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Trabalhadores rurais nos campos paulistas: Histórias mutiladas

Rural workers in São Paulo fields: Mutilated Stories

Resumo:

Há quase meio século, venho estudando a realidade social dos/as trabalhadores/as rurais no estado de são Paulo. Foram inúmeras pesquisas realizadas com trabalhadores/as que se destinavam aos canaviais, cafezais e laranjais. Em sua grande maioria eram migrantes, provenientes do Vale do Jequitinhonha/MG e estados do nordeste do Brasil, fato que ampliou minhas pesquisas até a estes locais. No momento atual, assiste-se no estado de São Paulo à prevalência da agricultura 4.0, caracterizada pelo domínio das máquinas e das tecnologias de informação e (TIs), resultando no apagamento dos rastros destes/as trabalhadores/as. Assim, meu intento é analisar o processo de amnésia histórica, daí advindo, com as lentes de Sayad e outros autores, em dois tempos. O primeiro deles referente à dizimação dos povos indígenas no começo do século XX em várias regiões do estado e em muitas outras do país; o segundo se refere ao apagamento da história/memória atual dos trabalhadores/as rurais. A metodologia é baseada na análise de fontes escritas e entrevistas orais.

Palavras-chave:
amnésia histórica; espoliação; trabalhadores rurais; São Paulo

Abstract:

For almost half a century, I have been studying the social reality of rural workers in the state of São Paulo. Numerous studies have been carried out with workers in sugarcane, coffee, and orange groves. The vast majority were migrants, coming from Vale do Jequitinhonha/MG and northeast of Brazil, a fact that expanded my research to these locations. Currently, the state of São Paulo is witnessing the prevalence of Agriculture 4.0, characterized by the dominance of machines and information technologies (IT), resulting in the erasure of the traces of these workers. Thus, I intend is to analyze the process of historical amnesia that arises from this, through the lenses of Sayad and other authors in two periods. The first one refers to the decimation of indigenous peoples at the beginning of the 20th century in several regions of the state and in the country, the second one is about the erasure of the current history/memory of rural workers. The methodology of research is based on written sources and oral interviews.

Keywords:
historical amnesia; spoliation; rural workers; São Paulo

Algumas palavras iniciais

O viajante que percorrer as estradas paulistas avistará a monotonia da paisagem de um mar de cana. São seis milhões de hectares, responsáveis pela produção gigantesca de açúcar e etanol, destinados ao mercado internacional e nacional. Além dos canaviais, o viajante também verá as máquinas gigantescas, colheitadeiras, caminhões-tanque, caminhões com até quatro gaiolas para o transporte da cana, tratores, plantadeiras, além de drones empregados para distribuição aérea de herbicidas, fungicidas e fertilizantes. No entanto, avistará poucos ônibus (Rurais) que transportam os trabalhadores.

Esse mar de cana foi se formando a partir da década de 1960, com o surgimento de grandes usinas em várias regiões do estado. No período entre 1960 e 2005, predominava o corte manual da cana queimada, realizada por migrantes, vindos do Vale do rio Jequitinhonha (MG) e de estados do nordeste do Brasil. A presença de máquinas, pouco a pouco foi aumentando. A partir de então, o processo de mecanização se acelerou até se completar nos dias de hoje. Este processo resultou no estancamento das migrações permanentemente temporárias, resultando no apagamento da memória e da história dos migrantes que labutaram nas terras paulistas.

Tendo este pano de fundo, o objetivo deste artigo é, com base em fontes escritas e entrevistas coletadas, ao logo de muitos anos de pesquisa, com homens e mulheres migrantes, escovar esta história a contrapelo, nas palavras de W. Benjamin, por meio da utilização da metáfora do palimpsesto, chegando ao seu começo1 1 Palimpsesto é um termo grego, datado do século V a.C. que significa um pergaminho composto de múltiplas camadas de escrita sobrepostas. Melhor dizendo, reaproveitava-se um pergaminho já escrito raspando seu conteúdo, todavia a camada anterior permanecia parcialmente visível. . A relevância da análise reside na intenção de retraduzir essa história, hoje, enaltecida pelo chamado agronegócio, responsável pelo progresso e desenvolvimento do estado. Ao raspar as camadas que encobrem os escritos hegemónicos e ideológicos, aparecerão os cacos, os vestígios de povos indígenas exterminados, camponeses ocultados ao longo do tempo. O texto está dividido segundo as camadas do tempo histórico: os povos originários das terras onde se formaram os cafezais e o mar de cana; os trabalhadores sem nome (outros); a agricultura 4.0 que encobre as camadas precedentes. São histórias mutiladas, aqui trazidas para a superfície. Uma maneira de evitar a amnésia histórica e da memória.

A primeira camada do palimpsesto: A limpeza do terreno

As observações seguintes se reportam ao apagamento da história das populações originárias do denominado oeste paulista. Trata-se de observações breves, dado que este tema já foi sobejamente estudado por outros autores. Contudo, o conhecimento da situação presente dos trabalhadores só se torna possível, se seu passado vier à tona, tal como nos ensina Sayad (1996SAYAD, Abdelmalek. Histoire et recherche identitaire suivi de Entretien avec Hassan Arfaoui, p. 43-103, 1996.).

A expansão capitalista nesta região ocorreu em razão da cultura cafeeira desde meados da segunda metade do século XIX, atingindo seu apogeu até os finais dos anos de 1920, com a crise de 1929 e a quebra da bolsa de Nova York. Tal expansão foi caracterizada pelo processo de expropriação das terras, então ocupadas pelas populações originárias, como os Tupis, Otis-Xavantes, Guaranis, Caiuás, Caingangues, dentre outros, e pela destruição das florestas nativas2 2 Há uma vasta bibliografia de historiadores, geógrafos, sociólogos, antropólogos sobre este período. Nos limites deste texto, mencionam-se os seguintes: (Miliet, 1939; Malheiro, 1976; Monbeig, 1952; Martins, 1971; Silva, 1976; Franco, 1969; França, 1960; Matos,1974; Dean, 1977; Prado Jr., 1953; Schaden, 1958; Canabrava, 1949; Lima, 1978). . Esta forma de expansão teve amparo nas normativas do Estado, por meio da lei N. 601 de 18 de setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras, que dividia as terras em particulares e devolutas. Por esta lei, ficavam proibidas as aquisições de terra devolutas por outro título que não fosse o de compra. Os preços das terras bem elevados eram uma maneira de impedir que pequenos posseiros pudessem ser proprietários. No estado de São Paulo, a maioria das terras era considerada devoluta e as condições geográficas - como clima, relevo - favoreciam as plantações, garantindo os níveis de acumulação desejados. Portanto, essa lei ignorou completamente a presença dos povos originários, permitindo a concretização da fazenda capitalista, por meio da mercantilização da terra e da posse fraudulenta, denominada grilagem3 3 Ver a respeito, a constatação da grilagem no Vale do Paranapanema por Sampaio (1890, p. 113). Sobre a grilagem, a lei 545 de 1898, garantia o poder dos proprietários, desde que comprovassem ter o título de domínio das mesmas, obtido 20 anos antes da lei. A fraude era operada por meio do amarelamento dos papeis, orientados pelos laboratórios de fabricação de títulos falsos, borrados de estampilhas antiquíssimas (Monbeig, 1952, p. 127; Lima, 1978, p. 120). .

A expansão cafeeira era precedida pela expansão ferroviária, meio pelo qual, o café era exportado pelo porto de Santos. Até a década de 1890, em geral, os grandes fazendeiros deslocavam seus capitais das zonas consideradas menos produtivas, como o Vale do Paraíba, para o oeste paulista. Isso incluía o deslocamento dos africanos escravizados e a contratação de trabalhadores livres, muitos deles, vindos dos estados do nordeste. As tarefas mais árduas e perigosas, como a destruição das matas nativas e o enfrentamento dos indígenas eram destinadas a estes trabalhadores. Os africanos escravizados eram capitais, como investimentos, oriundos da compra de suas respectivas pessoas, diferentemente dos demais, cuja relação com os fazendeiros era por meio do contrato de venda e compra da força de trabalho. Portanto, a presença destes últimos era necessária para garantir os investimentos na compra dos escravizados, pois, caso perdessem suas vidas nos conflitos com os indígenas, não haveria ônus aos proprietários last but not least. As tarefas relativas à limpeza do terreno, ou seja, eliminação dos indígenas e das matas nativas são basilares à estrutura produtiva das frentes dos pioneiros fazendeiros. Para tal empreitada, além dos trabalhadores mencionados, eram contratados os bugreiros, caçadores de indígenas, verdadeiras milícias armadas a mando dos proprietários. Paulatinamente, a paisagem natural vai cedendo espaço às grandes extensões dos cafezais, pertencentes aos fazendeiros e, mais tarde, às companhias que se dedicavam aos negócios da construção das ferrovias e do comércio do café.

Na esteira dos espaços, até então ocupados pelas populações originárias, fortalecia-se o discurso ideológico do indígena como preguiçoso, estúpido, bêbado, traiçoeiro, mau, sendo, portanto, um empecilho ao progresso, ao desenvolvimento, à civilização4 4 Magalhaes (1935). As representações demoníacas sobre indígenas e negros foram construídas pelos colonizadores, pela Igreja Católica e pelas ciências e artes. Ver a respeito, Federici (2004). Sobre a representação artística, ver a pintura a óleo “O Inferno”, sobre madeira de carvalho, criado entre 1510-1515 por um pintor português cuja identidade não se conhece. Foi encontrado somente no ano de 1834 no acervo de São Bento da Saúde. O demoníaco é associado ao extraeuropeu. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Inferno_(MNAA). Acesso em: 13.02.2024. . Tal discurso era também reproduzido pelos representantes do aparelho de estado, tal como o dirigente do Museu Paulista, europeu e antropólogo, De von Ihering, que chegou aos seguintes paroxismos:

“A marcha ascendente de nossa cultura está em perigo; é preciso por coro a essa anormalidade que a ameaça(...). Os índios assaltantes, que impedem o desenvolvimento regular da civilização, serão aldeados mesmo à força, e até por meio de bandeiras” (Ihering, 1911, p. 134, apud Lima, 1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978., p. 6-7). Ou ainda: (...) ao índio não resta outro meio senão seu extermínio” (Ihering, 1907, p. 202, apud Lima, 1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978., p. 7).

Na contramão deste discurso, o também antropólogo e europeu Unkel, que chegou a adotar o nome de Nimuendaju, em razão de sua longa convivência com os indígenas oti-xavantes, recolheu depoimentos dos sobreviventes deste povo, afirmando:

(...) o extermínio da tribo dos otis: a ferro e fogo, foram sendo dizimados os primitivos habitantes e os últimos destroços empurrados violentamente para o interior(...). Chacinas, escravização, prostituição e toda sorte de violências que de 1870 a 1910 dizimaram uma tribo inteira. (Nimuendaju, 1910, apud Lima, 1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978., p. 7-8)

Lima (1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978.) produz um diagnóstico bastante detalhado sobre as formas de organização social dos Caiuás, Otis-Xavantes e Caingangues, ressaltando os aspectos da estrutura da economia natural, baseada na relação harmoniosa com a natureza, por meio da caça e pesca, assim como os crescentes conflitos entre os invasores e as normativas produzidas pelo Estado para amansá-los, como a criação dos aldeamentos. O processo de aldeamento se assemelha aos reagrupamentos impostos aos camponeses argelinos pelos colonizadores, analisados por Bourdieu e Sayad (1964BOURDIEU, Pierre; SAYAD, Abdelmalek. Le déracinement. La crise de l´agriculture em Algérie. Paris: Editions du Minuit, 1964.). Tanto lá, como cá, a violência física, a disciplina são produtos das leis do Estado para a apropriação das terras. Entretanto, em relação aos indígenas, as práticas adotadas eram derivadas do projeto de extermínio.

Na esteira do processo de expropriação e espoliação, a ação das ordens religiosas também corroborou para o desmantelamento da cultura e das formas simbólicas que cimentavam a organização social dos indígenas, conduzindo-os à miserabilidade5 5 A este respeito, consultar: Ribeiro (1962). .

Quanto aos guaranis aldeados, Lima (1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978., p. 130-133) relata vários acontecimentos de engodo, violências perpetradas pelos bugreiros, matadores de indígenas e posseiros, além da embriaguez, epidemias e prostituição das mulheres sequestradas e levadas junto às obras de construção das ferrovias, sem contar que muitos homens eram vendidos em troca de animais, como vacas.

Quanto ao extermínio do povo Otis, o relato do antropólogo Nimuendaju retrata os níveis da crueldade:

Uns 60 homens armados até os dentes, numa manhã de nevoeiro, quando os Otis ainda dormiam, assaltaram a aldeia (...). Foram barbaramente assassinados sem distinção de idade e sexo (...) os cadáveres estavam empilhados em grande quantidade. (Nimuendaju, 1911, apud Lima 1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978., p. 135-136)

No que tange aos Caingangues, a documentação levantada por Lima (1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978.) mostra que os conflitos foram mais sangrentos e duradouros, sobretudo, com a construção da Ferrovia Estrada de Ferro Noroeste. Os Caingangues adotavam práticas de verdadeiras guerrilhas, emboscadas e retiradas contra os invasores. A documentação registra os métodos de resistência contra a tomada de seus territórios. Porém, as práticas adotadas pelas tropas de bugreiros, contratados por fazendeiros e donos das companhias, eram as mesmas, além de incluir outras, como os incêndios de aldeias ao amanhecer, quando os indígenas estavam dormindo, o envenenamento de alimentos e suprimentos de água e a utilização de roupas contaminadas com a varíola, deixadas próximas às aldeias (Lima, 1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978., p. 167).

Assim, se consolida a limpeza do terreno para a implantação dos cafezais no oeste paulista. Utilizando-se a metáfora do palimpsesto, o extermínio das populações originárias constituiu sua primeira camada. O emprego da metáfora do palimpsesto adquire neste texto o significado de evitar a amnésia ou o apagamento das várias camadas da história dos trabalhadores do oeste paulista, apagamento que vai se disseminando também em outras regiões do país.

É importante frisar que, após 1910, com a criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), as práticas de extermínio continuaram e seguem até os dias atuais, sendo o exemplo mais cruel a situação dos povos Yanomamis na Amazônia.

Os métodos de extermínio foram recorrentes no decorrer da história em várias regiões do país, métodos empregados inclusive pelos funcionários do SPI, órgão do governo federal que, teoricamente, deveria proteger os indígenas.

Um documento muito importante sobre este processo é o Relatório Figueiredo, “redescoberto” durante as buscas da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada no governo Dilma Rousseff em 18/11/2011, pela Lei N. 12528/20116 6 Em outro texto Silva et al. (2019, p. 34-38), aprofundei a análise seguinte sobre o relatório Figueiredo. Dados a importância deste documento e, paradoxalmente, seu desconhecimento/apagamento pela história, optei por reproduzir aqui uma pequena síntese de algumas de suas passagens. . Esta Comissão tinha por objetivo investigar as violações dos direitos humanos, incluindo os indígenas, após muitas reivindicações, entre 1946-1988 e nos períodos anteriores pelo Estado. Pesquisas indicam que, neste recorte temporal, mais de 8.500 indígenas foram mortos por ações violentas promovidas direta ou indiretamente pelo Estado (Araújo 2018ARAÚJO, Rayane Barreto de. O relatório Figueiredo e as violações dos direitos indígenas nas páginas do Jornal do Brasil (1965-1968). Revista Espaço Ameríndio, v. 12, n. 2, p. 213-250, 2018. Disponível em: <Disponível em: https://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/article/view/83428/53066 . Acesso em: 20.02.2019.
https://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/ar...
; Guimarães 2015GUIMARÃES, Elena. Relatório Figueiredo: Entre tempos, narrativas e memórias (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.). Tais fatos ocorreram por meio de invasão de terras, assassinatos, deslocamentos forçados, tortura e propagação de epidemias (Brasil, 2014BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014. Relatório disponível em: < Relatório disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/index.php/outros-destaques/574-conheca-e-acesse-o-relatorio-final-da-cnv >. Acesso em: 20.01.2023.
http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/inde...
).

Devido a muitas denúncias de violência, advindas de vários países e também internas, foi criada a Comissão de Inquérito do Ministério do Interior, presidida pelo procurador-geral da República, Jáder Figueiredo Correia, para investigar estes crimes. O relatório teve caráter administrativo, pois seu conteúdo visava relatar os crimes cometidos por funcionários do SPI. Os principais crimes foram, segundo o procurador Figueiredo: espancamento, crucificação, venda de mulheres e crianças, prostituição de mulheres indígenas, escravização, usurpação de terras, prisão em presídios privados, propagação de epidemias, venda de gado, venda de madeira, exploração mineral, doação criminosa de terras, venda de produtos artesanais indígenas, chacinas, abusos, além de tortura no tronco (tornozelo quebrado). Entre as chacinas, é citada a ocorrida no Maranhão, onde latifundiários exterminaram uma nação indígena. E em Itabuna, na Bahia, uma aldeia dos tupinambás também foi extinta, por meio da inoculação do vírus da varíola.

O relatório Figueiredo contém mais de seis mil páginas em 20 volumes. O extenso documento, baseado nas histórias e evidências encontradas, mostra a peculiaridade do processo de saque dos povos indígenas brasileiros por agentes governamentais subornados por grandes proprietários de terras, garimpeiros e madeireiros. O resumo do documento revela os nomes dos criminosos empregados, bem como os seus crimes, cometidos não só contra a propriedade (terra, gado, madeira, minerais, panelas de cobre), mas também a violência contra homens, mulheres e crianças. A crueldade das cenas de tortura é chamada pelo Ministério Público de um processo de desumanização dos indígenas praticado pelos latifundiários e agentes do Estado.

Uma das características do capitalismo agrário no Brasil é o crescimento por meio da incorporação de novas terras. A chamada fronteira agrícola expandiu-se especialmente na direção oeste desde as primeiras décadas do século passado. Este aumento foi mais decisivo durante o período da ditadura militar (1964-1985), quando foram implementados projetos econômicos baseados na “revolução verde”, liderados pelos Estados Unidos. Este período foi caracterizado pela violência, por meio do massacre de povos indígenas em diversas regiões do país. Os métodos utilizados foram os seguintes: envenenamento das águas dos rios, disseminação de vírus como a varíola, distribuição de doces contaminados por avião, além de assassinatos cometidos por garimpeiros e bandidos (jagunços) sob o comando dos proprietários de terras. Além do extermínio de povos indígenas, milhares de camponeses também foram eliminados ou obrigados a deixar suas terras e buscar asilo nas periferias urbanas. São processos históricos com práticas recorrentes, advindas da colonização, cujas consequências se desdobram até os dias atuais. Trata-se de um processo de acumulação primitiva (Marx, 1978MARX, Karl. Le capital. Tome I. Paris: Editions Sociales, 1978. ) ou acumulação por despossessão, segundo Harvey (2010HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2010.), pelo qual ocorre a expropriação dos recursos naturais, fundamental para a “limpeza do terreno”. Ou seja, “limpar o terreno” era a forma de queimar a mata nativa, o bioma e seus habitantes, indígenas e camponeses que ocupavam a terra. Ademais, do extermínio, a migração forçada para as periferias urbanas dos chamados pobres do campo é e continua sendo a prática adotada por grileiros, jagunços a mando de fazendeiros em muitos espaços do país. Não se trata, portanto, de êxodo rural, e, sim de migrações forçadas.

Das populações originárias restam apenas vestígios, visíveis por meio da raspagem do pergaminho da história paulista e de outras regiões do país. É uma história sob a forma de vestígios e cacos que pode, no entanto, fornecer pistas para a entrada nas profundezas do labirinto do apagamento do passado e da memória.

A segunda camada do palimpsesto: Os outros

Finalizadas as empreitadas da “limpeza do terreno”, os cafezais paulistas se expandiram rapidamente. Após a abolição da escravidão africana, a história registra a “necessidade” da imigração estrangeira, constituída por europeus brancos e, mais tarde, japoneses. O objetivo do incentivo a imigração europeia era o branqueamento racial, ideologia que reforçava a discriminação e desvalorização de indígenas, negros e pardos. Os imigrantes que aportaram às terras paulistas eram contratados como trabalhadores permanentes, na condição de colonos. Este tema também foi sobejamente estudado por vários autores7 7 Martins (1973, 1979, 1997); Silva (1999). , razão pela qual não será retomado no presente texto.

Ademais dos colonos brancos, havia um contingente denominado pela rubrica do IBGE, “outros” que exerciam várias tarefas nas fazendas cafeeiras, em geral não desempenhadas pelos colonos, tais, como, construção de cercas, abertura de caminhos e estradas, queima da mata para futuras plantações. Eram migrantes, provenientes de Minas Gerais e da Bahia, em geral, pretos e pardos. Os marcadores raciais estavam bem definidos na estrutura laboral das fazendas cafeeiras. O mercado de trabalho ainda não era regulado, o que ocorreria posteriormente no momento da implantação das usinas8 8 Com a implantação das usinas, o processo migratório passa a ser cada vez mais regulado. Tal regulação é caracterizada pela presença dos gatos, intermediários da força de trabalho e responsáveis pela seleção e controle dos trabalhadores arregimentados, tais como, os mais jovens, dotados de força física, homens e, sobretudo, os que não faziam encrencas, ou seja, não participavam ou lideravam protestos e greves. Além dos gatos, os feitores e fiscais eram os responsáveis pelo controle e disciplina de centenas de milhares de trabalhadores. . Eram também conhecidos como camaradas, geralmente, migrantes nacionais, homens adultos solteiros e casados. O contrato de trabalho era temporário, provisório. Em minhas pesquisas, encontrei-os na década de 1980 em várias fazendas de café. Eram chamados pingaiadas em razão de fazerem uso da bebida alcoólica.

Sayad (1996SAYAD, Abdelmalek. Histoire et recherche identitaire suivi de Entretien avec Hassan Arfaoui, p. 43-103, 1996.) chama a atenção para o fato de que o imigrante é antes de tudo, um emigrante. Não há como conhecer o imigrante, sem antes, conhecer seu passado, sua história, segundo ele. Em suas palavras:

Auparavant, il n’y avait rien; le passé antérieur à immigration n’interesse pas l’immigration. L’immigration est um object mutilé. Il faut avoir connu l´émmigration, il faut avoir intérêt à l’emmigration et à son étude, por se souvenir que tout immigré ici est un émigré de quelque part là-bas, por vouloir recomposer les deux parties ou les deux faces du même phénomène, pour tenter de restaurer la totalité de l’object. (Sayad, 1996SAYAD, Abdelmalek. Histoire et recherche identitaire suivi de Entretien avec Hassan Arfaoui, p. 43-103, 1996., p. 86)

Essa passagem da entrevista de Sayad é de suma importância para as reflexões empreendias acerca do extermínio dos indígenas, que - ao contrário dos argelinos dos reagrupamentos, disciplinados para emigrarem para a França e serem transformados em proletários -, não foram transformados em força de trabalho para os cafezais, e, por isso, considerados empecilhos, logo, exterminados. As práticas do extermínio foram produzidas historicamente, sendo legitimadas social e politicamente, desde os inícios da colonização. Ao serem exterminados, transformaram-se em povos sem passado, sem história. No que tange aos pingaiadas, faziam parte dos restolhos da classe trabalhadora, representada pelos colonos, descendentes de europeus brancos. Seus corpos traziam marcadores raciais, eram pretos e pardos, portanto, desvalorizados, desqualificados, desgarrados, nômades, vagando de um lugar a outro em busca de qualquer trabalho que pudesse garantir o mínimo para se manterem vivos.

O registro de meu diário de campo em 1985, quando encontrei alguns deles numa fazenda na região de Ribeirão Preto (SP), retrata que seus salários eram suficientes apenas para a compra de alguma comida e a bebida. Ademais:

Não possuíam contratos de trabalho, restando nas propriedades apenas o tempo necessário para a execução de algumas tarefas ligadas à colheita ou ao plantio, enfim nos períodos onde a demanda de trabalhadores era maior. A forma de trabalho era por empreita, ou seja, o trabalho por produção. As condições de alojamentos eram muito precárias. Muitas vezes, são alocados em estábulos, cômodos usados para guardar ferramentas, fertilizantes, agroquímicos. Alguns chegam até mesmo a improvisar suas próprias moradias - cabanas de madeira, cobertas de plástico, conforme vimos numa propriedade: não possuíam móveis; as camas, mesas, cadeiras eram pedaços de madeira. Tudo o que possuíam - roupas, quadros de santos, pratos panelas - cabia em pequenos sacos, levados às costas, quando se mudam de um lugar para outro. Segundo eles, o que não podia faltar era a pinga, consumida pelos homens e também por mulheres e até os filhos menores9 9 Uma pare deste diário de campo foi apresentada em 1987, durante o Seminário, Mulher rural, Identidades na pesquisa e na luta política, coordenado pela professora Lena Lavinas do IPPUR/UFRJ (Silva, 1987 p. 73-174). .

Sayad (1998______. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP, 1998.) demonstra que as moradias dos imigrantes argelinos também eram provisórias,

(...) em regime de emergência. (...) as únicas formas de habitação colocadas à disposição dos trabalhadores imigrantes (...) foram e continuam sendo, em muitos casos - locais improvisados: galpões, depósitos, prédios de fábrica (...) abandonados e precariamente adaptados (...). (1998______. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP, 1998., p. 76)

As fotos 1 e 2 testemunham a despossessão em duas situações: o interior de um barraco (termo utilizado por eles) e o meio de transporte improvisado numa carroceria de caminhão.

Foto 1 -
Interior de uma moradia
Foto 2 -
Foto 2 - Fim da jornada e o transporte improvisado numa carroceria de caminhão

Sempre foram considerados como “gente de fora, de outro lugar, fora do lugar”, fora deste lugar (São Paulo). Gente para trabalhos provisórios. Do mesmo modo, gente provisória, cuja provisoriedade deveria se estender ao conjunto das necessidades de reprodução social, como alimentação, roupas, moradia, transportes. As imagens refletem não somente a exterioridade do ambiente, como também a interioridade de seus corpos.

Mais uma vez, as reflexões de Sayad são importantes para o entendimento, ainda que aproximativo, da condição social destes trabalhadores.

Afinal, o que é um imigrante? Um imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito. (...) um trabalhador (...), como imigrante, continua sendo um trabalhador definido e tratado como provisório, ou seja, revogável a qualquer momento (...) Foi o trabalho que fez “nascer” o imigrante, que o fez existir; é ele quando termina, que faz “morrer” o imigrante, que decreta sua negação ou que o empurra para o não-ser. (Sayad, 1998______. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP, 1998., p. 54-55)

Na medida em que os canaviais iam se estendendo, compondo a paisagem do mar de cana, a partir da década de 1970, com o incentivo do Estado, por meio do programa de apoio à produção de álcool (Proálcool), tendo em vista a crise do petróleo, houve o aumento da demanda de migrantes para a colheita. Assiste-se, desde então à vinda de centenas de milhares de nordestinos e mineiros, compondo a migração permanentemente temporária, dado que o período de suas estadas se referia ao trabalho na colheita. Assim, se formaram, com o decorrer dos anos, verdadeiros corredores de migração, percorridos por pessoas, cujas vidas eram caracterizadas pelo eterno vaivém, pelo nem lá, nem cá10 10 Ver a respeito as publicações do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM): Boletim, Nem lá, nem cá; Vaivém (vários números). Silva (1991). . Nessa esteira, serão apresentadas duas trajetórias de migrantes para as terras paulistas. A primeira se reporta a um maranhense que migrou para o trabalho nos canaviais; a segunda a uma trabalhadora, que nasceu no estado de Minas Gerais e trabalhou nos laranjais.

Em busca de se destacar

Raymundo11 11 Nome fictício. nasceu em Codó (MA) em 1976. Estava com 42 anos, quando foi entrevistado. No Maranhão, sua família trabalhava na condição de moradores em plantações de arroz, milho, feijão, numa grande fazenda. Segundo ele, o pagamento era em porcentagens, mas, o que recebiam era insuficiente para a reprodução da família, “sobrava pouquinho pra gente”.

(...) O dono comprava a terra... eram 500, 600 hectares de terra e lá ele colocava os moradores. Era eu com minha família; trabalhava lá direto; a gente pagava... aí colocava 5, 10, 15 hectares de roça. Tudo que era produzido era dividido. Produzia bastante. A gente comprava um pouquinho hoje, outro pouquinho amanhã... quando a gente ia fazer as contas já estava devendo muito, porque a gente pagava para o dono da terra só no final do ano. Quando ia fazer as contas, ficava tudo com ele. Não consegui comprar um pedacinho de terra no interior; já consegui comprar um pedacinho de terra na cidade. Sai de lá de onde eu estava. Passei 8 anos trabalhando de empregado lá numa fazendinha, ganhava um salário, “salarinho” que eu ganhava ia juntando até conseguir comprar a casinha em Codó, feita de pau-a-pique (...); É a gente vai enfiando o pau assim, vai atravessando umas ripas, vai trançando, aí coloca o barro, a gente amarra umas cordas. Agora, os esteios, a gente coloca um aqui e vai enchendo de barro.

Raimundo decidiu migrar por influência de outros conhecidos, que vieram e se destacaram. “Destacar é assim (...):10 pessoas aqui, né... só trabalham no mesmo lugar, aí sempre tem um que sai pra ganhar dinheiro fora, aí a gente fala: é fulano se destacou. Aí sempre um que sai da família da gente pra cassar melhoras... é desse jeito”.

Quando foi entrevistado, havia três anos que estava no corte de cana. Veio a convite do irmão e, depois, a esposa o acompanhou. O salário mal dava para pagar o aluguel do “barraco” onde residia com mais 10 amigos. Sobrava-lhe muito pouco para a compra da alimentação.

Inquirido sobre seu cotidiano no eito da cana, ele afirmou:

Rapaz, a gente chega cedo. A gente levanta às 06h da manhã. O trabalho na cana é muito pesado. O cabra tem que merendar bem, pois ele não aguenta mesmo. É o serviço mais pesado que eu achei na minha vida foi o corte de cana. Eu pensava que o corte de cana era maneiro. Agora, o cabra tem que forçar, porque se ele não forçar, não ganha nada. O cabra tem que se jogar mesmo, tem vezes que parece que a gente vai é morrer no corte de cana, porque força muito no eito da cana.

P. Você mesmo já sentiu dores pelo corpo?

R. Ah, já senti muito, a coluna, em todo o lugar assim da gente dói muito. As as pernas começam tremer, a língua trava, tem vez que dá cãibra até na língua (...); para a respiração da gente. Agora mesmo, o cabra que trabalhava na nossa turma, o menino partiu a maçã e deu metade pra ele, quando ele foi colocar na boca, a língua dele travou, deu cãibra na língua. Ele abriu a boca, mas não conseguiu fechar, ficou com a boca aberta, até o queixo endureceu. Eu acho que é besteira a gente andar correndo no eito da cana. Você tem que aquentar o seu rojão. Não adianta querer passar do limite porque você não vai aguentar. Às vezes acontece de você chegar até morrer na roça, porque o serviço é pesado12 12 Silva et al. (2006); Verçoza (2018). .

P. E tem muita pressão?

R. É. tem um que fica soltando os eitos da cana. Ele solta o eito; tem vez que a cana é ruim, mas tem que trabalhar, tem que trabalhar, porque se você não quer trabalhar, aí já manda você ir embora.

P. E o feitor, ele exige muito?

R. É. Ele fala pra cortar o toco13 13 A cana precisa ser cortada ao rés-do-chão (três centímetros) pois é nas proximidades da raiz que está a maior densidade de sacarose. Toco é a parte rente ao chão. bem baixinho, fazer os montes bem feitos, dois metros de uma bandeira14 14 Bandeira se refere aos montes de cana cortada. distante da outra, os ponteiros15 15 Ponteiros se referem às pontas da cana que precisam ser cortadas e deixadas no canavial, pois não contém sacarose. bem aparadinhos. É desse jeito, afastado bem pra longe. É tem que fazer, porque, se não fazer leva “gancho” (advertência); a usina lhe dá três dias de “gancho”, você passa três dias em casa, sem ir até a roça, você não pode trabalhar, se você fica três dias de “gancho” e ganha R$ 600,00 em uma quinzena vem descontada quase a metade. É desse jeito, quando é no acerto16 16 O acerto ocorria no final da safra, quando terminava o contrato temporário. Objetivando impedir que o trabalhador desistisse do trabalho, no decorrer da safra, as usinas retinham parte do salário mensal, devolvendo-o no final, após os descontos por falta ou outros motivos e advertências anotadas pelos feitores. , quase acaba com o acerto da gente, e desse jeito, lá.

P. Você conhece alguém que tem levado “gancho”?

R. Conheço. Ontem mesmo um da turma nossa pegou três dias de “gancho”; três dias, só porque não usou os óculos de proteção. Ele estava sem razão, porque se o cabra ficar sem óculos pode sair com os olhos furados.

Retomado as reflexões de Sayad acerca do trabalho para o imigrante argelino na França, há muitas similitudes com o trabalho dos migrantes nos canaviais. É este trabalho que “faz nascer” o migrante, que não possui condições de sobrevivência em sua terra natal. Os salários são baixos e, na condição de moradores, experimentam a condição de servidão, entregando toda a produção ao dono da terra. A ilusão em se “destacar”, em conseguir melhorar a casa de pau-a-pique, o faz partir para terras distantes, três mil quilômetros, longe dali. Deixa para trás a família, os conhecidos, os hábitos alimentares, a farinha de mandioca, o cuxá17 17 Cuxá é um molho da culinária maranhense, feito com vinagreira, gergelim, camarão seco, farinha de mandioca seca e pimenta-de-cheiro, ingredientes encontrados com fartura na região. Além do seu caráter regional, o preparo do cuxá utiliza o recurso do pilão, utensílio típico da cozinha brasileira, para socar o alimento. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cux%C3%A1. Acesso em: 19.02.2024. , enfim, o lugar18 18 Silva (2020). . O mesmo trabalho que o “faz nascer” também pode fazê-lo morrer. Trabalho duro, disciplina severa, por meio de “ganchos”, caso o corte não seja a três centímetros do chão, o que exige a curvatura total da coluna durante toda a jornada. Imposição de carregar a cana, cortar os ponteiros e depositá-la nos montes, o que aumenta o dispêndio de energia, ademais das altas temperaturas, que causa a sudorese e, por consequência as câimbras, que atingem até mesmo a língua e pode levar à morte19 19 A partir de 2002, houve um acréscimo dos níveis de produtividade, em razão da maior demanda de etanol para os carros flex. A Pastoral dos Migrantes registrou 25 mortes no período de 2002-2005 nos canaviais, ocasionadas pelo excesso de esforço físico. Ver a respeito o vídeo da primeira Audiência Pública, na USP/Ribeirão Preto em 2005, no site do repositório digital. Disponível em: https://www.vozesememorias.com.br. .

Ao descrever as durezas do trabalho, as formas cruéis de disciplina como a suspensão por três dias do trabalho “gancho”, Raimundo concorda com a ação do feitor ao punir o colega pelo não uso dos óculos. De um lado, vê a punição como certa, dado que, o não uso do Equipamento de Proteção Individual (EPI) poderia causar-lhe a perda do olho. No entanto, não questiona o material utilizado na confecção do EPI e nem as condições em que o trabalho ocorre, com muita poeira, fuligem, calor e suor. É um trabalho alienado, cujas condições estruturais impõem-lhe a cegueira da não reflexividade, e, portanto, da aceitação da disciplina.

“A emigração deve ser realizada e vivida necessariamente na dor, uma dor compartilhada entre os que partem e os que ficam” (Sayad, 2000______. O retorno: Elemento constitutivo da condição do imigrante. Travessia - revista do migrante, n. Especial, p. 7-10, 2000. DOI: 10.48213/travessia.iEspecial.449.
https://doi.org/10.48213/travessia.iEspe...
, p. 14). No tocante aos níveis de exploração, há que se considerar não somente a extração da mais-valia, no sentido econômico, como também a mais-valia no sentido da fratura/extração dos sentimentos do ser social. A estrutura dos sentimentos do testemunho de Raimundo é atravessada pela dor, ou seja, pela fratura e apropriação do afeto.

A migração de Raimundo para se “destacar” visava o retorno ao Maranhão não somente para reencontrar aqueles que ele deixou para trás, mas também para reencontrar a si mesmo, com dinheiro suficiente para investir na reforma da casa, para ser visto como alguém que conseguiu vencer as dificuldades. Assim, o corpo aguentava a dor, o sofrimento, as condições indignas de moradia e do trabalho. Uma “consciência nostálgica”, nas palavras de Sayad, capaz de eclipsar o tempo presente em função de um passado imaginado. Era uma forma de ser representado e ser apresentado a si mesmo.

Eu já estou acostumada

Maria20 20 Nome fictício. , 32 anos, foi entrevistada em 2001. Nasceu em Minas Gerais. Seus pais migraram muitas vezes, em busca de trabalho nas fazendas deste estado e de São Paulo. Nos campos paulistas, começou a trabalhar aos 11 anos de idade, nos canaviais. Sua função consistia em amarrar os feixes de cana crua que eram cortados pela família. Trabalhou em roças de arroz, feijão, café e laranja. Ainda quando criança, era deixada por sua mãe embaixo de árvores, enquanto ela trabalhava. De vez em quando, era alimentada pela mãe. Afirma que, muitas vezes, a família passou fome, só comiam abóbora e mandioca.

Nós comíamos abóbora com água e sal, comíamos peixe cozido na água e sal, nós não tínhamos um leite para bebê. A minha mãe torrava farinha de trigo, fazia mingau de farinha de trigo e dava para nós comermos. A minha irmã foi criada com caruru e “borduera” (beldroega), aqueles matinhos que davam. Ela foi criada com aquilo. E nós fomos criados comendo mandioca ... Nós nunca moramos em cidade, sempre em fazenda.

Sua trajetória é marcada por questões de gênero, relacionadas ao abandono dos companheiros, com os quais teve quatro filhos, todos dependentes dela.

(...) ele não queria mais trabalhar. Aí, eu larguei dele e fui morar sozinha, fui morar com a minha mãe. Aí, eu conheci o pai do João que tem oito anos. Eu pensei que eu ia arrumar a minha vida. O quê? Arrumei foi o João. Aí, larguei enrabichei atrás do pai do outro, arrumei o Bruno, fiquei cinco meses com o pai dele, só que ajudar não ajudou em nada. Aí, separei do pai dele e amiguei com o pai daquela menina ali, olha lá a amigada que eu dei! Só foi filho. Faz um ano e quatro meses que eu estou sozinha. Agora, eu trabalho cuido dos meus filhos e não quero mais saber de ninguém, eu só arrumo filho. Deus me livre!

P. E você podia contar um pouquinho como é o teu trabalho na laranja?

M. Ah, laranja é assim, olha, a gente chega, almoça, a gente chega lá passa primeiro na fazenda, molha os pés no veneno21 21 O uso do veneno é justificado para evitar a propagação do greening. Huanglongbing (HLB) ou Greening dos citros é uma doença altamente destrutiva, causada por bactérias limitadas ao floema, transmitidas via material de propagação ou insetos sugadores do floema (psilídeos-dos-citros). Está presente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Disponível em: https://www.fundecitrus.com.br/doencas/greening. Acesso em: 01.02.2024. . Porque tem que molhar para poder entrar na fazenda, veste roupa da fazenda, porque não deixa trabalhar com a roupa da gente. É calça comprida e camisa. Molha o ônibus também. Tinha uma torneirinha, assim, caía veneno e nós lavávamos a mão e o pé com o sapato. É, tem tudo isso na fazenda. Antes, numa outra fazenda, eles esborrifavam veneno na nossa roupa. A gente ficava molhado de veneno o dia inteiro. Mas, nesta fazenda, mudou. Aí, nós chegamos lá, nós trocamos a roupa, nós montamos no ônibus de volta para o pomar de laranja. Chega lá, nós almoçamos, cada um pega um eito desses, pega a sacola e a escada. É uma escada de ferro, nós subimos nela e apanhamos a laranja; a escada fica escorada lá sem segurar e apanhando laranja na sacola, aí, enche e põe na caixinha. Ela pesa vinte e sete quilos (27Kg). E aí, tem que soltar as laranjas num saco não pode soltar na caixinha. Tem que ser um saco desse, um sacolão. Então, a gente põe esse aqui dentro, assim, a gente enrosca aqui. Enche e carrega. É três ruas para cá e três ruas para baixo. A gente carrega isso o dia inteirinho! Isso aqui no pescoço! E cheio, minha filha! Pesa vinte sete quilos (27kg) isso daqui! Você sobe na escada com ele.

O serviço é corrido. Se trabalha devagarzinho a gente não faz nada. Não faz nadinha, nadinha. Tem que ser corrido o serviço. Você para, você bebe uma água correndo e sai correndo para trabalhar. Você acaba de comer, você sai correndo para trabalhar também. Porque se for deitar um pouquinho, esperar a hora passar, a gente não faz nada. Eu mesma tiro a minha base, eu tiro oitenta, noventa, cem caixinhas por dia.

Essa quinzena que eu vou receber eu tenho setecentos e dezoito caixas.

P. E é comum, assim, machucar, cair da escada, machucar o olho?

M. Ah, hoje mesmo eu caí da escada, fiquei pendurada com o galho de laranja embaixo do sovaco! E gritando a mulher para me acudir, até ela chegar eu pulei. Porque você põe a escada no pé de laranja. Igual um pé de laranja é aquilo ali, daquele jeito ali, só que mais galhado, não é, mais cheio de galho. Não tem jeito de você escorar a escada para ficar firme. Você põe a escada, assim, a hora que você vai trepar a escada vai com tudo. O galho quebra, entorta de um lado, é que eu sou maneirinha. Mas assim mesmo a gente cai.

P. E você conhece algum caso, assim, de alguém que já se machucou mais sério, assim?

M. Ah, um homem lá, esses dias atrás. Hoje ele voltou em serviço, ele caiu da escada e machucou o joelho e saiu o ossinho fora do lugar, ele estava com a perna engessada. Que nem eu mesmo esse tempinho atrás eu fiquei três dias com o olho tampado. Soquei um galho dentro do olho, essa parte branca aqui ficou vermelhinha de sangue. E eu comecei a chorar, menina, eu pensei que eu tinha ficado cega, a lágrima descia. Eu falei: “Meu Deus do céu eu estou cega! E agora, para eu cuidar dos meus filhos cega”. Fui no médico. É que não furou, só manchou a pele. Fiquei três dias afastada.

Quanto ao uso de EPIs, Maria afirma:

É, eu mesma compro luva de pano para trabalhar. Espeta muito a mão. Tudo espetado de espinho, machuca tudo a gente. Olha, o que é marca da escada, olha? A gente fica escorada machuca tudo, é escada de ferro e não tem nada para segurar a perna da gente, a gente fica escorada no ferro mesmo. A gente espeta a mão, rasga tudo, olha? Espetado de espinho aqui, espetado de espinho, aqui entrou um espinho. Também não fornecem as caneleiras. Caneleira era bom por causa que evitava cobra. O perigo é a cobra. É, mais machuca menos, defende mais a perna da gente. Porque isso daqui é tudo preto, olha? Da escada, olha? Fica tudo manchado de preto.

P. Você sabe que tipo de veneno que eles usam?

M. Ah, eu não sei. Porque aquele veneno não é um veneno, assim, forte. Não, eu acho que é uma água! Algum líquido que eles misturam, porque não tem um cheiro forte. Mas muita gente passa mal, com enjoo, tontura, dor de cabeça e falta de ar. Já vi muitas meninas passarem mal. Muita gente não consegue colher laranja. Eu já estou acostumada (...).

Raimundo e Maria descrevem os fragmentos de suas vidas, como se lessem um livro, embora, não saibam ler, como os imigrantes ouvidos por Sayad (1998______. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP, 1998., p. 120). Maria, ademais do peso da classe social de trabalhadora rural, carrega durante toda a jornada a sacola com 27kg de laranja pendurada no pescoço, no alto da escada de ferro (35 kg), o peso do cuidado dos filhos e o de ser mulher abandonada pelos companheiros. Seu relato é o testemunho da indignidade e da ausência dos direitos humanos. É a negação do ser social, equilibrando-se na escada sem apoio no alto das laranjeiras, que podem chegar a 10 metros de altura. Maria luta pela sobrevivência e pelo existir. Da mesma forma que as laranjeiras morrem quando atacadas pela bactéria (greeming), Maria, ao se encharcar de veneno, que não tem cheiro muito forte, é água (sic), tem sua sentença de morte lenta decretada.

Na esteira dos ensinamentos de Sayad, não é possível compreender o presente, sem conhecer o passado. No que tange a Raimundo, o processo de espoliação experimentado pelos camponeses e moradores do Maranhão impôs-lhes a migração forçada para os canaviais paulistas (Silva, Melo, Apolinário, 2010SILVA, Maria Aparecida de Moraes; MELO, Beatriz Medeiros de; APPOLINÁRIO, Andréia Perez. Vidas em trânsito: Mulheres migrantes dos cocais maranhenses nas cidades canavieiras paulistas. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda Aparecida (orgs.). Gênero e geração em contextos rurais. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2010, p. 313-344.). Raimundo, homem pardo, descendente de indígenas e negros, e Maria, mulher negra, descendente de africanos escravizados, trazem as marcas da expropriação e da discriminação racial. Seus corpos são racializados, colonizados, com sentimentos fraturados pela dor, destinados às tarefas mais pesadas, perigosas e, no limite, responsáveis pelo encurtamento de suas vidas. São trajetórias, cacos, constituintes do processo de amnésia histórica, segundo Sayad (1996SAYAD, Abdelmalek. Histoire et recherche identitaire suivi de Entretien avec Hassan Arfaoui, p. 43-103, 1996.).

A camada visível do palimpsesto: agricultura 4.0

A partir da década de 2010, o processo de mecanização do corte da cana se acelerou em razão das transformações produtivas, das pressões do mercado externo sobre a prática das queimadas e das questões ambientais e também devido às mortes causadas por exaustão devido ao aumento das exigências dos níveis de produtividade do trabalho. Tanto a questão climática, quanto a social maculavam a imagem do setor sucroalcooleiro no exterior.

Tais fatos conduziram à mecanização total e a implantação da a agricultura 4.0, por meio do emprego de tecnologias avançadas e das TIs (Tecnologias da Informação). Dessa sorte, houve o apagamento da presença de trabalhadores manuais nos canaviais, substituídos pelas gigantescas máquinas. A ação do Estado, por meio da Reforma Trabalhista (2017) e Reforma da Previdência (2019) foram essenciais para o descarte e o aumento da vulnerabilidade dos trabalhadores rurais22 22 A Lei 13.467/2017, que altera a Consolidação das Leis trabalhistas, a Medida Provisória 905/2019 e a Emenda Constitucional 103/2019, que institui a Nova Reforma da Previdência e da Assistência Social, representaram um golpe nos direitos de trabalhistas de todas as categorias. No que se refere aos assalariados rurais, a perda dos direitos abrange os seguintes quesitos: (a) não pagamento das horas in itinere, o que é se apresenta como um retrocesso bastante grave haja vista os casos de trabalhadores que levam até 3 horas diárias de deslocamento de sua casa até os canaviais mais distantes. Apesar disso, há princípios legais que têm apontado para a manutenção do pagamento das horas in itinere, especialmente quando o local de trabalho é de difícil acesso; (b) aumento da informalidade por meio da terceirização, num cenário onde o trabalho precário e análogo à escravidão já é bastante frequente; (c) redução do valor do auxílio-doença de 50% para 30% da média dos maiores salários de contribuição; (d) taxação de 7,5% sobre o seguro- desemprego, que, como temos dito, tem se ampliado significativamente entre trabalhadores rurais; (e) maior burocratização e dificuldade de acesso à previdência social, já que os agricultores não podem mais entrar com o processo via sindicato, mas diretamente na Caixa Econômica Federal (Brasil, 2017). .

A agricultura 4.0 é concebida como símbolo de desenvolvimento, sustentabilidade, eficiência e solução para o combate da fome no planeta. Segundo a geógrafa, Larissa Bombardi (2022BOMBARDI, Larissa Mies. Agricultura 4.0 no Brasil. Alta tecnologia na agricultura não é sinônimo de alimentos para a população brasileira. Rio de Janeiro: Heinrich Böll Stifting, 2022. , p. 7):

A Agricultura 4.0 em linhas gerais pode ser descrita como uma agricultura que utiliza alta tecnologia no processo de produção - como aquela já conhecida pelo termo “agricultura de precisão em que há uma tentativa de controle dos fatores presentes na produção agrícola convencional: umidade do ar e do solo, ph do solo, presença ou não de “pragas”, fase de desenvolvimento dos cultivares etc - mas, com intervenções no campo no próprio momento em que os problemas são identificados. Assim, na agricultura 4.0 a novidade é que este conjunto de informação não é obtido “offline”, esta nova “tecnologia” permite que os maquinários agrícolas estejam eles próprios conectados à internet e que o conjunto de dados coletado na lavoura seja reportado ao servidor (a base computacional) instantaneamente, ou seja, se houver, por exemplo, a “necessidade” de “corrigir” o ph do solo, o maquinário poderá fazê-lo em tempo real, quer dizer, no próprio momento em que esta deficiência for identificada o que, obviamente, diminui o dispêndio de recursos.

Este discurso hegemônico é compartilhado por cientistas das universidades do estado de São Paulo e de outras regiões do país. Os projetos de pesquisas destinados a este tema recebem financiamento de muitos organismos públicos, como FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo), FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais), CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico), EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e de grupos empresariais, como CTC (Centro Tecnológico Canavieiro).

Segundo um informe publicado na revista Pesquisa FAPESP23 23 Revista Fapesp, janeiro, 2020, Ano 21, N. 287, p. 12-29. , o uso de Tecnologias da Informacão (TIs) está transformando a agropecuária brasileira, proporcionando aumento da produtividade e melhorias na sustentabilidade ambiental. Este uso é cada vez mais comum pelas grandes empresas produtoras de commodities - soja, milho, cana de açúcar, cítricos, café e carne -. A produção deste conhecimento é resultado de pesquisas apoiadas pela FAPESP desde 199624 24 A agricultura digital recebeu apoio da FAPESP entre 1996 e 2019. Foram financiados 275 projetos, e 50 PIPEs. Também, segundo o informe, em relação à produção de cana de açúcar, a usina de São Martinho, localizada em Pradópolis (SP), por meio de implementação de uma rede 4G, monitora os dados gerados por mais de 700 veículos agrícolas utilizados em seus 135 mil hectares. O trabalho digital é controlado por 50 funcionários. . Bunde (2017BUNDE, Altacir. Os impactos dos Investimentos Externos Diretos (IEDs) sobre a (Re) estruturação e estrangeirização do setor sucro energético no Brasil (Tese de doutorado). Universidade Federal de Goiás, Programa de pós-graduação em Geografia, Goiânia, 2017.) mostra que em relação ao maior grupo empresarial canavieiro do país, Raízen (joint venture entre Cosan e Shell), ocorre a seguinte situação:

Assim, com uso da tecnologia, o Grupo Raízen realiza a fusão da exploração territorial da força de trabalho e, a partir daí, implanta uma padronizaçao da taxa de exploração da força de trabalho em suas 24 usinas, independentemente de sua localização geográfica. (p. 216)

As novas formas de produzir não são uma particularidade do estado de São Paulo. Elas são derivadas do modelo de grandes corporações internacionais que exercem o controle da produção de commodities, e põe em risco a segurança alimentar, sobretudo, nos países do sul global. Por meio de uma análise crítica,Mooney (2019MOONEY, Pat. La insostenible agricultura 4.0. Digitalización y poder corporativo en la cadena alimentaria. Grupo ETC, 2019. Disponível em: <https://www.etcgroup.org/sites/www.etcgroup.org/files/files/la_insostenible_agricultura4.0_ web26oct.pdf>.
https://www.etcgroup.org/sites/www.etcgr...
), analisa as mudanças em países da América Latina, segundo três pontos principais que formam a estrutura da agricultura 4: o hardware, isto é, os robots e seus sensores, incluindo satélites e maquinarias agrícolas computadorizadas; o software, isto é, os dados massivos que possibilitam a edição genômica e a biologia sintética; o Fintech, que são as tecnologias financeiras como blochchains y criptomonedas (p. 7).

A agricultura 4.0 é considerada como sendo a quarta revolução na agricultura. No que tange ao estado de São Paulo, os principais efeitos sobre o trabalho foram o estancamento do processo migratório de trabalhadores vindos do nordeste e do norte de Minas Gerais, pois, os mesmos foram substituídos pelas máquinas, operadas por homens e mulheres, com nível de escolaridade média, em geral, brancos, residentes nas cidades próximas aos canaviais. A morfologia deste modelo de produção é caracterizada também pela limpeza do terreno, por meio da eliminação do trabalho dos migrantes.

À guisa de conclusão

“Todo estudio de los fenómenos migratorios que descuide las condiciones de origen de los emigrados está condenado a non dar más que una visión a la vez parcial y etnocéntrica del fenómeno migratorio...” (Sayad, 2010______. La doble ausência. Paris: Anthropos, 2010., p. 56).

Sayad se reporta à dignidade intelectual dos objetos sociais e da indignidade dos “pequenos” objetos sociais e das “pequenas” ciências. Refere-se a Brecht, ao afirmar que há pessoas que não possuem lugar nos livros em razão de sua condição social ser “indigna”, pouco “nobre” (1996SAYAD, Abdelmalek. Histoire et recherche identitaire suivi de Entretien avec Hassan Arfaoui, p. 43-103, 1996., p. 87-88). Há aqueles objetos situados na hierarquia social alta, mais tratados teoricamente e aqueles pouco teorizados, referentes aos estudos etnográficos. Estes últimos teriam pouca dignidade intelectual, são considerados insignificantes, abaixo da hierarquia.

Seguindo as pegadas das reflexões sayadianas, a proposta do presente texto foi trazer à luz, pedaços de histórias, cacos, pequenos detalhes de trajetórias de trabalhadores rurais nos campos paulistas. Histórias singulares de pessoas não “nobres”, não “dignas”. Assim, baseando-se na metáfora do palimpsesto, algumas camadas foram sendo raspadas, chegando-se à história primeva, a dos povos originários, que nessas terram viveram. Povos que resistiram à escravização e que não aceitaram “nascer” para o trabalho nos cafezais, nos idos do século XIX. Foram exterminados, por meio da violência de toda sorte, que impôs os métodos para a fabricação do terreno “limpo”.

A segunda camada do palimpsesto se referiu aos migrantes, considerados, “outros, “gente de fora, fora do lugar”. Dois fragmentos de histórias singulares foram apresentados a partir das falas de seus autores. Histórias que revelam as faces da dor e sofrimento causados pela migração e pelo trabalho. Histórias que desnudam a ideologia dominante da produção do denominado agronegócio paulista.

Aos poucos, no decorrer destas últimas décadas, a presença das máquinas foi crescendo nos canaviais. Em 2007/08, a colheita mecanizada no estado de São Paulo correspondia a 30,0%. Em 20023/24, este percentual passa para 0,02%, segundo dados da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), ou seja, houve a eliminação total do migrante temporário, cortador de cana. Com isso, houve o apagamento da história e da memória dos /das migrantes. Mais uma vez, repete-se o processo de “limpeza do terreno”, agora, sem a presença da “gente de fora”.

Ainda que este objeto possa ser considerado na hierarquia intelectual menos relevante, menos “nobre”, os relatos de suas experiências de vida contribuem para (des) amnesiar a história e, nesse sentido, as reflexões de Sayad forneceram os fios com os quais este texto foi tecido.

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  • SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil São Paulo: Alfa Ômega, 1976.
  • VERÇOZA, Lúcio Vasconcellos. Os homens-cangurus dos canaviais alagoanos Um estudo sobre trabalho e saúde. Maceió: Edufal, São Paulo: FAPESP, 2018.
  • 1
    Palimpsesto é um termo grego, datado do século V a.C. que significa um pergaminho composto de múltiplas camadas de escrita sobrepostas. Melhor dizendo, reaproveitava-se um pergaminho já escrito raspando seu conteúdo, todavia a camada anterior permanecia parcialmente visível.
  • 2
    Há uma vasta bibliografia de historiadores, geógrafos, sociólogos, antropólogos sobre este período. Nos limites deste texto, mencionam-se os seguintes: (Miliet, 1939MILIET, Sérgio. Roteiro do café e outros estudos. São Paulo: Departamento de Cultura, 1939.; Malheiro, 1976MALHEIRO, Perdigão. A escravidão no Brasil. 3ª. Edição. Petrópolis: Vozes, 1976.; Monbeig, 1952MONBEIG, Pierre. Pionniers et Planteurs de São Paulo. Paris: Armand Colin, 1952.; Martins, 1971MARTINS, José de Souza. Frente pioneira: contribuição para uma caracterização sociológica. Estudos Históricos, n. 10, p. 33-41, 1971.; Silva, 1976SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa Ômega, 1976.; Franco, 1969FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Edunesp, 1997.; França, 1960FRANÇA, Ary. A marcha do café e as frentes pioneira. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1960.; Matos,1974MATOS, Odilon Nogueira. Café e ferrovias. São Paulo: Alfa Ômega, 1974.; Dean, 1977DEAN, Warren. Rio Claro: Um sistema brasileiro de grande lavoura (1820-1920). Rio de Janeiro: Paz e terra, 1977.; Prado Jr., 1953PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Brasiliense: São Paulo, 1953.; Schaden, 1958SCHADEN, Egon. Os primitivos habitantes do território paulista. Ensaios paulistas: (contribuição de “O Estado de São Paulo” às comemorações do IV Centenário da Cidade). São Paulo: Anhambi, 1958; Canabrava, 1949CANABRAVA, Alice. Documento sobre os índios do rio Juquiá. Revista do Museu Paulista, v. 3, p. 391-404, 1949.; Lima, 1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978.).
  • 3
    Ver a respeito, a constatação da grilagem no Vale do Paranapanema por Sampaio (1890SAMPAIO, Teodoro. Considerações geográfica e econômicas sobre o Vale do Rio Parnapanema. Boletim da Comissão geográfica e geológica do estado de São Paulo, São Paulo, n. 4, v. 1, p. 113, 1890., p. 113). Sobre a grilagem, a lei 545 de 1898, garantia o poder dos proprietários, desde que comprovassem ter o título de domínio das mesmas, obtido 20 anos antes da lei. A fraude era operada por meio do amarelamento dos papeis, orientados pelos laboratórios de fabricação de títulos falsos, borrados de estampilhas antiquíssimas (Monbeig, 1952MONBEIG, Pierre. Pionniers et Planteurs de São Paulo. Paris: Armand Colin, 1952., p. 127; Lima, 1978LIMA, João Francisco Tidei. A ocupação da terra e a destruição dos índios na região de Bauru (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 1978., p. 120).
  • 4
    Magalhaes (1935)MAGALHÃES, Couto de. O selvagem. São Paulo: Nacional, 1935.. As representações demoníacas sobre indígenas e negros foram construídas pelos colonizadores, pela Igreja Católica e pelas ciências e artes. Ver a respeito, Federici (2004FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Coletivo Sycorax, 2004.). Sobre a representação artística, ver a pintura a óleo “O Inferno”, sobre madeira de carvalho, criado entre 1510-1515 por um pintor português cuja identidade não se conhece. Foi encontrado somente no ano de 1834 no acervo de São Bento da Saúde. O demoníaco é associado ao extraeuropeu. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Inferno_(MNAA). Acesso em: 13.02.2024.
  • 5
    A este respeito, consultar: Ribeiro (1962)RIBEIRO, Darcy. A política indigenista brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1962..
  • 6
    Em outro texto Silva et al. (2019SILVA, Maria Aparecida de Moraes; VASCONCELOS, Lúcio Verçoza; REIS, Tainá. Cercamentos: Imagens dos camponeses na contemporaneidade do Brasil. Eutopía, n. 16, p. 31-50, 2019., p. 34-38), aprofundei a análise seguinte sobre o relatório Figueiredo. Dados a importância deste documento e, paradoxalmente, seu desconhecimento/apagamento pela história, optei por reproduzir aqui uma pequena síntese de algumas de suas passagens.
  • 7
    Martins (1973______. A imigração e a crise do Brasil agrário. São Paulo: Pioneira, 1973., 1979______. O cativeiro da terra. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1979., 1997______. A militarização da questão agrária no Brasil. Petrópolis: Vozes. 1997. ); Silva (1999)______. Errantes do fim do século. São Paulo: Edunesp, 1999..
  • 8
    Com a implantação das usinas, o processo migratório passa a ser cada vez mais regulado. Tal regulação é caracterizada pela presença dos gatos, intermediários da força de trabalho e responsáveis pela seleção e controle dos trabalhadores arregimentados, tais como, os mais jovens, dotados de força física, homens e, sobretudo, os que não faziam encrencas, ou seja, não participavam ou lideravam protestos e greves. Além dos gatos, os feitores e fiscais eram os responsáveis pelo controle e disciplina de centenas de milhares de trabalhadores.
  • 9
    Uma pare deste diário de campo foi apresentada em 1987, durante o Seminário, Mulher rural, Identidades na pesquisa e na luta política, coordenado pela professora Lena Lavinas do IPPUR/UFRJ (Silva, 1987SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Trabalhadores e trabalhadoras rurais no estado de São Paulo. Anais do Seminário Mulher rural, identidades na pesquisa e na luta política. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro p. 151-179, 1987. p. 73-174).
  • 10
    Ver a respeito as publicações do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM): Boletim, Nem lá, nem cá; Vaivém (vários números). Silva (1991)______. As andorinhas. Nem lá, nem cá. 1991. Disponível em: <https://www.vozesememorias.com.br/>.
    https://www.vozesememorias.com.br...
    .
  • 11
    Nome fictício.
  • 12
    Silva et al. (2006)SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa Ômega, 1976.; Verçoza (2018)VERÇOZA, Lúcio Vasconcellos. Os homens-cangurus dos canaviais alagoanos. Um estudo sobre trabalho e saúde. Maceió: Edufal, São Paulo: FAPESP, 2018..
  • 13
    A cana precisa ser cortada ao rés-do-chão (três centímetros) pois é nas proximidades da raiz que está a maior densidade de sacarose. Toco é a parte rente ao chão.
  • 14
    Bandeira se refere aos montes de cana cortada.
  • 15
    Ponteiros se referem às pontas da cana que precisam ser cortadas e deixadas no canavial, pois não contém sacarose.
  • 16
    O acerto ocorria no final da safra, quando terminava o contrato temporário. Objetivando impedir que o trabalhador desistisse do trabalho, no decorrer da safra, as usinas retinham parte do salário mensal, devolvendo-o no final, após os descontos por falta ou outros motivos e advertências anotadas pelos feitores.
  • 17
    Cuxá é um molho da culinária maranhense, feito com vinagreira, gergelim, camarão seco, farinha de mandioca seca e pimenta-de-cheiro, ingredientes encontrados com fartura na região. Além do seu caráter regional, o preparo do cuxá utiliza o recurso do pilão, utensílio típico da cozinha brasileira, para socar o alimento. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cux%C3%A1. Acesso em: 19.02.2024.
  • 18
    Silva (2020)______. O que o migrante traz em sua bagagem? O que ele deixa para trás? In: DIAS, Gustavo; BÓGUS, Lucia; PEREIRA, José Carlos Alves; BAPTISTA, Dulce. A contemporaneidade do pensamento de Abdelmalek Sayad. São Paulo: EDUC, p. 225-246, 2020..
  • 19
    A partir de 2002, houve um acréscimo dos níveis de produtividade, em razão da maior demanda de etanol para os carros flex. A Pastoral dos Migrantes registrou 25 mortes no período de 2002-2005 nos canaviais, ocasionadas pelo excesso de esforço físico. Ver a respeito o vídeo da primeira Audiência Pública, na USP/Ribeirão Preto em 2005, no site do repositório digital. Disponível em: https://www.vozesememorias.com.br.
  • 20
    Nome fictício.
  • 21
    O uso do veneno é justificado para evitar a propagação do greening. Huanglongbing (HLB) ou Greening dos citros é uma doença altamente destrutiva, causada por bactérias limitadas ao floema, transmitidas via material de propagação ou insetos sugadores do floema (psilídeos-dos-citros). Está presente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Disponível em: https://www.fundecitrus.com.br/doencas/greening. Acesso em: 01.02.2024.
  • 22
    A Lei 13.467/2017, que altera a Consolidação das Leis trabalhistas, a Medida Provisória 905/2019 e a Emenda Constitucional 103/2019, que institui a Nova Reforma da Previdência e da Assistência Social, representaram um golpe nos direitos de trabalhistas de todas as categorias. No que se refere aos assalariados rurais, a perda dos direitos abrange os seguintes quesitos: (a) não pagamento das horas in itinere, o que é se apresenta como um retrocesso bastante grave haja vista os casos de trabalhadores que levam até 3 horas diárias de deslocamento de sua casa até os canaviais mais distantes. Apesar disso, há princípios legais que têm apontado para a manutenção do pagamento das horas in itinere, especialmente quando o local de trabalho é de difícil acesso; (b) aumento da informalidade por meio da terceirização, num cenário onde o trabalho precário e análogo à escravidão já é bastante frequente; (c) redução do valor do auxílio-doença de 50% para 30% da média dos maiores salários de contribuição; (d) taxação de 7,5% sobre o seguro- desemprego, que, como temos dito, tem se ampliado significativamente entre trabalhadores rurais; (e) maior burocratização e dificuldade de acesso à previdência social, já que os agricultores não podem mais entrar com o processo via sindicato, mas diretamente na Caixa Econômica Federal (Brasil, 2017BRASIL. Lei Nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília-DF, ano 154, nº 134, p. 1-7, 13 de julho de 2017. ).
  • 23
    Revista Fapesp, janeiro, 2020, Ano 21, N. 287, p. 12-29.
  • 24
    A agricultura digital recebeu apoio da FAPESP entre 1996 e 2019. Foram financiados 275 projetos, e 50 PIPEs. Também, segundo o informe, em relação à produção de cana de açúcar, a usina de São Martinho, localizada em Pradópolis (SP), por meio de implementação de uma rede 4G, monitora os dados gerados por mais de 700 veículos agrícolas utilizados em seus 135 mil hectares. O trabalho digital é controlado por 50 funcionários.

Editores do dossier

Gustavo Dias, Gennaro Avallone

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2024
  • Aceito
    24 Maio 2024
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