RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi mapear as variáveis relevantes na fase ofensiva do handebol a partir de entrevista semiestruturada com quatro treinadores experientes. As entrevistas foram transcritas, tabuladas e analisadas com base no método do Discurso do Sujeito Coletivo. A descrição dos resultados baseou-se nos princípios operacionais ofensivos, apontando que tais análises devem abordar (dentre outros): padrões de movimentação e continuidade do jogo (referentes à manutenção da posse da bola); produção de espaços e vulnerabilidade coletiva defensiva adversária (referentes à progressão ao alvo); posicionamento do pivô, vulnerabilidade individual defensiva e eficácia dos arremessos (referentes à tentativa da anotação do gol). A análise de tais variáveis permite balizar a sistematização dos treinamentos com exigências estratégico-táticas semelhantes à competição, possibilitando o aperfeiçoamento e/ou a aprendizagem de diferentes elementos, evitando a estereotipação de comportamentos individuais e coletivos dos atacantes.
Palavras-chave Análise do Jogo; Handebol; Jogo Ofensivo
ABSTRACT
The aim of this work was to map the relevant variables in the offensive phase of handball from semi-structured interviews with four experienced coaches. The interviews were transcribed, tabulated and analyzed based on Collective Subject Discourse method. The description of the results was based on the offensive operational principles, indicating that such analyzes should address: patterns of movement and game continuity (referring to the maintenance of ball possession); production spaces and collective vulnerability of defense (referring progression to the target); pivot positioning, defensive individual vulnerability and effectiveness of throws (referring to the annotation of the goal). The analysis of these variables allows delimit the systematization of training with strategic-tactical requirements similar to competition, enabling the development and/or learning of different elements, avoiding stereotyping behaviors of players.
Keywords Match Analysis; Handball; Offensive Game
INTRODUÇÃO
A competitividade dos esportes na atualidade é um aspecto importante a ser considerado, pelo fato desses serem definidos por detalhes na execução dos elementos técnicos ou pelo desenvolvimento dos elementos estratégico-táticos. Nos jogos esportivos coletivos (JEC) a manifestação dos elementos técnicos e técnico-táticos atribui a estes a característica complexa e imprevisível, devido à tentativa de obtenção simultânea de êxito por atacantes e defensores (GARGANTA, 1998; SANTANA, 2005; MENEZES, 2012). Inseridos nesse cenário complexo, os jogadores utilizam seus repertórios motores e combinações grupais e coletivas variadas para a resolução de situações-problema, sejam para marcar um tento ou para evitá-lo.
As tentativas de compreensão das variáveis manifestadas pelos jogadores em situação competitiva têm sido frequentemente relatadas por autores de diferentes áreas do conhecimento, seja a partir da identificação dos elementos técnicos e técnico-táticos, das variáveis referentes às capacidades motoras, entre outras. Desta forma, a análise das situações e das variáveis do jogo pode fornecer importantes parâmetros para a concepção dos sistemas de jogo e da manifestação dos elementos técnico-táticos pelos jogadores.
A análise do desempenho dos jogadores e das equipes possibilita, segundo Garganta (2001), a identificação de parâmetros relevantes individuais e coletivos, que permitem a abordagem de conteúdos pontuais durante as sessões de treinamento, assim como indicar tendências evolutivas nas modalidades. Constitui-se, assim, a análise do jogo como um campo vasto de investigações, de modo que possua relação íntima com o processo de ensino-aprendizagem-treinamento (EAT) das equipes (MENEZES; REIS, 2010). Não obstante, ao contemplar na análise do jogo variáveis motoras, espaciais e temporais do complexo ambiente de jogo, entende-se que as ações técnico-táticas apresentadas pelos jogadores são indissociáveis do que é considerado como componente físico (CÁRDENAS VÉLEZ; CONDE GONZÁLEZ; COUREL IBAÑEZ, 2013).
Nos JEC, em específico no handebol (tema central desta pesquisa), a complexidade apresentada pelo cenário técnico-tático do jogo aponta para diferentes possibilidades de análise, como a eficácia relacionada com os fundamentos ou a manifestação de determinados elementos técnico-táticos individuais e coletivos. A análise de variáveis ofensivas e defensivas no handebol está atrelada a determinados comportamentos manifestados no jogo, e tem como premissa o direcionamento das estratégias de jogo para as dificuldades apresentadas pelos adversários. Assim, apresenta-se como importante campo de estudo atualmente a análise de jogo, principalmente quando inserido no seu próprio contexto (PRUDENTE; GARGANTA; ANGUERA, 2004).
As possibilidades que emergem para a análise do jogo podem pautar-se nos diversos comportamentos apresentados pelos jogadores em condições competitivas, assim como na concepção das variáveis relevantes, pela ótica dos treinadores, para a concepção das táticas ofensivas e defensivas. Assim, a opinião dos treinadores pode revelar variáveis, ou categorias de análise, consideradas relevantes para a identificação de possíveis parâmetros ofensivos e defensivos adversários, bem como para a visualização de possíveis pontos de desequilíbrio de sua equipe. Entende-se, desta forma, que as informações que o treinador busca estão vinculadas à resolução de situações-problema que envolva a eficácia de elementos técnicos e de elementos técnico-táticos, preferencialmente referentes ao cenário apresentado pelo jogo.
Nessa perspectiva, esta pesquisa enfatiza a fase ofensiva de jogo, apoiando-se nos conceitos apontados por Silva, Garganta e Janeira (2013). Tais autores abordam a fase de organização ofensiva, decorrente de uma transição ofensiva rápida, na qual a equipe opta por passar à fase de ataque em sistema, pressupondo a participação de todos os jogadores diante de um adversário organizado defensivamente, conceitos esses corroborados nesta pesquisa.
Bayer (1994) apresenta princípios operacionais dos JEC, constituindo propriedades invariáveis que guiam os jogadores de modo a dirigir e coordenar suas atividades, sustentando e regulando as ações entre jogadores de mesma equipe e jogadores adversários. Assim sendo, os princípios operacionais ofensivos propostos pelo autor são: manutenção (ou conservação) da posse da bola, progressão em direção ao alvo e anotação do ponto (a partir da finalização). Tais princípios serão balizadores, nesta pesquisa, para a classificação dos elementos observados nos discursos dos treinadores, de maneira que permita apontar e contextualizar as principais categorias de análise durante a fase ofensiva. Gréhaigne e Godbout (1995) apresentam regras de ação específicas para a fase ofensiva, relacionadas especificamente com aspectos como a manutenção da posse da bola, o jogo em movimento, a exploração e criação de espaços e a criação de incerteza.
Baseando-se no panorama complexo do handebol, determinado pelas relações de oposição e cooperação entre os jogadores, na necessidade de apontar elementos relevantes do jogo, apresenta-se como objetivo desta pesquisa o mapeamento das variáveis ofensivas consideradas relevantes pelos treinadores para cada um dos princípios operacionais ofensivos.
MÉTODO
Compuseram a amostra desta pesquisa quatro treinadores experientes de handebol (S1, S2, S3, S4), com tempo de atuação profissional médio de 23,5±7 anos. Os critérios de inclusão adotados foram a participação como membro de comissão técnica da Seleção Brasileira (nos últimos três ciclos Olímpicos) e/ou ter sido finalista de uma das competições nacionais promovidas pela Confederação Brasileira de Handebol. Todos os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aprovado previamente por um Comitê de Ética em Pesquisa institucional (parecer 094/2011).
A opção metodológica se deu pela pesquisa qualitativa para acessar informações de natureza descritiva, cuja atenção do pesquisador se direcionou aos significados atribuídos aos fatos e aos processos (TRIVIÑOS, 1987). Para acessar as informações que não seriam possíveis a partir de métodos quantitativos ou por pesquisa de observação (BONI; QUARESMA, 2005), foi desenvolvido um instrumento de entrevista semiestruturada (MARCONI; LAKATOS, 2011). Deste modo, priorizou-se a relevância pelo caráter dos discursos dos treinadores, na tentativa de obter importantes parâmetros de observação do jogo de handebol, de modo a buscar possíveis indicadores de performance que pudessem ser apresentados ao longo da partida.
A questão apresentada para os treinadores foi: "se você tivesse acesso a uma ferramenta de análise 'instantânea' de jogo, o que você mostraria para os seus jogadores (considerando a fase ofensiva)?", que é parte de um instrumento de entrevista de uma pesquisa mais ampla sobre tal temática.
As entrevistas foram realizadas em horário diferente dos treinamentos da equipe e em ambiente reservado, garantindo a atenção do treinador aos questionamentos apresentados pelo pesquisador (SANTANA, 2008). Os discursos foram armazenados e a transcrição iniciada no mesmo dia da sua coleta, de modo a manter a fidedignidade das informações, pelo discurso do treinador ainda estar latente para o pesquisador (OLIVER; SEROVICH; MASON, 2005).
Para a organização, interpretação e análise dos conteúdos das entrevistas foi adotada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003), que tem como premissa a expressão do pensamento de uma coletividade a partir dos trechos dos discursos individuais. Para isso, é importante salientar que o DSC é constituído por diferentes figuras metodológicas que permitem agregar informações acerca da mesma temática, das quais são apontadas: a) as ideias centrais (IC), que representam uma descrição sucinta e fidedigna do sentido de um determinado discurso, reduzindo sua polissemia; b) as expressões-chave (ECH), que representam transcrições literais do discurso, que apresentaram IC semelhantes; e c) o DSC, composto pelas ECH que contêm a mesma IC, sendo redigido em primeira pessoa (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003; SANTANA, 2008).
As discussões dos dados serão apresentadas em quatro etapas, sendo as três primeiras correspondentes ao princípio operacional ofensivo em questão (BAYER, 1994) e a última referente à análise do jogo ofensivo, a saber: 1) quanto à manutenção da posse da bola; 2) quanto à progressão em direção ao alvo; 3) quanto à tentativa de anotar o gol (finalização); e 4) aspectos balizadores para a análise do jogo ofensivo de handebol.
RESULTADOS
Os aspectos ofensivos relacionados pelos treinadores envolvendo as possibilidades de análise do jogo estão apresentados no Quadro 1, com as ideias centrais (IC-A, IC-B, IC-C, IC-D) identificadas e os respectivos DSC (DSC1, DSC2, DSC3, DSC4). Estão indicadas de forma sobrescrita as procedências das falas (S1, S2, S3, S4).
A partir dos DSC referentes às variáveis ofensivas anteriormente apresentadas, foram identificados diferentes elementos considerados importantes para a avaliação da equipe durante o processo ofensivo, tais como:
- DSC1: a) posicionamento do pivô; b) padrões de movimentação; c) interação entre a primeira e a segunda linha ofensiva; d) preocupação com o bloqueio defensivo; e) basculação do sistema defensivo adversário;
- DSC2: a) produção de espaços e infiltração; b) continuidade do jogo ofensivo; c) eficácia da tática individual e coletiva;
- DSC3: a) eficácia das finalizações;
- DSC4: a) vulnerabilidade individual defensiva; b) vulnerabilidade coletiva defensiva; c) vulnerabilidade na marcação do pivô.
Continuação Quadro 1
Após a identificação desses elementos, os mesmos foram classificados e alocados baseando-se na correspondência com cada princípio operacional ofensivo (BAYER, 1994), representado no Quadro 2.
DISCUSSÃO
Quanto à manutenção da posse da bola:
O primeiro princípio operacional ofensivo apontado por Bayer (1994) se refere à manutenção da posse da bola, condição primária para que a equipe se mantenha em processo ofensivo (definido pela posse da mesma). Quando os treinadores são indagados sobre as principais variáveis ofensivas para a análise, os padrões de movimentação dos jogadores são apresentados com recorrência (IC-A/DSC1). O mapeamento de possíveis padrões ofensivos é apresentado como uma forma de buscar compreender tanto o comportamento dos jogadores de ambas as equipes (IC-A/DSC1 e IC-D/DSC4), apontando a importância e necessidade de uma análise que permita compreender a dinâmica do jogo em sua complexidade (MENEZES; REIS, 2010).
Os treinadores apresentam, ainda, outros aspectos que se relacionam diretamente com esse princípio, como a interação entre primeira e segunda linhas ofensivas e a continuidade do jogo ofensivo (IC-A/DSC1 e IC-B/DSC2). Ambos os aspectos estão inter-relacionados, pois a continuidade do jogo ofensivo depende das interações entre os jogadores de ambas as linhas, seja do jogador em posse da bola ou dos jogadores sem a posse da bola (apoios), de maneira que tanto a circulação da bola como a circulação de jogadores possam apresentar certa fluidez e respaldem a busca pelos subsequentes princípios (progressão em direção ao alvo e finalização).
A preocupação de que o jogo ofensivo não seja perturbado pelas ações dos defensores está relacionada com o direcionamento apresentado por Garganta (1998) para a relação com a bola, cujas premissas identificadas são a apreciação das trajetórias (relacionadas com a circulação de jogadores) e o equilíbrio dos apoios (relacionada com a circulação da bola e criação de linhas de passe). Gréhaigne e Godbout (1995) apontam, ainda, como regras de ação norteadoras para a manutenção da posse da bola a apresentação do máximo número possível de apoios, a proteção da bola, o posicionamento da bola longe do adversário, o passe no espaço atrás do defensor e a movimentação para estar a uma distância eficaz para o passe.
Diante dessas regras de ação entende-se que os discursos dos treinadores vão ao encontro de algumas das premissas, não relacionadas direta e especificamente umas às outras, mas balizando a atuação dos atacantes dentro do imprevisível e complexo cenário do jogo. Aspectos citados como a continuidade do jogo ofensivo (IC-B/DSC2), o olhar voltado aos padrões de movimentação e às interações entre os jogadores da primeira e segunda linhas (ambos apresentados na IC-A/DSC1) se referem à manutenção da posse da bola com vistas a dificultar o mapeamento e leitura de jogo das interações entre os atacantes, pela equipe defensora, que permitiria a identificação de movimentos padronizados e, portanto, previsíveis. Desta forma, a necessidade recorrente pela variação do jogo ofensivo visa aumentar a complexidade do jogo a partir de ações que para os jogadores de uma mesma equipe sejam codificáveis e compreensíveis, ao passo que para os adversários sejam apresentadas da forma mais imprevisível possível (PANFIL, 2011).
Cárdenas Vélez, Conde González e Courel Ibañez (2013) apontam que a observação dos JEC deve contemplar variáveis motoras (referentes às ações dos jogadores), espaciais (locais nas quais se desenvolvem) e temporais (como a duração das mesmas). Algumas dessas variáveis são apresentadas pelos autores, tais como a região da quadra e o sentido e a amplitude dos deslocamentos dos jogadores (variáveis espaciais); o momento da partida e a duração e velocidade da execução (variáveis temporais); e as relações entre as ações motoras e a intensidade dos esforços (variáveis motoras).
No sentido da manutenção da posse da bola, Santos (2013) apresenta como um dos elementos condicionantes ao ataque a posição da bola, a qual deve ser passada para companheiros que possam recebê-la com segurança, o que propicia à equipe a possibilidade de continuidade do desenvolvimento das ações ofensivas.
Quanto à progressão em direção ao alvo:
Em relação ao princípio operacional denominado por Bayer (1994) de progressão em direção ao alvo, os treinadores sinalizaram para três aspectos: o mapeamento da vulnerabilidade coletiva defensiva (IC-D/DSC4), o mapeamento da eficácia das táticas individuais e coletivas ofensivas e a produção de espaços para infiltração (ambos identificados na IC-B/DSC2). Na visão dos treinadores, identificar as ações individuais e as combinações coletivas, com preocupação inicial ao posicionamento dos jogadores, é considerado como fator preponderante para a organização do jogo ofensivo. É pontuada, ainda, a necessidade de compreender em quais regiões/situações há maior efetividade das ações individuais e, ainda, as implicações das ações individuais para os desdobramentos coletivos (IC-B/DSC2 e IC-D/DSC4).
Aborda-se, para tanto, a necessidade de uma correspondência entre jogador, região de ocorrência e efetividade das ações referentes ao processo de construção e desenvolvimento do jogo ofensivo (anteriores à finalização), sejam essas manifestadas individualmente ou coletivamente (IC-B/DSC2). Prudente, Garganta e Anguera (2004) apontam que, a partir das informações sobre o desenvolvimento da sequência ofensiva, é possível analisar como se dá o seu início até sua finalização, nos remetendo a pensar que os meios para a conservação da posse de bola e para a progressão em direção ao alvo sejam de extrema relevância.
De forma análoga, a identificação da vulnerabilidade defensiva da equipe adversária se refere na opinião dos treinadores, primariamente, à situação de 1x1 (de caráter predominantemente individual), e consiste em apontar "onde" e "quem" apresenta dificuldade defensiva para impedir a progressão do atacante (IC-D/DSC4). Assim, prossegue-se ao mapeamento dos elementos técnico-táticos defensivos coletivos como a troca de marcação e, ainda, em relação à marcação do pivô que, segundo os treinadores, passam a ser explorados no sentido de aumentar a eficácia ofensiva. A ênfase ao jogo com o pivô é justificada pelo fato de este ser o jogador mais próximo do gol adversário, com importante função de bloqueio para auxiliar os armadores, cujo arremesso geralmente ocorre sem que haja um defensor entre ele e o gol, porém com grande sobrecarga externa imposta pelos defensores, no sentido de buscar seu desequilíbrio.
Mais dois tipos de relação são apontadas por Gréhaigne e Godbout (1995), que se remetem ao jogo em movimento e à exploração e criação de espaços que, dentro do contexto dinâmico e não fragmentado do jogo, possuem relações diretas com os princípios operacionais como a manutenção da posse da bola e a progressão em direção ao alvo e, portanto, estão intimamente ligados aos elementos identificados nos discursos dos treinadores. As regras de ação apontadas pelos autores referentes à premissa de jogar em movimento vêm ao encontro da manutenção da complexidade, de ordem dinâmica, do cenário do jogo (MENEZES, 2012). As regras de ação relacionadas à manutenção da complexidade do jogo são apresentadas por Gréhaigne e Godbout (1995), das quais destacam-se (dentre outras): a diminuição do tempo para a finalização; a variação da intensidade e ritmo dos movimentos; os deslocamentos para os espaços livres; a movimentação após passar a bola; receber a bola em movimento. Em relação à exploração e criação de espaços, os mesmos autores apresentam as seguintes regras de ação: jogar em profundidade e largura; bloquear os adversários; usar vantagens de velocidade e temporal; alternar o jogo direto e o indireto; e utilizar espaços não ocupados pelos adversários.
Os discursos dos treinadores, ainda em alusão ao princípio de progressão em direção ao alvo quando se referem à produção de espaços e à infiltração (IC-B/DSC2), além de irem ao encontro das regras de ação apresentadas por Gréhaigne e Godbout (1995) (utilização de espaços não ocupados pelos adversários, jogo em profundidade e em largura e utilização das vantagens de velocidade e temporais), pautam-se no que Garganta (1998) denomina de comunicação motora (a partir dos desmarques para apoio e ganho de profundidade, além da busca por superioridade numérica).
Aludindo ainda à progressão em direção ao alvo, Santos (2013) aponta que a ocupação de espaços livres e as características dos deslocamentos (de companheiros e adversários) são importantes parâmetros ofensivos para que os atacantes possam selecionar a melhor ação baseando-se na relação com o alvo e com o risco oferecido pelo adversário. Durante a sequência ofensiva, Prudente, Garganta e Anguera (2004) apontam como variáveis relevantes de análise (dentre outras): o número de jogadores presentes na ação, a relação numérica entre ataque e defesa e o tempo da sequência, que permitem contextualizar alguns eventos relacionados à dinâmica de construção do processo ofensivo.
Quanto à tentativa de anotar o gol (finalização):
Em alusão ao princípio operacional de acertar o alvo (ou anotar o gol) (BAYER, 1994), os treinadores citam que é necessário buscar tanto o aporte de variáveis referentes às condutas defensivas dos adversários, como os bloqueios defensivos (IC-A/DSC1), o mapeamento da vulnerabilidade individual defensiva e a vulnerabilidade na marcação do pivô (ambas apontadas na IC-D/DSC4), bem como das condutas ofensivas, como o posicionamento do pivô (IC-A/DSC1) e a eficácia das finalizações (IC-C/DSC3).
Para os treinadores a efetividade dos arremessos constitui uma informação primária para o resultado do processo ofensivo, cuja preocupação desses com o aproveitamento técnico pode estar desvinculada das ações precursoras do arremesso, mas relacionada diretamente com o setor da quadra. Aponta-se, ainda, que tal informação esteja relacionada com o posicionamento do goleiro adversário e suas respectivas ações permitindo, na visão dos treinadores, identificar se o atacante não está apresentando bons índices devido às falhas individuais ou possíveis acertos do goleiro adversário (IC-C/DSC3). Assim como referido anteriormente, a IHF apresenta para as ocorrências de arremessos dados com a respectiva correspondência entre as regiões da quadra de onde foram efetuados, os locais nos quais alcançaram o gol e os respectivos resultados.
Das variáveis apresentadas pelos treinadores pesquisados, o posicionamento do pivô, o desenvolvimento dos elementos técnico-táticos ofensivos (principalmente diante de sistemas defensivos abertos) e a circulação de bola (como os passes recebidos pelos pontas e pelo pivô), aparecem como importantes aspectos. Há alusão, ainda, para a relação entre atacantes e defensores no tocante às variáveis antropométricas, que na visão dos treinadores pode ser um importante balizador para a definição das estratégias ofensivas referentes aos arremessos de longas distâncias ou de tentativas de penetrações.
Prudente, Garganta e Anguera (2004) apontam como elementos relevantes para a análise que envolve a finalização: a localização espacial; o tempo de jogo; a forma de finalização (inclusive se houve ou não o arremesso); os elementos táticos que a precede; a relação entre o atacante e o goleiro (permitindo a análise do contexto da finalização, incluindo a colaboração do goleiro com o defensor); a relação entre o atacante que arremessa e a ação do seu marcador direto; os sistemas de jogo ofensivo e defensivo.
É importante salientar as estreitas relações entre os discursos produzidos pelos treinadores e as variáveis abordadas por diferentes autores. Quando a questão central envolve as finalizações parece haver um consenso entre os treinadores sobre aspectos como o mapeamento do comportamento defensivo adversário e, especialmente, no que tange ao arremesso em si, enquanto elemento técnico, no qual indicadores como a região da quadra e a efetividade parecem (e são) primordiais.
Aspectos balizadores para a análise do jogo ofensivo de handebol:
Os estudos com treinadores esportivos vêm ocupando um espaço acadêmico importante ao longo dos anos, sejam aludindo ao processo de formação profissional (WERTHNER; TRUDEL, 2006; NUNOMURA; CARBINATTO; CARRARA, 2013) ou à visão dos mesmos sobre o processo de ensino-aprendizagem-treinamento (LIGHT, 2004; MILISTETD et al., 2009). Em entrevista com 36 treinadores de ginástica artística, Nunomura, Carbinatto e Carrara (2013) investigaram a formação específica desses profissionais, observando que alguns desses aplicavam altas cargas especializadas de treinamento, sugerindo um modelo de obtenção de resultados precocemente. Os autores apontam as divergências entre o conhecimento acadêmico e o aperfeiçoamento técnico, pontuando a necessidade de uma formação complementar e a necessidade de um conhecimento cada vez mais especializado na medida em que se aproxima do alto nível de rendimento. Nos JEC estudos como o de Milistetd et al. (2009), que entrevistaram treinadores de voleibol, apontam para a importância de se compreender as variáveis que são relevantes, por exemplo, para a especialização funcional dos jogadores.
No tocante às variáveis técnicas, a Federação Internacional de Handebol (IHF) realiza, durante as competições oficiais por ela organizadas, análises quantitativas de variáveis de desempenho dos jogadores e das equipes, dentre as quais apresentam resultados sobre a eficácia dos arremessos em diferentes regiões da quadra, assim como o número de assistências e de erros após as competições (individuais e coletivos). Tal recorrência às diferentes possibilidades de análise do jogo, em suas questões técnicas e técnico-táticas, passa a ocupar uma posição de importância no cenário esportivo, pois a partir das mesmas emergem outras variáveis, como as fisiológicas (HUGHES; BARTLETT, 2002), que passam a constituir um planejamento de trabalho mais abrangente e, ao mesmo tempo, específico.
Prudente, Garganta e Anguera (2004) citam que, na relevante análise realizada por diversos autores para a compreensão do handebol, os indicadores são apresentados em três distintas áreas: relação entre arremesso e gols marcados (referentes à zona da quadra e à estratégia adotada pela equipe), comportamento defensivo (especialmente do goleiro) e situações de desigualdade numérica. Assim, o estudo das variáveis inerentes a cada uma das fases de jogo se torna como importante elemento balizador de rendimento dos jogadores e das equipes, que por hora devem ser transferíveis entre as situações apresentadas nos treinamentos e nas competições (GARGANTA, 2009).
A partir das variáveis apontadas por diferentes autores e das variáveis apontadas nos discursos dos treinadores entrevistados diante da dinâmica do jogo ofensivo, são apresentados no Quadro 3 os aspectos balizadores para a análise desta fase do jogo, seguindo os princípios operacionais (BAYER, 1994).
A partir dos indicadores apontados no Quadro 3 permite-se mapear indicadores balizadores para a análise do processo ofensivo do jogo de handebol, baseando-se em situações oriundas do jogo formal e que, desta forma, fornece subsídios para a análise tática, de modo a buscar explicações sobre a dinâmica do jogo. As informações provenientes de tal análise revelam comportamentos de diferentes variáveis das equipes durante o jogo, o que pode subsidiar a interlocução com o processo de treinamento (GARGANTA, 2009).
É importante ressaltar que aspectos como o setor da quadra, o tempo de jogo, o placar e os sistemas de jogo (ofensivo e defensivo) permeiam os eventos referentes aos três princípios operacionais ofensivos, uma vez que as correspondências espacial, temporal e organizacional (sistemas) já tiveram sua relevância abordadas anteriormente.
No cenário técnico-tático do handebol os jogadores se deparam com um ambiente em constantes mudanças, influenciadas pelos diferentes comportamentos técnicos e técnico-táticos dos protagonistas o que, para Hernández Mendo e Molina (2002 apud PRUDENTE; GARGANTA; ANGUERA, 2004), indica que os procedimentos estáticos de análise são insuficientes, como aqueles baseados apenas na assertividade técnica, apontando para a necessidade de uma metodologia que permita representar essa dinâmica. Assim, há a necessidade emergente de superar as análises puramente técnicas alienadas do cenário na qual ocorrem, mas que seja em direção à compreensão da dinâmica do complexo cenário do jogo (MENEZES; REIS, 2010).
Os discursos dos treinadores entrevistados nesta pesquisa apresentam importantes aspectos para a compreensão da dinâmica do jogo ofensivo, revelando comportamentos estratégico-táticos imprescindíveis para a excelência no handebol. Os princípios operacionais ofensivos (BAYER, 1994) foram utilizados como balizadores para a organização das variáveis de análise e, juntamente com os procedimentos abordados pelos treinadores entrevistados e com os conceitos elucidados pelos diferentes autores (GRÉHAIGNE; GODBOUT, 1995; GARGANTA, 1998; PRUDENTE; GARGANTA; ANGUERA, 2004; SANTOS, 2013), foram elencadas variáveis importantes para a eficácia nessa fase do jogo. Aspectos relacionados à manutenção da posse da bola, à progressão em direção ao alvo e à finalização são relevantes no complexo cenário técnico-tático do handebol, e devem ser considerados quando da concepção da análise e da sistematização das equipes para a fase ofensiva.
A recorrência a uma análise que busque compreender o contexto do jogo em sua forma dinâmica pode permitir a detecção de padrões das equipes (PRUDENTE; GARGANTA; ANGUERA, 2004), de modo que tal mapeamento possibilite, ainda, uma melhor compreensão do cenário do jogo e a identificação de variáveis que sejam relevantes aos treinadores ainda durante as partidas. Atenta-se, ainda, para a necessidade de que a análise do jogo possua uma finalidade, com um sentido claramente determinado (CÁRDENAS VÉLEZ; CONDE GONZÁLEZ; COUREL IBAÑEZ, 2013), de modo que possa apresentar importantes parâmetros de fomento ao treinamento das equipes (GARGANTA, 2009).
CONCLUSÃO
O panorama competitivo atual demanda excelência em todos os âmbitos de rendimento, principalmente ao considerarmos o handebol, cuja complexidade do cenário técnico-tático do jogo exige formas de analisá-lo que considerem o desenvolvimento e encadeamento de processos, e não apenas seus parâmetros estáticos (como os elementos técnicos alienados das situações nas quais se manifestam).
Para a análise da fase ofensiva do handebol os treinadores citaram como relevantes, para a manutenção da posse da bola, variáveis de cunho espacial (como a região da quadra e a amplitude e o sentido dos deslocamentos dos jogadores), temporal (como o momento da partida e a duração do processo ofensivo) e motor (como as relações entre as ações dos jogadores e a intensidade dos esforços). Para a progressão em direção ao alvo, os treinadores citaram a produção de espaços e a infiltração (a partir dos desmarques para apoio e ganho de profundidade), aludindo à utilização de espaços não ocupados pelos adversários, ao jogo em profundidade e em largura para buscar superioridade numérica. Em relação às finalizações os treinadores indicam a importância de analisar as informações sobre a incidência e a eficácia em função da região na qual ocorre o arremesso, bem como agregar informações sobre o comportamento defensivo adversário.
A análise das variáveis ofensivas durante a competição permite identificar as principais estratégias utilizadas pelos atacantes para criar situações favoráveis à sua equipe, possibilitando aos treinadores a busca por grande variabilidade dessas estratégias. O aumento da variabilidade das ações e movimentações dos atacantes tem a premissa de incrementar a complexidade do jogo para os defensores, culminando em possível superioridade numérica e vantagem ofensiva. Simultaneamente, há a preocupação (em situação competitiva) com a identificação dos padrões de movimentação dos defensores adversários para direcionar possíveis estratégias ofensivas para a especificidade apresentada pelos adversários.
Os parâmetros identificados nas situações competitivas possibilitará sistematizar os treinamentos de maneira que suas situações tenham exigências estratégico-táticas semelhantes à competição. Outro ponto a ser destacado se refere ao aperfeiçoamento de determinadas estratégias ou à aprendizagem de outras possibilidades, de modo que evite a estereotipação de comportamentos individuais e coletivos dos atacantes, que produziriam ou que produzem erros individuais e coletivos.
O mapeamento das variáveis ofensivas apresentado não representa um assunto encerrado, mas um importante balizador para futuras análises (qualitativas e/ou quantitativas) que se baseia, sobretudo, na opinião de treinadores experientes. Assim sendo, outras variáveis podem se apresentar de forma prioritária às análises, cuja relevância poderá estar condicionada ao nível das equipes ou às categorias que serão analisadas.
Referências
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Mar 2015
Histórico
-
Recebido
10 Nov 2013 -
Revisado
09 Jun 2014 -
Aceito
09 Fev 2015