Open-access Escola, Tecnologias Digitais e Educação Sexual: uma análise do Brasil e países de língua portuguesa

School, Digital Technologies and Sex Education: an analysis of Brazil and Portuguese Speaking Countries

FREITAS, Dilma Lucy; CARVALHO, Gabriela Maria Dutra de; FÁVERO, Marisalva; COSTA, Paula Almeida; SANTOS, Vera Márcia Marques. (org.). Projeto WebEducaçãoSexual: a educação sexual no Espaço Escolar . Florianópolis: Editora UDESC, 2018. 190p

Resultado de um projeto que ocorre desde 2013 na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) por iniciativa do Laboratório de Educação Sexual (LabEduSex - UDESC), foi lançado em 2018 o volume Projeto WebEducaçãoSexual: a educação sexual no Espaço Escolar. Esse projeto também conta com a parceria da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/SP), do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (IEUL) e do Observatório da Sexualidade do Instituto Universitário da Maia (ISMAI) e é voltado, mais especificamente, para a formação de professores/as e profissionais da educação básica e superior em educação sexual, relações de gênero, violência sexual e diversidade sexual nas escolas. O livro reúne os textos produzidos a partir dessas palestras e, considerando a diversidade institucional do Projeto WebEducaçãoSexual, foi organizado por Dilma Lucy Freitas, Gabriela Maria Dutra de Carvalho e Vera Márcia Marques Santos, da UDESC, Marisalva Fávero, do ISMAI, e Paula Almeida Costa do IEUL -, de maneira a reunir contribuições dedicadas às temáticas e às experiências na/da Educação Sexual no Brasil, Portugal e Timor-Leste.

No livro, a preocupação principal dos/as autores/as é pensar educação sexual na esteira do currículo e formação de professores/as, sexualidade na educação infantil, legislações em Portugal sobre educação sexual, doenças sexualmente transmissíveis e tecnologias educacionais, mesclando pesquisas qualitativas e quantitativas. Ao longo dos 13 capítulos há a possibilidade de apreender que as tecnologias de informação são ferramentas poderosas para a informação/formação e aperfeiçoamento de docentes da educação básica e estudantes de cursos de licenciatura. Pela variedade de capítulos, optamos por não os descrever, apenas focalizar aqueles que mais chamaram a nossa atenção quanto à problemáticas caras à educação; como bullying, gênero e sexualidade, tecnologias de informação, formação para a educação sexual.

Em um mundo cada vez mais mediado pela tecnologia digital e em constante transformação - e considerando que este livro é resultado dessas conferências que integraram as webinares do projeto -, a relação que se estabelece entre a educação sexual aliada à tecnologia merece destaque. Os/as pesquisadores/as que integram os capítulos do livro, brasileiras/os e portuguesas/es, demonstram que procedimentos mediados pela tecnologia podem sensibilizar profissionais dos ensinos básico e superior nessas temáticas, tornando-os/as mais humanos/as e empáticos/as às suas realidades cotidianas na escola evitando, com isso, ocultar as violências relacionadas às sexualidades dissidentes e às relações de gênero; buscando, pelo contrário, evidenciá-las e colocando-as na ordem do dia, transformando educadores/as em agentes da mudança social. Nesse sentido, os capítulos relacionados com a educação e tecnologia, como as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e o combate ao bullying e ciberbullying e formas de enfrentamento, chamam atenção pela denúncia e pelas propostas de enfrentamento.

Em alguns capítulos a saúde mental na educação é o tema principal. Falar de sexualidade na escola é falar de bem-estar, e esse bem-estar pode ser físico, psicológico e social daqueles e daquelas que não se encontram dentro das normas que a sociedade impõe, causando, muitas vezes, difícil integração na escola, em sociedade ou nos ambientes em que futuramente viverão. Uma pedagogia propositiva e ativa no combate aos preconceitos e na formação cidadã dos/as estudantes, e com uso de recursos tecnológicos que já são manejados por educadores/as, são estratégias abordadas nos capítulos sobre formação continuada de professores/as e dinâmicas na Educação Básica.

Apesar de as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) parecerem, ainda, uma realidade bastante distante nos espaços escolares, sobretudo, nas escolas públicas brasileiras, os/as discentes são bombardeados/as com informações ou desinformações, como as Fake News, e acessam às tecnologias que estão além dos muros escolares e que fazem parte do cotidiano desses/as crianças e adolescentes, como a música, o cinema, a literatura, a televisão e que são acessos intermediados pela Internet. Nesse sentido, Daniela Weingartner, Cátia da Rosa e Graziela Pereira (2018) argumentam que o que esses/as jovens encontram na internet e mídias sociais precisa ser debatido em sala de aula, como pontuam as autoras: “Pensar, hoje, em formação de professores/as é pensar nas transformações tecnológicas, significa estar atento às mudanças” (Daniella WEINGARTNER; Cátia da ROSA; Graziela PEREIRA, 2018, p. 61). Esse conhecimento e informação que os/as estudantes levam para a escola sobre variados temas, aqui abordando mais especificamente a sexualidade, devem ser respondidos e discutidos com outros/as estudantes e docentes para uma mediação do conhecimento, sempre na relação dialógica que deve ser o espaço escolar e o senso crítico estabelecido entre aluno/a e professor/a.

Quando se tem a formação e o conhecimento sobre sexo e sexualidade, o que era tabu deixa de ter esse sentido e passa a ser mais um elemento da vida humana; como pontuam autoras deste livro, a educação sexual deveria iniciar na educação infantil. É destacada, também, a importância do trabalho da/o educador/a na educação sexual para professores/as nas séries iniciais, sendo que as crianças devem ser compreendidas como sujeitos de direitos e de vontades próprias, deslocando, assim, os/as adultos/as, professoras/es ou pais, como únicos/as agentes de mudança. No livro é focalizado o direito de cada criança: “[...] viver sua sexualidade e de fazer descobertas com relação ao seu corpo e não sofrer nenhuma forma de violência” (Claudia RIBEIRO; Carolina ALVARENGA; Alessandro PAULINO; Lívia Monique FARIA, 2018, p. 82). Essa autonomia da criança sobre seu corpo, pode ser um recurso para que casos de abusos sexual sejam combatidos e denunciados.

Por envolver autoras/es de três países: Portugal, Brasil e Timor-Leste, é possível ter um panorama do que acontece com a educação sexual e as relações de gênero no espaço escolar, em âmbito internacional. Não são feitas comparações, mas, é possível perceber que aquilo que acontece no Brasil, também ocorre em outros países, principalmente em relação à falta de formação e o receio de se falar no assunto. Luis Gustavo Guimarães (2018) evidencia a forte demarcação de gênero que ocorre na sociedade timorense e como a formação de professoras pode ser um importante mecanismo de transformação da realidade de alunos/as e professoras/es.

A junção sexualidade e escola é um tabu presente na educação que os/as autores/as apresentam em vários capítulos do livro. Tanto em Portugal quanto no Brasil, falar de sexualidade na escola parece ser um interdito, não apenas na educação básica, como também no ensino superior. Os capítulos demonstram que em vários cursos de licenciatura as questões de gênero e sexualidades são uma economia do silêncio operando no currículo e na formação desses/as futuros/as educadores/as. A escola é o local privilegiado, no dizer de Michel Foucault (2020), dos jogos de prazeres e poderes; é o local de discursos de uma única verdade sobre o sexo e a sexualidade, representada nos currículos. Sendo a escola, portanto, local privilegiado por excelência para discutir o assunto na compreensão das/os autores/as.

Por se tratar de um livro sobre educação sexual, sentimos falta de um capítulo especificamente dedicado às sexualidades dissidentes/diversidade sexual/identidade de gênero, particularmente sobre transexualidades, sobretudo para aqueles/as que não estão inteirados/as do assunto e que, muitas vezes, confundem sexo e sexualidade como sinônimos. E isso também é um retrato da escola, por vezes, oculto, silenciado por uma sexualidade hegemônica e cisheteronormativa. Aspiramos que em outras publicações a comissão organizadora e as coordenadoras tragam esses assuntos tão significativos para a composição de outras edições, tendo em vista que essas temáticas estiveram presentes nas palestras do webinar.

Uma segunda sugestão para futuras publicações, seria adicionar as/os propostas/planos das dinâmicas mencionadas, bem como as metodologias de atividades aplicadas aos/às discentes. Certamente, o/a professor/a que fará a leitura do livro se beneficiará dessas atividades para aplicar/adaptar para seu contexto e à sua realidade.

De fácil leitura, a recomendação do livro para quem busca compreender teorias e conceitos de educação sexual no espaço escolar certamente é sugestiva, sobretudo nos tempos atuais em que o tabu e mesmo a perseguição sobre esses assuntos emergem. É sugestiva sua leitura, também, pelo fato dos discursos de ódio aos estudos de educação sexual, gênero e diversidade sexual, ter ganhado força justamente na internet, assim, a tecnologia torna-se um antídoto e uma ferramenta da/na escola contra desinformações.

Nesse sentido, a batalha contra a chamada “ideologia de gênero” e o seu pânico moral sexual (Gayle RUBIN, 2017 [1984]) é um bom exemplo. Ao produzirem discursos que sustentam as normas sociais dominantes, sobretudo as de gênero e orientação sexual, mobilizam e encontram amparo em políticos, ministros e deputados que reforçam discriminações e violências. Esse pânico moral favorece pessoas de mau caráter a associar sexualidade, gênero e educação a discursos de ódio e inverdades. A leitura desse livro pode ajudar o/a leitor/a leigo/a, o/a profissional da Educação Básica, o/a estudante de graduação, a desmistificar conceitos, preconceitos e ideias pré-concebidas sobre a educação sexual no espaço escolar.

Referências

  • FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: a vontade de saber 10. ed. Trad. de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2020.
  • WEINGARTNER, Daniela; ROSA, Cátia Regina Soares da; PEREIRA, Graziela Raupp. “Educação Sexual e as tecnologias educacionais: Reflexões sobre a formação de professores/as numa perspectiva emancipatória”. In: FREITAS, Dilma Lucy et al. (org.). Projeto WebEducaçãoSexual: a educação sexual no Espaço Escolar Florianópolis: Editora UDESC, 2018. p. 59-68.
  • RIBEIRO, Cláudia Maria; ALVARENGA, Carolina Faria; PAULINO, Alessandro Garcia; FARIA, Lívia Monique de Castro. “Sexualidade(s) e Infância(s): imbricando artefatos culturais e formação docente”. In: FREITAS, Dilma Lucy et al (org.). Projeto WebEducaçãoSexual: a educação sexual no Espaço Escolar . Florianópolis: Editora UDESC, 2018. p. 59-81.
  • RUBIN, Gayle. “Pensando o sexo: notas para uma teoria radical da política da sexualidade”. In: RUBIN, Gayle. Políticas do sexo Trad. de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Ubu, 2017 [1984]. p. 63-128
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
    MENIN, Assis Felipe; PEDRO, Joana Maria. “Escola, Tecnologias Digitais e Educação Sexual: uma análise do Brasil e países de língua portuguesa”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e76425, 2021.
  • Financiamento:
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • Consentimento de uso de imagem:
    Não se aplica.
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
    Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2020
  • Revisado
    21 Ago 2020
  • Aceito
    09 Out 2020
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