Resumo:
Neste artigo temos por objetivo analisar o Caso Alyne Pimentel v. Brasil, julgado pelo Comitê das Nações Unidas para Eliminação das Discriminações contra as Mulheres (Comitê CEDAW 49ª seção julho/2011), buscando apontar para suas principais contribuições jurídicas na temática da violência de gênero contra as mulheres. Destacamos, em especial, as contribuições da Decisão para o aprofundamento da compreensão jurídica sobre os efeitos da discriminação racial na violência de gênero e na saúde reprodutiva de mulheres negras, pobres e periféricas.
Palavras-chave:
direitos humanos das mulheres; violência de gênero; interseccionalidades
Abstract:
This article aims to analyze the Case Alyne Pimentel v. Brazil, judged by the United Nations Committee on the Elimination of Discrimination against Women (CEDAW Committee, 49th section July/2011), by highlight its main legal contributions to the issue of gender violence against women. We particularly emphasize the contributions of the Decision to further developing the legal understanding on the effects of racial discrimination on gender violence and reproductive health of colored poor peripheral women.
Keywords:
Women's Human Rights; Gender Violence; Intersectionalities
Introdução
A temática da violência de gênero contra as mulheres passou a ganhar visibilidade no debate público e na agenda da política de diversos países latino-americanos a partir dos anos 1980, sobretudo em razão da mobilização política por direitos realizada pelos movimentos feministas e de mulheres da região. Essa mobilização, muitas vezes feita com o uso de estratégias político-jurídicas de litigância ou advocacy1
1
A expressão advocacy tem sido utilizada pelos movimentos feministas para se referir a um conjunto amplo e diversificado de ações políticas dos movimentos de mulheres com o objetivo de influenciar o debate público e incidir politicamente nos atores e instituições políticas, sociais e culturais de modo a gerar transformações políticas e institucionais na sociedade civil e no Estado, a partir de conteúdos e propostas específicas presentes nas agendas feministas.
feministas (Marlene LIBARDONI, 2000LIBARDONI, Marlene. “Fundamentos teóricos e visão estratégica da advocacy”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 2, p. 167-179, 2000. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11936
. Acesso em 29/05/2018.
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), favoreceu que tal temática passasse a ser reconhecida como um tipo de violação de direitos humanos e, por essa via, que os Estados passassem a assumir obrigações internacionais voltadas à prevenção e à erradicação de todo tipo de violência contra as mulheres.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), aprovada em 9 de junho de 1994, é resultante deste processo e constitui-se como um dos principais tratados do Sistema Interamericano de Direitos Humanos relativo aos direitos humanos das mulheres, sobretudo porque trouxe um aporte jurídico-conceitual importante para a abordagem da violência contra as mulheres em uma perspectiva de gênero.
A partir dela, foi possível intensificar o processo de problematização das relações sociais que formatam as experiências de vida de mulheres e de questões relativas à subalternidade em relação aos homens, nas abordagens jurídicas sobre a violência contra as mulheres. Neste processo, o conceito interseccionalidade, originário do campo de estudos e de ação política do feminismo negro, também tem ganhado contornos jurídico-dogmáticos pela jurisprudência internacional em direitos humanos das mulheres, que favorecem o reconhecimento de categorias como raça-etnia, gênero, classe social, sexualidade e origem territorial como centrais na análise das formas múltiplas de violência contra as mulheres latino-americanas.
Interessa-nos, neste artigo, analisar o Caso Alyne Pimentel v. Brasil, julgado pelo Comitê das Nações Unidas para Eliminação das Discriminações contra as Mulheres (Comitê CEDAW),2 2 O Comitê CEDAW representa um dos principais dispositivos da CEDAW (previsto em seu art. 17), tendo a função primordial de supervisionar o seu cumprimento pelos Estados-Partes. Entre as atribuições do Comitê destacam-se: examinar os relatórios periódicos apresentados pelos Estados-Partes (nos termos do art. 18 da CEDAW), que devem apresentar as medidas adotadas para efetivação das disposições previstas na CEDAW; formular sugestões e recomendações gerais (de acordo com o art. 21 da Convenção), a fim de orientar os Estados signatários acerca das obrigações previstas na Convenção; examinar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupos de indivíduos que afirmam serem vítimas de violações dispostos na Convenção (nos termos dos artigos de 2 a 7 do Protocolo Adicional). buscando compreender as contribuições que a decisão sobre o caso trouxeram para a jurisprudência em direitos humanos das mulheres, inclusive no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em especial para o reconhecimento da abordagem interseccional de gênero na análise da violência contra as mulheres. Buscamos apresentar quais as principais contribuições do caso para a análise jurídica sobre os efeitos do racismo e da discriminação racial na violência de gênero contra as mulheres, em especial na análise dos direitos reprodutivos de mulheres negras, pobres e periféricas.
Na pesquisa seguimos uma abordagem qualitativa e utilizamos a análise documental dos instrumentos normativos dos direitos humanos das mulheres e do relatório do Caso Alyne Pimentel v. Brasil (ONU, 2011ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Relatório Alyne da Silva Pimentel Teixeira (deceased) v. Brazil. Tradução de Juliana Fontana Moyses. Comitê CEDAW, 2011.).
Em 2008, o Brasil foi representado perante o Comitê CEDAW pela violação ao direito humano à saúde da mulher. O caso Alyne Pimentel v. Brasil foi o primeiro, no Sistema Global de Direitos Humanos, envolvendo denúncia sobre mortalidade materna. Ele foi encaminhado ao Comitê CEDAW e buscou evidenciar a problemática sobre morte materna como violação do direito humano à saúde sexual e reprodutiva das mulheres.
O caso poderia ser apresentado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, por se tratar de um tipo de violência contra as mulheres e, portanto, ser considerado uma violação às obrigações assumidas pelo Estado brasileiro por ser signatário da Convenção de Belém do Pará. Mas, o envio ao Comitê CEDAW buscou fortalecer o entendimento de que a violência contra as mulheres é um tipo de discriminação e de que a discriminação contra as mulheres negras, pobres e periféricas tem sido sistêmica nos serviços de saúde no país.
Estruturamos o artigo em duas seções. Na primeira seção, discutimos os conceitos de violência, gênero e interseccionalidade a partir dos marcos jurídico-normativos em direitos humanos das mulheres. Para isso, analisaremos os seguintes documentos: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção CEDAW) (ONU MULHERES, 1979ONU MULHERES. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979. Disponível em http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/convencao_cedaw.pdf.
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); as Recomendações Gerais (2003CFEMEA. Recomendações do Comitê CEDAW ao Brasil, 2003. Disponível em https://www.cfemea.org.br/index.php/mobile-colecao-femea-e-publicacoes/colecao-femea/112-numero-128-setembro-de-2003/917-recomendacoes-do-comite-cedaw-ao-brasil.
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) adotadas pelo Comitê CEDAW; e a Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), (OEA, 1994ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, 1994.). Na segunda seção, com apoio no relatório do Comitê CEDAW, apresentaremos uma descrição do caso, a representação feita ao Comitê CEDAW e a decisão de mérito.
Nossa proposta, com isso, é argumentar que a decisão de mérito do Comitê CEDAW, ao reconhecer a morte materna de Alyne Pimentel como violência de gênero e ao articular as categorias gênero, raça e classe na análise do caso, garantiu novas bases jurídico-formais para a abordagem interseccional na análise sobre a violência contra as mulheres. Ela é, nesse sentido, uma das principais jurisprudências de direitos humanos das mulheres que oferece parâmetros para abordagem interseccional da violência contra as mulheres.
Violência de gênero e o direito humano das mulheres
A Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará (OEA, 1994), estabeleceu, pela primeira vez, o direito das mulheres de viver uma vida livre de violência, ao tratar a violência contra elas como uma violação de seus direitos humanos que limita seu exercício, gozo e reconhecimento (Alda FACIO, 2014FACIO, Alda. La Responsabilidad Estatal Frente Al Derecho Humano a la Igualdad. México: RC, 2014.).
Pelos seus artigos 1º e 2º, ela introduz no Sistema Interamericano o conceito de violência contra as mulheres, apontando para seu caráter sistêmico, ao dizer que ela se configura como toda conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública, quanto na privada, baseada no gênero. É uma violência resultante das assimetrias existentes nas relações de poder entre homens e mulheres, que reproduzem a subordinação e desvalorização do feminino frente ao masculino. Ela reconhece que tal violência decorre do gênero e não, apenas, do sexo.3 3 De forma geral, os tratados internacionais de direitos humanos das mulheres não oferecem uma conceituação de gênero. Além de se abster de se referirem ao gênero como categoria de análise, por vezes, os tratados trazem gênero como sinônimo de “sexo” e violência contra a mulher como sinônimo de violência de gênero. Isso decorre de ao menos dois fatores: o primeiro é que o conceito de violência contra as mulheres tem sido construído a partir de proibições às formas de discriminação; o segundo é que não existe plena consciência das diferenças conceituais entre as categorias gênero e sexo.
A Convenção também aborda a violência institucional ao afirmar os Estados como possíveis lugares-agentes de tal violência em diversos de seus artigos e trazer obrigações variadas, imediatas e progressivas, aos Estados-Partes, para a prevenção, investigação e sanção de todas as formas de violência contra as mulheres (artigo 2°, c). Ainda, ela reconhece a relação existente entre violência de gênero e a discriminação contra as mulheres e aponta que tal violência é o reflexo de relações desiguais de poder, que não são, apenas, baseadas no gênero, mas que se imbricam com outras formas de subordinação (artigo 6º).
No Sistema Global dos Direitos Humanos, o instrumento normativo mais importante sobre a temática da violência de gênero é a Convenção Pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW) (OEA, 1994). De acordo com Carmen Hein Campos (2011CAMPOS, Carmen Hein de. “Razão e Sensibilidade: Teoria Feminista do Direito e Lei Maria da Penha”. In: CAMPOS, Carmen Hein de. (Org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 01-13.), a conceituação da discriminação prevista no art. 1º da CEDAW é ampla, abarcando todos os resultados que impliquem prejuízo ou anulação do gozo ou exercício de direitos em base de igualdade com os homens e que sua compreensão deve ser feita com apoio nas recomendações específicas do Comitê CEDAW e na jurisprudência internacional.
Assim, embora a Convenção não traga, de forma expressa, a violência contra as mulheres como uma forma de discriminação, essa articulação foi estabelecida, de modo direto, pela Recomendação Geral n.º 19/1992 do Comitê CEDAW (ONU, 1992ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Recomendação Geral n. 19 (violência contra as mulheres). Comitê CEDAW, 1992.), a qual sinalizou que a violência contra as mulheres é uma forma de discriminação que impede o exercício pleno de direitos. Em tal Recomendação Geral (ONU, 1992), o Comitê explicitou que a violência baseada no gênero é uma forma de discriminação dirigida às mulheres pelo fato de serem mulheres ou que as afeta desproporcionalmente, impedindo-as de gozar dos direitos em igualdade com os homens. Inclui todo ato que cause sofrimento ou dano físico, mental e sexual, as ameaças de tais atos, coerção ou outras privações de liberdade.
A relação entre discriminação e violência que a Recomendação Geral nº 19 (ONU, 1992) estabeleceu confirma o entendimento da violência de gênero como uma forma de discriminação, nos termos do artigo 1º da CEDAW e, portanto, afeta todas as obrigações decorrentes da Convenção. É necessária, por conseguinte, a compreensão das categorias discriminação e violência como categorias entrelaçadas, visto que, na perspectiva do Comitê, em todas as formas de violência contra as mulheres está compreendida a definição de discriminação estabelecida na CEDAW (ONU, 1992).
A Recomendação Geral nº 35 (ONU, 2017ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Recomendación general n. 35 (sobre la violencia por razón de género contra la mujer, por la que se actualiza la Recomendación General núm. 19). Comitê CEDAW, 2017.) atualizou a Recomendação Geral nº 19. Foi revisado o conceito de violência de gênero contra a mulher, de modo a destacar a dimensão estrutural do fenômeno, bem como as formas sociais, políticas e econômicas fundamentais por meio das quais o lugar subalterno das mulheres e as normas de gênero têm sido (re)produzidas (ONU, 2017, p. 04). Ela chamou atenção para o fato de que, em muitos Estados, a legislação relativa ao tema da violência contra as mulheres ainda é inexistente, insuficiente, ou mal aplicada. Elementos como tradição, cultura ou redução significativa das despesas públicas (em momentos de crises econômicas ou políticas) contribuem para enfraquecer ainda mais as respostas dos Estados frente à persistência da violência de gênero contra as mulheres.
Já a Recomendação Geral nº 33 do Comitê CEDAW (ONU, 2015ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Recomendação Geral n. 33 (sobre o acesso das mulheres à justiça). Comitê CEDAW, 2015.) favorece aportes importantes para a compreensão de que a discriminação contra as mulheres é resultante de relações desiguais de gênero, mas também de raça-etnia, classe, crença, sexualidade, nacionalidade, deficiência, entre outras. As mulheres experienciam múltiplas e interseccionais formas de discriminação e, por isso, a violência de gênero afeta grupos de mulheres de diferentes formas e graus, o que demanda respostas normativas e políticas diferenciadas.
De modo geral, interseccionalidade refere-se às tentativas de compreensão da discriminação como fenômeno original e irredutível ao somatório de diversos critérios proibidos de discriminação, estes simultâneos ou não. No campo do feminismo negro, apesar de podermos identificá-la em diversas autoras que buscaram nomear e compreender os efeitos de diferentes formas de opressão sobre as mulheres, a categoria interseccionalidade é apresentada como categoria analítica pela jurista negra norte-americana Kimberlé Crenshaw (2002CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 7, n. 12, p. 171-188, 2002. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11636.pdf
. Acesso em 10/06/2017.
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) que, em seus trabalhos, busca focalizar, sobretudo, as interações entre raça, gênero e classe social para compreender as experiências de opressão-subordinação das mulheres negras (Flávia BIROLI; Luis Felipe MIGUEL, 2015BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luis Felipe. “Gênero, Raça, Classe: Opressões Cruzadas e Convergências na reprodução das desigualdades”. Revista Mediações, Londrina, v. 20, n. 2, p. 27-55, julho/agosto 2015.).
Podem ser muitas as categorias sociais da diferença que resultam na construção de sistemas de opressão responsáveis pela manutenção de certos grupos no poder e na marginalização de outros.4 4 O projeto moderno/colonial mobilizou as categorias raça e gênero, como essências, para instituir uma linha que separa duas zonas: a do humano (zona do ser) e a do não humano (zona do não ser). Ambas as categorias formam, então, a hierarquização binária moderna que atribui (ou não) humanidade aos sujeitos. Assim, pensar os sentidos de “humano significa analisar como gênero e raça (re)produzam-se reciprocamente na modernidade colonial e juntas são ao mesmo tempo causa e efeito da criação dos conceitos umas das outras”. Dentre elas, incluem-se gênero, raça, etnia, classe social, casta, religião, origem nacional, deficiência e orientação sexual. Estas estruturas de dominação não são estanques e/ou apartadas, mas, ao contrário, elas interagem constantemente de modo a sustentar complexas organizações hierárquicas de poder.
Na perspectiva dos feminismos negros e decoloniais, a espacialidade do Atlântico também é fator relevante, ao permitir o reconhecimento da história escravagista do Brasil e do mito da democracia racial latino-americana como elementos fundamentais para a compreensão aprofundada sobre as condições de reprodução da discriminação interseccional contra mulheres negras (Carla AKOTIRENE, 2018AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte: Letramento, 2018. (Coleção Feminismos Plurais); Sueli CARNEIRO, 2003CARNEIRO, Sueli. “Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero”. In: ASHOKA EMPREENDIMENTOS SOCIAIS & TAKANO CIDADANIA (Orgs.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano, 2003. p. 49-58.).
A perspectiva do Sul global amplia a noção norte-americana de interseccionalidade para olharmos a realidade social específica de mulheres negras em contextos latino-americanos. Seu uso a partir da experiência norte-americana é insuficiente e “incapaz de explicar plenamente a profunda imbricação entre as estruturas de dominação, cuja articulação não está presente apenas em contextos específicos nos quais duas ou mais estruturas se sobrepõem - como no caso de mulheres negras pobres” (Amanda RESENDE, 2017RESENDE, Amanda Martinho. Opressão de gênero: a ausência de um olhar interseccional na busca de soluções jurídicas. 2017. Monografia (Trabalho de Conclusão do Curso de Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., p. 66).
A expansão do termo não implica o descarte da categoria interseccionalidade ou de seu notável papel epistêmico, mas sim um reconhecimento de que a “interseccionalidade exige orientação geopolítica” e se manter em diálogo com epistemologias do Sul (AKOTIRENE, 2018AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte: Letramento, 2018. (Coleção Feminismos Plurais), p. 27).
Do ponto de vista dos estudos decoloniais, a linha divisória entre a zona do ser e a zona do não ser é determinante para qualquer análise de gênero e, por isso, a categoria interseccionalidade “deve sempre ser interpretada à luz da decolonialidade, que evidenciou as imbricadas relações entre as diversas estruturas de opressão contidas no sistema mundial moderno-colonial de poder capitalista, patriarcal, racista e heteronormativo” (RESENDE, 2017RESENDE, Amanda Martinho. Opressão de gênero: a ausência de um olhar interseccional na busca de soluções jurídicas. 2017. Monografia (Trabalho de Conclusão do Curso de Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., p. 65).
O conceito geral de discriminação interseccional aponta para a interação entre duas ou mais categorias, que não devem ser decompostas na análise sobre as múltiplas formas de violência contra as mulheres. Apesar disso, em países racializados como o Brasil, a categoria raça deve assumir singular relevância na análise que, ao interagir com outros marcadores sociais, permite a melhor compreensão sobre tal fenômeno e sobre as formas de acesso ou de violação de direitos das mulheres negras, pobres e periféricas.
De acordo com Adilson Moreira (2016MOREIRA, Adilson José. “Direitos Fundamentais como Estratégias Anti-hegemônicas: Um Estudo sobre a Multidimensionalidade de Opressões”. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 09, n. 03, p. 1559-1599, 2016. Disponível em Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/20235
. Acesso em 22/08/2018.
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; 2017), um dos principais obstáculos à garantia de direitos aos grupos subalternizados decorre da dificuldade de situarmos quem são esses sujeitos. O discurso jurídico ainda os compreende a partir da categoria abstrata de sujeito de direito, “desprovido” de identidades sociais que os hierarquiza na vida social. A combinação dos processos que situam homens e mulheres de acordo com categorias sociais como gênero, raça-etnia, sexualidade e classe com a institucionalização de práticas que estabelecem padrões desiguais de acesso a direitos produz desigualdades que se cristalizam mesmo nas sociedades democráticas (MOREIRA, 2017MOREIRA, Adilson José. “Cidadania Racial”. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 10, n. 02, p. 1052-1089, 2017. Disponível em Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/22833
. Acesso em 10/08/2018.
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).
Torna-se necessário, então, que as instituições políticas e jurídicas levem em consideração a “complexidade do sujeito social” (MOREIRA, 2016MOREIRA, Adilson José. “Direitos Fundamentais como Estratégias Anti-hegemônicas: Um Estudo sobre a Multidimensionalidade de Opressões”. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 09, n. 03, p. 1559-1599, 2016. Disponível em Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/20235
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, p. 1566) para que medidas de igualdade e não discriminação sejam efetivas. Dito de outra forma, a luta contra as diferentes formas de opressão implica a adoção de estratégias que permitam a emancipação de todos os segmentos existentes no interior dos grupos sociais. Isso requer o reconhecimento de sua pluralidade interna e das distintas formas de subalternização enfrentadas pelos diferentes sujeitos (MOREIRA, 2016).
O caso Alyne Pimentel v. Brasil
Descrição do Caso
Alyne Pimentel era moradora de Belford Roxo, estado do Rio de Janeiro, tinha 28 anos, era negra, de classe socioeconômica desprivilegiada, casada, mãe de uma menina de 5 anos e estava grávida de 6 meses de outra menina. Em 11 de novembro de 2002, Alyne Pimentel, sentindo náusea e dores abdominais, procurou a Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória, situada em Belford Roxo, unidade de saúde conveniada com o Sistema Único de Saúde mais próxima de sua residência.
Ela foi atendida por um ginecologista, no entanto, não foram feitos quaisquer exames laboratoriais ou de ultrassonografia, sendo o retorno para a realização de exame de sangue e de urina no dia 13 de novembro de 2002. No dia marcado, Alyne Pimentel, acompanhada de sua mãe, Maria de Lourdes da Silva Pimentel, procurou a Casa de Saúde antes do horário agendado, pois as dores abdominais haviam aumentado.
A consulta foi realizada por um segundo médico ginecologista, que, constatando sua condição, determinou sua internação. Ao ser encaminhada à enfermaria da maternidade, Alyne Pimentel foi examinada por um terceiro médico que, ao realizar o exame físico, não detectou os batimentos cardíacos do feto, atestando morte fetal. Alyne Pimentel foi submetida a um exame de ultrassonografia e, posteriormente, informada de que teria o parto induzido para a retirada do feto morto. O parto normal não foi bem-sucedido, em consequência, uma cirurgia de curetagem foi realizada, não antes que transcorressem 14 horas da realização deste (ONU, 2011, p. 03).
A condição de Alyne Pimentel se mantinha grave. A equipe médica da Casa de Saúde, ao reconhecer a incapacidade de lidar com o caso, procurou outros hospitais, públicos e privados, que fossem mais bem equipados e que pudessem receber a paciente. Apenas o Hospital Geral de Nova Iguaçu possuía espaço disponível, mas se recusou a disponibilizar sua única ambulância para transportar Alyne Pimentel. A mãe de Alyne Pimentel não tinha condições financeiras para custear uma ambulância particular, sendo a única alternativa aguardar a disponibilidade de algum carro da rede pública. Alyne Pimentel já estava em condições críticas, mas teve que esperar oito horas para ser transferida para o hospital, sendo que nas últimas duas horas de espera ela já apresentava sintomas de coma.
Na transferência, a Casa de Saúde não enviou os registros médicos de Alyne relativos ao período em que ela foi atendida na unidade hospitalar de Nova Iguaçu, retendo as informações sobre o estado de saúde da paciente. No lugar dos registros foi feito um breve relatório oral sobre os seus sintomas. Entretanto, foi omitido que a paciente havia estado grávida e que todos os seus sintomas resultaram do parto de um natimorto. No dia 16 de novembro de 2002 Alyne faleceu. A autópsia determinou como causa da morte hemorragia digestiva. Após o óbito, o Hospital solicitou à mãe de Alyne Pimentel que fosse à Casa de Saúde tentar obter seu prontuário médico. Ao chegar à Casa de Saúde, a mãe de Alyne Pimentel foi informada pelos médicos que o feto já estava morto há dias e que esse fato havia causado a morte da paciente (ONU, 2011, p. 04).
Representação junto ao Comitê CEDAW
Em 2008, Maria de Lourdes da Silva Pimentel, assessorada pela organização não governamental internacional Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos) e pela organização não governamental nacional Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (Rio de Janeiro), apresentou comunicação individual contra o Estado brasileiro junto ao Comitê CEDAW, da Organização das Nações Unidas. A representação foi fundamentada no descumprimento do art. 2º, alínea “c” e do artigo 12, da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) (ONU, 1979).
O Brasil teria violado, assim, expressamente o disposto na alínea “c” do artigo 2º pela demora na prestação jurisdicional no julgamento da ação de indenização proposta pelo marido de Alyne Pimentel. Entretanto, o argumento fundamental era o fato de que a morte de Alyne Pimentel se deu em decorrência de sua condição como mulher, negra e de classe socioeconômica desprivilegiada. A questão central era, portanto, que a falta de atendimento médico de qualidade que resultou na morte de Alyne Pimentel era reflexo de um quadro de violência estrutural e discriminatória que impacta as mulheres pobres e negras no Brasil.
Em síntese, os fundamentos que levaram à comunicação junto ao Comitê CEDAW foram: a) a violação ao direito, à saúde e à vida; b) a ineficiência de prestação jurisdicional que garantisse a proteção de Alyne Pimentel e sua família contra a discriminação de gênero sofrida, e c) a sistêmica condição de discriminação de gênero e violação do direito à saúde das mulheres pela ineficiência dos serviços médicos prestados.
O Estado brasileiro, em resposta ao Comitê, negou a causa da morte de Alyne Pimentel como morte materna sob o argumento de que o Comitê de Mortalidade Materna do Rio de Janeiro, em investigação do caso, concluiu que a causa de morte de Alyne Pimentel foi uma hemorragia digestiva. Quanto à demora da prestação jurisdicional, o Estado brasileiro sustentou que todas as medidas cabíveis estavam sendo prontamente cumpridas e que uma decisão definitiva de mérito era esperada para julho de 2008 (ONU, 2011, p. 11). Cabe apontar que a primeira decisão de mérito na ação judicial foi proferida apenas no ano de 2013.
Decisão do Comitê CEDAW
Quanto à análise do mérito, o Comitê CEDAW entendeu que a morte de Alyne Pimentel, ao contrário do afirmado pelo Estado brasileiro, foi uma morte materna. Essa foi uma conclusão importante, porque o Estado brasileiro havia argumentado que a morte de Alyne foi decorrente de hemorragia digestiva e porque a classificação errônea das causas de morte de mulheres acaba por ensejar a subnotificação das mulheres maternas (Rebecca COOK, 2013COOK, Rebecca. “Direitos humanos e mortalidade Materna: Explorando a Eficácia da Decisão do Caso Alyne”. Tradução de Maria Elvira Vieira de Mello e Beatriz Galli. Journal of Law, Medicine & Ethics, v. 41, n, 1, p. 103-123, 2013.).
Em relação aos serviços de saúde prestados à Alyne Pimentel, o Comitê CEDAW, analisando os fatos apresentados, concluiu que não foram garantidos os serviços de saúde apropriados à sua condição de gravidez. Reconheceu, também, a violação ao disposto no parágrafo 1º, artigo 12, da CEDAW, ao constatar que o Estado brasileiro não cumpriu com suas obrigações de manter políticas públicas que sejam aptas a garantir a igualdade de tratamento em saúde entre homens e mulheres. A decisão, observando que a “falta de serviços de saúde materna apropriados tem um impacto diferente no direito à vida da mulher” (ONU, 2011, p. 19), dispôs que o Estado brasileiro violou o estabelecido no artigo 2º da Convenção CEDAW, pois houve tratamento discriminatório com base no gênero.
O Comitê CEDAW decidiu, em síntese, que o Estado brasileiro violou as obrigações do artigo 12 (acesso à saúde), artigo 2º, c (acesso à justiça), juntamente com o artigo 1º da Convenção, lidos em conjunto com as Recomendações Gerais nº 24 e 28 da CEDAW. Ele considerou o Brasil responsável: pela falha no monitoramento das instituições privadas no que se refere aos serviços médicos por elas prestados; pela falha no atendimento às necessidades de saúde específicas de Alyne; pela falha em não adotar um enfoque interseccional nos serviços a ela prestados e pela falha em cumprir com suas obrigações de assegurar ação judicial e proteção efetivas.
O Comitê considerou que o Brasil não tomou todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra as mulheres no campo da assistência à saúde para assegurar o acesso aos servos de saúde. A falta desses serviços apropriados resultou em impactos diferenciados no direito à vida de Alyne, em razão de ser mulher negra e pela sua situação socioeconômica.
Seguindo o previsto no Protocolo Facultativo da CEDAW, o Comitê formulou recomendações ao Estado brasileiro considerando tanto a dimensão individual quanto estrutural do caso. No tocante à dimensão individual, o Comitê reconheceu os danos causados à mãe de Alyne e os danos morais e materiais sofridos por sua filha. Em razão disso, solicitou que o Brasil garanta a reparação apropriada, inclusive financeira, para a mãe e a filha de Alyne, a ser definida considerando a gravidade das violações em questão.
Sobre as causas sistêmicas, o Comitê requisitou que o Brasil: garanta o direito das mulheres à maternidade segura e a preços acessíveis, aos cuidados obstétricos de emergência; reduza as mortes maternas evitáveis por meio da implementação do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna no nível estadual e municipal, incluindo a criação de comitês de mortalidade materna onde eles ainda não existam; ofereça treinamento profissional adequado para os profissionais de saúde, especialmente sobre os direitos das mulheres à saúde reprodutiva; assegure que os serviços de saúde privados cumpram com padrões nacionais e internacionais relevantes de assistência à saúde reprodutiva; assegure que sanções adequadas sejam impostas aos profissionais de saúde que violem os direitos relacionados à saúde reprodutiva das mulheres; e assegure o acesso à proteção jurídica adequada e efetiva em casos em que os direitos relativos à saúde reprodutiva das mulheres tenham sido violados.
Ainda em cumprimento às determinações do Protocolo Facultativo, o Comitê determinou que o Estado brasileiro dê a devida consideração às recomendações feitas e envie, dentro de seis meses, uma resposta escrita, incluindo informações quanto às ações tomadas. Ele solicitou também que o Estado brasileiro publique a decisão do Comitê e que a traduza para a língua portuguesa e outras línguas regionais reconhecidas, distribuindo-a de forma a alcançar relevantes setores da sociedade.
A morte materna e a responsabilidade do Estado brasileiro
O primeiro ponto analisado pelo Comitê CEDAW foi a causa da morte de Alyne Pimentel. A questão de a causa da morte ser ou não materna foi essencial para se entender se houve violação ao direito à saúde em razão da condição de ser mulher, visto que a violação ao direito à saúde de Alyne Pimentel como vítima de discriminação em face de seu gênero não foi admitida pelo Estado brasileiro.
Em sua resposta à comunicação formulada pelos peticionários no Caso Alyne Pimentel, o Estado brasileiro fez uma extensa explanação sobre o enquadramento no ordenamento jurídico brasileiro do direito à saúde. Trouxe argumentos para demonstrar a diferença entre direito à saúde e direito à assistência à saúde, a fim de afirmar que Alyne Pimentel não morreu em decorrência de sua condição de mulher.
O Estado afirmou que teria agido em conformidade com a lei ao permitir que uma instituição privada de saúde, Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória de Belford Roxo, atuasse em convênio com o Município de Belford Roxo, pois, na situação fática, os hospitais públicos não eram suficientes para atender às demandas da população. Os únicos erros estariam, portanto, em falhas na contratação da unidade de saúde e no controle da sua qualidade (ONU, 2011, p. 10). A violação ao direito humano de Alyne não teria se dado em decorrência da falta de compromisso com o combate à discriminação contra as mulheres, mas sim como consequência de falhas nos serviços de saúde como um todo.
O Estado aduziu que os Comitês de Mortalidade Materna elaborassem um relatório anual que verse sobre estudos de caso e medidas preventivas implantadas para reduzir a mortalidade materna. O Estado brasileiro reconheceu que a mortalidade materna é um sério problema no país e que a falha no enfrentamento dessas mortes constitui grave violação dos direitos humanos, entretanto, o Estado sustentou que o caso de Alyne Pimentel era uma exceção causada por negligência profissional e infraestrutura inadequada.
Abaixo, segue um importante trecho da decisão de mérito, na qual o Comitê declara sua posição quanto ao enquadramento do caso de Alyne Pimentel como morte materna:
[...] o Comitê nota que a sequência de eventos descrita pelo autor, e não contestados pelo Estado, bem como a opinião de especialistas fornecida pelo o autor, indicam que sua morte foi realmente ligada a complicações obstétricas relacionadas com a gravidez. Suas queixas de náuseas e dor abdominal durante seu sexto mês de gravidez foram ignoradas pelo centro de saúde, que não conseguiu executar um exame de sangue e urina urgente para determinar se o feto tinha morrido [...]. O Comitê recorda a sua recomendação geral n.º 24, em que afirma que é dever dos Estados-Partes garantir o direito das mulheres a uma maternidade segura e serviços de emergência obstétrica, e atribuir a estes serviços o máximo de recursos [...]. À luz destas observações, o Comitê também rejeita o argumento do Estado-Parte de que a comunicação não continha um nexo de causalidade entre o gênero da Srª da Silva Pimentel Teixeira e os possíveis erros médicos cometidos. Assim, o Comitê é da opinião de que a morte da Srª da Silva Pimentel Teixeira deve ser considerada como materna (ONU, 2011, p. 19).
A alegação do Estado brasileiro sobre não ser o responsável pelos acontecimentos em decorrência de a instituição de saúde em que ocorreram os erros médicos que levaram à morte de Alyne Pimentel ser uma instituição particular foi totalmente rejeitada pelo Comitê. A decisão afirmou que a obrigação de garantir direito à saúde às mulheres em situação de gravidez é do Estado brasileiro, e não de instituições de saúde privadas.
Cabe observar que a Recomendação n.º 35 reafirmou tal perspectiva, ao apontar a responsabilidade dos Estados-Partes por ações ou omissões de organizações privadas que prestam serviços públicos, como saúde ou educação, ou administram o funcionamento de locais de detenção, ou seja, que desempenham atos atribuíveis ao próprio Estado. O Comitê concluiu que o Estado brasileiro falhou em cumprir suas obrigações de acordo com o artigo 12, parágrafo 2º, da CEDAW, que observa a responsabilidade internacional do Estado em razão da violação dos direitos humanos consagrados na Convenção.
A decisão considerou, ainda, que não houve a adoção de qualquer procedimento para estabelecimento de responsabilização médica dos envolvidos na morte de Alyne Pimentel. O Comitê afirmou que o Estado brasileiro falhou em sua obrigação de prestação jurisdicional, já que até a data da publicação da decisão pelo Comitê (julho de 2011) não havia ainda qualquer decisão na ação movida pela família de Alyne Pimentel.
Importante lembrar que a adoção de uma perspectiva de gênero no âmbito do sistema de justiça é uma obrigação internacional que o Brasil assumiu ao ratificar os tratados internacionais e interamericanos de direitos humanos das mulheres, nos quais se obrigou a garantir um tratamento igualitário a homens e mulheres nos tribunais de justiça e a eliminar toda forma de discriminação contra as mulheres.
No que tange ao aspecto interseccional, a decisão de mérito do Comitê considerou a morte de Alyne Pimentel como uma violência de gênero e apontou que a situação vivenciada por ela e por outras mulheres brasileiras, que morrem anualmente em razão de morte materna evitável, é parte de um cenário de violência estrutural que circunda as mulheres negras e de condições socioeconômicas desprivilegiadas de forma ainda mais grave se comparado às mulheres brancas.
O caso evidencia que raça e gênero são categorias moduladas por estruturas do racismo e de uma subalternidade histórica, responsáveis por assimetrias que atravessam todos os âmbitos sociais, marcando, em especial, a vida de mulheres negras e pobres.
Perspectiva interseccional da violência contra as mulheres
O direito à saúde da população negra em geral, e da mulher negra, em específico, foi um tema privilegiado da luta do movimento de mulheres negras e do feminismo negro brasileiro, em especial a partir da década de 1980, quando houve uma intensificação da luta política na garantia do direito humano à saúde, particularmente à saúde sexual e reprodutiva de mulheres negras, por compreender que as mulheres negras são, historicamente, as mais suscetíveis às diferentes violências no campo da saúde e sexualidade5
5
Em 1985, no 3º Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, que ocorreu em Bertioga/SP, as ativistas negras apresentaram suas demandas relativas à luta contra a violência doméstica, ao combate às práticas racistas no mercado de trabalho e, principalmente, a assuntos relativos à saúde, como a mortalidade e saúde reprodutiva e sexual das mulheres negras. A IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing, em 1995, foi igualmente um momento importante para a atuação das mulheres negras. Ressalta-se que a temática racial foi incluída na Declaração Final e na Plataforma de Ação de Beijing. Naquele momento, um dos temas em foco era a questão dos direitos reprodutivos e a regulamentação da prática de esterilização para que esta não fosse exercida sem considerar a vontade e a decisão das mulheres.
(Mariana DAMASCO; Marcos CHOR MAIO; Simone MONTEIRO; 2012DAMASCO, Mariana Santos; CHOR MAIO, Marcos; MONTEIRO, Simone. “Feminismo Negro: raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil (1975-1993)”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 133-151, 2012. Disponível emDisponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2012000100008&script=sci_abstract&tlng=pt
. Acesso em 10/07/2017.
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). Entre as críticas do feminismo negro, destaca-se aquela que aponta que as políticas de saúde têm desconsiderado a ampla disparidade e o tratamento desigual que a sociedade e o Sistema Único de Saúde produzem ou sustentam com enormes prejuízos para negros e indígenas, principalmente.
Os dados epidemiológicos desagregados segundo raça-cor são consistentes o suficiente para indicar o profundo impacto que o racismo - em sua dimensão institucional6
6
Compreende-se o racismo institucional como um mecanismo que garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados da diáspora africana, atuando como alavanca importante da exclusão diferenciada dos sujeitos desse grupo. Trata-se da forma estratégica como o racismo garante a apropriação dos resultados da produção de riquezas pelos segmentos raciais privilegiados na sociedade, ao mesmo tempo em que mantém a fragmentação da distribuição destes resultados no seu interior.
- e as iniquidades raciais têm na condição de saúde, na carga de doenças e nas taxas de mortalidade da população negra (Jurema WERNECK; Nilza IRACI, 2016WERNECK, Jurema; IRACI, Nilza. “A situação dos direitos das mulheres negras no Brasil: violências e violações”. Criola-Geledés, São Paulo, 2016. Disponível em Disponível em http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Dossie-Mulheres-Negras-.pdf
. Acesso em 15/05/2018.
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). No mesmo sentido, Isabel Cruz (2004CRUZ, Isabel Cristina. “A sexualidade, a saúde reprodutiva e a violência contra a mulher negra: aspectos de interesse para a assistência de enfermagem”. Revista Escola de Enfermagem da USP, p. 448-457, 2004. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0080-62342004000400011&script=sci_abstract&tlng=pt
. ISSN 1980-220X. Acesso em 20/07/2017.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S008...
) explicita os impactos do racismo institucional, ao pontuar a existência de discrepâncias entre a taxa de morte materna de mulheres negras e mulheres brancas no Brasil. A taxa de mortalidade materna é de 51,7/100.000 nascidos vivos, mas nas mulheres brancas é de 37,73. Esses números são ainda mais discrepantes quanto à taxa de mortalidade materna nas mulheres pretas, que é de 212,80/100.000. Ou seja, quase seis vezes mais do que a taxa de mulheres brancas (CRUZ, 2004CRUZ, Isabel Cristina. “A sexualidade, a saúde reprodutiva e a violência contra a mulher negra: aspectos de interesse para a assistência de enfermagem”. Revista Escola de Enfermagem da USP, p. 448-457, 2004. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0080-62342004000400011&script=sci_abstract&tlng=pt
. ISSN 1980-220X. Acesso em 20/07/2017.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S008...
, p. 451).
No relatório do Comitê CEDAW, o racismo institucional pode ser vislumbrado quando compreendemos duas características fundamentais do atendimento médico por qual passou Alyne Pimentel: a baixa qualidade do tratamento e a falta do pré-natal, ambos decisivas para sua morte. A experiência de Alyne Pimentel nos permite compreender que a interação entre raça, classe e sexualidade precisa ser observada e considerada na condução das relações sociais e na comunicação com as instituições estatais quando da criação de instrumentos políticos e normativos que levem em conta as necessidades de cada grupo de acordo com sua condição de vulnerabilidade (Júlia LEITE, 2016LEITE, Júlia Campos. Abordagem jurídica da violência obstétrica. 2016. Monografia (Trabalho de Conclusão do Curso de Direito) - Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.).
A decisão do Comitê condenou o governo brasileiro “por ter negado, não somente os direitos de Alyne, mas também os direitos de todas as mulheres brasileiras, de uma maneira que transcende as particularidades do evento individual, ao abordar os fatores sistêmicos da atenção à saúde, que levaram à morte materna” (COOK, 2013COOK, Rebecca. “Direitos humanos e mortalidade Materna: Explorando a Eficácia da Decisão do Caso Alyne”. Tradução de Maria Elvira Vieira de Mello e Beatriz Galli. Journal of Law, Medicine & Ethics, v. 41, n, 1, p. 103-123, 2013., p. 14). Isso significa dizer que abordar a questão da saúde das mulheres de forma interseccional implica compreender também a centralidade do racismo e das diferentes discriminações na violação de direitos humanos das mulheres.
Dentro do que é entendido por função expressiva do direito, a decisão do caso Alyne Pimentel evidencia uma violência marcada não apenas pelo racismo institucional, mas antes por múltiplas formas de violências que atravessam a vida de mulheres negras e pobres no contexto brasileiro. A violência que resultou na morte de Alyne demonstrou o perfil nacional e internacional do problema da morte materna evitável: mulheres racializadas e alocadas primordialmente em classe social periférica. A experiência de Alyne Pimentel não pode ser pensada a partir das categorias apartadas de discriminação racial ou da discriminação de gênero. Ambas precisam ser ampliadas para abordarmos as questões de interseccionalidade que as mulheres negras enfrentam.
A decisão Alyne destacou as dimensões entrecruzadas da injustiça distributiva de sua morte, e ao fazê-lo, aponta a especificidade do racismo à brasileira, qual seja: um racismo “silencioso”, que se perpetuou por meio do mito de democracia racial e da crença na mestiçagem biológica e cultural do povo brasileiro como formas de garantir a harmonia e igualdade social. Entretanto, “como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra” (Lélia GONZALEZ, 1984GONZALES, Lélia. “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, Anpocs, p. 223-244, 1984. Disponível em Disponível em https://www.academia.edu/27681600/Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira_-_L%C3%A9lia_Gonzales.pdf
. Acesso em 06/05/2017.
https://www.academia.edu/27681600/Racism...
, p. 228). Oculta as formas como as sociedades “frequentemente e facilmente” negligenciam as mulheres pobres grávidas. “Esta decisão empoderou as mulheres grávidas e suas famílias a ir além da aceitação fatalista da morte materna, e reconhecer o papel da injustiça, incluindo a injustiça de gênero, de raça e econômica, como um fator explicativo abrangente” (COOK, 2013COOK, Rebecca. “Direitos humanos e mortalidade Materna: Explorando a Eficácia da Decisão do Caso Alyne”. Tradução de Maria Elvira Vieira de Mello e Beatriz Galli. Journal of Law, Medicine & Ethics, v. 41, n, 1, p. 103-123, 2013., p. 14).
O desafio da perspectiva interseccional é, assim, garantir que as mulheres sejam protegidas quando sofrem discriminação racial, da mesma maneira que os homens, e sejam protegidas quando sofrem discriminação de gênero de maneiras diferentes. Da mesma forma, quando mulheres negras sofrem discriminação de gênero, iguais às sofridas pelas mulheres brancas, devem ser protegidas, assim quando experimentam discriminações raciais que as mulheres brancas frequentemente não experimentam (CRENSHAW, 2002CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 7, n. 12, p. 171-188, 2002. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11636.pdf
. Acesso em 10/06/2017.
http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11636...
).
Em 2001, na Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, África do Sul, organizações de mulheres negras denunciaram a articulação da violência de gênero com a violência racial. Na Declaração da Conferência ficou explícito que o racismo e a discriminação racial impactam de forma específica as experiências de mulheres e meninas e são fatores relacionados com a desigualdade e discriminação de gênero.
Ao mesmo tempo, a declaração de Durban representou importante avanço ao consolidar a previsão sobre as múltiplas ou agravadas formas de discriminação:
[...] reconhecemos que o racismo, a discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata ocorrem nos motivos de raça, cor, descendência ou origem étnica ou nacional, e que as vítimas podem sofrer múltiplas ou agravas formas de discriminação com base em outros relacionados motivos como sexo, língua, religião, opinião política ou outra opinião, origem social, riqueza, nascimento, ou de outro estado [...] (ONU, 2011, p. 69 [grifos nossos]).
Pode-se afirmar, portanto, que a decisão de mérito do Comitê deve ser lida como importante jurisprudência de direitos humanos das mulheres, por considerar a discriminação interseccional sofrida por Alyne Pimentel (por ser mulher, negra e pobre). O Comitê reafirmou tal posicionamento ao destacar o disposto em sua Recomendação Geral n.º 28/2010, na qual ficou exposto que a discriminação contra as mulheres baseada no sexo ou no gênero está intrinsecamente ligada a outros fatores que as afetam, como raça, etnia, religião ou crença, saúde, status, idade, classe social, casta, orientação sexual e identidade de gênero.
Nas recomendações pelo Comitê observamos novamente a perspectiva interseccional: o Comitê afirma que todas as mulheres devem ser protegidas pelo Estado brasileiro conforme obrigação que decorre da CEDAW (artigos 1º e 2º), de forma a garantir atenção especial às necessidades de saúde e direitos da mulher, de grupos vulneráveis e desfavorecidos e que o dever de eliminar a discriminação no acesso aos cuidados de saúde inclui a responsabilidade de levar em conta a maneira pela qual os fatores sociais, que podem variar entre as mulheres, determinam o estado de saúde.
Considerações finais
A leitura integrada dos tratados internacionais de direitos humanos das mulheres nos permite compreender que a violência de gênero contra as mulheres é compreendida como uma forma grave de discriminação e que esta se relaciona diretamente a relações de poderes desiguais, que têm alocado as mulheres aos lugares sociais subalternizados.
A abordagem interseccional que tem sido preconizada em tais documentos nos permite compreender a violência de gênero contra as mulheres como uma forma agravada de discriminação e, por isso, demanda análises sócio-jurídicas contextualizadas sobre as discriminações múltiplas e entrecruzadas que afetam as mulheres. O Caso Alyne Pimentel v. Brasil representa um marco na jurisprudência internacional de direitos humanos significativo no que se refere ao uso de tal abordagem.
A decisão do Comitê CEDAW também é significativa no debate sobre violência institucional e racismo institucional, ao reconhecer que a morte materna evitável é uma violação do direito humano à saúde sexual e reprodutiva das mulheres e que a violência de gênero contra Alyne Pimentel resultou da discriminação interseccional (de raça, status, classe social e gênero) por ela sofrida, que também atinge, de forma mais grave no Brasil, mulheres negras, pobres e periféricas. Ela contribui, portanto, para o aprofundamento da compreensão jurídica sobre os efeitos da discriminação racial na violência de gênero e na saúde reprodutiva de mulheres negras, pobres e periféricas.
Referências
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1
A expressão advocacy tem sido utilizada pelos movimentos feministas para se referir a um conjunto amplo e diversificado de ações políticas dos movimentos de mulheres com o objetivo de influenciar o debate público e incidir politicamente nos atores e instituições políticas, sociais e culturais de modo a gerar transformações políticas e institucionais na sociedade civil e no Estado, a partir de conteúdos e propostas específicas presentes nas agendas feministas.
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2
O Comitê CEDAW representa um dos principais dispositivos da CEDAW (previsto em seu art. 17), tendo a função primordial de supervisionar o seu cumprimento pelos Estados-Partes. Entre as atribuições do Comitê destacam-se: examinar os relatórios periódicos apresentados pelos Estados-Partes (nos termos do art. 18 da CEDAW), que devem apresentar as medidas adotadas para efetivação das disposições previstas na CEDAW; formular sugestões e recomendações gerais (de acordo com o art. 21 da Convenção), a fim de orientar os Estados signatários acerca das obrigações previstas na Convenção; examinar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupos de indivíduos que afirmam serem vítimas de violações dispostos na Convenção (nos termos dos artigos de 2 a 7 do Protocolo Adicional).
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3
De forma geral, os tratados internacionais de direitos humanos das mulheres não oferecem uma conceituação de gênero. Além de se abster de se referirem ao gênero como categoria de análise, por vezes, os tratados trazem gênero como sinônimo de “sexo” e violência contra a mulher como sinônimo de violência de gênero. Isso decorre de ao menos dois fatores: o primeiro é que o conceito de violência contra as mulheres tem sido construído a partir de proibições às formas de discriminação; o segundo é que não existe plena consciência das diferenças conceituais entre as categorias gênero e sexo.
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4
O projeto moderno/colonial mobilizou as categorias raça e gênero, como essências, para instituir uma linha que separa duas zonas: a do humano (zona do ser) e a do não humano (zona do não ser). Ambas as categorias formam, então, a hierarquização binária moderna que atribui (ou não) humanidade aos sujeitos. Assim, pensar os sentidos de “humano significa analisar como gênero e raça (re)produzam-se reciprocamente na modernidade colonial e juntas são ao mesmo tempo causa e efeito da criação dos conceitos umas das outras”.
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5
Em 1985, no 3º Encontro Feminista da América Latina e do Caribe, que ocorreu em Bertioga/SP, as ativistas negras apresentaram suas demandas relativas à luta contra a violência doméstica, ao combate às práticas racistas no mercado de trabalho e, principalmente, a assuntos relativos à saúde, como a mortalidade e saúde reprodutiva e sexual das mulheres negras. A IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing, em 1995, foi igualmente um momento importante para a atuação das mulheres negras. Ressalta-se que a temática racial foi incluída na Declaração Final e na Plataforma de Ação de Beijing. Naquele momento, um dos temas em foco era a questão dos direitos reprodutivos e a regulamentação da prática de esterilização para que esta não fosse exercida sem considerar a vontade e a decisão das mulheres.
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Compreende-se o racismo institucional como um mecanismo que garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados da diáspora africana, atuando como alavanca importante da exclusão diferenciada dos sujeitos desse grupo. Trata-se da forma estratégica como o racismo garante a apropriação dos resultados da produção de riquezas pelos segmentos raciais privilegiados na sociedade, ao mesmo tempo em que mantém a fragmentação da distribuição destes resultados no seu interior.
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Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
CATOIA, Cinthia de Cassia; SEVERI, Fabiana Cristina; FIRMINO, Inara Flora Cipriano. “Caso ‘Alyne Pimentel’: Violência de Gênero e Interseccionalidades”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 1, e60361, 2020 -
Financiamento:
Não se aplica -
Consentimento de uso de imagem:
Não se aplica -
Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
Não se aplica
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Mar 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
22 Nov 2018 -
Revisado
07 Maio 2019 -
Revisado
11 Jun 2019 -
Revisado
17 Jun 2019 -
Aceito
25 Jul 2019