IN MEMORIAN
Rose Marie Muraro: uma mulher impossível
Em 21 de junho de 2014, Rose Marie Muraro nos deixou, aos 83 anos, após um legado singular de ação política e de produção intelectual sobre o feminismo. Nasceu em 1930, no Rio de Janeiro, e desde muito jovem contribuiu para os jornais estudantis cariocas. Estudou física e economia, o que agregou a suas reflexões lógica e sensibilidade. Em seu percurso de formação acadêmica, despertou para a necessidade de humanizar a relação entre tecnologia e papéis das mulheres na sociedade, momento em que se aproximou das ideias feministas.
Rose Marie Muraro foi uma das pioneiras do movimento feminista no país na década de 1970 e popularizou seu pensamento de modo contestador, corajoso e inovador. Discutiu abertamente temas que eram tabus e proibidos naquela época, como sexualidade e corpo, o que lhe rendeu algumas agressões e preconceitos, suplantados por sua personalidade marcante e sensível.
Mulher, mãe de cinco filhos, escritora, intelectual perspicaz e feminista, foi realmente uma "mulher impossível". Desnaturalizou valores, denunciou injustiças e "gritou" a inexistência de um padrão feminino, lutando pela liberdade e autonomia das mulheres.
Marta Suplicy a denominou de "furacão", justamente por ser uma vencedora, superar limites físicos, familiares e econômicos; por sua atuação no cenário intelectual e político brasileiros; e por criar instituições representativas dos direitos das mulheres.
Seu legado político e teórico no campo feminista contribuiu para a construção de novos ideais feministas e de direitos sociais, materializados nos seus feitos e no reconhecimento social conquistado. Sua contribuição ao feminismo brasileiro não tem precedentes.
Intelectual apaixonada pelas letras, publicou mais de 40 livros, inúmeros artigos e poesias, além de editorar aproximadamente 1.600 livros. Trabalhou na editora Vozes e fundou suas próprias editoras, denominadas Editora Forense Universitária (1965) e Rosa dos Tempos (1990), sendo esta a primeira editora de mulheres do Brasil. Nos últimos tempos, dedicava-se ao Instituto Cultural Rose Marie Muraro, fundado em 2009, que funciona em um imóvel cedido pelo Patrimônio Histórico da União.
Do conjunto de sua produção bibliográfica, marcaram época as obras: Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil (1983); Os seis meses em que fui homem (1990); Memórias de uma mulher impossível (1999); Textos da fogueira (2000); Feminino e masculino: uma nova consciência para o encontro das diferenças (2002), juntamente com Leonardo Boff; Os avanços tecnológicos e o futuro da humanidade (2009); e Reinventando o capital / dinheiro (2012).
Dentre seus vários prêmios e condecorações, destacamos sua indicação nove vezes para "Mulher do Ano"; sua nomeação como uma das "Mulheres do século XX", em 1990, pela revista Desfile; sua eleição como "Intelectual do Ano", em 1994, pela União Brasileira de Escritoras; sua nomeação como "Patrona do Feminismo Brasileiro", em 2006, pelo governo brasileiro; e a concessão do "Prêmio Bertha Lutz", em 2008, pelo Senado Federal.
Falar de Rose Marie Muraro é tarefa difícil, tamanha foi sua intensidade, transgressões e profundidade; descrever suas realizações em poucas linhas é impossível, sendo esta homenagem uma pequena expressão de agradecimento pelo seu pionerismo nas lutas por oportunidades para todas as mulheres brasileiras.
Que o novo caminho de Rose seja feito de voos marcantes e inesquecíveis como os que aqui fez:
Tu vieste como um pássaro
E pousaste no meu ombro
E eu fui habitada
Pela paixão da entrega. [...]
Com teu bico colocaste na minha mão esquerda
A semente da morte
E na direita a semente da vida
Para que com as duas juntas
Eu fizesse a escolha de cada momento,
Ligando o instante à sua profundidade eterna.
(O Pássaro de Fogo, de Rose Marie Muraro)
Florianópolis, inverno de 2014.
Luciana Zucco; Teresa Kleba Lisboa
Universidade Federal de Santa Catarina
1 Nicole-Claude MATHIEU, 1991, p. 17.
2 MATHIEU, 1991, p. 144.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Ago 2014 -
Data do Fascículo
Ago 2014