Resumos
Este estudo teve como objetivo investigar os fatores associados à prevalência de síndrome metabólica (SM) em adolescentes. Participaram do presente estudo 391 escolares entre 10 e 18 anos. A mensuração da atividade física foi feita por meio do acelerômetro. Para se obter informações referentes ao comportamento alimentar foi empregado questionário proposto por Chiara e Sichieri. Para definição da SM foi utilizado à proposta adaptada para população pediátrica do NCEP-ATP III. A SM esteve presente em 3,4% da amostra e indivíduos obesos apresentaram elevada prevalência de SM (29,6%). Após ajuste pela idade, sexo e consumo alimentar, os adolescentes que realizam < 30min./dia de atividade física moderada a vigorosa apresentam o dobro de chances de diagnóstico de SM, no entanto, esta associação não apresentou significância estatística (p>0,05). Apesar da tendência apresentada de maior prevalência de SM nos adolescentes inativos, esta não foi estatisticamente significativa.
Estilo de vida; Fatores de risco; Doenças crônicas
The objective of this study was to investigate the factors associated with metabolic syndrome (MS) prevalence in adolescents. The study included 391 schoolchildren between 10 to 18 years old. The physical activity was measured by accelerometer. The questionnaire developed by Chiara and Sichieri was used to assess food consumption. Metabolic syndrome was classified in accordance with the criteria proposed by the NCEP-ATP III. Metabolic syndrome was diagnosed in 3.4% of the sample, with a higher prevalence of MS in obese subjects (29.6%). After adjusting for the age, sex and food consumption, the adolescents that perform <30 minutes per day of moderate to vigorous physical activity showed a twice the chance of the MS, however, this association was not statistically significant (p> 0.05). Despite the trend of higher prevalence of metabolic syndrome in inactive adolescents, this was not statistically significant.
Lifestyle; Risk factors; Chronic diseases
INTRODUÇÃO
Apesar de um fator de risco ser capaz de contribuir para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, estes fatores de risco tendem a agregar-se, potencializando o risco de desenvolvimento de doenças crônicas (TWISK et al., 1999; BERENSON et al., 1998).
Um bom exemplo da agregação dos fatores de risco é a 'síndrome metabólica' (SM). A SM é definida pela coexistência de pelo menos três dos seguintes fatores de risco: obesidade abdominal, hipertrigliceridemia, baixa concentração HDL-C, hipertensão arterial e hiperglicemia (SBC, 2005; NCEP, 2001) e seu diagnóstico, em adultos, está associado com o risco aumentado do desenvolvimento de doenças cardiovasculares (HITSUMOTO et al., 2007) e diabetes mellitus (HAFFNER et al., 1992).
Estimativas contemporâneas demonstram que, nos EUA, a SM afeta 22% de sua população adulta (COOK et al., 2003) e no Brasil aproximadamente 21,6% (SBC, 2005). Em relação à população pediátrica, dados publicados previamente reportam taxas de prevalência de SM em adolescentes variando entre 1,3% a 14,1%, dependendo da população estudada e do critério adotado para diagnóstico da síndrome (COOK et al., 2003; DUBOSE et al., 2006).
Ainda são escassos estudos sobre a prevalência da SM em crianças e adolescentes brasileiros, uma vez que grande parte dos estudos nacionais produzidos nesta área se concentra em questões isoladas, como perfil lipídico protéico plasmático (CAMPOS et al., 2010; RIBEIRO et al., 2006), hipertensão arterial (STABELINI NETO et al., 2008) e obesidade (MASCARENHAS et al., 2005), considerando os fatores de risco biológicos separadamente, sem levar em conta a agregação no indivíduo.
A SM não é necessariamente resultado inevitável de uma sociedade moderna, mas um mal que pode ser prevenido. Neste sentido, do ponto de vista preventivo deve-se eleger quais fatores de risco comportamentais estão associados à SM, para que possam ser modificados, evitando o desenvolvimento de doenças futuras.
Nesta perspectiva, o papel atividade física na prevenção da SM em jovens vem ganhando destaque (OKOSUN et al., 2010; BRAGE et al., 2004). Todavia, uma das dificuldades em se definir exatamente a relação entre prática de atividade física e a SM se deve, em grande parte, pela dificuldade em se mensurar precisamente a atividade física, uma vez que a maioria dos estudos tem utilizado, em virtude da sua facilidade de utilização e baixo custo financeiro, recordatórios ou diários de atividade física auto-administrados (CORDER et al., 2008). Somente por meio de ferramentas que forneçam com exatidão as quantidades e intensidades das atividades físicas realizadas poderemos explorar de modo seguro suas inter-relações com a SM em adolescentes.
Como na população brasileira não existem informações sobre a prática de atividade física a partir de medidas objetivas em amostras representativas de adolescentes, o presente estudo teve como objetivo determinara prevalência de SM e sua relação com a prática de atividade física e fatores associados em adolescentes.
MÉTODOS
A amostra probabilística por conglomerados foi composta por adolescentes de ambos os sexos, com idades entre 10 e 18 anos, da cidade de Jacarezinho, PR. Jacarezinho é uma cidade localizada na Mesorregião do Norte Pioneiro do Paraná, da qual fazem parte 46 municípios e um total de 543.595 habitantes, os quais apresentam características sócio-demográficas muito semelhantes e um índice de desenvolvimento humano médio de 0,782, análogos aos IDH observados nas demais mesorregiões do Estado do Paraná, com exceção a grande Curitiba e região metropolitana. Segundo censo realizado no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a cidade de Jacarezinho apresentava 38.580 habitantes.
Conforme informações fornecidas pelo Núcleo Regional de Educação de Jacarezinho, PR, no ano letivo de 2010 havia 5.242 alunos matriculados da 5º série do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. O tamanho amostral foi calculado de acordo com os seguintes critérios: a) número total de alunos; b) intervalo de confiança de 95%; c) erro amostral de 5% e prevalência de 20% (LUIZ; MAGNANINI, 2000). A amostra mínima estimada em 235 escolares. Para correção ao delineamento amostral por conglomerados empregou-se o valor 1,5 (LUIZ; MAGNANINI, 2000). Além disso, foi acrescentado 5% para evitar problemas em virtude de perdas de dados e problemas com o equipamento de medida da atividade física, sendo o tamanho amostral considerado em 370 escolares.
Após liberação do Núcleo Regional de Educação, todas as escolas foram convidadas para participar da pesquisa. A partir da listagem do número de salas fornecida por cada escola, as salas foram sorteadas aleatoriamente, sendo selecionada para participação nas avaliações 2 salas de cada série. Antes do início das avaliações, os adolescentes que concordaram em participar do estudo receberam um "termo de consentimento livre e esclarecido" que foi preenchido e assinado pelos pais ou respectivos responsáveis, autorizando o uso dos seus dados. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Estadual de Maringá (UEM), parecer No 668/2010, estando de acordo com a Declaração de Helsinque e com a resolução 196/96 e complementares do CNS/MS. Ao final da coleta de dados, 391 adolescentes tiveram informações válidas e fizeram parte deste estudo.
A mensuração das atividades físicas realizadas foi feita através do método objetivo, utilizando o acelerômetro multiaxial da marca Actigraph (GT3X; Pensacola, Florida, USA). Os acelerômetros foram programados para registrar as informações em intervalos de epoch 60 segundos. Os participantes foram instruídos a vestir o equipamento no quadril, fixado por uma cinta elástica na altura da espinha ilíaca anterior, durante sete dias consecutivos, sendo dois dias do final de semana. O acelerômetro deveria ser removido apenas para tomar banho (ou outras atividades no meio líquido) e para dormir. A redução dos dados foi efetuada utilizando o software Mahuffe 1903, no qual valores de counts/minuto igual a zero durante 30 minutos contínuos foram excluídos das análises, assumindo que o aparelho não estava sendo utilizado naquele momento. Foram incluídos nas análises os sujeitos que obtiveram pelo menos 4 dias completos de dados(≥ 600 minutos/dia), sendo pelo menos um dia válido do final de semana. O acelerômetro apresenta validade e fidedignidade comprovada para mensuração da atividade física em adolescentes em atividades tanto em laboratório como ao ar livre (PUYA et al., 2002; TROST et al., 1998).
Os counts alcançados nas diferentes atividades foram convertidos em equivalentes metabólicos (METs) através da equação desenvolvida e validada por Freedson, Sirard e Debold (1997) para crianças e adolescentes de 6 a 18 anos de idade: METs = 2,757 + (0,0015 x counts/mim) - (0,08957 x idade) - (0,000038 x counts/min x idade). Os pontos de corte adotados para as diferentes intensidades de atividade física foram: atividade moderada ≥ 3,0 METs e atividade vigorosa ≥ 6,0 METs.
Para se obter informações referentes ao hábito alimentar dos escolares foi empregado questionário simplificado para auto-avaliação de alimentos associados ao risco de doenças coronarianas, desenvolvido e validado por Chiara e Sichieri (2001). O questionário contém 9 alimentos: batata frita ou chips, bife ou carne assada, hambúrguer, queijo, leite integral, bolos ou tortas, biscoitos, linguiça ou salsicha, manteiga ou margarina. O respondente deveria assinalar a frequência de consumo (por dia ou por semana) de cada um dos nove itens, no qual cada item apresenta um valor de pontuação específica. Foi considerado consumo excessivo de alimentos de risco aqueles indivíduos que apresentassem escore final acima de 120 pontos (CHIARA; SICHIERI, 2001).
A circunferência da cintura foi mensurada no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca. Para determinar a estatura total foi utilizado um estadiômetro portátil da marca WCS escalonado em 0,1 cm. Para mensurar a massa corporal foi utilizada uma balança digital portátil marca PLENNA com resolução de 100g. A partir destas informações foi calculado o índice de massa corporal (IMC). Para determinação do estado nutricional foram utilizados os seguintes pontos de corte: adequado < percentil 85º; sobrepeso ≥ percentil 85º e < percentil 95º; obesidade ≥ percentil 95º. Os adolescentes foram classificados utilizando as tabelas de referência desenvolvidas de acordo com o sexo e faixa etária pelo National Center for Health Statistics para indivíduos de 2 a 20 anos de idade.
A pressão arterial foi mensurada através do método auscultatório, seguindo os parâmetros estabelecidos na literatura (NHBPEP, 2004), utilizando um esfigmomanômetro e um estetoscópio. A pressão arterial sistólica (PAS) foi definida como o som de Korotkoff fase 1 e a diastólica (PAD) como o som de Korotkoff fase 5. A mensuração foi realizada após o indivíduo permanecer sentado em repouso por um período de 5 minutos, com as costas apoiada, os pés no chão e o braço direito apoiado com a fossa cubital ao nível do coração. Duas leituras foram realizadas com intervalo de 10 minutos entre as medições, sendo considerado o valor médio entre as duas mensurações. Caso as medidas diferissem em mais que 2 mmHg o protocolo era repetido.
Para análise laboratorial foram coletados aproximadamente 8 ml de sangue para determinação do HDL-C, triglicérides (TG) e glicemia em jejum. Os adolescentes foram instruídos sobre jejum prévio obrigatório de no mínimo 12 horas. A retirada de sangue foi realizada por enfermeiras do próprio laboratório onde as amostras foram processadas e analisadas. Foi usado o método enzimático-colorimétrico automatizado, por meio do aparelho COBAS MIRA PLUS - ROCHE. Os Kits utilizados para glicose e triglicérides foram da marca "WIENER", Triglicérides TG Color GPO/PAP AA e Glicemia enzimática AA. Para o HDL-C os Kits foram da marca "EBRAM", Quimicol - HDL - Colesterol Ultra-Sensive.
Para definição de síndrome metabólica foi adotada a proposta de Cook et al. (2003) que adaptaram os critérios do NCEP-ATP III para adultos e propuseram como diagnóstico de síndrome metabólica em populações pediátricas a presença no sujeito de três ou mais dos seguintes critérios: hipertensão arterial PAS e/ou PAD ≥ percentil 90o para idade, sexo e percentil de altura (NHBPEP, 2004); triglicerídeos ≥ 110mg/dL; HDL-colesterol ≤ 40mg/dL; glicemia de jejum ≥ 110mg/dL; circunferência da cintura ≥ percentil 90o para idade e sexo (McDOWELL et al., 2008).
Os dados foram analisados no software estatístico SPSS for Windows versão 15.0, com um nível de significância estipulado em p<0,05 para todas as análises. Foi utilizada estatística descritiva (média e desvio padrão) para caracterização da amostra. Para verificação da normalidade do conjunto de dados foi utilizado o teste de Kolmogorov Smirnov. Para identificar a prevalência de SM geral e estratificada foi utilizada a distribuição de frequência, com intervalo de confiança de 95%. Testes de Qui-quadrado foram utilizados para comparar a prevalência de SM entre os estratos. Finalmente, foi utilizada a regressão de Poisson com variância robusta para calcular a razão de prevalência (IC 95%) entre exposição (nível de atividade física) e desfecho (diagnóstico de SM), utilizando para ajuste o consumo excessivo de alimentos de risco, faixa etária e sexo.
RESULTADOS
As informações referentes às características da amostra de acordo com o sexo e grupo etário são apresentadas na Tabela 1. Os rapazes foram significativamente mais altos e com menores valores de IMC do que as moças aos 14 a < 18 anos.
Considerando a ingestão de alimentos associados ao risco de doenças coronarianas, as moças apresentaram significativamente maiores índices do que os rapazes aos 10 a < 14 anos (180,3 ± 90,9 / 152,8 ± 85,2) e 14 a < 18 anos (145,7 ± 77,8 / 132,5 ± 81,4).
Quanto aos dados alusivos ao tempo despendido em diferentes intensidades de atividade física, observou-se que os rapazes são fisicamente mais ativos do que as moças (p<0,05) no tempo gasto em atividade física de intensidade moderada e vigorosa [(rapazes 10 a < 14 anos: 117,2 ± 38,8 minutos / 14 a < 18 anos: 66,0 ± 38,1 minutos) (moças 10 a < 14 anos: 89,3 ± 40,7 minutos / 14 a < 18 anos: 46,4 ± 25,9 minutos)]. Ambos os sexos apresentaram significativamente (p<0,05) menos minutos/dia engajados na prática de atividade física de moderada e vigorosa aos 14 a < 18 anos. Não foram observadas diferenças significativas entre os sexos para o tempo registrado diário (tempo por dia usando o acelerômetro).
Considerando cada fator de risco, não foram observadas diferenças significativas entre os sexos tanto no grupo de idade de 10 a < 14 anos quanto no grupo de 14 a < 18 anos (Tabela 2). Quando comparados entre os grupos de idade, em ambos os sexos os adolescentes do grupo etário de 14 a < 18 anos apresentaram valores significativamente maiores de PAS, PAD e glicemia comparados a seus pares de 10 a < 14 anos. Em adição, os rapazes do grupo etário de 14 a < 18 anos apresentaram menores valores de HDL-C do que os mais jovens (50,0 ± 11,9 mg/dL vs 45,7 ± 8,7 mg/dL). Já para a circunferência da cintura, as moças apresentaram maior valor no grupo 14 a < 18 anos (69,8 ± 8,2 cm) comparado ao grupo 10 a < 14 anos (65,7 ± 9,2 cm).
Analisando o estado nutricional de acordo com o IMC, 16,5% dos escolares apresentaram sobrepeso (masculino:14,9%; feminino: 17,5%) e 9,3% obesidade (masculino:7%; feminino: 10,7%). Quando comparados entre os grupos etários, dos escolares de 10 a <14 anos avaliados, 15,7% e 10,2% apresentavam sobrepeso e obesidade respectivamente. Entre os escolares de 14 a < 18 anos, 18,7% apresentavam sobrepeso e 6,7% obesidade.
Já para a prática de atividade física, 30,3% dos adolescentes não estão engajados em 60 minutos/dia de atividade física moderada-vigorosa (masculino:17,6%; feminino: 38,2%).Maior ocorrência de indivíduos que não atendem as recomendações de 60 minutos/dia de AFMV foi observada no grupo 14 a < 18 anos (73,5%) comparados ao grupo10 a < 14 anos (18%).
Quanto ao consumo alimentar, 51,4% apresentavam consumo excessivo de alimentos de risco [(masculino: 45,0%; feminino: 55,6%); (10 a < 14 anos: 54,1%; 14 a < 18 anos: 43,7%). Levando em conta a prevalência isolada dos fatores de risco (Tabela 3), maiores índices de valores indesejáveis foram observados para a pressão arterial elevada e baixo HDL.
Na Tabela 4 são apresentadas as prevalências de SM geral e estratificadas pelo sexo, grupo etário, estado nutricional, consumo alimentar e prática de atividade física. Elevadas taxas de prevalência foram observadas nos adolescentes obesos.
Quando associamos a prática de atividade física de intensidade moderado-vigorosa com o diagnóstico de SM (Tabela 5), observou-se que os escolares que realizam < 30min./dia de AFMV apresentam 71% mais chances de diagnóstico de SM comparados aos escolares que realizam ≥ 60 min./dia AFMV. Quando ajustado pela idade, sexo e consumo alimentar, os escolares que realizam < 30min./dia de AFMV apresentam o dobro de chances de SM comparados aos escolares que realizam ≥ 60 min./dia AFMV. No entanto, estas associações não apresentaram significância estatística (p>0,05).
DISCUSSÃO
Este estudo configura entre poucos elaborados no Brasil, com uma amostra de base escolar, que avaliou objetivamente a prática de atividade física em adolescentes, e também considerou a avaliação da síndrome metabólica e os fatores associados ao seu desenvolvimento na população pediátrica brasileira (MORAES et al.,2009).
Levando em conta a prevalência de SM, pode-se considerar que o valor encontrado no presente estudo (3,4%) é consistente com dados publicados previamente na literatura. Resultados semelhantes foram relatados por: Moreira et al. (2010) 5%; Nguyen et al. (2010) 4,6%; Pan e Pratt (2008) 3,5%; Dubose et al. (2006) 5%; Cook et al. (2003) 4,2%; Kelishadi et al. (2008) 14,1%; e Rodrigues et al. (2009) 1,3%.
Pesquisas que avaliaram a prevalência de SM em adolescentes estratificados pelo estado nutricional revelaram informações preocupantes. Cook et al. (2003), utilizaram dados do NHANES 1988-1994 e encontraram prevalência de SM em 28,7% dos adolescentes obesos, similar a prevalência encontrada no presente estudo (29,6%). No ano de 2008, os mesmos autores analisaram os dados do NHANES 1999-2002 e encontraram taxas de prevalência ainda mais elevadas, acometendo 44% dos adolescentes obesos (COOK et al., 2008).
No estudo conduzido por Cavali et al. (2010) com 80 adolescentes obesos, a prevalência de SM variou de 13% a 25% de acordo com o critério de classificação adotado. Este estudo traz novamente à tona o problema quanto à falta de um consenso sobre os componentes e pontos de corte para diagnóstico da SM em crianças e adolescentes, uma vez que diferentes critérios são apresentados na literatura e, desta forma, a comparação das taxas de prevalência de SM entre os estudos deve ser interpretada com cautela.
Analisando os fatores de risco componentes da SM isoladamente, os maiores taxas de valores indesejáveis foram observados para a pressão arterial elevada e baixo HDL-C em ambos os sexos, acometendo quase 1/4 da amostra. Corroborando com nossos dados, outros pesquisadores também reportaram maior prevalência de valores reduzidos de HDL-C (COOK et al., 2003) e pressão arterial elevada (NGUYEN et al., 2010; PAN; PRATT, 2008; DUBOSE et al., 2006).
Considerando os fatores associados à SM, grande parte das evidências científicas coletadas nos últimos anos no que diz respeito à associação com a prática de atividade física tem demonstrado uma associação inversa em adolescentes independente da idade, sexo e adiposidade (NGUYEN et al., 2010; KELISHADI et al., 2008; OKOSUN et al., 2010; BRAGE et al., 2004).
Na pesquisa conduzida por Nguyen et al. (2010) foi observado que os indivíduos que participavam em menos de 43 minutos/dia de AFMV (quarto quartil) apresentavam 5 vezes mais chances de SM comparados àqueles que realizavam mais de 103 minutos/dia (primeiro quartil). No presente estudo, no tocante as associações entre a prática de atividade física com o diagnóstico de síndrome metabólica observou-se que, após ajuste pela idade, sexo e hábito alimentar os escolares que realizam < 30min./dia de AFMV apresentam o dobro de chances de diagnóstico de SM comparados aos escolares que realizam ≥ 60 min./dia AFMV. No entanto, estas associações não foram significativas em linguagem estatística.
Da mesma forma, Pan e Pratt (2008) examinaram a associação da SM com a dieta e atividade física em 4.450 adolescentes (NHANES 1999-2002) e demonstraram que, apesar da tendência de uma menor prevalência de SM nos indivíduos mais ativos, esta associação não foi estatisticamente significativa.
A dificuldade em se determinar com exatidão as associações entre a prática de atividade física com a SM em adolescentes pode ser motivada por três fatores: 1º falta de consenso na literatura em relação aos critérios para diagnóstico de SM em crianças e adolescentes; 2º falta de sensibilidade dos pontos de corte para classificação do individuo como com valor alterado para determinado componente, uma vez que os indivíduos podem ser classificados dicotomizadamente como valores adequados ou inadequados em relação ao ponto de corte, todavia, este valor pode estar bem acima do encontrado na maioria da amostra, indicando uma tendência a um perfil metabólico desfavorável; 3º 60 minutos de prática diária de AFMV pode não ser suficiente para prevenção de desenvolvimento de distúrbios metabólicos na população pediátrica, uma vez que esta quantidade é alcançada com facilidade pela maioria dos adolescentes, sobretudo nos mais jovens.
Baseado no limitado número de estudos disponíveis avaliando a associação de dose-reposta entre a atividade física e o risco metabólico em jovens, parece lógico que se deve encorajar os jovens a substituir parte do tempo sedentário com atividades físicas leves e depois avançar para atividades de moderada intensidade, aumentando gradativamente até uma quantidade suficiente para alcançar uma normalização do seu perfil metabólico, utilizando atividades não estruturadas e prazerosas, para manter a aderência ao exercício.
Assim, estratégias de intervenção devem ser pensadas já precocemente objetivando a saúde a longo prazo. A primeira atitude a ser tomada envolve estratégias não medicamentosas buscando uma mudança de estilo de vida centrado em atividade física regular e uma dieta balanceada. Neste sentido, o aumento da prática de atividade física em jovens deve ser incentivado através da ampliação de oportunidades nas escolas e comunidades, além da conscientização quanto à redução do tempo gasto em atividades hipocinéticas como assistindo televisão, jogando vídeo-game e usando computador.
CONCLUSÃO
Apesar da prevalência geral de adolescentes com síndrome metabólica ser relativamente baixa, nos obesos este valor chega a quase 30%. Levando em consideração as associações entre a prática de atividade física e a síndrome metabólica, os adolescentes que realizam menos de 30 minutos por dia de atividade física moderada a vigorosa apresentaram o dobro de chances de diagnóstico de SM, no entanto, estas associações não apresentaram significância estatística. Futuras pesquisas nesta área devem examinar qual a quantidade ótima de atividade física para afetar positivamente a saúde em crianças e adolescentes, uma vez que o delineamento transversal do estudo não garante a precedência temporal das variáveis e limita a extrapolação das observações.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Sep-Dec 2014
Histórico
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Recebido
11 Mar 2014 -
Revisado
09 Jun 2014 -
Aceito
05 Set 2014