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Portugal, ora pois! Estratégias de internacionalização de uma empresa familiar de pequeno porte

Resumo

Objetivo:

Este Caso de ensino tem como objetivo expor alunos de graduação e pós-graduação às problemáticas empresarias de tomada de decisão no desenvolvimento de estratégias de internacionalização.

Dilema:

Este caso de ensino aborda os dilemas de uma pequena empresa familiar brasileira ao tomar a decisão de internacionalização no mercado português. Uma empresa familiar de pequeno porte, que atua no setor de arquitetura, decoração e construção, na produção de obras personalizadas em rochas ornamentais, que se depara com a oportunidade de atender clientes no mercado português, depois de um longo período atuando apenas no mercado nacional.

Relevância/originalidade:

O caso se apresenta como uma oportunidade original e real para o professor trabalhar estratégias de internacionalização, revitalizando conceitos de proposta de valor, tomada de decisão, adequação de produtos e mercados e é indicado para aplicação em disciplinas de estratégia em cursos de graduação e pós-graduação.

Palavras-chave:
Empreendedorismo; Estratégia; Internacionalização; Pequena Empresa

Abstract

Objective:

This teaching case aims to expose undergraduate and graduate students to the business problems of decision-making in the development of internationalization strategies.

Dilemma:

This teaching case addresses the dilemmas of a small Brazilian family business when making the decision to internationalize in the Portuguese market. A small family business, which operates in the architecture, decoration, and construction sector, in the production of customized works in ornamental stones, which is faced with the opportunity to serve customers in the Portuguese market, after a long period operating only in the national market.

Relevance/originality:

The case presents itself as an original and real opportunity for the professor to work on internationalization strategies, revitalizing concepts of value proposition, decision-making, adequacy of products and markets and is indicated for application in strategy disciplines in undergraduate and graduate courses.

Keywords:
Entrepreneurship; Strategy; Internationalization; Small Business

INTRODUÇÃO

Era uma segunda-feira de janeiro de 2021 e, não só o Brasil, mas o mundo todo estava em meio ao enfrentamento da Pandemia de Covid-19. Silvia recebeu a ligação de uma antiga cliente, que informava não estar mais atuando no mercado brasileiro, pois tinha se mudado para Portugal. Além das novidades, a cliente comentou sobre as dificuldades enfrentadas para realizar seus projetos em Portugal, pois sua rede de contatos, por lá, era reduzida, os fornecedores não eram flexíveis para atenderem às demandas dos projetos e os materiais eram muito diferentes dos materiais brasileiros.

A ligação da cliente tinha o intuito de solicitar à Silvia, a indicação de fornecedores portugueses que atendessem aos projetos “mais aos moldes brasileiros”. Contudo, para Silvia, uma das sócias da empresa A Itaarte, aquela ligação era um convite para navegar por novos oceanos.

“Paula, mas por que não consegue fornecedor aí? O que você está fazendo? É uma reforma ou construindo?”

“Silvia, aqui não tem área para novas construções. As cidades já estão prontas; as casas são antigas. Tudo lindo. É viver a história de séculos! Então nosso mercado é praticamente de reformas. Os brasileiros, que estão vivendo aqui, querem o conforto, a praticidade, a contemporaneidade dos nossos projetos. Sabe, ter um banheiro espaçoso, lindo, com um super chuveiro? Uma cozinha funcional, estilo americano, aquela cozinha gourmet? Os fornecedores aqui, às vezes, não entendem porque estamos querendo mudar as coisas. É sempre um dilema entre manter a história e adequar o imóvel às necessidades do cidadão do século XXI. Pode me ajudar com isso? Você conhece tanta gente!”

“De fato, eu conheço muita gente! Mas para atender à sua demanda em Portugal, teria que ser alguém que topasse esse desafio. A maioria dos meus contatos estão concentrados em atividades no mercado interno e alguns atendem à América Latina, mas não estou me recordando de nenhum conhecido que atenda o mercado europeu. Preciso verificar com calma, Paula.”

“Silvia, seria ótimo se você mesma pudesse aceitar esse desafio!”, falou Paula entusiasmada, repetindo as características do mercado. “Já estamos tão acostumadas a trabalhar juntas. Será que você poderia tentar me ajudar? Acredito que pode ser bom para A Itaarte também. Com a competência que vocês têm, logo apareceriam outros projetos por aqui.”

Ao escutar a descrição que Paula fez do mercado português, Silvia ficou bem pensativa. Reformas demandam um outro processo de trabalho, bem diferente do que a empresa estava acostumada a fazer para atender o mercado externo norte-americano.

“Paula, entendo sua angústia e vejo que há uma oportunidade de negócio aí em Portugal, só não sei se essa oportunidade é o perfil de nossa empresa. Preciso trocar uma ideia com o Mário . Fazer reformas em São Paulo, perto de nossa fábrica, é uma coisa. Você deve se lembrar como nosso pessoal tinha que voltar várias vezes à obra para finalizar detalhes depois de outros empreiteiros. Fico com dúvidas sobre a viabilidade de fazer reformas em outro país. Voltamos a nos falar em breve, pode ser?”

A Itaarte, empresa brasileira que executa projetos em rochas ornamentais, já vivenciou exitosas experiências no mercado internacional. Seu principal mercado era com os Estados Unidos, para quem fornecia projetos de grande porte em rochas brasileiras. A empresa fornecia bancadas de banheiro, cozinha e balcões padronizados em grandes volumes para redes hoteleiras e condomínios residenciais. Contudo, por causa da crise no mercado imobiliário americano que explodiu em 2008, a empresa voltou-se gradativamente ao mercado nacional. A empresa precisou desenvolver novas estratégias de captação de clientes no Brasil para suprir a perda do nicho de vendas para o mercado internacional. Foi quando a empresa focou-se no atendimento personalizado a arquitetos e designers de interiores na região da grande São Paulo. Mas, tanto Silvia, quanto seu sócio e marido, Mário, não abandonaram o espírito empreendedor de estar conectado com o mundo. Descobrir novas culturas e manter negócios com outros países está no DNA da empresa desde o início.

Assim, muito empolgada com a nova perspectiva, Silvia passou algumas semanas pesquisando informações sobre o setor de rochas ornamentais em Portugal. Além de verificar algumas diferenças no atendimento do mercado, identificou o aumento do número de arquitetos brasileiros, que, durante a pandemia da Covid-19, migraram para o país. Sua cliente parecia não ser uma exceção. Fato que a fez considerar o cenário de que mais arquitetos estariam enfrentando obstáculos com os fornecedores portugueses. Com alguns dados reunidos, Silvia conversou com Mário, seu sócio na empresa, apresentando-lhe os dados do setor de rochas ornamentais em Portugal e compartilhando suas reflexões sobre voltar a exportar.

“Mário, eu fiz algumas pesquisas e vi que o mercado português de arquitetura, decoração e construção corresponde a cerca de 10% do mercado brasileiro em número de profissionais. Aqui no Brasil a gente tem 212 mil arquitetos e urbanistas em atividade, e lá tem só 23 mil. É muita diferença, não é? Por outro lado, a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas de Portugal, indica que a habitação é o componente mais expressivo do Plano de reabilitação urbana português, com 1.583 milhões de euros em investimento, e desses 1.5 milhões, 1.150 milhões são para programas de reabilitação urbana em reformas. Isso é bastante, não acha?”

Os dados apresentados por Silvia mostram como o governo português reconhece a degradação progressiva dos edifícios e espaços exteriores, assim como fábricas que são diariamente abandonadas. Há um desajustamento dos espaços urbanos e residenciais em relação aos novos estilos de vida da população. E, nesse sentido, há um esforço conjunto da iniciativa privada e de políticas públicas incentivando o investimento no setor da construção com foco na adequação imobiliária do país. Em 2021, o volume de negócio girou em torno de 23 milhões de euros, com a participação de 53 mil empresas e 320 mil pessoas fornecendo serviços. Sendo que 98,54% são micro e pequenas empresas que concentram 57,78% do volume de negócios.

“Mário, você viu o crescimento de negócio? Mais do que dobrou!”, exclamou Silvia de forma entusiasmada.

Mário, no entanto, não demonstrou muito entusiasmo, e fixou seu olhar nos pontos fracos do setor português, como: mercado pequeno, sensível às crises econômicas, setor fragmentado, foco em reformas, perfil distinto do brasileiro e baixo índice de importação, além do baixo potencial de lucratividade na atividade do setor de construção civil.

“Silvia, não se engane. O Banco português mostrou que apesar do crescimento ter sido positivo, a rentabilidade de 40% das empresas e, principalmente, as do nosso porte, ficou negativa.”

Reformas, na visão de Mário, requerem mais presença física dos gerentes de obras, já que há eventos que emergem fora dos planejamentos. No caso de novas construções, os envolvidos no processo construtivo seguem projetos validados e conseguem executar seus produtos à distância com margens de erro pequenas. Para Mário, essa empreitada apresentava alto risco para as finanças da A Itaarte.

“Silvia, estamos mais velhos, será que vale a pena passar por tantos desafios? Adquirimos clientes bons aqui no Brasil. Sei que exportar é excelente tanto para a balança fiscal da empresa quanto para a gestão de risco, isso é, diversificar nossas fontes de receitas, mas temos que treinar os funcionários novamente para essa empreitada global. Me dá um tempo para refletir”, disse Mário, sossegadamente.

Dois dias depois, após realizar uma análise cuidadosa dos dados trazidos por Silvia do mercado português, Mário chamou sua sócia para conversar sobre a exportação para o país e disse:

“Silvia, você se lembra quando estávamos pesquisando o mercado externo e fizemos aquela tabela de forças, fraquezas, ameaças e oportunidades? Pois bem, eu comecei a fazer uma sobre como estamos hoje. Descrevi aqui alguns pontos sobre a qualificação da nossa mão de obra. O maquinário e matéria-prima estão ok. Documentação, etc. também. Mas, eu tenho dúvidas. Exemplo, como vamos abordar os clientes? Você vai querer viajar ou vou eu? Ou será que utilizamos a agência da Apex ou representantes comerciais, trades, o que acha?”

Mário complementa a conversa com sua avaliação sobre as informações do mercado português, comparando-os com o atual cenário do mercado brasileiro. Um dos dados colocados por Silvia é o de que quase metade das empresas em Portugal não são rentáveis, e Mário contrapõe esses dados aos dados brasileiros que mostram que as empresas que atuam no mercado de reformas no Brasil têm rentabilidade média de 30% (CAU, 2021; Oliveira, 2021Oliveira, G. (2021, May 14). Na pandemia, mercado de reformas torna-se boa opção de investimento. Casa Vogue. https://casavogue.globo.com/Casa-Vogue-Estate/noticia/2021/05/na-pandemia-mercado-de-reformas-torna-se-boa-opcao-de-investimento.html
https://casavogue.globo.com/Casa-Vogue-E...
), com o setor em crescimento de 10% nos anos de 2021 e 2022, impulsionado pelo aumento de reformas.

Silvia, escutou, tomou algumas notas, mas não respondeu. O que será que A Itaarte deve fazer nesse momento? Será que retomar a exportação pode mesmo ser um caminho lucrativo?

O MERCADO DE ROCHAS ORNAMENTAIS

A produção mundial de rochas ornamentais apresenta um comportamento crescente desde 2015. Entre 2015 e 2019 (último ano com dados disponíveis para produção mundial), a produção acumulou um crescimento de 10,4%, alcançando cento e cinquenta e quatro milhões e quinhentas toneladas (Montani, 2020Montani, C. (2020). XXXI Rapporto Marmo e Pietre nel mondo 2020. Carrara: Aldus. https://abirochas.com.br/wpcontent/uploads/2020/12/impaginato_XXXI
https://abirochas.com.br/wpcontent/uploa...
). Do total produzido no mundo em 2019, 37,2% fora destinado ao mercado externo. Destaca-se que a dinâmica do comércio mundial de rochas ornamentais, nesse período de análise, foi acompanhada pelas exportações brasileiras. Entre 2018 e 2019, as exportações brasileiras do segmento cresceram 2,3%, acima da média. De acordo com o XXXI Report Marble and Stones in The World, é esperada uma expansão do comércio internacional de 2,8% no mercado mundial até 2050.

No mercado mundial, o uso predominante de rochas ornamentais destina-se à construção civil (75% do volume em metros quadrados). Desse percentual, trinta por cento (30%) do consumo mundial é de revestimento de pisos. A projeção do consumo de rochas ornamentais na construção civil para 2050 é de dois milhões e quinze mil metros quadrados. O Brasil é o quinto maior produtor do segmento (Tabela 1) e detém a maior variedade geológica do mundo, sendo também o quarto maior consumidor do segmento (cinquenta e oito milhões e oitocentos mil metros quadrados). Em 2019, o país utilizou trezentos e quatorze (314) metros quadrados de rochas ornamentais para cada mil habitantes.

Tabela 1
Produção mundial de rochas ornamentais entre 2015 e 2019 - em mil toneladas

O cenário português também apresenta forte produção de rochas ornamentais, sendo essa uma importante atividade econômica no país. Esta produção no território português encontra-se entre as dez mais importantes em nível mundial. Portugal está na nona posição dentre os mais importantes exportadores. Segundo a associação dos recursos minerais ASSIMAGRA (Cunha, 2016Cunha, P. (2016). Pedra portuguesa no mundo. Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos, & Afins - Assimagra. https://www.assimagra.pt/images/publicacoes/LIVRO-PEDRA-PORTUGUESA-NO-MUNDO-versao-final.pdf
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), Portugal tem rochas exclusivas, tradição produtiva e know-how acumulado. Seus mármores são exportados para cento e dezesseis (116) países (ANIET, 2017). No norte do país encontra-se a maior concentração de empresas do setor. Contudo, a grande maioria das empresas é de pequeno porte e tem pouca capacidade para incorporar tecnologia ao modelo de negócio. Por ter um território pequeno e um mercado restrito, Portugal tem um histórico de volumes muito maiores nas exportações de pedras, se comparado às importações. Segundo dados do Banco de Portugal, o mercado de rochas ornamentais em Portugal gera cerca de 643 milhões de euros em vendas e serviços prestados, sendo que 56,75% (365 milhões de euros) correspondem ao consumo no mercado interno e o restante é destinado às exportações. Quanto às compras, cerca de 343 milhões de euros correspondem ao mercado interno, e apenas 78 milhões às importações.

Além disso, durante os anos de 2020 e 2021 foi observado um grande aumento na imigração de brasileiros para Portugal. Dentre esses imigrantes, estão arquitetos e designers de interiores estabelecendo seus escritórios em diferentes regiões do país, o que pode contribuir para o aumento da demanda interna de consumo de rochas ornamentais. Dado ao significativo aumento desses profissionais em solo português, bem como desses profissionais portugueses no Brasil, em julho de 2022, o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil) e a AO (Ordem dos Arquitectos de Portugal) assinaram um memorando de entendimento do exercício da profissão desses profissionais entre os dois países, visando sanar a ineficácia do acordo anterior que perdurou entre 2014 e 2019 e legitimando a atuação desses profissionais no território estrangeiro.

Em 2022 foram identificadas 1219 empresas no ramo de "código: 237 - Serragem, corte e acabamento de rochas ornamentais e de outras pedras de construção" (Banco de Portugal, 2022). Como mostra a Figura 1, quase 73,9% dessas empresas têm uma idade superior a 10 anos, e cerca de 85,0% do volume de negócios pertence a estas mesmas empresas; o que dá a ideia de que tais empresas detêm grande parte da carteira de clientes.

Figura 1
Caracterização da extração de mármore em Portugal

A partir de uma pesquisa realizada pela Ricardo Botelho Marketing para A Itaarte no início dos anos 2000, a empresa obteve importantes informações de como se relacionar com profissionais de arquitetura e design de interiores. Sobre o grau de importância para o cliente dos itens de um projeto de arquitetura e design de interiores, os revestimentos de rochas ornamentais se configuraram como o primeiro item de importância para os beneficiários do projeto. Entre os critérios dos profissionais para a escolha de fornecedores estão: solução rápida de problemas, idoneidade, design, ajuda técnica, vendedores capacitados, fornecimento de amostras, variedade de produtos, tempo de parceria, tecnologia utilizada na fabricação e tempo de mercado. A consultoria aponta que a melhor abordagem para atrair e fidelizar profissionais de arquitetura e design de interiores é o atendimento personalizado com constantes visitas. Ricardo, líder da organização sempre lembra: “Quem não é visto, não é lembrado”. A partir desse conceito, a consultoria elenca etapas de relacionamento com arquitetos e designers de interiores para que os contatos sejam efetivados em pedidos fechados. Afinal, o retorno de pedidos e obras efetivamente executadas são o que possibilitam a continuidade do relacionamento entre profissionais de arquitetura e design de interiores e empresas.

EXPOSIÇÃO DO CASO: A ITAARTE E SUA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

A Itaarte é uma empresa brasileira familiar de pequeno porte que atua no setor de arquitetura, decoração e construção produzindo obras personalizadas em rochas ornamentais. A empresa nasceu no final do ano de 1985, com o objetivo de trazer para o mercado de rochas ornamentais uma organização profissional e voltada para a transformação do melhor da natureza em verdadeiras obras de arte. Foi também pioneira em estabelecer uma estrutura nos EUA para vender granitos brasileiros, no final da década de 1980.

A empresa foi a primeira importadora de mármores espanhóis. No mercado interno, o foco da empresa é atender arquitetos e designers. A Itaarte não só investe em processos, mas também em tecnologia. É uma das dez empresas no Brasil a ter máquina CNC e ter implantado uma gestão de qualidade total. Os custos da obtenção e manutenção do certificado ISO 9001 não eram acessíveis, mas o manual de procedimentos foi uma referência para muitas construtoras de ponta em São Paulo alcançarem seu certificado ISO 9001 (ABNT NBR ISO 9001, 2015).

Contando com os melhores recursos humanos e tecnológicos, a empresa foi responsável por levar as rochas ornamentais brasileiras para grandes empreendimentos no mercado americano, como o Hard Rock Hotel, em Hollywood - Flórida, e o Four Seasons Emerald Bay, o Congresso Nacional e Ritz Carlton Hotel - Chile, Tiffany e Meliá Hotel - São Paulo, além de ornamentar diversos residenciais no Brasil, em Porto Rico e nos Estados Unidos.

O modelo de internacionalização da A Itaarte para o mercado norte-americano

Em 1987, A Itaarte expandiu suas operações para fora do Brasil. A partir de uma oportunidade de atuar em projetos no exterior, a empresa topou a empreitada de realizar obras nos Estados Unidos. Um importante projeto foi realizado para o Hard Rock Hotel, em Hollywood - Flórida. Na obra, a experiência da interação com o arquiteto do projeto e a empresa de fornecimento do revestimento e instalação para atender às demandas do local contribuiu para o know-how de projetos no mercado americano, abrindo portas para um novo horizonte para a empresa.

Nesse processo de internacionalização, A Itaarte utilizou diferentes estratégias de abordagens de clientes. No primeiro momento, os sócios se aventuraram fazendo uma viagem de 30 dias e, mesmo sem visitas agendadas, foram conversando com pessoas das empresas que vendiam granitos na cidade de Miami. Num segundo momento, quando o foco foi vender projetos sob medida, a estratégia adotada pela empresa foi a participação de feiras de revestimento nos Estados Unidos debaixo da bandeira brasileira. Nessa abordagem, a principal parceira foi a Apex, agência de exportação brasileira. O investimento nos espaços da A Itaarte foi feito para que o cliente-alvo visse os produtos a serem recebidos. Um banheiro montado, uma pia feita, assim, o cliente conseguia materializar um projeto a ser comprado. Além disso, os vendedores da A Itaarte tinham um impresso com figuras e planilhas demonstrando o processo de vendas e fabricação, desde a recepção de um projeto até a saída do container da fábrica. Tudo para materializar aspectos abstratos. Esses elementos atraíram o cliente-alvo e possibilitou que A Itaarte fechasse negócios durante as feiras.

Essa última fase pode ser exemplificada com a descrição da obra do Hard Rock Hotel. Na ocasião, o cliente da A Itaarte foi uma empresa de instalação de revestimentos captada na feira de revestimentos em Orlando. Para esse projeto, segundo relatos da empresa contratante, os arquitetos queriam utilizar um granito amarelo que acreditavam ter origem italiana. Ao ter contato com essa especificação, A Itaarte selecionou uma gama de amostras do granito brasileiro Giallo Veneziano, cuja produção era 99% exportada para a Itália (e não de origem italiana, como acreditavam os arquitetos norte-americanos). A Itaarte enviou amostras aos arquitetos norte-americanos junto à proposta de fornecimento das peças já cortadas conforme o projeto de arquitetura. Além de conseguir atender às demandas de especificação e preço, o processo de fabricação e montagem foram fundamentais para que a empresa brasileira ganhasse da concorrência.

Durante o projeto, cada peça foi identificada com o número do apartamento do hotel e A Itaarte enviou à empresa de instalação um desenho contendo as identificações por caixa dentro do container. O container foi colocado na obra e cada caixa enviada para o andar específico. Esse processo trouxe uma economia de 20% à empresa de revestimento e instalação nos custos de logística da obra. A Figura 2 demonstra as etapas da obra até a sua realização.

Figura 2
Etapas da obra no Hard Rock na Flórida, EUA

Na sequência, outros projetos grandes foram realizados para empreendimentos como: o Four Seasons Emerald Bay; o Congresso Nacional e Ritz Carlton Hotel, no Chile; além de ornamentar diversos residenciais, em Porto Rico e nos Estados Unidos. A partir de 2005, a empresa começou a perceber a diminuição de orçamentos para novas obras no mercado norte-americano. O retorno de negócios advindos da participação da A Itaarte na feira de revestimentos norte-americana - Coverings e na feira brasileira de Stone Fair Vitória em 2006 não foi suficiente para cobrir os custos dos dois eventos. Esses resultados acenderam um alerta vermelho ao planejamento de ações futuras do negócio no mercado internacional. Nos anos seguintes, com a crise no mercado imobiliário e de construção nos EUA, a empresa foi gradativamente perdendo seus clientes internacionais. O último container embarcado para um projeto no estado do Texas foi no primeiro semestre de 2009.

A Itaarte deve se aventurar de novo no mercado internacional?

No início de 2021, Silvia enxergou o potencial de levar à Europa o know-how da empresa para atender à nova demanda dos arquitetos e designers de interiores brasileiros residentes em Portugal. Além de ter acabado de conseguir sua cidadania portuguesa, Silvia identificou algumas semelhanças entre Brasil e Portugal que poderiam facilitar muito a entrada da A Itaarte no mercado português, além do idioma.

Durante os anos de 2020 e 2021 foi observado um grande aumento na imigração de brasileiros em Portugal, devido à Pandemia de Covid-19. Concomitantemente, observou-se o aumento de arquitetos brasileiros naquele país (Imóvel Magazine, 2021; Sanches, 2020Sanches, C. (2020, dezembro 27). Arquiteto em Portugal: saiba como trabalhar no país sendo brasileiro. Euro Dicas. https://www.eurodicas.com.br/arquiteto-em-portugal/
https://www.eurodicas.com.br/arquiteto-e...
). Contudo, como relatou a cliente de Silvia, esses arquitetos brasileiros não encontraram em Portugal marmorarias que estivessem acostumadas a atender às necessidades de seus projetos, devido às diferenças entre os mercados português e brasileiro. O foco, segundo essa cliente, é a execução de pequenas reformas, adequando imóveis antigos para as necessidades dos brasileiros que moram em Portugal.

Ademais, o modelo de negócios estruturado pela empresa, para exportação, visa obras de grande volume de produtos padronizados e projetos de grande volume com características específicas. Nesse sentido, algumas características para a tomada de decisão de compra, diferem dos projetos mencionados pela cliente de Silvia, que está fazendo reformas em Portugal. Dentro desse modelo de negócios, a lucratividade está no serviço e não no produto - o que requer uma estrutura de precificação diferente. Ao invés de calcular custos por metro quadrado e linear já sistematizados pelos orçamentistas da A Itaarte, a empresa teria que ter um preço pelo serviço prestado ou por diária de trabalho. Toda logística de embalagem e frete também precisaria ser desenvolvida. A empresa teria que pensar na eventual quebra de pequenas peças, e não mais no fornecimento de algumas bancadas extras.

Nesse sentido, as estratégias de abordagem ao cliente podem variar. No mercado interno, A Itaarte tem um programa de relacionamento com profissionais de arquitetura e design de interiores que prevê eventos de confraternização, visitas técnicas à fábrica, visitas surpresas, almoços de negócio, parcerias de mostras de arquitetura para mencionar algumas ações. Mas, como desenvolver um programa assim além-mares? Qual o custo? Quem faria isso?

Silvia, apesar de mais velha, continua com o mesmo espírito empreendedor e aventureiro para desbravar novos territórios. Adora viajar e conhecer novas culturas. Mário, por outro lado, sempre foi a bússola e a âncora na relação. Um empreendedor nato e muito sensato. Apesar de aventureiro, não gosta de correr riscos incalculáveis. Mário sempre foi o responsável por calcular com precisão os custos e aferir a lucratividade. Dessa forma a parceria entre Mário e Silvia mostrou-se boa pela complementariedade das competências e habilidades do casal. Por um lado, Silvia, pelas suas características pessoais, olha para as oportunidades; por outro lado, Mário, mais comedido, não consegue ignorar o risco duplo de abordar um novo país e um novo público, o de reformas.

Considerando a proposta de valor da empresa para o mercado internacional, que é entregar projetos de rochas ornamentais brasileiras já cortadas, atendendo aos padrões de qualidade internacional e melhorando a viabilidade econômica dos projetos, como conectar essa proposta ao ponto forte do mercado português de reformas? E como aproveitar as estratégias que a empresa desenvolveu com sucesso para o mercado brasileiro, que é o atendimento personalizado aos arquitetos e designers de interiores no mercado português? Para entregar esse valor, a empresa pretende continuar investindo em tecnologia e capacitação de mão de obra, além de processos de logística. Mas, estar próximo do cliente é uma das características fundamentais para que a empresa consiga entregar projetos que atendam às demandas de seus clientes. Será que o know-how com as exportações feitas anteriormente a outros países, como para os EUA, pode contribuir para A Itaarte enfrentar esse novo desafio? Será que a demanda dos arquitetos brasileiros instalados em Portugal representa de fato uma oportunidade de internacionalização para a empresa? Enfim, o que você recomenda para A Itaarte?.

REFERÊNCIAS

Editado por

Editor Chefe1 ou Adjunto2:

1 Dr. Edmundo Inácio Júnior https://orcid.org/0000-0003-0137-0778
Univ. Estadual de Campinas, UNICAMP

Editor Associado Responsável:

Bradley University

Editora Executiva1 ou Assistente2:

1 M. Eng. Patrícia Trindade de Araújo

Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2022
  • Aceito
    17 Abr 2023
  • Publicado
    10 Nov 2023
Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (ANEGEPE) Av. Casa Verde, 2515 - Sala 05, Bairro Casa Verde, CEP 02519-200., Telefone +55 (19) 3701-6673 / 6683 - São Paulo - SP - Brazil
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