Acessibilidade / Reportar erro

Interseccionalidade: proposta de um mapa teórico provisório

Intersectionality: proposal for a provisional theoretical map

Interseccionalidad: propuesta de un mapa teórico provisorio

Resumo:

Este artigo é resultado do esforço de construção de um mapa teórico para compreender e aprofundar os significados da interseccionalidade. No texto há uma revisão de literatura e ele está estruturado a partir de três elementos fundamentais: (1) a história anterior ao surgimento do conceito, (2) algumas formas complexas de entendimento do que é a interseccionalidade, e (3) a justiça social como elemento fundante e inegociável de qualquer estratégia que surja a partir da interseccionalidade. Trata-se de um mapa provisório, localizado e aberto, que pretende se somar a outras concepções particulares de interseccionalidade e contribuir na construção coletiva de seu significado, criticando seus usos como um modismo acadêmico ou esvaziado de seu compromisso político emancipador.

Palavras-chave:
interseccionalidade; teoria interseccional; justiça social; gênero; raça

Abstract:

This article is the result of the effort to construct a theoretical framework to understand and delve into the meanings of intersectionality. The text includes a literature review and is structured around three fundamental elements: (1) the history prior to the emergence of the concept, (2) some complex forms of understanding what intersectionality is, and (3) social justice as a foundational and non-negotiable element of any strategy arising from intersectionality. It is a provisional, situated, and open map that aims to add to other particular conceptions of intersectionality and contribute to the collective construction of its meaning, criticizing its use as an academic fad or emptied of its emancipatory political commitment.

Keywords:
Intersectionality; Intersectional theory; Social justice; Gender; Race

Resumen:

Este artículo es el resultado de un esfuerzo por construir un mapa teórico para comprender y profundizar los significados de la interseccionalidad. En el texto se hace una revisión bibliográfica y se estructura a partir de tres elementos fundamentales: (1) la historia previa al surgimiento del concepto, (2) algunas formas complejas de entender qué es la interseccionalidad y, (3) la justicia social como elemento fundante e innegociable de cualquier estrategia que surja de la interseccionalidad. Es un mapa provisorio, localizado y abierto, que pretende sumarse a otras concepciones particulares de la interseccionalidad y contribuir a la construcción colectiva de su sentido, criticando sus usos como moda académica o vaciados de su compromiso político emancipatorio.

Palabras clave:
interseccionalidad; teoría interseccional; justicia social; género; raza

Introdução

São poucos os conceitos no campo dos estudos de gênero e sexualidade que têm tido nas últimas décadas tamanha amplitude e alcance quanto a interseccionalidade, que é constantemente entendida como uma ferramenta analítica capaz de dar conta de mais de uma forma de opressão simultânea. Ela tem se desdobrado em múltiplas áreas do conhecimento, a partir de distintas perspectivas teóricas, aliada a diversos propósitos políticos e utilizada em múltiplos espaços da sociedade que incluem a academia, as burocracias governamentais e as lutas por justiça social nacionais e transnacionais. Então, mesmo sendo correto afirmar que a interseccionalidade é um modo de nomear uma nova sensibilidade analítica, é preciso reconhecer que ela tem se tornado muito mais que isso.

A popularização da interseccionalidade nas últimas décadas alterou o campo teórico e prático feminista. Contudo, entendê-la como uma contribuição feminista demarca parte das inquietações que motivaram esta pesquisa. Conforme Sirma Bilge (2018BILGE, Sirma. “Interseccionalidade Desfeita: salvando a interseccionalidade dos estudos feministas sobre interseccionalidade”. Revista Feminismos, v. 6, n. 3, 2018. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/33680 . Acesso em 10/10/2019.
https://periodicos.ufba.br/index.php/fem...
), minimizar os vínculos da interseccionalidade com as práxis pós-coloniais e antirracistas é componente de uma estratégia de branqueamento do campo.

Também é importante assumir, desde já, que tentar enquadrar a interseccionalidade neste texto de modo que comporte todos os seus significados seria um propósito destinado ao fracasso. Gostaria aqui de compartilhar algumas das possibilidades de significação da interseccionalidade na esperança de que possa funcionar como um mapa provisório,1 1 Este texto é inspirado nas discussões e ações desenvolvidas no Grupo Interseccionalidades e Decolonialidade nas Relações Internacionais (INDERI/CNPq/FURG). Agradeço a todas as pessoas com as quais dialoguei nesse espaço, em especial Fabiane Simioni, pelas pesquisas desenvolvidas e coordenação compartilhada do Grupo. Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no 47º Encontro Anual da ANPOCS e agradeço por todas as sugestões recebidas no “GT25. Usos da interseccionalidade - lutas políticas e reflexões teóricas”, coordenado por Marcella Beraldo e Marilis Lemos de Almeida. pois que precisa estar em permanente construção. Isso aproxima esse texto do entendimento de Patricia Collins (2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.) acerca da interseccionalidade como fundamentalmente dialógica, sendo impossível que uma única pessoa ou um grupo encerre todo seu significado. Assim, esse é um mapa provisório e aberto que, como todo mapa, surge a partir de um local específico, como muito bem sinalizaram diversos(as) teóricos(as) pós e decoloniais (Santiago CASTRO-GÓMEZ, 2005CASTRO-GÓMEZ, Santiago. La poscolonialidad explicada a los niños. Cauca, Colômbia: Editora da Universidad del Cauca, 2005.).2 2 Faço alusão, em especial, a Castro-Gómez (2005) e ao conceito de hybris do ponto zero, que remete ao ocultamento de quem e a partir de onde são produzidos os mapas após o surgimento da modernidade no século XVI, o que gerou a adoção de uma cartografia baseada em um ponto de vista que se pretende universal, único e fixo - aspectos que se conectam com outros elementos relevantes da modernidade-colonialidade como o fazer científico, os epistemicídios e o racismo.

O ponto de origem deste mapa é meu local enquanto uma acadêmica-pesquisadora, branca, cisgênero, brasileira nordestina que vive no extremo sul do país, comprometida há vários anos com as estratégias políticas e epistemológicas feministas. A interseccionalidade tem me ajudado a entender a realidade social na qual eu vivo e os marcadores que me atravessam - sejam como discriminações, sejam como privilégios. Em especial, contribuiu para que eu possa entender a branquitude enquanto um sistema de poder estruturante da sociedade brasileira (Cida BENTO, 2022BENTO, Cida. O Pacto da Branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.; Lia SCHUCMAN, 2020SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo. 2 ed. São Paulo: Veneta, 2020.) que constantemente me beneficiou, mesmo quando outros marcadores eram de prejuízo em razão do sexismo ou do classismo. Além de, evidentemente, aportar novas formas de compreensão sobre os temas que pesquiso e impactar meus fazeres pedagógicos.

Minha aproximação com a interseccionalidade, portanto, foi um caminho único e pessoal. Mas como todo processo pessoal, ela ocorreu em um campo social e coletivo com elementos comuns com outras tantas experiências, que geraram as próprias formas de compreensão do termo. Collins e Bilge (2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016., p. 2) definiram a interseccionalidade como “[...] um modo de entender e analisar a complexidade no mundo, nas pessoas, e nas experiências humanas. Os eventos e as condições sociais e políticas de vida e do eu raramente podem ser entendidos como moldados por um único fator”.3 3 Tradução livre, no original: “[...] a way of understanding and analyzing the complexity in the world, in people, and in human experiences. The events and conditions of social and political life and the self can seldom be understood as shaped by one factor” (COLLINS; BILGE, 2016, p. 2).

Acho importante que a perspectiva das autoras nos convida a buscar compreender melhor a complexidade do mundo ao mesmo tempo que estamos atentas(os) à complexidade de nós mesmas(os). Ao tentar me aproximar dessa abordagem desafiadora, construí esse texto para partilhar o mapa provisório no qual tenho transitado, na esperança de que possa auxiliar outras pessoas a entenderem melhor alguns usos e possibilidades da interseccionalidade.

Esse mapa perpassa três pontos que considerei estratégicos para entender a interseccionalidade. O primeiro deles envolve conhecer o que estava posto desde antes do surgimento da própria interseccionalidade, sem o que não podemos sequer compreender como ela passou a existir (Gabriela KYRILLOS, 2020KYRILLOS, Gabriela M. “Uma Análise Crítica sobre os Antecedentes da Interseccionalidade”. Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 1, 2020. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/zbRMRDkHJtkTsRzPzWTH4Zj/abstract/?lang=pt . Acesso em 01/01/2021.
https://www.scielo.br/j/ref/a/zbRMRDkHJt...
). O segundo é destinado a traçar alguns esforços de conceituação e de possibilidades de utilização da interseccionalidade, em especial como teoria e práxis crítica, conforme os termos de Collins e Bilge (2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.). O terceiro diz respeito à justiça social como eixo estruturante inegociável da interseccionalidade.

Em grande medida, o esforço teórico aqui empreendido surge em razão de uma preocupação compartilhada de que a maior ameaça à interseccionalidade é o seu esvaziamento político e sua apropriação por agendas e práticas neoliberais (BILGE, 2018BILGE, Sirma. “Interseccionalidade Desfeita: salvando a interseccionalidade dos estudos feministas sobre interseccionalidade”. Revista Feminismos, v. 6, n. 3, 2018. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/33680 . Acesso em 10/10/2019.
https://periodicos.ufba.br/index.php/fem...
; COLLINS, 2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 . Acesso em 03/03/2022.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
; 2019). É preciso destacar que esse tipo de ameaça não é nova na medida em que, por exemplo, há décadas muitas reivindicações feministas foram apropriadas e ressignificadas por atores do capitalismo neoliberal, inclusive reforçando perspectivas essencialistas dos papéis de gênero e de competição baseada no mito da meritocracia. Isso, em alguma medida, refletiu o problema mais sério da convergência entre os ideais feministas da segunda onda e a nova forma do capitalismo emergente desde então (Nancy FRASER, 2009FRASER, Nancy. “O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história”. Mediações - Revista de Ciências Sociais, v. 14, n. 2, p. 11-33, 2009. Disponível em Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4300312/mod_resource/content/1/FRASER%2C%20Nancy.%20Feminismo%2C%20capitalismo%20e%20a%20ast%C3%BAcia%20da%20hist%C3%B3ria.pdf . Acesso em 29/05/2020.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
).

Defendo a importância de partirmos de bases históricas e teóricas mais sólidas sobre a interseccionalidade como uma forma estratégica de evitar seu esvaziamento e sua apropriação pelas lógicas neoliberalizantes na academia e fora dela. Nesse sentido, esse artigo pretende se somar a outros que buscam complexificar as análises interseccionais ao mesmo tempo que têm como elemento basilar um compromisso inegociável com a busca pela superação das desigualdades sociais de toda ordem.

Como dito desde o início, não se trata de um mapa para fixar taxativamente uma definição de interseccionalidade ou os modos como se pode utilizá-la. É, sobretudo, uma possibilidade de roteiro para quem está se aproximando do termo pela primeira vez ou para quem gostaria de aprofundar algumas das questões aqui levantadas. Com sorte, esse mapa nos ajudará a estarmos um pouco menos à deriva em meio a tantos usos que se tem feito da interseccionalidade, e que possamos aproveitar esses movimentos no sentido emancipatório de busca coletiva por justiça social.

1 As origens anteriores ao nome interseccionalidade

Como dito inicialmente, selecionei três pontos que me parecem indispensáveis para que possamos construir um mapa conceitual relevante sobre a interseccionalidade. Assim, nessa seção, proponho que possamos compreender as origens do termo, para depois aprofundar algumas formas de entendê-lo e a importância do compromisso com a justiça social. Na expectativa de que estes elementos nos possibilitem navegar com mais segurança - seja nas leituras que fazemos sobre interseccionalidade, seja nas aplicações que construímos a partir de seu arcabouço teórico e conceitual.

Foi meu propósito em um texto anterior contribuir com uma compreensão mais sólida sobre os antecedentes da interseccionalidade, com enfoque prioritário no contexto estadunidense e brasileiro (KYRILLOS, 2020KYRILLOS, Gabriela M. “Uma Análise Crítica sobre os Antecedentes da Interseccionalidade”. Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 1, 2020. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/zbRMRDkHJtkTsRzPzWTH4Zj/abstract/?lang=pt . Acesso em 01/01/2021.
https://www.scielo.br/j/ref/a/zbRMRDkHJt...
). Continuo considerando que, para podermos entender o potencial analítico e prático da interseccionalidade, é indispensável entender sua origem. Com isso, pretendo reforçar a ideia fundamental de que a interseccionalidade transmite uma preocupação que existia dentro dos movimentos sociais e de textos teóricos desde muito antes do surgimento do conceito e de sua apropriação pelo mundo acadêmico (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.). Assim, é preciso reconhecer e valorizar que esses movimentos e textos foram elaborados por mulheres de cor - termo aqui utilizado no sentido de incluir as mulheres negras e indígenas de todo continente americano, mas também aquelas migrantes não brancas em solo estadunidense.

Assim, apesar de a interseccionalidade ter sido cunhada pela jurista negra estadunidense Kimberlé Crenshaw em 1989CRENSHAW, Kimberlé. “Demarginalizing the intersection of Race and Sex: a Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics”. University of Chicago Legal Forum, v. 1989, p. 139, 1989. (CRENSHAW, 1989CRENSHAW, Kimberlé. “Demarginalizing the intersection of Race and Sex: a Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics”. University of Chicago Legal Forum, v. 1989, p. 139, 1989.; 1991), a compreensão de sexismo, racismo, capitalismo e colonialismo como elementos que se influenciam mutuamente e que são estruturantes da sociedade brasileira e latino-americana são anteriores à interseccionalidade. Autoras com enfoques e a partir de locais distintos têm se dedicado a teorizar sobre o compromisso político de abarcar a complexidade, razão pela qual Carla Akotirene destaca: “Há mais de 150 anos, mulheres negras invocam a interseccionalidade [...]” (AKOTIRENE, 2018AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte, MG: Letramento; Justificando, 2018.).

Uma dessas autoras estadunidenses é Audre Lorde (2019LORDE, Audre. “Não existe hierarquia de opressão”. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de . Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019a. p. 234-236.a; 2019LORDE, Audre. “Idade, Raça, Classe e Gênero: mulheres redefinindo a diferença”. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista: conceitos fundamentais . Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019b. p. 237-248.b), com textos publicados desde a década de 1980, nos quais identifica a necessidade dos movimentos que lutam por igualdade de reconhecerem as diferenças existentes dentro destes mesmos grupos; reforçando que não há hierarquias de opressões e que estas devem ser analisadas e enfrentadas de modo combinado. Nesse sentido, afirmou que não é possível superar o sexismo sem enfrentar o racismo ou a lesbofobia, por exemplo. Outra autora que tem dedicado particular atenção às desigualdades de gênero, raça e classe é Angela Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo, 2016.). Em seu livro clássico Mulheres, raça e classe, publicado originalmente em 1981, Davis demonstrou como esses três elementos resultam em condições de desigualdade que prejudicam sobremaneira as mulheres negras e pobres, e que suas vivências são constantemente apagadas da historiografia e ignoradas pelo movimento feminista hegemônico branco. Por fim, ainda dentre as estadunidenses, é fundamental recordar bell hooks (2015hooks, bell. “Mulheres negras: moldando a teoria feminista”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 16, p. 193-210, 2015. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/mrjHhJLHZtfyHn7Wx4HKm3k/?lang=pt . Acesso em 28/02/2014.
https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/mrjHhJL...
), que também desde muito antes do surgimento do termo interseccionalidade abordou de forma combinada as desigualdades de raça, gênero, classe, sexualidade, dentre outras; em especial no campo da educação.

Dentre as brasileiras, é imprescindível citar Lélia Gonzalez (2020GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.), que tem uma vasta produção e atuação política comprometida com o entendimento e a superação das desigualdades combinadas. Em um dos textos mais importantes do pensamento sociológico nacional, Gonzalez (1984GONZALEZ, Lélia. “Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira”. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244, 1984. Disponível em Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5509709/mod_resource/content/0/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf . Acesso em 08/05/2014.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
) aborda como gênero e raça são elementos fundamentais na constituição da sociedade brasileira, bem como de seus mitos fundadores, como o da democracia racial. Existe toda uma geração de intelectuais e ativistas negras brasileiras que se dedicaram a enfrentar esse perverso mito que sempre pretendeu encobrir o racismo no país, dentre elas Sueli Carneiro (1995CARNEIRO, Sueli. “Gênero, Raça e Ascenção Social”. Revista Estudos Feministas, v. 3, n. 2, p. 544-552, 1995. Disponível em Disponível em https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2015/05/G%C3%AAnero-ra%C3%A7a-e-ascen%C3%A7%C3%A3o-social.pdf . Acesso em 04/04/2015.
https://www.geledes.org.br/wp-content/up...
). Na terceira parte deste texto, na qual abordo o tema da justiça social, retorno às contribuições e às conexões da interseccionalidade com algumas dessas autoras brasileiras.

Essas cinco autoras são apenas alguns exemplos dentre muitas outras possíveis de serem mencionadas. Cada qual tem contribuições e abordagens com características próprias. Mas não por acaso, têm em comum o fato de que suas teorias e práticas surgem no campo dos feminismos negros.

Talvez a principal diferença em termos de construção teórica e epistemológica do que posteriormente se nomeou como interseccionalidade tenha sido o fato de que, nessas construções existentes até a década de 1990, predominou uma abordagem que se aproximava à ideia de soma de opressões (CRENSHAW, 2002CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/abstract/?lang=pt . Acesso em 24/05/2014.
https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXP...
). Afastar-se da lógica de soma, que pressupõe sistemas separados que se encontram eventualmente, é uma das contribuições dos estudos interseccionais, principalmente a partir das obras de Collins (2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.).

Nas últimas décadas e por vezes em paralelo e com críticas4 4 São muitas e relevantes as críticas de autoras latino-americanas ao conceito de interseccionalidade. Dadas as limitações desse artigo, recomendo o texto de Vigoya (2016). ao campo dos estudos interseccionais, outras referências importantes têm continuado a ampliar as possibilidades de leituras pautadas em mais de um eixo de poder. Ao continuar com nosso enfoque no continente americano - sem ignorar a importância do que se tem produzido sobre esses temas em outros continentes, como o africano (Bruna PEREIRA, 2021PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. “Sobre usos e possibilidades da interseccionalidade”. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 21, n. 3, p. 445-454, 2021. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/civitas/article/view/40551 . Acesso em 01/02/2022.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ind...
) -, vale mencionar em especial as autoras vinculadas às abordagens decoloniais, tais quais Gloria Anzaldúa (1987ANZALDÚA, Glória E. “Borderlands/La Frontera: The New Mestiza”. Aunt Lute, 1987.), María Lugones (2008LUGONES, María. “Colonialidad y género”. Tabula Rasa, n. 09, p. 73-101, 2008. Disponível em Disponível em https://www.revistatabularasa.org/numero-9/05lugones.pdf . Acesso em 29/11/2014.
https://www.revistatabularasa.org/numero...
), Rita Segato (2012SEGATO, Rita Laura. “Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial”. e-cadernos CES, n. 18, p. 106-131, 2012. Disponível em Disponível em https://journals.openedition.org/eces/1533 . Acesso em 08/11/2014.
https://journals.openedition.org/eces/15...
) e Ochy Curiel (2007CURIEL, Ochy. “Crítica Pós-Colonial a Partir das Práticas Políticas do Feminismo Antirracista”. Nómadas, v. 26, p. 92-101, 2007. Disponível em Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/1051/105115241010.pdf . Acesso em 18/09/2021.
https://www.redalyc.org/pdf/1051/1051152...
).

Mara Viveros Vigoya (2016VIGOYA, Mara Viveros. “La interseccionalidad: una aproximación situada a la dominación”. Debate Feminista, v. 52, p. 1-17, 2016. Disponível em Disponível em https://repositorio.unal.edu.co/handle/unal/80372 . Acesso em 20/11/2021.
https://repositorio.unal.edu.co/handle/u...
) destacou as particularidades da chegada e da popularização da interseccionalidade no contexto acadêmico latino-americano. A autora demonstra como, na região, apesar da importância e ampliação de sua utilização, a interseccionalidade não ocupa um lugar hegemônico e, sobretudo, seus usos aqui estão mais atrelados à interconexão entre raça, gênero e classe; em contraponto ao uso mais recorrente nos Estados Unidos, centrado nos eixos de raça e gênero.

Este breve panorama teórico serve para reforçar que os antecedentes e as preocupações contidas na interseccionalidade não são exclusivos do norte global e que seus modos de inserção nos contextos nacionais ou regionais variam. Isso em nada diminui a importância do ato e do modo como Crenshaw nomeou o termo. Apenas enfatiza que a interseccionalidade não começou quando foi nomeada por Crenshaw; na verdade, é a sua trajetória anterior que tornou possível o ato de nomeá-la, assim como sua popularização posterior (KYRILLOS, 2020KYRILLOS, Gabriela M. “Uma Análise Crítica sobre os Antecedentes da Interseccionalidade”. Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 1, 2020. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/zbRMRDkHJtkTsRzPzWTH4Zj/abstract/?lang=pt . Acesso em 01/01/2021.
https://www.scielo.br/j/ref/a/zbRMRDkHJt...
).

Além disso, esse panorama nos auxilia a compreender o contexto a partir do qual autoras, em especial da América Latina, negras e indígenas, optam por não utilizar a interseccionalidade. Afinal de contas, sua adoção ou não é parte de um repertório de escolhas políticas e teóricas. Quando perguntado a Carneiro o que ela pensa da interseccionalidade ela responde que nunca utilizou o conceito justamente porque ela é “[...] muito anterior à emergência dele, embora os sentidos que ele carrega estejam presentes nos meus textos e de outras mulheres negras da minha geração. Quando Crenshaw chegou com esse debate da interseccionalidade, eu já estava com essa concepção consolidada de feminismo negro” (CARNEIRO, 2017CARNEIRO, Sueli. “Sobrevivente, testemunha e porta-voz”. Cult, São Paulo, n. 223, p. 12-20, 2017. (Entrevista concedida à Bianca Santana), p. 18). Assim, (re)conhecendo essa história anterior ao próprio termo e os diversos modos de aproximação com ele, podemos trilhar com mais segurança e honestidade intelectual este e outros mapas sobre a interseccionalidade.

É importante destacar que a interseccionalidade vem de fora para dentro da academia, tanto por ser parte da práxis de diversos coletivos existentes nas décadas anteriores ao surgimento e à apropriação do termo nas universidades, como também por ser resultado da persistente militância que fez com que, nos Estados Unidos, algumas instituições buscassem responder às críticas desses movimentos contratando pessoas de grupos até então quase que totalmente excluídos desses espaços (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.). Ou seja, a inserção no campo acadêmico de muitas das pessoas que futuramente irão desenvolver pesquisas sobre interseccionalidade deve-se, em grande parte, à própria luta travada pelos movimentos sociais entre as décadas de 1960 e 1980.

No Brasil, os movimentos negros também foram os principais responsáveis pelas pressões que resultaram na criação de leis e políticas de cotas raciais e sociais nas universidades públicas, na década de 2010. Isso impactou a popularização da interseccionalidade. Foram as cotas, a ampliação do ensino superior público e das políticas de permanência que tornaram possível o aumento de diversidade de raça, gênero e classe, ainda que continuem insuficientes, no perfil de estudantes, docentes e funcionários(as) universitários(as). Nesse cenário, muitas de nós somos as primeiras pessoas da família que conseguiram acessar cursos de graduação e pós-graduação. É coerente que também nesse espaço tenhamos buscado ferramentas para compreender e modificar o país desigual no qual vivemos, em especial nas ciências humanas e sociais, mas não apenas. Nesse contexto, a interseccionalidade e outros projetos críticos tornaram-se importantes perspectivas analíticas e políticas.

Nos Estados Unidos, Collins (2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 . Acesso em 03/03/2022.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
) analisou o modo de inserção da interseccionalidade nas universidades e as consequências da legitimidade acadêmica dada ao conceito para as atuais políticas emancipatórias. A autora demonstrou como a inserção do termo se deu por meio de uma “tradução imperfeita” em investigação crítica e práxis. A interseccionalidade funciona como um conceito guarda-chuva que permitiu nomear as relações dinâmicas nos campos dos estudos de gênero, raça, classe e sexualidade, de modo adequado para as normas e padrões acadêmicos (COLLINS, 2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 . Acesso em 03/03/2022.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
). O já citado texto inicial de Crenshaw é tido como fundacional desse processo de tradução dos modos de compreensão da interseccionalidade dos movimentos feministas negros para o ambiente acadêmico. Conforme Collins (2017) enfatiza, o que se perde na tradução são, inclusive, elementos que já estavam no texto de Crenshaw: como o fato de ela partir da vivência e dos conhecimentos de mulheres de cor, situar-se no campo dos feminismos negros, indicar a sinergia dos múltiplos sistemas de poder que afetam a vida das mulheres de cor e a prioridade da justiça social e da melhoria das condições de vida das mulheres de cor e de todas as pessoas. São alguns desses elementos que proponho abordar na seção seguinte, afinal de contas: como podemos entender e conceituar a interseccionalidade?

2 Entendendo a interseccionalidade como investigação, teoria e práxis crítica

Um segundo ponto que eu gostaria de destacar em nosso mapa é o próprio desafio de definir, ainda que provisoriamente, a interseccionalidade como investigação, teoria e práxis crítica. Afinal de contas, ela tem sido muito e amplamente utilizada, como dito desde o início, mas nem sempre dos mesmos modos, com os mesmos propósitos e, possivelmente, alcançando os mesmos resultados. Então, ainda que sem uma pretensão de ser normativa, recomendo que possamos recorrer a algumas conceituações que contribuem para que façamos os melhores usos possíveis da interseccionalidade.

Assim, com Crenshaw (2002CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/abstract/?lang=pt . Acesso em 24/05/2014.
https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXP...
, p. 177), passamos a ter a interseccionalidade como uma forma de captar e conceituar “[...] as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação”. A essa forma de compreender a interseccionalidade Collins (2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.) denomina como heurística, pois a partir dela é possível repensar diversos elementos sociais como direito, saúde, política, dentre muitos outros; bem como novas formas de resolver problemas sociais como os que surgem das múltiplas relações de desigualdade. Nesse sentido, se abandona qualquer entendimento da interseccionalidade como uma teoria da identidade (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.), pois o foco são as performances e as estruturas sociais, bem como as posicionalidades de indivíduos e grupos no campo social e político.

Além disso, Collins (2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.) argumenta que a interseccionalidade é uma mudança paradigmática e uma teoria social crítica. Enquanto mudança paradigmática, é um modo de acessar diferentes formas de perceber a própria produção do pensamento sobre a realidade que analisamos (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.). Com isso se quer dizer o abandono de lógicas de eixo único de análise (CRENSHAW, 2002CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/abstract/?lang=pt . Acesso em 24/05/2014.
https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXP...
) que dominou o paradigma anterior e se mostrou insuficiente para explicar a realidade estudada. Desse modo, Collins (2019) elenca quatro pressupostos das investigações e práxis no âmbito deste novo paradigma interseccional:

(1) Raça, gênero e outros sistemas de poder similares são interdependentes e mutuamente constroem uns aos outros. (2) Relações de poder interseccionais produzem desigualdades sociais complexas e interdependentes de raça, classe, gênero, sexualidade, nacionalidade, etnicidade, capacidade e idade. (3) A localização social dos indivíduos e grupos com relações de poder interseccionais molda suas perspectivas e experiências no mundo social; (4) Resolver problemas sociais dentro de um contexto determinado local, regional, nacional ou global requer análises interseccionais (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019., p. 44).5 5 Tradução livre, no original: “(1) Race, class, gender, and similar systems of power are interdependent and mutually construct one another. (2) Intersecting power relations produce complex, interdependent social inequalities of race, class, gender, sexuality, ethnicity, ability, and age. (3) The social location of individuals and groups within intersecting power relations shapes their experiences within and perspectives on the social world. (4) Solving social problems within a given local, regional, national, or global context requires intersectional analyses” (COLLINS, 2019, p. 44).

Essas premissas somam-se aos elementos fundamentais da interseccionalidade, compostos pelo: (1) seu caráter relacional, (2) foco nos sistemas de poder, (3) foco nas desigualdades sociais, (4) foco no contexto social de produção do conhecimento, (5) foco na complexidade das interações dinâmicas de diferentes categorias e (6) foco na justiça social como compromisso ético das pesquisas interseccionais; que implicam também o entendimento da interseccionalidade como teoria e práxis crítica (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.). Essas premissas e os elementos fundamentais são as bases para a compreensão da interseccionalidade como teoria social crítica nos termos propostos por Collins (2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.).

Aqui também me filio ao entendimento da interseccionalidade como investigação e práxis crítica (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.; Anna CARASTATHIS, 2014CARASTATHIS, Anna. “The Concept of Intersectionality in Feminist Theory”. Philosophy Compass, v. 9, n. 5, p. 304-314, 2014. Disponível em Disponível em https://compass.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/phc3.12129 . Acesso em 05/06/2015.
https://compass.onlinelibrary.wiley.com/...
; COLLINS, 2019). Carastathis (2014CARASTATHIS, Anna. “The Concept of Intersectionality in Feminist Theory”. Philosophy Compass, v. 9, n. 5, p. 304-314, 2014. Disponível em Disponível em https://compass.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/phc3.12129 . Acesso em 05/06/2015.
https://compass.onlinelibrary.wiley.com/...
) considera que contextualizando corretamente a interseccionalidade ela deve ser entendida como representando uma síntese entre os movimentos sociais e o conhecimento acadêmico crítico, o que, para Collins e Bilge (2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.), significa a existência de uma sinergia entre a investigação crítica e a práxis crítica, que juntas compõem a interseccionalidade.

A forma como uma perspectiva interseccional permeou e permeia as práticas dos movimentos sociais não é uma etapa anterior à interseccionalidade, pois esta não pode ser entendida exclusivamente como uma teoria acadêmica, como já destaquei na seção anterior. Trata-se de perceber a multidimensionalidade da interseccionalidade e romper com lógicas de linearidade narrativa e de binarismo entre saber científico e práxis, rejeitando qualquer perspectiva que entenda a teoria como superior à prática (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.).

Compactuo com o entendimento de que a “interseccionalidade não é apenas um método para se fazer pesquisa, mas é também uma ferramenta para empoderar as pessoas”6 6 Tradução livre, no original: “Intersectionality is not simply a method for doing research but is also a tool for empowering people” (COLLINS; BILGE, 2016, p. 37). (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016., p. 37). Do mesmo modo que seus antecedentes históricos, o atual engajamento de mulheres, pessoas negras, pobres, LGBTQIA+ em torno da interseccionalidade é parte fundamental de sua teorização e prática, pois indivíduos e grupos que estão sujeitos a mais de um sistema de subordinação terão melhores condições para identificar, analisar e construir estratégias de enfretamento às hierarquias de poder e às desigualdades sociais (COLLINS, 2022). Não se trata de uma percepção essencialista dessas vivências, mas, sim, de reconhecer que as posicionalidades ocupadas e significadas socialmente produzem impactos em nossas formas de experienciar, interpretar e teorizar o mundo.

Nesses termos, a interseccionalidade contribui para redefinir a ação social como um modo de conhecimento, pois a reconhece como uma forma potencial de fortalecimento para as próprias teorizações interseccionais (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.). A partir daí, podemos nos aproximar da interseccionalidade como uma teoria social crítica. Isso implica considerar a interseccionalidade enquanto uma teoria do poder. Essa tem sido uma abordagem sistematizada por Collins, que propõe ver “[...] a interseccionalidade como um tipo diferente de teoria social em formação, em que suas associações com movimentos de justiça social adicionam outra dimensão à sua teorização”7 7 No original: “[...] intersectionality as a diferent kind of social theory in the making, whereby its association with social justice movements adds another dimension to its theorizing”. (COLLINS, 2019, p. 53).

Gostaria de destacar que esta abordagem que toma o poder como um elemento central das teorizações e práticas interseccionais contribui para mais uma vez afastar qualquer entendimento da interseccionalidade como exclusivamente uma teoria identitária. Como bem indicado por Ana Pereira (2016PEREIRA, Ana Claudia Jaquetto. Pensamento Social e Político do Movimento de Mulheres Negras: o lugar de ialodês, orixás e empregadas domésticas em projetos de justiça social. 2016. Doutorado - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil., p. 21), há que se diferenciar entre as “[...] abordagens que empregam gênero, raça e outras categorias correlatas como marcadores identitários de diferença daquelas que os mobilizam enquanto marcadores de desigualdades sociais”. Aqui me filio ao entendimento de que a interseccionalidade implica entender essas diferenças como marcadores de desigualdades, ou seja, a partir da centralidade das relações desiguais de poder. Este elemento já está presente desde os antecedentes históricos da interseccionalidade, como mencionado na seção anterior, sendo que são visíveis nos textos de Crenshaw (1989CRENSHAW, Kimberlé. “Demarginalizing the intersection of Race and Sex: a Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics”. University of Chicago Legal Forum, v. 1989, p. 139, 1989.; 1991) que, em certa medida, são fundacionais da inserção da interseccionalidade no campo acadêmico. Reforçar a existência das desigualdades de poder é importante pois muitas pesquisas que utilizam a interseccionalidade fazem uso de uma aproximação meramente abstrata com o poder, produzindo “frases como intersecção de sistemas de poder que circulam como significantes hipervisíveis e tornam o poder um termo descritivo e substituto com impacto político mínimo” (COLLINS, 2022COLLINS, Patricia Hill. “A diferença que o poder faz: interseccionalidade e democracia participativa”. Rev. Sociologias Plurais, v. 8, n. 1, p. 11-44, 2022. Disponível em Disponível em https://revistas.ufpr.br/sclplr/article/viewFile/84497/45732 . Acesso em 20/03/2022.
https://revistas.ufpr.br/sclplr/article/...
, p. 13).

Mas se entendemos a interseccionalidade a partir das suas origens nas práticas dos movimentos por justiça social e seu vínculo inseparável entre investigação e práxis crítica, torna-se mais fácil percebê-la também como uma nova possibilidade de teoria social crítica que foca nos sistemas de poder que se coproduzem, ao passo que reproduzem condições materiais desiguais e experiências sociais distintas dentro desse cenário de hierarquias socialmente compartilhadas (COLLINS, 2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.). Trata-se de, a partir da interseccionalidade, compreender o poder como um fenômeno multidimensional (COLLINS, 2022), capaz de produzir explicações sobre aspectos pessoais e sociais macro e microestruturantes. Por isso narrei brevemente a minha aproximação com o campo no início desse texto, pois a interseccionalidade também nos ajuda a explicar esses locais complexos que ocupamos pelo atravessamento das relações de poder enquanto indivíduos e enquanto sociedade, ou seja, nos ajuda a compreender a multidimensionalidade das relações de poder. Assim sendo, ao partirmos de algumas compreensões mais complexas da interseccionalidade, como proposto nesta seção, acredito que podemos entender melhor o seu compromisso fundamental com a justiça social.

3 Justiça social como elemento inegociável da interseccionalidade

Por fim, chegamos no terceiro ponto (que talvez seja o mais basilar de todos os elementos desse mapa), que envolve compreender que a busca por justiça social é um aspecto central da interseccionalidade. Isso está presente nos antecedentes históricos já mencionados, assim como desde os primeiros textos de Crenshaw (1991CRENSHAW, Kimberlé. “Mapping the Margins: Intersectionality , Identity Politics, and Violence against Women of Color”. Stanford Law Review, v. 43, p. 1241, 1991. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/1229039 . Acesso em 08/04/2014.
https://www.jstor.org/stable/1229039...
; 1989). Portanto, se nos preocupamos com o paradoxo de evitar que o sucesso da interseccionalidade não resulte no fracasso de seus propósitos, é importante recuperar seu ethos de justiça social, o que significa que, talvez, tenhamos que salvá-la “[...] de nós mesmas(os) se praticarmos a interseccionalidade como ‘negócios de sempre’, ou seja, apenas como mais um discurso acadêmico ou conteúdo especializado sem implicar a academia como um todo”8 8 No original: “[...] from ourselves if we practice intersectionality as ‘business usual’, namely, as just another scholarly discourse or contente specialization without implicating academy at large”. (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016., p. 198).

Vale ressaltar que compartilho a concepção de justiça social conforme elaborada por Fraser. Nesse sentido, é uma perspectiva de alargamento das reivindicações políticas, que não se restringem às questões de classe pois abarcam outros eixos de subordinação, como as questões de raça, sexualidade e nacionalidade. Assim, são incluídas reivindicações no campo da redistribuição de recursos econômicos e da participação política, bem como aquelas que se dão no campo das representações, das identidades e diferenças (FRASER, 2002FRASER, Nancy. “A justiça social na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação”. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, p. 07-20, 2002. Disponível em Disponível em https://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/artigos/63/RCCS63-Nancy%20Fraser-007-020.pdf . Acesso em 14/11/2021.
https://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/a...
). Ou seja, uma concepção de justiça social ampla o suficiente “[...] para incluir o leque total de preocupações suscitadas pela globalização, mesmo as desigualdades de classe e as hierarquias de estatuto” (FRASER, 2002, p. 10).

Nesse sentido, compreender o ethos de justiça social como elemento fundante da interseccionalidade é especialmente importante para pessoas brancas, como eu, que circulam em espaços de poder como é o ambiente acadêmico. Se não estivermos atentas, podemos reproduzir nossos pactos narcísicos que negam e/ou evitam o enfrentamento do racismo em nossas realidades cotidianas e no Brasil como um todo, reforçando assim os privilégios que temos em razão da branquitude (BENTO, 2022BENTO, Cida. O Pacto da Branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.). Inclusive ao utilizarmos a interseccionalidade como um jargão esvaziado de seu compromisso político, desconectada das práxis de mulheres negras e indígenas, reforçando, consequentemente, os locais de poder ocupados por pessoas brancas em razão do histórico colonial e escravocrata do país.

É importante contribuir com a visibilidade da trajetória e do surgimento do próprio conceito. Além dos elementos trazidos na primeira seção deste texto, vale ressaltar como as elaborações teóricas e políticas dos feminismos negros brasileiros estiveram em sintonia com o enfrentamento das múltiplas desigualdades sociais decorrentes do racismo, sexismo, classismo, dentre outros (GONZALEZ, 2020GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.; CARNEIRO, 2003CARNEIRO, Sueli. “Mulheres em movimento”. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117-133, 2003. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ea/a/Zs869RQTMGGDj586JD7nr6k/ . Acesso em 08/08/2013.
https://www.scielo.br/j/ea/a/Zs869RQTMGG...
; Cláudia CARDOSO, 2012CARDOSO, Cláudia Pons. Outras falas: feminismos na perspectiva de mulheres negras brasileiras. 2012. Doutorado - Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.). O contexto histórico-político dos feminismos na América Latina na segunda metade do século XX é marcado pelas ditaduras civil-militares. Em particular, no caso brasileiro, isso acionou por parte do regime ditatorial o resgate do mito da democracia racial, inicialmente utilizado no Estado Novo de Vargas, inclusive enquanto discurso diplomático que pretendeu consolidar internacionalmente o Brasil como um país sem disputas raciais, em um período pós-guerra no qual este era um tema sensível (Marcos MAIO, 1998MAIO, Marcos Chor. “O Brasil no concerto das nações: a luta contra o racismo nos primórdios da Unesco”. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 5, p. 375-413, 1998. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/hcsm/a/z8ZdVvMKhtdQkL7qfh6pSTG/?lang=pt . Acesso em 15/02/2022.
https://www.scielo.br/j/hcsm/a/z8ZdVvMKh...
). Assim, negando a existência de raças no Brasil, haveria uma sociedade mítica miscigenada e livre do racismo. O enfrentamento a esta distorcida leitura do processo de miscigenação na região, além da luta pela retomada da democracia, foram algumas das principais reivindicações dos feminismos negros.

Os trabalhos de Gonzalez (2020GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.) refletem muito desse contexto e de seus enfrentamentos. Seus textos interconectam raça, classe e gênero e adotam um foco prioritário na transformação dos cenários de desigualdades de poder. Em outros termos, retomar os escritos de Gonzalez é perceber como o compromisso com a transformação social e a justiça social constituem a história dos feminismos negros brasileiros, sem os quais não seria possível a construção de um campo teórico e prático da interseccionalidade no Brasil.

Por sua vez, quando Crenshaw (1989CRENSHAW, Kimberlé. “Demarginalizing the intersection of Race and Sex: a Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics”. University of Chicago Legal Forum, v. 1989, p. 139, 1989.) nomeou a interseccionalidade ela partiu de uma preocupação concreta quanto ao modo de eixo único que dominava a criação de legislações antidiscriminatórias que recorrentemente falharam em proteger as mulheres negras. Nesse sentido, em seu texto seguinte, “Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence Against Women of Color”, Crenshaw (1991) apresentou a interseccionalidade estrutural como fundamental para compreender e superar a violência contra as mulheres, em especial de dois tipos: a agressão física (battering) e o estupro. Em uma pesquisa que parte de casos concretos, ela demonstrou como o sistema de raça, gênero e classe converge de modo específico para as experiências das mulheres vítimas de violência doméstica nos Estados Unidos, bem como o modo como esses elementos estruturais influenciam as legislações e as decisões judiciais em casos de estupro de mulheres negras (CRENSHAW, 1991CRENSHAW, Kimberlé. “Mapping the Margins: Intersectionality , Identity Politics, and Violence against Women of Color”. Stanford Law Review, v. 43, p. 1241, 1991. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/1229039 . Acesso em 08/04/2014.
https://www.jstor.org/stable/1229039...
). Precisamos considerar como o texto “de Crenshaw expressa um ethos de justiça social que assume que uma análise mais compreensiva dos problemas sociais pode render ações mais efetivas” (COLLINS, 2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 . Acesso em 03/03/2022.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
, p. 11). A razão primária do artigo de Crenshaw e da proposta de uso da interseccionalidade nele contida é a melhoria nas condições de vida pelo acesso à justiça social por parte das mulheres negras, em especial aquelas em condição de violência (COLLINS, 2017). Consequentemente, a construção de modos e análises sobre os sistemas de poder interseccionais é um propósito contido desde os primeiros textos de Crenshaw, mas não o principal.

Estou em sintonia com Akotirene quando compreende que Crenshaw elabora a interseccionalidade como uma lente analítica útil para entender as interações estruturais e seus efeitos políticos e jurídicos (AKOTIRENE, 2018AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte, MG: Letramento; Justificando, 2018.). Portanto, a interseccionalidade, nesses termos, serve não apenas para identificar a realidade (uma lente analítica), mas também para possibilitar novos modos de interpretação e enfrentamentos às desigualdades. Nesse sentido, é importante que se valorize as contribuições acadêmicas para o campo nacional e internacional dos Direitos Humanos (Joana STELZER; KYRILLOS, 2021STELZER, Joana; KYRILLOS, Gabriela M. “Inclusão da Interseccionalidade no âmbito dos Direitos Humanos”. Revista Direito e Práxis, v. 12, p. 237-262, 2021. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rdp/a/ccVJTdKcSWtVxdpmVPjkwZx/?lang=pt . Acesso em 04/04/2021.
https://www.scielo.br/j/rdp/a/ccVJTdKcSW...
; Megan CAMPBELL, 2015CAMPBELL, Meghan. “CEDAW and Women’s Intersecting Identities: A Pioneering New Approach to Intersectional Discrimination”. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 479-504, 2015. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rdgv/a/9MyzJzQzzmXVZqXZ8KD9r9D/?lang=en . Acesso em 01/01/2016.
https://www.scielo.br/j/rdgv/a/9MyzJzQzz...
; Cinthia CATOIA et al., 2020CATOIA, Cinthia de Cassia; SEVERI, Fabiana Cristina; FIRMINO, Inara Flora Cirpiano. “Caso ‘Alyne Pimentel’: Violência de Gênero e Interseccionalidades”. Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 1, 2020. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/CNfnySYtXWTYbsc987D8n5S/abstract/?lang=pt . Acesso em 02/02/2021.
https://www.scielo.br/j/ref/a/CNfnySYtXW...
). Sobre isso, merece destaque o texto de Crenshaw (2002) para a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, que ocorreu em Durban, África do Sul, em 2001. Ele é um marco no que diz respeito à inclusão da interseccionalidade no âmbito internacional dos Direitos Humanos, pois foi a partir desse position paper9 9 Position paper é um tipo de documento que apresenta argumentos de modo contextualizado e fundamentado, com o propósito de convencer um público-alvo, indicando modos de solucionar um problema ou questão. de Crenshaw que aumentaram as referências ao conceito de interseccionalidade (mesmo que com outras nomenclaturas) no campo dos Direitos Humanos (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.). Esse texto influenciou a própria compreensão adotada na Conferência de existência de “intolerâncias correlatas” nos processos discriminatórios que experienciam as diversas mulheres no mundo (Maylei BLACKWELL; Nadine NABER, 2002BLACKWELL, Maylei; NABER, Nadine. “Interseccionalidade em uma era de globalização: As implicações da Conferência Mundial contra o Racismo para práticas feministas transnacionais”. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 189-198, 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/ggH7nksZZQQ7TbKddg65hQc/abstract/?lang=pt# . Acesso em 10/02/2022.
https://www.scielo.br/j/ref/a/ggH7nksZZQ...
). Em outras palavras, desde os primeiros escritos de Crenshaw e desde muito antes nas práxis dos movimentos protagonizados por mulheres de cor em toda a América, está posta a necessidade de enfrentamento e superação das desigualdades sociais que tornou possível e necessária a existência da interseccionalidade.

Desse modo, em sintonia com tantas outras ativistas e acadêmicas, entendo que a interseccionalidade é um campo em aberto quanto aos seus usos e significados presentes, bem como ao que ainda pode vir a ser. Concordo com Collins (2019COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory. Durhan and London: Duke University Press, 2019.) quando nos diz que a interseccionalidade vai muito além do que podemos imaginar, mesmo nós que nos dedicamos a estudá-la há vários anos. Assim como entendo se tratar de um campo que se constitui de forma dialógica e tem na heterogeneidade não uma marca de fraqueza, mas um recurso com enorme potencial que podemos utilizar para nos mover a um futuro mais justo (COLLINS; BILGE, 2016COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality. Cambridge: Polity Press, 2016.).

Isso não me parece significar que qualquer uso da interseccionalidade é benéfico para as pessoas que a construíram e para aquelas que estão aliadas no propósito de superação das profundas injustiças sociais decorrentes da coconstituição do racismo, sexismo, capitalismo, LGBTfobia, colonialismo, dentre outros. Por isso, considero que o destino deste mapa provisório é o entendimento de que a interseccionalidade precisa ser implicada em nossas realidades e com nossas estratégias coletivas e criativas de superação das desigualdades estruturais que cotidianamente enfrentamos.

Nesse sentido, merecem destaque as possibilidades apresentadas por Pereira de uso da interseccionalidade a partir de situações concretas de interação social para aproximar gênero e raça como “sistemas de significado e regimes de representação”, sem priorizá-la e segmentá-la em categorias distintas (Bruna PEREIRA, 2021PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. “Sobre usos e possibilidades da interseccionalidade”. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 21, n. 3, p. 445-454, 2021. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/civitas/article/view/40551 . Acesso em 01/02/2022.
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ind...
, p. 451). Por esses meios, Pereira (2021) reforça como, no contexto brasileiro, raça e gênero possuem história, moral, linguagens e imaginários compartilhados e, por isso mesmo, não se cruzam apenas eventualmente. A partir dessa proposição, a autora demonstra como se torna possível a construção de investigações interseccionais mais complexas e radicais.

Sugiro que o histórico anterior ao termo, a compreensão complexa da interseccionalidade como investigação, teoria e práxis crítica e seu elemento central de reivindicação por justiça social tornam-se especialmente úteis diante do aumento quantitativo do uso da interseccionalidade, ao mesmo tempo que se esvazia seu propósito e significado político, tal qual identificado por Bilge (2018BILGE, Sirma. “Interseccionalidade Desfeita: salvando a interseccionalidade dos estudos feministas sobre interseccionalidade”. Revista Feminismos, v. 6, n. 3, 2018. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/33680 . Acesso em 10/10/2019.
https://periodicos.ufba.br/index.php/fem...
). É significativa a ampliação de estudos que utilizam a interseccionalidade e que não estabelecem conexão com os movimentos sociais (VIGOYA, 2016VIGOYA, Mara Viveros. “La interseccionalidad: una aproximación situada a la dominación”. Debate Feminista, v. 52, p. 1-17, 2016. Disponível em Disponível em https://repositorio.unal.edu.co/handle/unal/80372 . Acesso em 20/11/2021.
https://repositorio.unal.edu.co/handle/u...
). Com isso, cresce o risco de despolitização da interseccionalidade e que estas pesquisas sirvam às agendas neoliberais e suas soluções individuais e mercadológicas para problemas sociais coletivos.

Como dito desde o início, esse risco é um velho conhecido das estratégias políticas e elaborações teóricas presentes no amplo campo dos feminismos. Isso foi abordado por Fraser (2009FRASER, Nancy. “O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história”. Mediações - Revista de Ciências Sociais, v. 14, n. 2, p. 11-33, 2009. Disponível em Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4300312/mod_resource/content/1/FRASER%2C%20Nancy.%20Feminismo%2C%20capitalismo%20e%20a%20ast%C3%BAcia%20da%20hist%C3%B3ria.pdf . Acesso em 29/05/2020.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
), quando analisou os avanços das principais pautas da segunda onda feminista e suas consonâncias com o capitalismo pós-fordista, assim como foi objeto de análise de Silvia Federici (2019FEDERICI, Silvia. O Ponto Zero da Revolução - Trabalho Doméstico, Reprodução e Luta Feminista. São Paulo: Elefante, 2019.), quando considerou a incorporação colonizadora da Organização das Nações Unidas sobre o movimento feminista no mesmo período.

Talvez essas experiências anteriores possam nos servir de alerta para a popularização do uso da interseccionalidade, sob o risco de se apresentar como um mero modismo acadêmico que não implica rever as próprias estruturas e preocupações centrais de nossas investigações. Sobretudo, não nos conduz a rever nossas práticas dentro e fora do espaço acadêmico, em especial nossos pactos narcísicos.

Diante da maior presença da interseccionalidade na academia estadunidense, Collins pontuou como seus modos de incorporação entre os anos de 1990 e 2000 “se tornaram um novo normal que cada vez mais separou o conhecimento emancipatório da política emancipatória” (COLLINS, 2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 . Acesso em 03/03/2022.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
, p. 13). Essa é uma discussão válida também para pensarmos a popularização do uso do termo no Brasil. Proponho considerarmos esse crescimento a partir da discussão sobre neoliberalismo.

No livro de Wendy Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Filosófica Politea, 2019.), identificamos como a razão neoliberal tem impactado as diversas esferas da vida social e das estruturas de países ocidentais. Ela considera o neoliberalismo como uma perspectiva de diminuição das barreiras impostas pelos Estados para a circulação do capital e uma estratégia de neutralização de demandas por justiça e redistribuição de países do sul global que passaram pelo processo de descolonização. Além disso, a autora também pontua o neoliberalismo como uma nova racionalidade política, na qual os princípios que regem as lógicas de mercado tornam-se princípios de governo a serem executados pelos Estados, que circulam em outras instituições e em toda a sociedade (BROWN, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Filosófica Politea, 2019.).

Considerando que universidade e ciência compõem o rol dessas instituições contemporâneas, não é surpreendente que identifiquemos a reprodução de lógicas neoliberais também nesses espaços. Quando Collins (2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 . Acesso em 03/03/2022.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
) analisa esse contexto nas universidades estadunidenses destaca como as métricas de avaliação e produção acadêmicas são pautadas pela perspectiva neoliberal, na qual, mesmo que acadêmicas(os) trabalhem pela coletividade, serão avaliadas(os) para promoções ou cargos a partir de critérios individuais, algo que vai de encontro ao ethos coletivo dos movimentos sociais nos quais a própria interseccionalidade foi gestada.

Creio que, no Brasil, temos a nosso favor a existência de um sistema de universidades públicas. Isso não significa que estamos ilesas(os) às lógicas e às métricas neoliberais. Nesse sentido, é possível nos identificarmos quando Collins afirma que “uma maneira de conter o potencial emancipatório da interseccionalidade consiste em apropriar-se de suas ideias, reformulando-a em relação às agendas neoliberais, depois descartando-a ao apontar uma aparente impossibilidade de a interseccionalidade promover mudança” (COLLINS, 2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 . Acesso em 03/03/2022.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
, p. 14). Inclusive, a crítica e o desmonte de discursos e projetos em defesa do social e da justiça social são parte dessa razão neoliberal do tempo presente, que impacta não apenas as instituições onde atuamos, mas também nossas subjetividades (BROWN, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Filosófica Politea, 2019.).

Por tudo isso, entendo que devemos ficar especialmente em alerta quando vemos a utilização da interseccionalidade em políticas públicas e documentos internacionais de Direitos Humanos. Como já se tem demonstrado em várias pesquisas, a mera adição de categorias como se fossem uma soma ou um jargão do “politicamente correto” no qual se elenca “gênero, classe e raça” como um mantra, ou mesmo apenas a inserção do termo interseccionalidade não garante, por si só, uma alteração na construção desses documentos e das estratégias empreendidas a partir deles (CAMPBELL, 2015CAMPBELL, Meghan. “CEDAW and Women’s Intersecting Identities: A Pioneering New Approach to Intersectional Discrimination”. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 479-504, 2015. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rdgv/a/9MyzJzQzzmXVZqXZ8KD9r9D/?lang=en . Acesso em 01/01/2016.
https://www.scielo.br/j/rdgv/a/9MyzJzQzz...
; BILGE, 2018BILGE, Sirma. “Interseccionalidade Desfeita: salvando a interseccionalidade dos estudos feministas sobre interseccionalidade”. Revista Feminismos, v. 6, n. 3, 2018. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/33680 . Acesso em 10/10/2019.
https://periodicos.ufba.br/index.php/fem...
; KYRILLOS, 2018KYRILLOS, Gabriela M. Os direitos humanos das mulheres no Brasil a partir de uma análise interseccional de gênero e raça sobre a eficácia da Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW). 2018. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.).

Por todos esses elementos, entendo que precisamos constantemente reforçar que o compromisso com a justiça social é o aspecto mais basilar de toda utilização da interseccionalidade, seja como estratégia metodológica, como ferramenta analítica, teoria social crítica ou na elaboração de políticas públicas.

Considerações finais

Esse texto surgiu da intenção de compartilhar um mapa teórico sobre a interseccionalidade que, de algum modo, e apesar de todas as suas limitações, possa ajudar quem deseja compreender ou se aprofundar no cada vez mais amplo campo dos estudos interseccionais. Entendo que o fato deste mapa ser provisório, localizado e aberto, não diminui sua importância, muito pelo contrário; nesses termos, ele pode se somar a outras concepções particulares de interseccionalidade e contribuir na construção coletiva de seu significado.

Esta proposta envolveu considerar três pontos centrais para transitar pela interseccionalidade: (1) entender a história anterior ao surgimento do conceito, (2) complexificar nossas formas de entendimento do que é a interseccionalidade, partindo de uma compreensão dela como investigação, teoria e práxis crítica, e (3) reconhecer a importância do compromisso com a justiça social e a transformação das desigualdades como elementos fundantes e inegociáveis da interseccionalidade. Partindo desses três aspectos, pretendi me somar às críticas aos usos da interseccionalidade como um modismo acadêmico esvaziado de seu compromisso político emancipador e a serviço da lógica neoliberal.

Isso implicou considerar a interseccionalidade não como uma teoria da identidade, mas como um arcabouço teórico sobre as desigualdades de poder. Como consequência, compreender que importam as posicionalidades que nossos corpos ocupam em sociedades estruturadas pelo racismo, sexismo, colonialismo, dentre outros. Isso não é o mesmo que dizer que essas hierarquias são fundadas em elementos naturais ou são imutáveis. Muito antes pelo contrário. O entendimento de interseccionalidade ao qual me filio aqui é aquele que a toma como uma teoria do poder útil para entender as desigualdades sociais existentes e suas estruturas, para, por fim, produzir resistências e modificações do que está posto (COLLINS, 2017COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 . Acesso em 03/03/2022.
https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/...
; 2019; BILGE, 2018BILGE, Sirma. “Interseccionalidade Desfeita: salvando a interseccionalidade dos estudos feministas sobre interseccionalidade”. Revista Feminismos, v. 6, n. 3, 2018. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/33680 . Acesso em 10/10/2019.
https://periodicos.ufba.br/index.php/fem...
; CRENSHAW, 1991CRENSHAW, Kimberlé. “Mapping the Margins: Intersectionality , Identity Politics, and Violence against Women of Color”. Stanford Law Review, v. 43, p. 1241, 1991. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/1229039 . Acesso em 08/04/2014.
https://www.jstor.org/stable/1229039...
; CARASTATHIS, 2014CARASTATHIS, Anna. “The Concept of Intersectionality in Feminist Theory”. Philosophy Compass, v. 9, n. 5, p. 304-314, 2014. Disponível em Disponível em https://compass.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/phc3.12129 . Acesso em 05/06/2015.
https://compass.onlinelibrary.wiley.com/...
). Como muito bem sintetizado por Vigoya, em um recente encontro da Reunião de Antropologia do Mercosul, “é mais importante a interseccionalidade das lutas do que das identidades”.

A importância da interseccionalidade reside em seu compromisso teórico e prático que coloca a superação das desigualdades sociais como eixo norteador de nossas práxis. Nesse sentido, é preciso destacar a importância de que nós, pessoas brancas, possamos não apenas identificar nossos privilégios, mas, a partir daí, construir estratégias que nos possibilitem de fato atuar como aliadas nas lutas antirracistas, bem como na superação do sexismo, do classismo; entendendo todos esses elementos a partir da história brasileira e latino-americana de colonização e colonialidade.

Sugiro que isso é possível se nos aproximamos da interseccionalidade por meio das lentes aqui propostas, pois elas nos instrumentalizam a compreender aspectos macroestruturantes, mas também micro. Possibilitam que tenhamos melhores leituras da sociedade complexa em que vivemos, mas também de nós mesmas(os) nesse cenário. A partir dessa compreensão de interseccionalidade, torna-se viável abandonar antigas perspectivas rígidas de separação entre sujeito e objeto de pesquisa, um exercício que busquei colocar em prática neste artigo.

Reconhecer que as sensibilidades interseccionais e a história do conceito não são exclusividades do norte global não é apenas importante para que possamos historicizar o termo, o que por si só já seria suficientemente relevante. Mas é também fundamental para mostrar como os desdobramentos e as compreensões da interseccionalidade são múltiplas. Não há apenas uma forma de fazer pesquisa que considere seriamente os distintos aspectos que compõem e perpetuam as desigualdades, como busquei demonstrar ao citar autoras que, anteriormente ao surgimento do conceito, já elaboravam essas discussões, assim como algumas que traçam debates atuais a partir do campo dos estudos feministas decoloniais.

Portanto, espero que esse texto contribua para que possamos entender a interseccionalidade em aberto naquilo que ainda pode ser, mas que não percamos de vista os elementos centrais do que ela já tem sido: uma construção coletiva, originada nas lutas dos movimentos sociais de mulheres negras e indígenas e que busca enfrentar as injustiças sociais históricas e atuais, como o racismo, o sexismo, a cis-heteronormatividade, as heranças do colonialismo, o capitalismo e as estratégias neoliberais dentro e fora da academia. Foram esses elementos que pretendi sistematizar brevemente aqui, na esperança de que nos ajudem a melhor navegar com e pela interseccionalidade de forma comprometida com as necessárias justiça e transformação social

Referências

  • AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte, MG: Letramento; Justificando, 2018.
  • ANZALDÚA, Glória E. “Borderlands/La Frontera: The New Mestiza”. Aunt Lute, 1987.
  • BENTO, Cida. O Pacto da Branquitude São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
  • BILGE, Sirma. “Interseccionalidade Desfeita: salvando a interseccionalidade dos estudos feministas sobre interseccionalidade”. Revista Feminismos, v. 6, n. 3, 2018. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/33680 Acesso em 10/10/2019.
    » https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/33680
  • BLACKWELL, Maylei; NABER, Nadine. “Interseccionalidade em uma era de globalização: As implicações da Conferência Mundial contra o Racismo para práticas feministas transnacionais”. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 189-198, 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/ggH7nksZZQQ7TbKddg65hQc/abstract/?lang=pt# Acesso em 10/02/2022.
    » https://www.scielo.br/j/ref/a/ggH7nksZZQQ7TbKddg65hQc/abstract/?lang=pt#
  • BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo - a ascensão da política antidemocrática no ocidente São Paulo: Filosófica Politea, 2019.
  • CAMPBELL, Meghan. “CEDAW and Women’s Intersecting Identities: A Pioneering New Approach to Intersectional Discrimination”. Revista Direito GV, v. 11, n. 2, p. 479-504, 2015. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rdgv/a/9MyzJzQzzmXVZqXZ8KD9r9D/?lang=en Acesso em 01/01/2016.
    » https://www.scielo.br/j/rdgv/a/9MyzJzQzzmXVZqXZ8KD9r9D/?lang=en
  • CARASTATHIS, Anna. “The Concept of Intersectionality in Feminist Theory”. Philosophy Compass, v. 9, n. 5, p. 304-314, 2014. Disponível em Disponível em https://compass.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/phc3.12129 Acesso em 05/06/2015.
    » https://compass.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/phc3.12129
  • CARDOSO, Cláudia Pons. Outras falas: feminismos na perspectiva de mulheres negras brasileiras 2012. Doutorado - Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.
  • CARNEIRO, Sueli. “Gênero, Raça e Ascenção Social”. Revista Estudos Feministas, v. 3, n. 2, p. 544-552, 1995. Disponível em Disponível em https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2015/05/G%C3%AAnero-ra%C3%A7a-e-ascen%C3%A7%C3%A3o-social.pdf Acesso em 04/04/2015.
    » https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2015/05/G%C3%AAnero-ra%C3%A7a-e-ascen%C3%A7%C3%A3o-social.pdf
  • CARNEIRO, Sueli. “Mulheres em movimento”. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117-133, 2003. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ea/a/Zs869RQTMGGDj586JD7nr6k/ Acesso em 08/08/2013.
    » https://www.scielo.br/j/ea/a/Zs869RQTMGGDj586JD7nr6k/
  • CARNEIRO, Sueli. “Sobrevivente, testemunha e porta-voz”. Cult, São Paulo, n. 223, p. 12-20, 2017. (Entrevista concedida à Bianca Santana)
  • CASTRO-GÓMEZ, Santiago. La poscolonialidad explicada a los niños Cauca, Colômbia: Editora da Universidad del Cauca, 2005.
  • CATOIA, Cinthia de Cassia; SEVERI, Fabiana Cristina; FIRMINO, Inara Flora Cirpiano. “Caso ‘Alyne Pimentel’: Violência de Gênero e Interseccionalidades”. Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 1, 2020. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/CNfnySYtXWTYbsc987D8n5S/abstract/?lang=pt Acesso em 02/02/2021.
    » https://www.scielo.br/j/ref/a/CNfnySYtXWTYbsc987D8n5S/abstract/?lang=pt
  • COLLINS, Patricia Hill. “Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória”. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559 Acesso em 03/03/2022.
    » https://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/559
  • COLLINS, Patricia Hill. “A diferença que o poder faz: interseccionalidade e democracia participativa”. Rev. Sociologias Plurais, v. 8, n. 1, p. 11-44, 2022. Disponível em Disponível em https://revistas.ufpr.br/sclplr/article/viewFile/84497/45732 Acesso em 20/03/2022.
    » https://revistas.ufpr.br/sclplr/article/viewFile/84497/45732
  • COLLINS, Patricia Hill. Interseccionality as Critical Social Theory Durhan and London: Duke University Press, 2019.
  • COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Intersectionality Cambridge: Polity Press, 2016.
  • CRENSHAW, Kimberlé. “Demarginalizing the intersection of Race and Sex: a Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics”. University of Chicago Legal Forum, v. 1989, p. 139, 1989.
  • CRENSHAW, Kimberlé. “Mapping the Margins: Intersectionality , Identity Politics, and Violence against Women of Color”. Stanford Law Review, v. 43, p. 1241, 1991. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/1229039 Acesso em 08/04/2014.
    » https://www.jstor.org/stable/1229039
  • CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/abstract/?lang=pt Acesso em 24/05/2014.
    » https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/abstract/?lang=pt
  • CURIEL, Ochy. “Crítica Pós-Colonial a Partir das Práticas Políticas do Feminismo Antirracista”. Nómadas, v. 26, p. 92-101, 2007. Disponível em Disponível em https://www.redalyc.org/pdf/1051/105115241010.pdf Acesso em 18/09/2021.
    » https://www.redalyc.org/pdf/1051/105115241010.pdf
  • DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe São Paulo: Boitempo, 2016.
  • FEDERICI, Silvia. O Ponto Zero da Revolução - Trabalho Doméstico, Reprodução e Luta Feminista São Paulo: Elefante, 2019.
  • FRASER, Nancy. “A justiça social na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação”. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, p. 07-20, 2002. Disponível em Disponível em https://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/artigos/63/RCCS63-Nancy%20Fraser-007-020.pdf Acesso em 14/11/2021.
    » https://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/artigos/63/RCCS63-Nancy%20Fraser-007-020.pdf
  • FRASER, Nancy. “O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história”. Mediações - Revista de Ciências Sociais, v. 14, n. 2, p. 11-33, 2009. Disponível em Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4300312/mod_resource/content/1/FRASER%2C%20Nancy.%20Feminismo%2C%20capitalismo%20e%20a%20ast%C3%BAcia%20da%20hist%C3%B3ria.pdf Acesso em 29/05/2020.
    » https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4300312/mod_resource/content/1/FRASER%2C%20Nancy.%20Feminismo%2C%20capitalismo%20e%20a%20ast%C3%BAcia%20da%20hist%C3%B3ria.pdf
  • GONZALEZ, Lélia. “Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira”. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244, 1984. Disponível em Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5509709/mod_resource/content/0/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf Acesso em 08/05/2014.
    » https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5509709/mod_resource/content/0/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf
  • GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
  • hooks, bell. “Mulheres negras: moldando a teoria feminista”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 16, p. 193-210, 2015. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/mrjHhJLHZtfyHn7Wx4HKm3k/?lang=pt Acesso em 28/02/2014.
    » https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/mrjHhJLHZtfyHn7Wx4HKm3k/?lang=pt
  • KYRILLOS, Gabriela M. Os direitos humanos das mulheres no Brasil a partir de uma análise interseccional de gênero e raça sobre a eficácia da Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) 2018. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.
  • KYRILLOS, Gabriela M. “Uma Análise Crítica sobre os Antecedentes da Interseccionalidade”. Revista Estudos Feministas, v. 28, n. 1, 2020. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/zbRMRDkHJtkTsRzPzWTH4Zj/abstract/?lang=pt Acesso em 01/01/2021.
    » https://www.scielo.br/j/ref/a/zbRMRDkHJtkTsRzPzWTH4Zj/abstract/?lang=pt
  • LORDE, Audre. “Não existe hierarquia de opressão”. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de . Pensamento feminista: conceitos fundamentais Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019a. p. 234-236.
  • LORDE, Audre. “Idade, Raça, Classe e Gênero: mulheres redefinindo a diferença”. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista: conceitos fundamentais . Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019b. p. 237-248.
  • LUGONES, María. “Colonialidad y género”. Tabula Rasa, n. 09, p. 73-101, 2008. Disponível em Disponível em https://www.revistatabularasa.org/numero-9/05lugones.pdf Acesso em 29/11/2014.
    » https://www.revistatabularasa.org/numero-9/05lugones.pdf
  • MAIO, Marcos Chor. “O Brasil no concerto das nações: a luta contra o racismo nos primórdios da Unesco”. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 5, p. 375-413, 1998. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/hcsm/a/z8ZdVvMKhtdQkL7qfh6pSTG/?lang=pt Acesso em 15/02/2022.
    » https://www.scielo.br/j/hcsm/a/z8ZdVvMKhtdQkL7qfh6pSTG/?lang=pt
  • PEREIRA, Ana Claudia Jaquetto. Pensamento Social e Político do Movimento de Mulheres Negras: o lugar de ialodês, orixás e empregadas domésticas em projetos de justiça social 2016. Doutorado - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
  • PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. “Sobre usos e possibilidades da interseccionalidade”. Civitas - Revista de Ciências Sociais, v. 21, n. 3, p. 445-454, 2021. Disponível em Disponível em https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/civitas/article/view/40551 Acesso em 01/02/2022.
    » https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/civitas/article/view/40551
  • SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo 2 ed. São Paulo: Veneta, 2020.
  • SEGATO, Rita Laura. “Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial”. e-cadernos CES, n. 18, p. 106-131, 2012. Disponível em Disponível em https://journals.openedition.org/eces/1533 Acesso em 08/11/2014.
    » https://journals.openedition.org/eces/1533
  • STELZER, Joana; KYRILLOS, Gabriela M. “Inclusão da Interseccionalidade no âmbito dos Direitos Humanos”. Revista Direito e Práxis, v. 12, p. 237-262, 2021. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rdp/a/ccVJTdKcSWtVxdpmVPjkwZx/?lang=pt Acesso em 04/04/2021.
    » https://www.scielo.br/j/rdp/a/ccVJTdKcSWtVxdpmVPjkwZx/?lang=pt
  • VIGOYA, Mara Viveros. “La interseccionalidad: una aproximación situada a la dominación”. Debate Feminista, v. 52, p. 1-17, 2016. Disponível em Disponível em https://repositorio.unal.edu.co/handle/unal/80372 Acesso em 20/11/2021.
    » https://repositorio.unal.edu.co/handle/unal/80372
  • 1
    Este texto é inspirado nas discussões e ações desenvolvidas no Grupo Interseccionalidades e Decolonialidade nas Relações Internacionais (INDERI/CNPq/FURG). Agradeço a todas as pessoas com as quais dialoguei nesse espaço, em especial Fabiane Simioni, pelas pesquisas desenvolvidas e coordenação compartilhada do Grupo. Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no 47º Encontro Anual da ANPOCS e agradeço por todas as sugestões recebidas no “GT25. Usos da interseccionalidade - lutas políticas e reflexões teóricas”, coordenado por Marcella Beraldo e Marilis Lemos de Almeida.
  • 2
    Faço alusão, em especial, a Castro-Gómez (2005) e ao conceito de hybris do ponto zero, que remete ao ocultamento de quem e a partir de onde são produzidos os mapas após o surgimento da modernidade no século XVI, o que gerou a adoção de uma cartografia baseada em um ponto de vista que se pretende universal, único e fixo - aspectos que se conectam com outros elementos relevantes da modernidade-colonialidade como o fazer científico, os epistemicídios e o racismo.
  • 3
    Tradução livre, no original: “[...] a way of understanding and analyzing the complexity in the world, in people, and in human experiences. The events and conditions of social and political life and the self can seldom be understood as shaped by one factor” (COLLINS; BILGE, 2016, p. 2).
  • 4
    São muitas e relevantes as críticas de autoras latino-americanas ao conceito de interseccionalidade. Dadas as limitações desse artigo, recomendo o texto de Vigoya (2016).
  • 5
    Tradução livre, no original: “(1) Race, class, gender, and similar systems of power are interdependent and mutually construct one another. (2) Intersecting power relations produce complex, interdependent social inequalities of race, class, gender, sexuality, ethnicity, ability, and age. (3) The social location of individuals and groups within intersecting power relations shapes their experiences within and perspectives on the social world. (4) Solving social problems within a given local, regional, national, or global context requires intersectional analyses” (COLLINS, 2019, p. 44).
  • 6
    Tradução livre, no original: “Intersectionality is not simply a method for doing research but is also a tool for empowering people” (COLLINS; BILGE, 2016, p. 37).
  • 7
    No original: “[...] intersectionality as a diferent kind of social theory in the making, whereby its association with social justice movements adds another dimension to its theorizing”.
  • 8
    No original: “[...] from ourselves if we practice intersectionality as ‘business usual’, namely, as just another scholarly discourse or contente specialization without implicating academy at large”.
  • 9
    Position paper é um tipo de documento que apresenta argumentos de modo contextualizado e fundamentado, com o propósito de convencer um público-alvo, indicando modos de solucionar um problema ou questão.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    KYRILLOS, Gabriela M. “Interseccionalidade: proposta de um mapa teórico provisório”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 32, n. 2, e90290, 2024.
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2022
  • Revisado
    08 Mar 2024
  • Aceito
    02 Abr 2024
Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: ref@cfh.ufsc.br