 01/01/2021.
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) entendeu que imaginários morais são aquilo que se negocia a todo momento através de uma dimensão estética e ética. Deste modo, o ato de imaginar e atravessar as barreiras lineares entre tempo e espaço pode significar também atravessar regulações de gênero, raça, classe, geração e nacionalidade, por exemplo. Assim, acionar esses imaginários morais é também reinscrever o regime de verdade sobre o corpo nacional soberano que está sendo a todo momento negociado como valor no mundo social.

Para Larissa Michelle Lara (2007LARA, Larissa Michelle. “O sentido ético-estético do corpo na cultura popular e a estruturação do campo gestual”. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 13, n. 03, p. 111-129, 2007. Disponível em Disponível em https://www.seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/3570/1970 . Acesso em 10/09/2021.
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), o sentido ético-estético é entendido como dimensão humana que traduz a forma de ser, agir e sentir nas relações sociais, marcada por sua racionalidade, sensibilidade e capacidade criadora, que pode ser disciplinada ou transgressora. As ações humanas são reguladas (e igualmente agenciadas) através de processos coletivos e normativos de construção das regras sociais que nos colocam também como produto e produtor de cultura. A necessidade de compreensão da dimensão ético-estética de cada objeto, conceito, pessoa tenta dimensionar o caráter sensível/racional que guia à realidade histórico-cultural. Segundo Nadja Hermann (2005HERMANN, Nadja. Ética e estética e a relação quase esquecida. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2005.), nossos julgamentos morais modificam-se quando confrontados com novas narrativas e diferentes experiências estéticas. Isso pressupõe o estranhamento de convicções morais que pode ampliar a sensibilidade, até que o não habitual possa ser reconhecido em sua diferença.

O tempo sobreposto do parentesco é parte da dimensão moral da imaginação. Desta forma, o filho aguardado e gestado em uma gravidez “natural” ou fabricado por tecnologias reprodutivas pode ser imaginado a partir de características físicas. As reproduções assistidas confrontam diretamente a racialização, as características físicas marcadas pela cor da pele, dos olhos, pela textura do cabelo, pelo peso e pela altura, que são elementos constitutivos da política de doação de substâncias corporais acionados pelo Estado como política pública. O tempo do parentesco produz racialização da mesma forma que produz paternidade ou maternidade. Determinar características físicas de um filho ou filha através de uma doação de óvulos ou esperma é produzir e muitas vezes redimensionar a racialização de novos familiares no futuro e até mesmo reinventar o passado, sugerindo uma reorganização do senso de pertencimento étnico e territorial da família.

Outra dimensão moral que pode ser imaginada pelo parentesco é a ideia de espaço. Corpo é espaço na medida em que espaços são performativos e capazes de construir e desconstruir a identidade (PRECIADO, 2019PRECIADO, Paul B. Un apartamento en Urano: crónicas del cruce. Barcelona: Anagrama, 2019.). Arjun Appadurai (1996APPADURAI, Arjun. Modernity at large: cultural dimensions of globalisation. Minnesota: University of Minnesota Press, 1996., p. 31) nos faz pensar o lugar do imaginário na relação com o espaço no mundo contemporâneo. O que se entende a partir do autor é que o lugar da mídia procura rematerializar o senso de pertencimento nacional com o Estado-Nação por meio da imaginação, a fim de consolidar “constructed landscape of collective aspirations. Ao rematerializar as representações a partir da imaginação, forma-se um campo organizado de práticas sociais e de negociação entre indivíduos, bem como campos de possibilidades local e globalmente definidos. O que Appadurai nos evoca a entender é uma dimensão da nação moderna: a territorialidade. Ao reconhecer que a nação é algo imaginado, o autor igualmente reconhece uma crítica possível a essa ideia: é a imaginação que nos conduzirá para além da nação. Portanto, Appadurai reconhece o trabalho crítico de imaginação que identifica a dificuldade em construir geografias morais “pós-soberanas” (1996, p. 33).

O tempo, assim como o espaço. é sobreposto no parentesco. Dimensionar a família e a noção de pertencimento é encontrar no espaço um conjunto ou entrelaçamento de trajetórias, de histórias; é impregnar o espaço da densidade temporal e moral que o constitui. Observa-se como a nacionalidade dos filhos pode ser negociada por pais e mães que buscam, muitas vezes, privilégios nacionais como a cidadania para crianças nascidas em países do norte global. A ideia de território e pertencimento passa a ser negociada pelos pais a partir da produção de cidadania entre estados e seus limites jurídicos, da mesma forma que os Estados atribuem ao espaço do corpo o território de suas fronteiras morais e estéticas.

A concepção “corpo-território” é uma epistemologia latino-americana e caribenha feita por e desde mulheres de povos originários. Para autoras como Delmy Tania Cruz Hernández (2016CRUZ HERNÁNDEZ, Delmy Tania. “Una mirada muy otra a los territorios-cuerpos femeninos”. Solar, México, v. 12, n. 1, p. 35-46, 2016. Disponível em Disponível em https://revistasolar.pe/index.php/solar/article/view/129 . Acesso em 03/01/2021.
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) e Sofia Zaragocin (2018ZARAGOCIN, Sofia. “Espacios acuaticos desde una descolonialidad hemisférica feminista”. Mujer Sapiens, Cochabamba, v. 1, n. 10, p. 6-19, 2018. Disponível em Disponível em https://www.academia.edu/38198561/Espacios_Acu%C3%A1ticos_desde_una_Descolonialidad_Hemisf%C3%A9rica_Feminista . Acesso em 02/02/2022.
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), o corpo não pode ser tratado de modo neutro e universal, pois carrega raça, sexualidade, gênero, geração, classe etc. O poder da corporeidade enquanto objeto de exercício do poder e sujeito (corporificado) de resistência, simultaneamente. A abordagem dessas autoras amplia de tal forma a concepção de território que faz dele quase um sinônimo de espaço de vida, humano e não humano. Como “primeiro território de luta”, nos quais atravessam as regulações condicionadas pela relação Estado-mercado, pensar o corpo como território é “pensar em como os corpos estão unidos aos territórios que habitam”, uma vez que também são controlados por políticas de regulação que produzem identidade e pertencimento.

Na dimensão sexopolítica da vida, o útero passa a ser um território vigiado pelo Estado Nacional (e da soberania cristã), que busca garantir que o espaço nacional seja semeado dentro dos seus limites. Os óvulos e fluidos compõem o quadro de operacionalização das biopolíticas raciais e sexuais nos quais, mediante noções de tempo e espaço embaralhados no parentesco, podem reterritorializar e redimensionar temporalmente a memória coletiva de uma família.

Já no caso dos mercados transnacionais, óvulos e úteros são frequentemente privatizados, na espera pela capitalização por empresários cujos interesses alinham-se, com frequência, com formas de sofrimento global que incluem o nacionalismo, a violência e contra pessoas trans e mulheres, encontrando novas formas de gestão, ampliação e reprodução dos seus poderes à margem das necessárias garantias jurídicas previstas pelas regulamentações e proteções de um Estado comprometido com a justiça reprodutiva.

Nenhum corpo humano é produzido apartado de negociações coletivas, políticas e sociais, ou sem relação com as tecnologias e os saberes biomédicos. A reprodução necessita de uma coletivização do material biogenético do corpo, muito embora essas práticas possam ser mais ou menos reguladas. Até o século XX, quando não era possível intervir nos fluidos biomoleculares da reprodução, a pressão se fazia no corpo feminino caracterizado pelo útero (que era entendido exclusivamente como parte dos corpos de mulheres cisgênero) e pelos fluidos corporais que, acreditava-se, fariam parte da reprodução. Qualquer produto desse útero era propriedade do pater, pai, ou seja, estamos falando de um sistema que foi incorporado pela heterocolonialidade europeia e seguiu o caminho da segregação dos corpos em função de sua função reprodutiva - o que, consequentemente, caracterizou a heterossexualidade enquanto dispositivo de reprodução nacional.

No início do século XX, inspirada por ideias eugenistas, as políticas de Estado privilegiavam a ideia de corpo nacional legitimo regulada pelo controle dos casamentos mistos (de pessoas de diferentes raças e classes) e da heterossexualidade, a obsessão pela pureza racial e as restrições que aferiam as relações sexuais e extramatrimoniais. Contemporaneamente, voltamos a atenção para novas faces da tensão entre autonomia e controle biomédico, num cenário condicionado pelo desenvolvimento progressivo dos mercados reprodutivos nacionais e transnacionais. É, precisamente adiante da rápida evolução desses mercados que pensamos que a construção das políticas reprodutivas públicas merece a maior das atenções críticas, para evitar que as regulações e práticas reprodutivas em que intervém o Estado continuem posicionando o casal cis-heterossexual como sujeito privilegiado, das políticas reprodutivas e, também, para identificar e limitar o seu papel na reprodução do imaginário racista que favorece a segregação fenotípica ou, inclusive, uma política de embranquecimento através da reprodução assistida.

Considerações finais

Neste trabalho, privilegiamos o debate acerca das formas com as quais o Estado opera formas de controle e regulação das populações no âmbito da reprodução assistida, dentre outros motivos, pela centralidade do Estado na implementação das políticas públicas de saúde em Cuba. Acreditamos que a análise da evolução futura das políticas reprodutivas em Cuba pode se beneficiar de problematizar esta relação “top-down” com a forma em que os laços de parentesco são re-produzidos e ressignificados pelo uso das tecnologias reprodutivas (Camila VITULE; Marcia Thereza COUTO; Rosana MACHIN, 2015VITULE, Camila; COUTO, Marcia Thereza; MACHIN, Rosana. “Casais de mesmo sexo e parentalidade: um olhar sobre o uso das tecnologias reprodutivas”. Interface (Botucatu), São Paulo, v. 19, n. 55, p. 1169-1180, 2015. DOI: 10.1590/1807-57622014.0401. Acesso em 02/02/2022.
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.04...
; Claudia FONSECA, 2008FONSECA, Claudia. “Homoparentalidade: novas luzes sobre o parentesco”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3, p. 743-768, 2008. DOI: 10.1590/S0104-026X2008000300003. Acesso em 15/08/2022.
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; Rosely Gomes COSTA, 2004COSTA, Rosely Gomes. “O que a seleção de doadores de gametas pode nos dizer sobre noções de raça”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 235-255, 2004. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/physis/a/YSK6V5S8DyJjQV857JBtbFc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em 20/10/2022.
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).

O Estado cubano constitui um espaço singular no que se refere à sua relação com as biotecnologias reprodutivas. Como pretendemos argumentar, existem bons motivos pelos quais os debates éticos contemporâneos em torno delas encontram na problemática da inserção do corpo, de seus fluidos e de seus processos reprodutivos na lógica mercantil uma das suas preocupações recorrentes. Nesse sentido, a situação de excepcionalidade histórica em que se encontra Cuba em relação com o contexto neoliberal fornece um espaço privilegiado quando se trata de estimular os imaginários políticos e emancipatórios a partir das possibilidades abertas pelas tecnologias reprodutivas quando o acesso a elas é garantido à margem das lógicas mercantis.

Como mostra também o caso cubano, o panorama resultante dista muito de ser uma participação do Estado na política reprodutiva por completo isenta de inércias normativas excludentes e, com frequência, violentas. Pelo contrário, as regulamentações estatais sobre o acesso às tecnologias reprodutivas e, em especial, aos projetos reprodutivos com assistência de terceiros, mantêm uma íntima relação com as normas raciais, sexuais e de gênero que imperam na sociedade como um todo. No caso como da FIV/OD, em particular, faz-se evidente a centralidade da dimensão racial nos processos administrativos envolvidos na coleta e seleção de gametas que, como esperamos ter mostrado aqui, reproduzem a racialização das relações de filiação num âmbito em que tais características são por completo irrelevantes desde o ponto de vista médico. Dessa forma, mediante o desenvolvimento e o exercício dos mecanismos administrativos para a administração fenotípica e, portanto, racial, dos materiais genéticos, o Estado participa ativamente na naturalização do imaginário biologicista que organiza a inteligibilidade cultural das relações de parentesco.

Surpreendentemente, esta participação dos serviços reprodutivos desenvolve-se sem qualquer tipo de reflexão crítica ou de pedagogia institucional sobre o papel que o racismo, enquanto legado vivo do processo colonial, ocupa na hora de organizar os projetos produtivos da população. Como consequência, os processos burocráticos relativos à informação fenotípica convertem-se em mais uma instância de reprodução do racismo que atravessa a sociedade como um todo, por meio de práticas biomédicas em que intervêm tanto as funcionárias como as usuárias dos serviços reprodutivos, e que encontram nos documentos administrativos aqui analisados um instrumento para a perpetuação da segregação racial da população. Nessas condições, o desejo de semelhança racial opera como um pressuposto, mais do que uma simples possibilidade oferecida pelos serviços de cuidados reprodutivos.

Ao mesmo tempo, esse desejo imaginado e administrado pelo Estado fornece os recursos para sustentar a fantasia de que a mediação das biotecnologias reprodutivas nunca teve lugar. Com efeito, a organização racial dos projetos reprodutivos permite evitar o estigma social do recurso às biotecnologias, ao mesmo tempo que reforça os pressupostos biologicistas que organizam o campo reprodutivo e a inteligibilidade social das relações de filiação. Noutros termos, o que a administração fenotípica permite perpetuar é a ideia de que inclusive a reprodução assistida consiste, em última instância, num processo meramente suplementar da reprodução natural cis-heterocentrada, e que mantém, portanto, a série de caraterísticas de ordem biológica ‘imaginadas’ para esta, incluindo as caraterísticas raciais e a concepção binária do gênero, como ideal regulatório das práticas reprodutivas.

Vale lembrar aqui que, enquanto finalizamos esse artigo, a sociedade cubana decidiu em referendum aprovar o novo Código das Famílias que, entre outras mudanças, termina com o privilégio do casal heterossexual na hora de organizar as relações de parentesco e, também, de acessar as formas de reprodução medicamente assistida, incluindo técnicas especialmente polêmicas, como a gestação por substituição, na sua modalidade altruísta. Reconfiguram-se assim, destarte, os limites do papel do Estado na hora de manter as normas sexuais e de gênero que regulam o campo reprodutivo, abrindo-se novas possibilidades para o exercício da autonomia reprodutiva na sociedade cubana. Ao mesmo tempo, como consequência direta, o alcance regulatório do Estado em relação à administração fenotípica dos gametas aqui discutida estende-se a territórios previamente inexplorados. Por esse motivo consideramos que, no cenário aberto pelo novo Código das Famílias, a urgência de incorporar uma perspectiva racial e decolonial ao debate sobre as biopolíticas reprodutivas tem se incrementado significativamente, toda vez que é condição de possibilidade para que possam se tornar um lugar de questionamento, antes de ser mera reprodução, das lógicas racistas que atravessam a sociedade como um todo. Esse é, sem dúvida, um processo em que tanto a academia quanto a sociedade civil devem participar. Consideramos, no entanto, que os próprios serviços públicos devem se tornar espaços de reflexão crítica a fim de tornar explícito e, portanto, questionável, aquilo que faz parte “invisível”, por assim dizer, da prática cotidiana.

Não pretendemos fornecer uma resposta à forma por meio da qual os dados fenotípicos deveriam ser administrados ou, simplesmente, que não incida sobre ela a intervenção do Estado. Consideramos, inclusive, que podem existir formas de autonomia reprodutiva que usem esses dados para subverter a herança racista que, ainda hoje, atribuem um valor social específico ao embranquecimento da descendência, ou que apostem de formas imprevistas, talvez, pela desorganização racial das relações de filiação. Ainda mais, consideramos que, nessa matéria, é mesmo a autonomia, mais do que o escrutínio político ou moral dos projetos reprodutivos, que deve imperar uma perspectiva baseada na autonomia reprodutiva e no consentimento informado de usuárias e doadoras de gametas. O que defendemos nesse trabalho é que, na ausência de reflexão crítica sobre os mandatos da hegemonia heterossexual, e sem a pedagogia decolonial, o potencial emancipatório das biotecnologias possa se ver reduzido a mais uma forma de consolidar as hierarquias e as matrizes de dominação que determinam quais projetos reprodutivos, quais relações de parentesco e, em definitivo, quais corpos importam mais que outros.

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    » https://www.academia.edu/38198561/Espacios_Acu%C3%A1ticos_desde_una_Descolonialidad_Hemisf%C3%A9rica_Feminista
  • 1
    Os referidos documentos “Programa Nacional de Atención a la Pareja Infértil” e “Propuesta de Metodología para la Introducción de la Técnica de Reproducción Asistida por Ovodonación en Cuba” não existem em formato digital, apenas em formato impresso. Ambos os documentos foram objeto de análise no contexto da pesquisa de campo realizada em Cuba por parte de uma das autoras deste artigo, na ocasião da realização da pesquisa de doutorado que, como mencionado no início deste artigo, serve como base para as reflexões aqui desenvolvidas.
  • 2
    Conforme se informa nos documentos consultados, os centros territoriais encontram-se localizados em Cienfuegos, Camagüey, Holguín, Santiago de Cuba e dois em Havana.
  • 3
    No original: “En el caso de las donantes anónimas, una vez aprobadas las mujeres con condiciones para el procedimiento, de estas posibles candidatas se selecciona aquella que, fenotípicamente y por los estudios e investigaciones realizadas, más se adecue a la pareja receptora en cuestión”.
  • 4
    No original: “En las instituciones que se ocupan de estos procesos debe confeccionarse un expediente que incluya datos físicos: talla, peso, color de la piel y de los ojos, color y textura del pelo, marcas o señas físicas visibles y foto”.
  • 5
    No original: “con independencia de que la inseminación se lleve a cabo con pene, con una jeringa, en una vagina o sobre una placa de Petri” (PRECIADO, 2019, p. 69).
  • 6
    Uma descrição mais ampla sobre os procedimentos para a reprodução assistida e sobre a constituição histórica destes serviços no país pode ser consultada na pesquisa de doutoramento já mencionada.
  • 7
    No original: “cumpla los criterios de selección que posteriormente se exponen y que, previa firma del consentimiento informado, decida donar sus óvulos de maneira solidaria, altruista, no retribuida y renuncian a todo derecho de reclamación legal o afectiva posterior al procedimiento”.
  • 8
    No original: “el estrecho vínculo político y simbólico que prevalecía en el mundo hispano-americano colonial entre el orden en la república, el honor de las buenas familias, el matrimonio endogámico” (STOLCKE, 2014, p. 184).
  • 9
    No original: “En Cuba no hay tamarindo dulce ni mulata virgen” (STOLCKE, 2014, p. 184).
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    MESTRE MALFRÁN, Yarlenis Ileinis; GARCIA BOSCATTI, Ana Paula; PÉREZ NAVARRO, Pablo; MATEO ARAÑÓ, Yanelvis. “A reprodução assistida em Cuba: traços de uma biopolítica racial”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 32, n. 2, e91295, 2024
  • Financiamento:

    Esse trabalho recebeu apoio da Marie Skłodowska-Curie Individual Fellowship (H2020-MSCA-IF-2019) no âmbito do projeto “[TRIALOGUES] Emergent Biopolitics of Kinship, Gender and Reproduction: Trialogues from the South” (proposal number: 894643), acolhido pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, Portugal
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2022
  • Revisado
    24 Fev 2024
  • Aceito
    05 Abr 2024
Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
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