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Entrevista sobre o Plano Austral

Interview on the Austral Plan

RESUMO

Entrevista dada pelo Ministro da Economia da Argentina sobre o Plano Austral.

PALAVRAS-CHAVE:
Reforma monetária; Plano Austral; inflação; estabilização

ABSTRACT

This is an interview given by Minister of Economy Juan Sourrouille about the Austral Plan.

KEYWORDS:
Monetary reform; Austral Plan; inflation; stabilization

Em 24 de dezembro o Jornal da Tarde (São Paulo) publicou entrevista exclusiva do jornalista Hugo Martinez, em que o ministro da Economia da Argentina, Juan Vital Sourrouille fez um balanço do Plano Austral. Publicamos na Revista de Economia Política esta entrevista como um documento porque, embora sumária, ela contém diversas análises importantes sobre a reforma monetária argentina, relacionada com salários, déficit público, desindexação, tabela de conversão para a nova moeda, balanços de pagamentos.

JT - Senhor ministro, depois de seis meses de vigência do Plano Austral, há certas mostras de cansaço ou descrédito, segundo alguns críticos. O senhor também pensa assim?

Sourrouille - Não, em absoluto. A esta altura entendemos que os objetivos gerais foram cumpridos. Baixamos de maneira drástica a taxa de inflação, não somente pelo congelamento dos preços e salários mas também pela melhoria básica da economia em geral. As relações econômicas externas do país estão em boa situação, fechamos o ano com praticamente todos os nossos compromissos externos ordenados, alguns refinanciados, outros pagos. Estamos em dia com o serviço da dívida, e esta situação deve ser confrontada com aquela de seis meses atrás, quando tínhamos uns USS 3 bilhões atrasados em compromissos correntes, e uma cifra muito superior a US$ 10 bilhões em compromissos vencidos que, todos sabíamos, iriam ser refinanciados mas estão sem data de vencimento. O Plano Austral impôs um sacrifício que pôde ser feito graças ao apoio popular, e este continua firme, tanto que praticamente não se exerce uma fiscalização muito ativa sobre o mercado, pois é suficiente o controle popular espontâneo.

JT - O Plano Austral é a melhor solução?

Sourrouille - Admitimos ter cometido erros, mas consideramos esse e preço do aprendizado. Nesse aspecto, o Plano Austral não é a melhor solução, já que melhor quer dizer uma perfeição teórica e prática idealista. Foi uma boa solução, embora com suas falhas, e para se conduzir a economia de um país basta ter boas soluções, deixando o qualificativo de melhor para os jogos intelectuais.

JT - O senhor está satisfeito com a forma como se discute a questão da dívida externa?

Sourrouille - Não estamos. Achamos que o contexto em que se discute a dívida externa precisa mudar do ponto de vista dos países devedores. Mas, aceitando as regras de jogo atuais, conseguimos ordenar nossos compromissos, o que é importante para um país que se havia fixado como objetivo romper o isolamento econômico externo ao qual havia sido submetido. Como disse o presidente do Uruguai, nossa voz, dos países que integram o Grupo de Cartagena, ganhou estatura ética, como provam nossos· esforços, a seriedade de nossas reivindicações, a prudência de nossas negociações.

JT - Como analisa os outros resultados do Plano Austral?

Sourrouille - Nos aspectos básicos da economia, a situação fiscal, que era motivo de preocupação para o governo, hoje está sob controle razoável. Agora, o Tesouro está arrecadando, sistematicamente, mais do que aquilo que efetivamente paga, e na primeira parte do ano estávamos arrecadando menos da metade. Também obtivemos uma redução importante do déficit público no seu conjunto. Na primeira metade do ano, o déficit era de quase 10% do produto bruto total, e agora conseguimos reduzi-lo a quase 3%. Era um objetivo e pudemos cumpri-lo através de uma transformação no sistema de pagamentos, que eliminou o imposto inflacionário como fonte de financiamento do governo. E logramos também algum avanço na redução dos gastos públicos.

JT - Que nos pode dizer sobre a política monetária?

Sourrouille - O governo recuperou o poder de condução da política monetária, um tema crítico durante o período de hiperinflação. É muito difícil fazer política monetária ativa com uma taxa de inflação muito alta. Na prática, agora pudemos recuperar essa possibilidade, embora persistam dificuldades no controle e na estrutura do sistema financeiro.

JT - E com relação aos preços e salários?

Sourrouille - Estimo que os atuais índices são bastante favoráveis. Combinamos dois tipos de ações, por um lado. a desindexação geral da economia, que consideramos bem-sucedida. A ideia básica foi interromper todos os contratos econômicos vigentes no dia da implantação da reforma e “repactá-los” automaticamente no dia seguinte, eliminando deles as expectativas inflacionárias embutidas, sobre uma hipótese inflacionária que o próprio governo tinha. Escolhemos o mecanismo mais simples: fazer uma única escala de conversão para todos os contratos. E utilizamos um instrumento novo na política econômica do país, e por certo não vejo outra experiência semelhante, a que chamamos “deságio”. Hoje, praticamente não se recorda, embora naquele momento essa política tenha sido vivida com dramaticidade, e agora restam poucas operações pendentes. O deságio, a desindexação, foi um instrumento útil, que ainda é levado em conta nos contratos de longo prazo, e restaram muito poucos casos de conflito. O deságio, foi essencial no Plano Austral e às vezes não é considerado em sua justa medida.

Uma redução instantânea da inflação quando ela está em níveis muito altos sempre provoca uma transferência massiva de capitais entre os setores, e o mecanismo da desindexação evitou esse tipo de problema.

JT - Sim, senhor ministro, mas gostaríamos de algumas explicações mais precisas sobre o tema específico de preços e salários.

Sourrouille - Sempre dissemos que para nós é uma medida colateral o congelamento de preços e salários. Foi um mecanismo transitório para quebrar expectativas de alta inflação, constituindo um sistema de resseguro. Superada a incerteza em que estávamos todos envolvidos, para passar a um clima de estabilidade surgiu de todo modo uma incerteza de outro tipo, aquela em que alguém possa mover-se e o que não se move perde. Por isso, pensamos no congelamento como um mecanismo de resseguro generalizado, que permitisse recompor a relação preços, salários e custos, e manter os preços em condições de estabilidade, recuperar a possibilidade de ver nos preços garantias efetivas de recursos. Os preços, durante os períodos de altíssima inflação, deixam de ser indicadores de atividade econômica e se transformam num símbolo da carga psicológica dos produtores. Ninguém conhece o valor real de seus próprios custos, e essa insegurança é transferida para a produção, que retroalimenta a expectativa inflacionária. Na primeira metade do ano desconhecíamos a estrutura correta dos preços, e o congelamento, como a hibernação, é um recurso lícito para deter a hiperatividade dos preços e a partir de análises dar-lhes novamente seu valor objetivo. A seis meses deste congelamento, o governo controla com comodidade a situação, apesar de existirem débeis pressões setoriais. Sem sequelas de abastecimento nem formação de mercados-negros, que apenas tentam aparecer e depois se dissolvem muitas vezes por reações populares inéditas, como as decisões dos varejistas de não pagar sobrepreços. Surgiram alguns movimentos de preços em setores que o governo considera sem sentido controlar, como alguns serviços profissionais e os preços dos produtos supérfluos. Por tudo isso, somando o aumento dos depósitos bancários, a redução da velocidade de circulação da poupança, a monetização da economia em termos gerais, a estabilidade do câmbio e a desativação da intermediação financeira parasitária, são as expressões concretas do êxito do Plano Austral.

  • JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1986
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