Resumos
Culturalmente a região Sudoeste mato-grossense é diversa, podendo ser atribuída à existência de populações migrantes e às comunidades tradicionais. Objetivou-se discutir a organização das mulheres do campo na região Sudoeste mato-grossense, que obtêm sua remuneração e contribuem para o aumento da renda familiar através do extrativismo sustentável de frutos nativos do Cerrado (Savana). O delineamento utilizado foi o estudo de caso. Os recursos financeiros obtidos pelas mulheres são expressivos e têm contribuído de maneira significativa para a sobrevivência do grupo familiar, como também para o reconhecimento de sua força de trabalho e na conquista de cidadania. Entretanto, as políticas públicas precisam ser ajustadas de modo a valorizar o trabalho das mulheres para a produção e reprodução familiar no campo e sua contribuição social no desenvolvimento regional.
agricultura familiar; biodiversidade; gênero; renda
Culturally the southwestern region of Mato Grosso is diverse, which can be attributed to the existence of migrant populations and traditional communities. The aim of this case study is to discuss the organization of rural women in southwestern Mato Grosso, who get their salary and help to increase family income through sustainable harvesting of native fruits of the cerrado (the savannah). The money obtained by women is expressive and has contributed significantly to the survival of the family group, as well as for the recognition of their work force and citizenship. However, public policies need to be adjusted in order to enhance the work of women in the production and reproduction of the rural family and its social contribution to regional development.
Family Farming; Biodiversity; Gender; Income
ARTIGOS
Maurício Ferreira MendesI; Sandra Mara Alves da Silva NevesII; Ronaldo José NevesII; Tânia Paula da SilvaII
IUniversidade Federal de Goiás (UFG)
IIUniversidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)
RESUMO
Culturalmente a região Sudoeste mato-grossense é diversa, podendo ser atribuída à existência de populações migrantes e às comunidades tradicionais. Objetivou-se discutir a organização das mulheres do campo na região Sudoeste mato-grossense, que obtêm sua remuneração e contribuem para o aumento da renda familiar através do extrativismo sustentável de frutos nativos do Cerrado (Savana). O delineamento utilizado foi o estudo de caso. Os recursos financeiros obtidos pelas mulheres são expressivos e têm contribuído de maneira significativa para a sobrevivência do grupo familiar, como também para o reconhecimento de sua força de trabalho e na conquista de cidadania. Entretanto, as políticas públicas precisam ser ajustadas de modo a valorizar o trabalho das mulheres para a produção e reprodução familiar no campo e sua contribuição social no desenvolvimento regional.
Palavras-chave: agricultura familiar; biodiversidade; gênero; renda.
ABSTRACT
Culturally the southwestern region of Mato Grosso is diverse, which can be attributed to the existence of migrant populations and traditional communities. The aim of this case study is to discuss the organization of rural women in southwestern Mato Grosso, who get their salary and help to increase family income through sustainable harvesting of native fruits of the cerrado (the savannah). The money obtained by women is expressive and has contributed significantly to the survival of the family group, as well as for the recognition of their work force and citizenship. However, public policies need to be adjusted in order to enhance the work of women in the production and reproduction of the rural family and its social contribution to regional development.
Key Words: Family Farming; Biodiversity; Gender; Income.
Introdução
No Brasil, os territórios da luta pela/na terra (acampamentos e assentamentos rurais) agrupam uma parcela significativa de trabalhadoras e trabalhadores que lutam contra um destino social de exclusão e miséria.1 1 José MARTINS, 2000. A dinâmica desses territórios implica no desenvolvimento, por parte de cada um dos seus membros, de uma função no que se refere à organização e distribuição do trabalho no interior da família e/ou do grupo, sendo o cotidiano da labuta no meio rural permeado pela construção de relações de gênero e, consequentemente, de poder.
Entretanto, nas últimas décadas, por todo o Brasil e América Latina, as relações de gênero e poder no meio rural têm sido constantemente questionadas pelas organizações das mulheres rurais, como o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), as quais lutam por terra e reconhecimento profissional.2 2 Izaura FISCHER, 2010. A justificativa para tais questionamentos envolve a visibilidade e reconhecimento da participação efetiva da mulher no dia a dia da produção e reprodução familiar, pois, apesar da invisibilidade do trabalho feminino no campo, na atualidade comprova-se a presença e participação das mulheres na produção agrícola e na transformação desses produtos em gêneros alimentícios. Portanto, pode-se afirmar que o trabalho da mulher no campo é decisivo para a garantia da segurança alimentar e, em muitos casos, para a manutenção da unidade produtiva.
As mulheres são responsáveis por 45% da produção de alimentos na América Latina, porém, muitas agricultoras vivem uma situação de insegurança alimentar. Um dos fatores que contribui para esse cenário é a falta de documentos, uma vez que 40% da população rural não possui qualquer documentação e, desse total, 60% são mulheres, o que corresponde a 15 milhões de trabalhadoras rurais que não têm acesso a políticas públicas voltadas à agricultura familiar e reforma agrária, bem como às demais políticas públicas em geral, e tais mulheres compõem a maior parcela de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza e estão sujeitas à fome.3 3 Laeticia JALIL, 2009.
Neste contexto, a partir de meados de 1990, os movimentos sociais de mulheres passaram a reivindicar e a exigir do Estado a criação e implementação de políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero, que também garantissem o acesso à documentação - passo inicial à conquista da cidadania. Em 1997, tais reivindicações ganharam força com o lançamento da Campanha Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, organizada pela Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR). Então, em 2004, como resposta à reivindicação dos movimentos sociais de mulheres do campo, o governo federal, via Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), implementou o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), como estratégia de garantia de direitos básicos às trabalhadoras rurais.
O PNDTR tem como principal objetivo assegurar às mulheres da agricultura familiar, acampadas, assentadas da reforma agrária, atingidas por barragens, quilombolas, pescadoras artesanais, extrativistas e indígenas, o acesso aos documentos civis e trabalhistas, de forma gratuita e nas proximidades de moradia, através de mutirões itinerantes. Com isso, assegura sua condição cidadã, efetiva sua autonomia e possibilita-lhes o acesso às políticas públicas. Também promove ações educativas participativas objetivando informar sobre a importância da documentação e orientar sobre políticas públicas com enfoque especial àquelas destinadas à agricultura familiar e reforma agrária.4 4 Elisabete BUSANELO, 2009, p. 3.
A realização de mutirões de documentação para as mulheres, implantados a partir do PNDTR, possibilitou a conquista da cidadania e emancipação econômica das trabalhadoras rurais. Isso porque, até pouco tempo atrás, os lotes dos assentamentos de reforma agrária eram cadastrados somente em nome do homem, considerado chefe da família, beneficiário titular do lote. Além disso, a participação das mulheres no desenvolvimento de atividades agrícolas e não agrícolas no campo, nos programas governamentais de financiamento da agricultura tinham como beneficiários a grande maioria homens. Evidencia-se tal afirmação por meio da análise do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o qual, desde a sua criação em 1996 até o ano de 2002, tinha entre os beneficiários apenas 7% mulheres.5 5 Maria PACHECO e Elisabeth CARDOSO, 2005
No entanto, tem havido mudanças no meio rural, pois, segundo o MDA, em 2003, o governo federal implanta uma série de programas e ações que passam a reconhecer a mulher como beneficiária titular do lote e tornam obrigatória a titulação conjunta da terra para áreas constituídas por um casal, além da criação do Pronaf-Mulher.6 6 O Pronaf-Mulher é uma modalidade de crédito específica para mulheres, no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), criado no Plano Safra 2003-2004. Tais ações governamentais possibilitam a valorização e o reconhecimento da dimensão do trabalho produtivo e reprodutivo realizado pelas mulheres no campo e permitem um maior equilíbrio do quadro de desigualdade entre homens e mulheres no meio rural. Além disso, criaram-se condições dignas e justas para sua permanência no campo, diminuindo a pobreza e a desigualdade e restabelecendo os seus direitos como verdadeiras cidadãs.
Neste sentido, embora de forma limitada, vêm acontecendo a inclusão de novos atores no sistema do crédito rural, nesse caso as trabalhadoras rurais, e essa inserção tem sido benéfica, pois permite às mulheres agricultoras viabilizarem uma série de ações/atividades no âmbito do lote/sítio para a manutenção/reprodução da família na terra conquistada.7 7 Jorge ROMANO e Cristina BUARQUE, 2001.
Em Mato Grosso, verifica-se que a manutenção/reprodução é viabilizada através da íntima e importante relação das mulheres com a produção de alimentos e a promoção da segurança alimentar no campo, pois são elas que desenvolvem grande parte do trabalho de produção agrícola e comércio de alimentos, estando diretamente vinculadas às etapas de produção, preparação e consumo dos alimentos. Devido à sua estreita relação com a produção e autoconsumo, as mulheres detêm conhecimentos sobre sementes, técnicas de plantio e de armazenamento de frutos nativos.
Apesar de esse conhecimento ser pouco reconhecido/valorizado no meio rural, pois na atualidade as mulheres agricultoras ainda são invisibilizadas como trabalhadoras e como cidadãs, essa relação (mulheres agricultoras e segurança alimentar) é confirmada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (ILCA), que em 2003 apontou a agricultura familiar como estratégia de sobrevivência e as mulheres como detentoras de habilidades e experiências necessárias à condução de um processo de desenvolvimento local sustentável, baseado em formas familiares de produção.8 8 Tereza LISBOA e Mailiz LUSA, 2010.
Siliprandi9 9 Emma SILIPRANDI, 2013, p. 12. afirma que no campo muitos grupos de mulheres, de fato, focalizam a sua atuação na produção de alimentos in natura ou transformados; no cultivo de pequenos animais; na agroecologia; no extrativismo, etc. Ainda segundo a referida autora,
[...] a inclusão dessas experiências como passíveis de serem apoiadas financeira e tecnicamente por políticas públicas (como, por exemplo, está ocorrendo com o Programa de Aquisição de Alimentos, de apoio à comercialização, criado pelo governo federal) tem mostrado resultados positivos para o fortalecimento das mulheres e para a dinamização dos mercados locais de alimentos.
Diante da situação exposta, objetivou-se discutir a organização das mulheres trabalhadoras rurais da região Sudoeste mato-grossense, que obtêm sua remuneração e contribuem para o aumento da renda familiar através do extrativismo sustentável de frutos nativos do Cerrado (Savana).
O delineamento utilizado para a realização deste trabalho foi o estudo de caso, conforme proposto por Yin,10 10 Robert YIN, 2001. que sugere que esse tipo de estudo é adequado quando são propostas para a pesquisa questões do tipo "como" e "por que" nas quais o pesquisador tenha baixo controle da situação investigada. Os procedimentos metodológicos adotados foram: pesquisa bibliográfica, visando subsidiar teoricamente as análises efetuadas; coleta de dados e informações nos órgãos públicos; e trabalhos de campo, com realização de entrevistas semiestruturadas, que buscaram resgatar informações do processo de organização das mulheres dos assentamentos da região.
O texto apresenta, além desta Introdução, das Considerações Finais e das Referências, uma revisão bibliográfica sobre as mulheres trabalhadoras no contexto rural brasileiro e, por fim, a organização das mulheres assentadas nos PAs da região Sudoeste mato-grossense, relatando a sua trajetória e a renda obtida a partir do seu trabalho no processamento dos frutos nativos do Cerrado.
As mulheres trabalhadoras no contexto rural brasileiro
As mulheres, nas últimas décadas do século XX, emergem em diferentes cenários como sujeitos sociais, históricos e econômicos e vão se constituindo em metade da força de trabalho mundial. Isso tudo provoca uma reviravolta na condição da mulher tanto no que se refere a avanços quanto a impactos sobre suas vidas, pois elas constroem lutas e resistem à opressão, enfrentando os mais diversos mecanismos de discriminação.
No meio rural brasileiro, este cenário não é diferente, pois, desde a década de 1980, quando no Brasil os movimentos sociais estavam vivendo um período de intensa mobilização, organização e estruturação, as mulheres passaram a se organizar, criando os movimentos de mulheres trabalhadoras rurais autônomas em vários estados do Brasil. Por meio de tais movimentos, as mulheres foram abrindo canais de participação para elas no meio rural, ganhando força e significativa expressão nos processos de luta no campo.11 11 Joaquim ALMEIDA, Francesca ALMEIDA e Clio PRESVELOU, 1997.
As mulheres rurais aumentaram lentamente sua visibilidade política através de duas vias. Em primeiro lugar, através do sindicalismo oficial, que teria percebido que o crescente debate público sobre a condição feminina e a emergência de movimentos de mulheres poderia contribuir para o aumento da participação nos sindicatos. Entretanto, coloca que tais iniciativas revelaram-se bastante seletivas, uma vez que, na estrutura oficial do sindicalismo rural, poucas mulheres ocupavam posições de liderança. Em segundo lugar, através da emergência dos movimentos sociais rurais, em especial através das oportunidades criadas com a expansão de movimentos como o MST.12 12 Lynn STEPHEN, 1996.
Em alguma medida, esses movimentos incorporaram as lutas feministas - de emancipação das mulheres e de mudança nas relações entre os gêneros - como parte de seus objetivos estratégicos de mudança social. Sobre isso, Silva13 13 Cristiani SILVA, 2004, p. 91. afirma que:
A preocupação em incluir as mulheres politicamente nas lutas do movimento está em sintonia com algumas das questões postas em debates na década de 1980. Questões que possuíam fortes contribuições do feminismo, que, nesse momento, se (re)construía. Nacionalmente, por ocasião do primeiro Congresso Nacional do MST, em janeiro de 1985, a questão referente à luta do campo sob a perspectiva das mulheres ganhou dimensões nunca antes observadas num movimento social rural.
A partir daí, as mulheres trabalhadoras rurais iniciaram a realização de encontros nacionais, marchas e campanhas, criando coletivos de mulheres e conquistando direitos, afirmando-se ainda mais como portadoras de um saber político que as fortalece, que as faz repensar seu cotidiano. Através das lutas, elas passam a se reconhecer e a se libertar das amarras sociais que as impedem da vivência política na sociedade, buscam a emancipação, a autonomia econômica e a igualdade de gênero.14 14 Maria GARCIA e Antônio THOMAZ JUNIOR, 2002, p. 259.
As questões principais que estão na origem dos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais são principalmente o reconhecimento da profissão de agricultora (e não como doméstica, visando quebrar a invisibilidade produtiva do trabalho da mulher na agricultura); a luta por direitos sociais, especialmente o direito à aposentadoria e salário maternidade; o direito à sindicalização; e questões relacionadas com a saúde da mulher. Aparece também o tema do acesso à terra, com as mulheres encampando a bandeira da Reforma Agrária e a ela incorporando reivindicações específicas de gênero, como titulação da terra em nome do casal (conjunta com marido e/ou companheiro) ou em nome da mulher chefe de família, direito das mulheres solteiras ou chefes de família a serem beneficiárias da reforma agrária.
15 15 Beatriz HEREDIA e Rosângela CINTRÃO, 2006, p. 7.
Estas mobilizações acabaram redundando em importantes conquistas para as mulheres na Constituição de 1988, na área da previdência e do direito à propriedade da terra, o que as colocou em uma posição de visibilidade social e produtiva. Nesse contexto, houve uma nacionalização das lutas das mulheres trabalhadoras rurais no Brasil e, consequentemente, uma multiplicação dos movimentos sociais envolvendo mulheres rurais.16 16 HEREDIA e CINTRÃO, 2006.
A 'Marcha das Margaridas'17 17 'Marcha das Margaridas' é uma mobilização nacional que ocorre em Brasília, coordenada pela Comissão Nacional das Trabalhadoras Rurais da CONTAG em parceria com diversos movimentos sociais de mulheres. Ela conta com a participação de milhares de mulheres de todo o Brasil, com o objetivo de levar ao governo federal as reivindicações das trabalhadoras rurais (as margaridas) de todo o país. O nome da marcha é em homenagem à trabalhadora rural Margarida Maria Alves, líder sindical rural da Paraíba assassinada em 1983. (Manuela de Souza MAGALHÃES, 2008). e a criação do 'Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)', com expressão nacional, foram marcos importante neste processo, porque permitiram colocar diretamente em negociação com o governo federal as antigas, e também as novas, reivindicações dos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais. Na atualidade, tais reivindicações têm como foco principal
[...] a valorização do papel das mulheres camponesas na construção de um novo modelo de agricultura, que englobe temas como agroecologia, extrativismo, desenvolvimento sustentável, biodiversidade, uso de plantas medicinais, recuperação das sementes como patrimônio da humanidade, diversificação da produção e soberania alimentar.
18 18 HEREDIA e CINTRÃO, 2006, p. 11.
Portanto, as lutas das mulheres trabalhadoras no contexto rural brasileiro revelam a necessidade de construir, no projeto popular atual, a transformação das relações de classe e gênero, com a garantia dos direitos humanos, e, ao mesmo tempo, a transformação nas relações entre homens e mulheres, e entre estes e a natureza.
Nesse contexto, as experiências locais/regionais constituem um processo de aprendizagem, no sentido de desenvolver e fortalecer as organizações coletivas que representam a força das lutas pelos direitos frente a todo tipo de desigualdade social e de gênero.
A organização das mulheres assentadas na região Sudoeste mato-grossense
A luta política das mulheres organizadas em vários movimentos vem crescendo, em Mato Grosso, e as trabalhadoras rurais estão ligadas ao Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Rede de Mulheres Empreendedoras Rurais da Amazônia (RMERA) e aos coletivos estaduais de mulheres da Federação dos Trabalhadores/as na Agricultura (FETAGRI-MT), entre outros movimentos. A organização social destas estimulou o debate sobre as desigualdades de gênero, sobre a invisibilidade do seu trabalho na agricultura familiar e sobre a valorização do trabalho das mulheres camponesas.
Na região Sudoeste de Mato Grosso, a organização das mulheres do campo é recente, iniciou-se com a formação do Grupo das Margaridas, que foi fundado em março de 2004, com o objetivo de reunir as mulheres do Projeto de Assentamento (PA) Margarida Alves, no município de Mirassol d'Oeste, em torno da preocupação com a saúde da comunidade e a valorização da mulher.
A maior parte das mulheres do Grupo das Margaridas (78%) eram migrantes, de vários estados brasileiros. Elas não encontravam no PA formas de lazer e espaços com os quais pudessem se identificar. Essa situação corroborou para que o trabalho do grupo iniciasse com o cultivo de plantas medicinais na área de entorno do Posto de Saúde do PA. Esse espaço, até a presente data, é utilizado para a realização de reuniões do grupo.
O trabalho com plantas medicinais contribuiu para a constituição do grupo, mas, com o decorrer do tempo, elas manifestaram o interesse em desenvolver outras atividades, que gerassem recursos financeiros, pois a renda da maior parte das famílias é obtida com a venda de leite, que é uma atividade desenvolvida pelos maridos/companheiros e filhos, conferindo poder econômico, consequentemente de decisão, aos homens.
O grupo, ao longo dos anos, foi demonstrando preocupação, com, além da saúde da comunidade, o bem-estar geral das famílias assentadas. Dessa forma, elas decidiram trabalhar em prol da mobilização da comunidade em torno de outras questões, como: o problema do uso de agrotóxicos, melhorias nas instalações da escola, desigualdade das relações entre homens e mulheres, violência contra a mulher, entre outras. Além disso, é realizado todo um trabalho de conscientização que busca conhecer e garantir a efetivação de seus direitos enquanto mulheres agricultoras.
Portanto, a partir da experiência das mulheres do PA Margarida Alves de Mirassol d'Oeste, conhecida como Grupo das Margaridas, outros grupos de mulheres foram se organizando, totalizando atualmente oito na região Sudoeste de Mato Grosso (Tabela 1). O marco para a criação dos demais grupos foram as oficinas de manejo e aproveitamento de frutos nativos do Cerrado, realizadas nos PAs da região Sudoeste mato-grossense, e a experiência organizacional do Grupo das Margaridas. Na atualidade, esses grupos de mulheres realizam o trabalho de produção no campo utilizando-se do bioma local, por meio da coleta, beneficiamento e comercialização dos frutos do Cerrado.
A organização em grupos de mulheres extrativistas foi a estratégia utilizada pelas trabalhadoras rurais do Sudoeste de Mato Grosso para reverter sua situação de invisibilidade nas áreas de reforma agrária, pois o extrativismo sustentável de frutos nativos do Cerrado (Savana) gera rentabilidade econômica e, consequentemente, proporciona melhores condições de vida no campo. Além disso, a partir da nova realidade econômica da mulher no contexto do trabalho familiar camponês, percebem-se mudanças na hierarquia das famílias camponesas e nos espaços dos assentamentos, pois na atualidade essas mulheres não só contribuem financeiramente para as despesas do lote/sítio como também para maior desenvolvimento e consolidação dos assentamentos, o que possibilita a elas participar das tomadas de decisões na família e nas questões ligadas ao próprio assentamento.
Portanto, a organização das mulheres agricultoras se reverteu em diversos benefícios coletivos, entre eles podem-se citar a melhoria na qualidade de vida das famílias, o aprendizado político, a inclusão social, a oportunidade de diálogo entre poder público e sociedade, o aumento da sociabilidade e da autoestima, o acesso a financiamentos para custear operações ou créditos e, principalmente, mudanças nas relações de gênero.
A partir da luta e mobilização das mulheres em grupos e da união das forças foi possível criar uma associação regional em 2009, denominada Associação Regional das Produtoras Extrativistas do Pantanal (ARPEP), cuja meta é buscar soluções conjuntas para os desafios enfrentados localmente e regionalmente relativos às atividades produtivas, tais como: comercialização dos produtos extrativistas, registros e documentos para firmar contratos, diminuir os altos custos de manutenção de uma associação, entre outros. Nesse contexto, a ARPEP tem como objetivo e fins congregar as famílias de agricultoras extrativistas para a promoção econômica, social e a proteção ambiental.
As mulheres filiadas à ARPEP tiveram que enfrentar resistências culturais expressas na atitude dos maridos/companheiros, que atribuíam a elas as obrigações de execução das tarefas domésticas, como o cuidado com a casa, educação dos filhos e trato do quintal no meio rural, enquanto os homens eram responsáveis pelas atividades desenvolvidas no ambiente extradoméstico, como lidar com as atividades desenvolvidas no campo, na política e no comércio.19 19 Bianca LIMA e Waldiléia AMARAL, 2009.
No começo da formação política dos grupos, as mulheres não podiam participar das reuniões, uma vez que os maridos não permitiam. Também algumas mulheres achavam que a reunião era coisa de homem. Além disso, quando tinha algum encontro ou feira na cidade, estas não podiam ir mesmo, porque não tinham autorização dos maridos e não tinham com quem deixar os filhos. Isso começou a mudar quando as mulheres começaram a ter seu trabalho visualizado com a geração de renda, contribuindo para a compra de produtos domésticos, essenciais para a manutenção das famílias. Contudo, esse aspecto nem sempre é reconhecido e valorizado, mas, à medida que a produção passa a ter um peso na composição da renda, o trabalho das mulheres passa a ser reconhecido.
Ou seja, a partir de muitos anos de mobilização das mulheres rurais em torno do reconhecimento da sua profissão, do direito à sindicalização e da garantia de sua autonomia financeira e produtiva, as mulheres da ARPEP começaram a identificar e a denunciar as diversas formas de desigualdades, que muitas vezes não eram percebidas no início da formação do grupo, como foi anteriormente mencionado. Para muitas mulheres, a militância agroecológica através do trabalho com o extrativismo sustentável foi o espaço do seu empoderamento político. Portanto, foi nesses espaços que elas manifestaram sua discordância com os sistemas atuais e buscaram construir alternativas para uma sociedade mais justa e igualitária.20 20 SILIPRANDI, 2009.
Na atualidade, verifica-se que alguns maridos levam de moto suas esposas à sede das unidades de processamento para o trabalho, demostrando que reconhecem a ação enquanto trabalho de suas companheiras. Há vários depoimentos de agricultoras que tiveram sua saúde melhorada depois que começaram a participar das atividades do grupo de mulheres, e isso se dá principalmente em função do empoderamento das mulheres21 21 Neste estudo, entendemos empoderamento, conforme a concepção defendida por Carmem DEERE e Magdalena LEON, 2002, p. 52, como um processo que requer "[...] transformação no acesso da mulher tanto aos bens quanto ao poder." e do aumento da sociabilidade e da autoestima, além da questão relacionada a melhorias na qualidade da alimentação, pois verifica-se que muitas associadas fazem pães, bolos, bolachas, farinhas, doces, entre outros produtos que têm como base os frutos do Cerrado e a produção de seus lotes, que também são utilizados cotidianamente na alimentação das famílias.
No Brasil é frequente a percepção do trabalho na agricultura familiar e no agroextrativismo como atividade masculina. Embora as mulheres desempenhem um papel decisivo na execução das atividades relacionadas à produção e ao manejo dos recursos naturais nos vários biomas, elas não são valorizadas da mesma maneira. Em várias regiões, quando as mulheres vão para a roça e trabalham junto com a família, é comum escutarmos ser dito que elas apenas "ajudam".22 22 PACHECO e CARDOSO, 2005.
Exemplos como estes trazem a reflexão do quanto é importante para todos os atores sociais que atuam no campo voltarem seus olhos para as desigualdades na sociedade. As mulheres precisam ter seu trabalho e sua contribuição na agricultura valorizados, assim como precisam opinar nas decisões familiares e nas decisões dos espaços públicos das comunidades, dos sindicatos, das associações e dos conselhos.23 23 PACHECO, 2009. Isso porque o papel da mulher, nos dias atuais, tem-se ampliado e foi acrescido de outros espaços que não aqueles da esfera doméstica; neste novo contexto rural, mudanças vêm ocorrendo e as mulheres querem/precisam ser mais participativas nas tomadas de decisões.
Na sede da ARPEP, que funciona no PA Corixinha, na fronteira Brasil-Bolívia, no município de Cáceres/MT, toda diretoria é formada por mulheres oriundas dos diversos grupos existentes na região Sudoeste mato-grossense; porém, cada grupo de mulheres tem sua coordenação, secretaria, tesoureira e identidades próprias. A estratégia é buscar a consolidação das unidades organizativa descentralizada dos grupos de mulheres através da agroecologia e do extrativismo sustentável. Nessa perspectiva, tem recebido assessoria técnica da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional/Regional de Mato Grosso (FASE/MT), Sindicato do Trabalhadores/as Rurais de Cáceres (STTR), Secretarias de Agricultura de Mirassol d'Oeste e Cáceres, com apoio do Serviço de Análise e Assessoria a Projetos (SAAP/FASE), Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS) e Programa Universidades e Comunidades do Cerrado (UNICOM). Essa assistência tem sido essencial no processo de capacitação das mulheres e de produção, processamento e comercialização dos frutos do Cerrado na agricultura familiar.
Na atualidade, a ARPEP é composta por 108 mulheres, distribuídas nos oito grupos de mulheres da região Sudoeste mato-grossense, que atuam na coleta e no processamento de frutos do Cerrado, principalmente do babaçu (Orbygnia speciosa), do pequi (Caryocar brasiliense) e do cumbaru (Dypterix alata). Outros frutos, como jenipapo (Genipa americana), mangaba (Hancornia speciosa), jatobá (Hymenaea stigonocarpa) e cagaita (Eugenia dysenterica), são utilizados na alimentação das famílias. Os grupos organizados fazem com que, de fato, as mulheres tenham maior visibilidade no campo, principalmente por terem acesso a programas governamentais e aos seus benefícios.
Além da experiência da ARPEP no Mato Grosso, podemos destacar outras experiências de organizações, que aliam o saber das mulheres com o aproveitamento sustentável das espécies do Cerrado, nos seguintes estados brasileiros: Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Maranhão e Distrito Federal.24 24 Andrea LOBO, Isabel FIGUEIREDO e Karenina ANDRADE, 2010.
Uma das experiências mais bem-sucedidas e de referência no Brasil vem do Nordeste, trata-se da Associação em Áreas de Assentamento do Estado do Maranhão (ASSEMA), que é uma associação liderada por trabalhadoras rurais e mulheres quebradeiras de coco babaçu que promove a produção familiar, utilizando e preservando os babaçuais, para a melhoria da qualidade de vida no campo.25 25 Confira o site: < http://www.assema.org.br>.
Outra experiência de destaque no Cerrado é a Cooperativa Grande Sertão, no Norte de Minas Gerais, município de Montes Claros. A principal atividade produtiva da Grande Sertão é a produção de polpas integrais congeladas de frutas, que são adquiridas de 1.130 famílias de quase 150 comunidades diferentes pertencentes a 19 municípios da região. As frutas para a produção são de espécies do Cerrado, como a cagaita (Eugenia dysenteria), coquinho azedo (Butia capitata), mangaba (Hancornia speciosa), maracujá nativo (Passiflora cincinnata) e panã (Annona crassiflora), além de frutas encontradas nos quintais, como abacaxi, acerola, cajá, caju, goiaba, manga e tamarindo.26 26 Igor CARVALHO, 2007, p. 86.
Todas essas experiências apresentadas têm como tema mobilizador e articulador a soberania e a segurança alimentar, ressaltam o papel histórico que cumprem as mulheres nesse campo, uma vez que elas são levadas a enfrentar os mais diversos contextos em que se manifesta a insegurança alimentar, tais como o avanço da cana-de-açúcar na região Sudoeste mato-grossense, a expansão da monocultura do eucalipto no Norte de Minas Gerais, o potencial extrativista ameaçado por fazendeiros no Maranhão, as políticas de livre comércio e a crise do sistema agroalimentar no plano internacional.27 27 PACHECO, 2009.
Entre as várias oportunidades de acompanhamento das atividades da ARPEP, numas delas foi possível vivenciar uma atitude dos homens em relação às mulheres da associação. Enquanto as mulheres debatiam sobre direitos e temas ligados à saúde feminina, os homens foram para cozinha preparar o almoço e as mulheres permaneceram no barracão reunidas. Ao ser a presidente da associação indagada sobre a situação, ela informou que isso acontecia esporadicamente, mas que aos poucos pequenas mudanças estão ocorrendo no contexto do assentamento, possibilitando assim a diminuição das disparidades de direitos reservados a homens e mulheres nas relações cotidianas do assentamento.
Pacheco e Cardoso28 28 PACHECO e CARDOSO, 2005, p. 33. afirmam que mudanças como essa, que mexem com elementos arraigados à nossa cultura, não são fáceis de serem realizadas, mas a agroecologia vem conseguido provar que não é impossível mudar práticas não sustentáveis incorporadas ao nosso modo de vida. E, para que as mulheres possam participar dos espaços públicos, também é necessário que o trabalho doméstico seja considerado estratégico pela família e seja dividido por todos e todas, assim como acontece com o trabalho nas lavouras.
No tocante ao extrativismo sustentável, as mulheres da ARPEP praticam conservando as espécies nativas, pois os frutos servem de alimentos para diversos animais silvestres, que fazem a propagação natural no ambiente, contribuindo para a sustentabilidade ecológica do ambiente e da atividade extrativista. Outras práticas sustentáveis empregadas, que podem ser incorporadas pelas agricultoras sem prejuízos ao ambiente, é enriquecer áreas de Cerrado com fruteiras nativas e realizar o controle de queimadas nessas áreas.29 29 Jean MEDAETS, André GREENHALGH, Ana LIMA e Divani SOUZA, 2007.
Os frutos nativos não faziam parte da dieta alimentar das famílias nos PAs da região, mas, em virtude do trabalho das mulheres, houve o resgate do uso, pois se constituem em uma importante fonte alimentar e de renda, mas seu significado para esse grupo social extrapola esse sentido, uma vez que promove o reconhecimento do seu trabalho.
O processo produtivo é iniciado com a coleta dos frutos nas matas (Cerrado) e nos pastos dos PAs. Após isso, são levados para uma das quatro unidades de processamento e beneficiamento (Tabela 2), produzindo diversos subprodutos, como, por exemplo, pães, bolos, bolachas, doces, mingaus, mesocarpo, flocos e outros. A comercialização acontece via programas implantados para o fortalecimento da agricultura familiar, entre eles o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)30 30 Conforme o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o PAA foi "[...] constituído como uma ação estruturante no contexto da proposta do Fome Zero." É um programa governamental que procura contribuir para o aumento da renda dos produtores de pequenas unidades do campo, ou seja, a agricultura familiar camponesa, ao mesmo tempo que visa ao combate à fome e à miséria (BRASIL, 2013b). e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)31 31 O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi criado pela Lei Federal n. 11.947/2009, visando à assistência financeira suplementar com vistas a garantir no mínimo uma refeição diária aos alunos beneficiários. A garantia dessa refeição diária dá-se também por meio da compra de produtos da agricultura familiar, priorizando os assentamentos de reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas (BRASIL, 2013a). , além da venda direta nos assentamentos.
No tocante à comercialização, foi necessária a mobilização da associação para inserir os alimentos elaborados a partir do babaçu (O. speciosa), do pequi (C. brasiliense) e do cumbaru (D. alata) na alimentação escolar, fazendo cumprir a Lei n. 11.947/2009, que assegura que pelos menos 30% da alimentação nas escolas seja proveniente da agricultura familiar. Além das escolas, as mulheres entregam o babaçu (O. speciosa) na forma de flocos para a Pastoral da Criança, que o transforma em multimistura, atendendo a várias famílias em risco de desnutrição nos municípios de Cáceres e Cuiabá (Tabela 2).
A direção da ARPEP, com assistência dos técnicos da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - Regional Mato Grosso (FASE/MT), trabalhou no desenvolvimento de uma metodologia simples para que o coletivo de mulheres registrasse sua produção (Tabela 3), visando melhorar a composição de preços e definição das estratégias de negócios, com vistas à sustentabilidade e ao fortalecimento dos grupos de mulheres da região Sudoeste mato-grossense. A seguir é apresentado um exemplo, através do coco do babaçu (O. speciosa), de como é realizada pela associação uma estimativa da renda.
O floco do babaçu é comercializado a R$ 5,00 o quilo, conforme tabela de preços CONAB/MT/2011, então tem-se:
16 kg * R$ 5,00 = R$ 80,00 - custos da produção R$ 3,00 = R$ 77,00
Rendimento por hora = R$ 77,00/17 horas = R$ 4,53
Considerando um dia de trabalho de oito horas, a produção de flocos tem potencial de gerar uma renda de R$ 36,24/dia, que pode ser considerada vantajosa quando comparada ao valor pago na região para um dia de trabalho de roçado em pasto ou corte de cana, que é de R$ 25,00, e para os que recebem o salário mínimo vigente R$ 678,00 (maio/2013), que é de R$ 22,60.
O babaçu, que foi tomado como exemplo, é uma das principais fontes de renda de 400.000 mil famílias no Pará, Maranhão e Piauí, que coletam o coco e extraem as amêndoas para produção de óleo artesanal, configurando a categoria das quebradeiras de coco de babaçu, reconhecida oficialmente pelo governo como população tradicional.32 32 Antônio BIONDI, Maurício MONTEIRO e Verena GLASS, 2008.
Em suma, a organização das mulheres, que culminou na formação da ARPEP, contribuiu para a valorização do trabalho feminino nos PAs da região Sudoeste mato-grossense e possibilitou que elas tivessem acesso às políticas públicas, conferindo-lhes o direito à cidadania. Os estudos de Melo33 33 Hildete MELO, 2008. mostram que o maior bolsão de pobreza é ocupado pelas trabalhadoras rurais, que vivem as piores situações, devido à grande maioria viver na condição de não remunerada, por isso a importância da universalização do acesso a políticas públicas dirigidas à promoção da autonomia econômica, elemento indispensável para a superação das desigualdades que marcam as vidas das mulheres trabalhadoras no campo.
Considerações Finais
A pesquisa sobre a organização das mulheres extrativistas nos assentamentos rurais da região Sudoeste mato-grossense mostra o quanto a luta e o trabalho realizado pelas mulheres trabalhadoras rurais vêm contribuindo para a melhoria nas condições de vida no campo e para uma maior conscientização da mulher quanto ao seu papel na sociedade e, principalmente, na comunidade local.
Constatamos ainda que o aproveitamento dos frutos do Cerrado tem sido realizado de maneira sustentável, tornando-se uma importante alternativa socioeconômica para as famílias assentadas na região Sudoeste de Mato Grosso, pois além de gerar renda, complementa a alimentação de uma população historicamente excluída.
Além disso, observa-se que as mulheres da ARPEP estabeleceram uma nova fase de relação com os recursos naturais, fortalecendo a agricultura familiar e preservando a biodiversidade, contribuindo para a produção de alimentos em quantidade e qualidade com base em princípios agroecológicos e de promoção da segurança alimentar e nutricional.
A prática das mulheres da ARPEP com a produção extrativista sustentável também possibilitou um diálogo entre as populações do campo na região, reforçando a importância da igualdade de gênero na agricultura, mostrando que o sucesso desses processos depende de um acompanhamento de perto das dinâmicas e práticas sociais, do apoio e incentivo por parte de uma assistência técnica e extensão rural (ATER) pública e de qualidade, que contemple o gênero como elemento transversal em todos os níveis.
A busca por empoderamento, como eixo central nas discussões, fortaleceu, nos últimos anos, as mulheres nas comunidades e assentamentos na região; porém, o resultado desse empoderamento precisa ainda se aprofundar em diversos setores, como na própria família, na assistência técnica, nas igrejas e ONGs que assessoram esses grupos; contudo, tem-se verificado que as mulheres conseguiram inúmeros avanços.
Esses avanços assumidos pelas mulheres da ARPEP podem ser verificados em várias frentes, como o direito de participar de associações, abrir e gerir a conta bancária da associação, participar de reuniões, viajar para participar de feiras e encontros, contribuir com as lutas sociais, dividir o trabalho doméstico com os homens durante as atividades de gênero nos assentamentos, dando visibilidade ao trabalho das mulheres.
Finalizando esta pesquisa, concluiu-se que os recursos financeiros obtidos pelas mulheres dos PAs da região Sudoeste mato-grossense por meio da atividade extrativista sustentável têm sido essenciais para fortalecer o reconhecimento de sua força de trabalho e a conquista de sua autonomia/cidadania. Tais conquistas proporcionam também o fortalecimento das mulheres como sujeitas políticas, econômicas e sociais com sonhos e desejos e construtoras de práticas que visam ao bem-estar de sua família e das pessoas que vivem no campo. Porém, é necessário que as políticas públicas sejam ajustadas de modo a valorizar a contribuição social das mulheres no desenvolvimento local e regional de forma sustentável.
Notas
Os resultados apresentados foram gerados no âmbito dos projetos de pesquisa financiados pelo CNPq, CAPES e FAPEMAT (Edital 031/2010 - Rede Centro-Oeste) denominados: "Questão agrária e transformações socioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT, na última década censitária" e "Sistemas agroecológicos na fronteira Brasil-Bolívia: estudo comparativo das alternativas induzidas no assentamento 72, em Ladário/MS, com as práticas do assentamento Rosely Nunes, em Mirassol d'Oeste/MT".
Este estudo foi contemplado com apoio financeiro do Programa Universidades e Comunidades no Cerrado (UNICOM), através do projeto "FLORELOS: elos ecossociais entre as florestas brasileiras: modos de vida sustentáveis em paisagens produtivas", desenvolvido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), e possui o apoio financeiro da União Europeia.
O autor é beneficiado com bolsa de estudos concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT).
Recebido em 13 de abril de 2012
Reapresentado em 6 de maio de 2013
Aprovado em 20 de junho de 2013
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A organização das mulheres extrativistas na região Sudoeste mato-grossense, Brasil
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Maio 2014 -
Data do Fascículo
Abr 2014
Histórico
-
Recebido
13 Abr 2012 -
Aceito
20 Jun 2013 -
Revisado
06 Maio 2013