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Documentos sobre a reforma monetária Argentina

Documents on the monetary reform of Argentina

RESUMO

Trata-se de uma compilação de discursos documentais do presidente da Argentina Raul Alfonsín e do ministro da Economia Juan Sourrouille sobre o Plano Austral.

PALAVRAS-CHAVE:
Reforma monetária; Plano Austral; inflação; estabilização

ABSTRACT

This is a compilation of documents and speeches by the president of Argentina Raul Alfonsín and Minister of Economy Juan Sourrouille about the Austral Plan.

KEYWORDS:
Monetary reform; Austral Plan; inflation; stabilization

O anúncio da reforma monetária argentina - do Plano Austral - foi feito no dia 14 de junho de 1985 através de dois discursos, o do presidente Raul Alfonsín e o do ministro da Economia Juan Sourrouille. Pela importância desses pronunciamentos, eles são publicados como Documento na Revista de Economia Política.

DISCURSO DO PRESIDENTE RAUL ALFONSÍN

Argentinas, argentinos:

Nosso país presenciará, nas próximas horas, a implementação de decisões definitivas; assim, povo e governo iniciaremos juntos uma ação da qual depende o futuro da Argentina.

Em 26 de abril disse-lhes que nos encontrávamos ante uma economia de guerra; a economia de guerra, se é assim que se quer entender o que não é senão o caminho para ordenar um país maltratado e destruído, não pode ser interpretada somente como um conjunto de medidas do governo, conjunturais e técnicas. É mais que isto; deve ser, também, uma mobilização geral de todos os recursos humanos e materiais da sociedade.

Venho agora expor-lhes o plano de batalha, para que juntos possamos encerrar definitivamente o capítulo da decadência nacional.

Falamos antes de uma batalha decisiva que poderá libertar os argentinos. O inimigo é a pobreza, a estagnação e, também, certa crônica incapacidade para achar respostas concretas e eficazes.

Nossa almas são nossos braços e nossas mentes. O país necessita dos argentinos. Não temos outra opção, devemos reconstruir a Argentina; mas, frente a esta terra arrasada, com uma estrutura imposta e com grande parte de seu aparelho produtivo destruído e, além disso, cada vez mais distante dos avanços tecnológicos dos países mais desenvolvidos, não podemos perder um só minuto em ilusões anacrônicas ou em escutar cantos de sereia.

Penso que nenhum argentino crê agora em milagres desse tipo, porque todos sabemos que os grandes avanços se conquistam com trabalho e com esforço. Há que escapar do atraso, há que escapar da marginalidade e da dependência.

Então vamos iniciar juntos a batalha contra a frustração, contra a desesperança que sufocou por décadas os argentinos. Durante anos e anos, nosso país, insensatamente, foi nos escapando das mãos, foi nos incomodando, foi nos entristecendo. Mas, uma nação não pode ter como meta sobreviver. A sobrevivência, em certas ocasiões, pode chegar a converter-se em um propósito individual, mas jamais pode ser um objetivo nacional.

Entretanto, assim estávamos; fomo-nos fechando para resistir, para aguentar isolada e individualmente as condições cada vez mais duras em que se desenvolvia a Argentina e nossas próprias vidas em nossa Argentina. Fomo-nos esquecendo de que não há prosperidade individual permanente, de que não há bem-estar estável quando se perde a ambição nacional.

A ambição nacional não pode ser de modo algum apenas a sobrevivência. Deus não nos deu, seguramente, esta Argentina nossa, para sobreviver. O destino dos argentinos não é a mediocridade. O destino da nação não é a debilidade permanente. E se lhes falo hoje, em momentos difíceis para cada um, do destino da nação, é porque estou convencido de que para cada argentina, para cada argentino, seu destino será o destino da nação em conjunto.

O ministro da Economia expor-lhes-á, mais tarde, em poucos instantes, o plano econômico de reforma nacional que estamos implementando. Mas quero adverti-los que não se trata de um conjunto de medidas para resistir à crise atual. É muito mais, é um plano de reforma profunda de nosso sistema econômico, cujo objetivo é a reconstrução e a modernização da Argentina.

Não deve haver confusão sobre o que se inicia. Estamos suprimindo todos os lastros que impediam a Argentina de se desenvolver. Este plano não foi concebido para resolver somente alguns problemas atuais. A reforma econômica será a ferramenta para enterrar definitivamente um passado que, por décadas, nos levou de crise em crise. Para isto, o objetivo não é melhorar algum índice, o objetivo é promover o deslanche da economia nacional.

Por outro lado, se o problema econômico não for resolvido, a vida política da Nação correrá, sem dúvida, sério perigo.

A convivência pacífica, democrática e civilizada dos argentinos talvez não tenha demasiadas esperanças, se a questão econômica não for resolvida.

Que cada um tenha consciência do que está em jogo. O plano de reforma não é para salvar um governo; é para salvar um sistema político; é para salvar um estilo de vida; e também é para recuperar o orgulho e a ambição nacional.

Nada disto será fácil; mas há que saber que, fundado como está em sólidas bases técnicas, este projeto nutre-se, além disso, de moral, e a moral na economia também quer dizer coisas muito concretas.

A reforma não é para que alguns vivam como se nada acontecesse, enquanto a imensa maioria de nosso povo, e, em particular, os trabalhadores, fazem sacrifícios. Isto é uma imoralidade, e não admitiremos imoralidades. Em sua consequência, haverá sacrifícios e castigo. O sacrifício será de todos os argentinos. O castigo será para aqueles que sigam acreditando que podem usar o país e sua gente para benefício pessoal. O castigo será para a especulação. Para os que creem que o dinheiro só serve para fazer mais dinheiro.

O objetivo prioritário desta primeira etapa do plano de reforma é a luta contra a inflação. Não há produção possível, não há investimento imaginável com este ritmo inflacionário. Mas há algo ainda mais grave: a inflação converteu-se na origem de todas as incertezas sociais. Ninguém, particularmente nenhum trabalhador, pode sentir-se minimamente tranquilo com uma inflação que corrói seu salário, que o impede de saber para quantos dias seu salário dará.

Neste nível de inflação atual é impossível pensar em gradualismo. Que sentido teria reduzir de 30 para 29%, ou de 29 para 28% a inflação mensal, se quaisquer dessas cifras se faz igualmente insuportável? Impõe-se então uma política drástica, definitiva, e assim, decidimos pelo congelamento de preços, tarifas e salários. Sabemos que é uma medida extrema e também sabemos, à luz da própria experiência argentina, que ela por si só não é suficiente; deve ser acompanhada de outras decisões de fundo, estruturais.

O controle de preços só esconde uma inflação que continua de forma subterrânea e que, mais cedo ou mais tarde, acaba por vir à tona. Isto é particularmente certo quando esta medida de congelamento é concebida, como nós o fazemos, com um caráter transitório. Uma economia forte precisa de um mercado claro, mas também precisa de um mercado são. Por isso, esta etapa tem como objetivo chegar o quanto antes possível a um funcionamento cada vez mais livre do mercado, que necessita ser saneado de imediato.

Para isto, decidimos, em primeiro lugar, frear bruscamente a inércia da inflação, porque se não rompemos definitivamente as expectativas inflacionárias, elas continuarão gerando inflação.

Em segundo lugar, o congelamento de preços, tarifas e salários é um instrumento excepcional que só tem sentido se se aplica uma reforma de fundo. Em consequência, para que o congelamento não seja uma ilusão administrativa de contenção da inflação, atacaremos suas causas profundas.

A reforma monetária que pomos em marcha com a criação de um novo símbolo para a moeda argentina, é o instrumento básico de permanência dos baixos níveis inflacionários e da mais rápida liberalização do mercado. A reforma monetária significa uma transformação fundamental. O Banco Central não emitirá mais moeda para satisfazer as necessidades do Tesouro. Dito em outras palavras, o gasto público terá só um financiamento verdadeiro, que não repousará em absoluto na possibilidade de emissão.

Por isso é que foi indispensável o ajuste das tarifas agora executado, acompanhado de uma redefinição do orçamento da Nação de forma a reduzir a cifras mínimas o déficit público. Este objetivo será alcançado graças ao esforço de todos.

Por sua vez, a capacidade creditícia da economia será o produto de uma monetização real; ou seja, tampouco o crédito será a consequência da emissão; isto significa que durante os próximos meses far-se-ão os esforços necessários para a captação de poupança, por parte do sistema financeiro.

Esta etapa do plano de reforma implica, portanto, acabar com a indexação da economia. Em conclusão, esta etapa da reforma baseia-se em tripé: congelamento, reforma monetária e financiamento real do gasto público e do crédito. Não me cabe duvidar da capacidade dos argentinos em acompanhar este plano. Não me cabe duvidar de sua decisão de lutar; mas, estou consciente de que todo esforço deve ter metas claras.

Cada homem tem que saber para que é o sacrifício que se lhe pede hoje. Cada um tem que saber o que haverá ao final deste período; o que buscamos como consequência deste esforço.

Não creio ser possível lutar por algo que se desconhece; se não transmitirmos claramente quais são nossos objetivos, quais serão os problemas de cada etapa, se não conversarmos permanentemente sobre as metas que vamos alcançando e daquelas que ainda nos faltam, alguém poderia cair no desalento.

Em consequência, o plano de reforma - e quero dizê-lo com muita ênfase - requer participação; participação nos objetivos, participação nos êxitos. A participação faz falta também para que cada mulher e cada homem se sinta responsável pelo cumprimento do plano. Trata-se de tornar cada um consciente de que não tem direito de roubar o esforço do resto. Cada argentino tem que estar disposto a defender os objetivos desta batalha com paixão; porque esta batalha, esta reforma fundamentalmente também se deve nutrir de paixão nacional.

Vamos vencer o perigo maior, o ceticismo que muitas vezes tem sido a consequência dos vários anos de frustração, erros e decadência. As vezes até parece que é tanta a frustração, que alguns perderam a força para lutar. A estes, aos céticos, lhes digo que esta terra, que esta nação não é para eles. Digo-lhes que no final do século passado, um país longínquo, desértico e pobre se levantou sobre suas próprias dificuldades para tomar-se o quinto pais do mundo pela riqueza de seus habitantes. Quem fez este país? Os céticos, os fatalistas, os tristes da Argentina? Este país, o construíram argentinos que creram e perderam; argentinos com menos cultura e mais dificuldades, argentinos que foram nossos pais e nossos avós. E hoje, vamos dizer a eles, a nossos pais e a nossos filhos que não podemos?

Estou convencido de que o êxito de um plano econômico radica fundamentalmente na capacidade que tenha para mobilizar a vontade de cada um. Não há planos perfeitos, há planos possíveis, planos que podem mobilizar cada mulher, cada homem de um país. A economia não é somente números, é fundamentalmente a soma de vontades, e este plano terá êxito porque somaremos com paixão as vontades de todos os argentinos. Todos devemos saber que contamos com os instrumentos adequados para transformar o país, mas que estes instrumentos terão a força que os argentinos desejarem que tenham. Esta não é uma luta ideológica, é uma luta prática, é uma luta ética.

Convoco então, para que cada um de vocês seja construtor destes objetivos concretos, tangíveis, morais. Vamos fazer um país com seriedade, um país de verdade, um país com ambição e com orgulho. Sabendo que o esforço que teremos que fazer entre nós é um esforço conjunto; um esforço duro, sem dúvida nenhuma, mas com certeza de êxito, um esforço que ninguém pode ignorar porque seria ignorar seu próprio futuro.

Não existe nada mais duro que uma crise sem esperança. É mais dura a crise permanente ou a luta para superá-la? Porque este é o único caminho possível; este deve ser o caminho; este será o caminho. Pode ser, deve ser e será, porque a Argentina necessita de seu povo e porque nosso povo está decidido a ganhar a batalha. Muito obrigado.

DISCURSO DO MINISTRO JUAN SOURROUILLE

O Senhor Presidente mostrou o sentido da convocação que o governo hoje faz ao país e anunciou as linhas gerais do Plano de Reforma Econômica que estamos implementando.

O governo dispõe-se a travar um ataque firme e em todas as frentes contra a inflação. O país resvalou para uma situação próxima à hiperinflação, isto é, um aumento vertiginoso dos preços que evapora o valor da moeda e. compromete até mesmo as bases da convivência social e institucional da Nação.

É preciso acabar de uma vez por todas com a inflação. Esta é uma demanda de todos os setores, desde famílias, empresas, até o governo, e o governo vai agir.

Há que pôr fim à ansiedade e à incerteza que gera a aceleração de preços. Não se pode construir nada, não se pode planejar nada em uma situação semelhante.

E nós, os argentinos, queremos reconstruir o país, empobrecido e endividado por políticas antipopulares, e queremos empurrá-lo para a frente, retirando-o da estagnação e da decadência.

Se não reduzirmos drasticamente a atual taxa de inflação, todas as nossas esperanças, todos os nossos projetos darão em nada, e a nascente democracia argentina sofrerá um revés de consequências imprevisíveis.

O governo está convencido de que o país todo o acompanha nesta avaliação da situação e, por isto, fez da luta contra a inflação seu objetivo prioritário.

Sobre a opinião pública se lança frequentemente propostas e programas de reativação econômica que prometem níveis maiores de produção, emprego e salários.

Poucas destas propostas e programas vão mais além da formulação de metas que são compartilhadas por todos. Sua debilidade não está, entretanto, apenas na vagueza de seus enunciados.

Seu defeito principal é que omitem qualquer referência ao problema que aflige os argentinos: a inflação. Com as atuais taxas de inflação, ninguém pode ter ilusões sobre a viabilidade de tais propostas e programas, porque a política econômica não pode assegurar, nestas condições, nem maior nível de emprego, nem maiores salários.

A reativação da atividade econômica através da expansão do gasto público e da moeda se autodestrói porque só pode produzir uma aceleração do aumento de preços.

Esta é uma experiência pela qual já passamos e não parece sensato voltar a repeti-la. Digamo-lo francamente: neste momento, essa não é uma alternativa, e é bom insistir porque os setores dirigentes do país devem falar com responsabilidade e não especular com as inquietações da população.

Frente à necessidade de agir para abater o fenômeno inflacionário, temos, na realidade, duas opções: a de moderação gradual da inflação e a de ataque drástico e global a ela.

O governo entende que, nas presentes circunstâncias, a aplicação de uma estratégia gradualista não garante o êxito na luta na qual está comprometido.

Devido à inércia criada por essa persistente inflação e aos extensos mecanismos de indexação gerados pela sociedade, a fim de protegê-la dos efeitos negativos da própria inflação, esta tende a perpetuar-se e acelerar-se.

Em um enfoque gradualista, a resistência da inflação à queda obriga a uma prolongada aplicação de politicas monetárias restritivas, destinadas a forçar para baixo a queda natural dos preços mediante a compressão da demanda.

A falha principal desta política não é tanto a recessão econômica em si como sua prolongada duração. Na melhor das hipóteses, após vários anos de forte desemprego a inflação cai depois de haver produzido a destruição do aparelho produtivo.

A política de tratamento drástico da inflação que o governo adotou procura atuar tanto sobre os efeitos de inércia como sobre os desequilíbrios estruturais que lhe dão lugar.

O congelamento de preços e salários visa a ruptura da inércia e dos mecanismos automáticos de indexação. Há que produzir uma mudança nas expectativas de preços da sociedade e nas cláusulas de indexação dos contratos.

Mas esta medida não alcançaria resultados exitosos se não se fizesse acompanhar pela eliminação dos desequilíbrios estruturais que alimentam em sua origem o fenômeno inflacionário.

Ante a aceleração da inflação, tentou-se mais de uma vez moderar a escalada de preços e salários apelando para políticas de ajuste ou para o congelamento dos preços e salários. Estas experiências terminaram em repetidas frustrações porque descuidaram de atuar concomitantemente sobre um componente fundamental das pressões inflacionárias, como é o desequilíbrio das finanças públicas. Os resultados da política de preços e salários eram, assim, anulados pela emissão monetária em que incorria o Estado para reduzir seu déficit.

Hoje em dia, o déficit do setor público reflete velhos problemas de arrasto derivados da gestão do próprio aparelho estatal, aos quais se somou um fenômeno novo: os compromissos de pagamento da dívida externa.

O Estado assumiu o pagamento de quase a totalidade dos juros da dívida como uma carga adicional em seus gastos correntes e de capital. Mas para esta nova função do Estado não se tem conseguido ajuntar recursos adicionais reais mediante a arrecadação de impostos.

O déficit fiscal expressa hoje, em grande parte, este desequilíbrio motivado pelos gastos adicionais não financiados.

Entretanto, a sociedade acaba pagando por esses gastos adicionais através do imposto inflacionário resultante da emissão monetária. Cada possuidor de dinheiro, que se deprecia dia a dia, paga de fato o imposto implícito na perda de seu valor.

A eliminação do déficit público mediante impostos adicionais e tarifas maiores não acarreta outras exigências à sociedade. Os maiores recursos que o Estado arrecada são substitutos do imposto inflacionário e, consequentemente, não representam um imposto adicional. A contenção do gasto público contribui, por outro lado, para aliviar as cargas sobre a população.

Para ter êxito na luta contra a inflação é preciso, pois, remover o desequilíbrio estrutural que representa o déficit público. Ao fazer da política anti-inflacionária um objetivo prioritário, o governo esforçou-se por aprender com os erros do passado.

Há alguns meses estamos empenhados em eliminar rápida e drasticamente o déficit fiscal. Isto nos levou a efetuar fortes correções nas tarifas dos serviços públicos.

Essas medidas tiveram, é certo, um impacto sobre os orçamentos das famílias e nas contas das empresas. Mas permitiram, também, sanear os atrasos acumulados e equilibrar as contas do setor público.

Na emergência, o governo preferiu alcançar esses objetivos aumentando as tarifas públicas ao invés de despedir pessoal e agravar a situação das classes assalariadas.

Paralelamente, procurou-se incrementar a arrecadação de impostos de modo a eliminar a evasão e melhorar a equidade do sistema tributário. Com esse fim, foi enviado ao Poder Legislativo um conjunto de medidas que configuram a reforma tributária. Devido à urgência de reforçar os recursos fiscais, está prestes a ser enviado, também, o projeto de lei que estabelece o regime de poupança obrigatória.

Por este regime, os contribuintes de maiores rendas efetuarão depósitos que constituirão um aporte significativo ao financiamento real do setor público e permitir-lhe-á atender a prestação dos serviços sociais e a realização de obras de· infraestrutura.

A redução do gasto público, em especial, a dos gastos correntes, decidida no orçamento para o resto do ano, é outra frente de batalha contra o desequilíbrio das contas fiscais. Este esforço levar-se-á a cabo sem perder de vista, em nenhum momento, critérios razoáveis de equidade social.

Assim, considerou-se como prioridade absoluta a preservação dos empregos, a defesa dos salários-mínimos e as prestações do sistema previdenciário, o Plano de Alimentação Nacional e, de modo geral, os gastos de cunho social.

O conjunto das ações mencionadas no terreno dos gastos e dos recursos estão permitindo tampar rapidamente a brecha fiscal. O governo se propõe alcançar um déficit fiscal ao redor de 2,5% do PIB no segundo semestre do ano. Esta cifra inclui o déficit do Banco Central e será financiada mediante utilização de crédito externo concedido por organismos internacionais e bancos.

A partir de agora, o setor público deverá enfrentar seus gastos com recursos reais - impostos e tarifas - com financiamento externo. Portanto, não será necessário requerer crédito ao Banco Central. Em outras palavras, não haverá necessidade de emitir moeda para financiar o setor público.

O governo está persuadido de que o êxito da política econômica que se inicia depende decisivamente do controle das contas fiscais. Esta é sua convicção e também seu compromisso. O recente acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional ratifica esta vontade do governo.

Com uma situação fiscal equilibrada é possível caminhar agora para o congelamento de preços e salários para atuar globalmente contra o fenômeno inflacionário.

O congelamento de preços começará a ser aplicado à hora zero da segunda-feira, dia 17. Os preços máximos autorizados serão os correspondentes aos vigentes à hora zero do dia 13, quinta­feira. Não confirmar-se-ão os incrementos de preços aplicados posteriormente, salvo em casos excepcionais que, por razão de absorção de maiores custos, sejam reconhecidos pela Secretaria de Comércio Interior.

O congelamento aplicar-se-á à totalidade de bens e serviços. Os bens com oferta estacional, como frutas e hortaliças, terão um controle especial no mercado central e se autorizar-lhes-á uma margem de comercialização máxima nos estabelecimentos menores.

O governo procurará evitar prejuízos no livre exercício das atividades de produção e comércio. Decidiu convidar as empresas que operam em cada ramo de atividade para que efetuem um auto­controle de seus custos e preços, e cumpram funções de assessoramento à tarefa realizada pela Secretaria de Comércio.

Por intermédio da imprensa, televisão e rádio e outros meios de comunicação, a população conhecerá as listas de preços máximos reconhecidas. Tais listas deverão ser exibidas nos locais de venda e as repartições públicas estarão habilitadas para informar e receber reclamações relacionadas com a aplicação das pautas mencionadas.

A Lei de Abastecimento será aplicada com todo o rigor, uma vez que se coordenará a ação da Secretaria de Comércio com outras áreas do governo, para garantir o êxito desta operação.

O governo está, entretanto, consciente de que o êxito do congelamento de preços e salários depende mais da participação das empresas, dos assalariados e do público consumidor que das sanções que poderia impor. Sabe também que é uma medida transitória.

Todo argentino deve compreender que este é um esforço de solidariedade coletiva, de apoio mútuo, sem cuja existência as decisões governamentais são insuficientes.

Senhora dona-de-casa, senhor consumidor: vocês também serão os beneficiários desta política, mas vocês devem ser também aqueles que a defendam.

Decisões similares às tomadas com relação a preços e salários foram adotadas para o sistema de câmbio. Recentemente, foram feitos ajustes no sistema de câmbio a fim de torná-lo compatível com a política anti-inflacionária.

Tais ajustes permitem afirmar que a paridade entre a nossa moeda e o dólar chegou a um nível adequado para estimular a promoção das exportações do país.

A partir de amanhã, o sistema de câmbio manter-se-á fixo a uma paridade de oitenta centavos de austral por dólar. “Austral”, como logo veremos, é a designação de um novo símbolo monetário.

A decisão de realizar uma reforma monetária completa o conjunto de medidas postas em marcha para pôr fim ao fenômeno inflacionário.

Por suas características, trata-se de uma medida inovadora em relação às práticas correntes da vida econômica e requer, portanto, ser explicada para evitar confusões na população.

Através dos meios de comunicação, o governo procurará aclarar as mudanças introduzidas pela reforma monetária.

Sem prejuízo disto, formularemos agora os necessários esclarecimentos.

Sinteticamente, a reforma monetária consiste na criação de uma nova moeda. A diferença em relação às anteriores mudanças de moeda, que buscavam somente facilitar as contas em um contexto de inflação muito alta, nesta oportunidade vamos criar um novo símbolo monetário que não perca seu valor.

O novo símbolo monetário se chamará, como dissemos, austral.

O governo está decidido a manter a solidez da nova moeda. Toda a nova política econômica está dirigida a esse fim: reduzir-se-á drasticamente o déficit fiscal, “a maquininha de imprimir notas” para financiar o setor público deixará de funcionar, e a política de receitas fará com que os preços e salários evoluam de modo coerente com as novas condições de estabilidade.

Contrariamente aos vários tipos de “pesos” que o precederam, o austral será uma moeda forte, que poderá manter-se sem experimentar a constante deterioração que sofreu até agora a moeda no país.

Para situá-lo em relação à velha moeda, um austral será equivalente a 1.000 pesos argentinos. A partir de amanhã os preços se expressarão em austrais. Retiraram-se, portanto, três zeros aos preços. Por exemplo: um artigo que antes valia 2.000 pesos argentinos passará a valer dois austrais.

As notas e moedas em circulação continuarão a ser utilizadas, retirando-se também três zeros. Logo começarão a circular notas iguais às atuais, mas marcadas pela Casa da Moeda para indicar sua nova denominação. As notas marcadas terão um valor igual ao das não marcadas.

Com o tempo, as notas e moedas atuais serão substituídas por outras novas denominadas diretamente em austrais.

A introdução da nova moeda não criará perturbações. Não se modificará a forma em que se realizam as compras e vendas a dinheiro. As notas e moedas em circulação até 15 de junho manterão seu valor pleno. ·

A reforma monetária não consiste simplesmente em “retirar - uma vez mais - zeros à moeda”. Dissemos que o governo está decidido a que a nova unidade monetária não perca seu valor.

Por esta razão, foram levados em consideração os efeitos produzidos pela queda abrupta da inflação. Aqui se observam os verdadeiros alcances da reforma monetária.

Com efeito, todos sabíamos que o peso se desvalorizava rapidamente. A pessoa que ia receber uma soma de pesos nos próximos 30 dias, por exemplo, reconhecia que com esse dinheiro ia poder comprar menos bens que os que compraria hoje com os mesmos pesos. Portanto, legitimamente, pretendia ser ressarcida por essa perda previsível.

Do mesmo modo, o que devia realizar o pagamento sabia que lhe representaria menos esforço pagar em 30 dias do que se tivesse que pagar os pesos hoje. Em consequência, estava disposta a concordar com um desembolso extra.

Esta é a razão dos altos juros contratados no período inflacionário que temos experimentado, mas, o que aconteceria em uma situação em que a inflação se detivesse de um só golpe, se as dívidas já fixadas em uma determinada quantidade de pesos se pagassem de igual forma a uma compra a dinheiro como a explicada antes, ou seja, convertendo as dívidas em austrais segundo a relação 1 austral = 1.000 pesos argentinos?

Nesse caso, para o devedor seria mais custoso fazer os pagamentos do que se os houvesse feito se a inflação tivesse continuado igual. Em troca, o credor teria um lucro que não esperava.

Esta situação seria injusta, pois geraria fortes transferências de rendas entre devedores e credores e acarretaria graves prejuízos às pessoas e às empresas.

Para evitar os problemas que poderiam surgir ao parar bruscamente a inflação, o governo tomou a seguinte medida: estabeleceu uma escala de conversão entre austrais e pesos válida para os próximos 45 dias, para o cancelamento dos contratos anteriores a 15 de junho. Oportunamente, serão anunciadas as escalas de conversão que vigorarão desta data em diante.

Estas escalas de conversão irão diminuindo com o tempo, ou seja, à medida que o tempo for correndo, será menor a quantidade de austrais que se trocam por cada 1.000 pesos argentinos. Estas escalas de conversão decrescentes eliminarão a inflação prevista e incorporada aos contratos realizados.

Isto significa que, à medida que o tempo passe, serão necessários menos austrais para pagar uma dívida de uma determinada soma de pesos argentinos. Por exemplo: a quantidade de austrais de um artigo comprado a prazo com quantidade fixa em pesos, diminuirá mês a mês, assim antes diminuía o poder aquisitivo dos pesos entregues por cada quantidade.

Por sua vez, o credor receberá menos notas de austrais do que esperava receber em pesos argentinos. Mas também o que poderá comprar com cada uma dessas notas será maior do que o que esperava.

Em síntese: se se observa o poder aquisitivo das quantidades de moedas pagas ou recebidas, não haverá nem reduções nem aumentos.

Estabeleceu-se, pois, uma escala de conversão entre austrais e pesos que serve exclusivamente para expressar em austrais o valor dos pagamentos a serem efetuados depois de 15 de junho e que foram comprometidos em pesos argentinos antes desta data. O mesmo procedimento será aplicado para o pagamento de contas, aluguéis, contas de serviços públicos, letras de câmbio, cheques etc., quando o montante tenha sido previamente determinado em pesos argentinos.

Reiteramos mais uma vez que o dinheiro em circulação não será afetado por esta escala de conversão, que será anunciada em prazo oportuno.

Para nenhuma operação efetuada a partir de 15 de junho será necessário recorrer à escala de conversão. Todas elas se expressarão, a partir de então, em austrais.

A exceção a esta norma são os saldos e salários do mês de junho. Estes serão pagos em austrais, utilizando-se para isto a conversão 1 austral = 1.000 pesos argentinos, seja qual for o dia de pagamento.

Em consequência, serão respeitados os reajustes anunciados no princípio do mês. O trabalhador receberá em Junho um salário em austrais igual ao de maio, que era expresso em pesos argentinos, mais o ajuste de 22,6%. Por sua vez, os aposentados receberão um aumento de 25,1% sobre os haveres de maio, que serão pagos também em austrais. Assim, por exemplo, se o salário de uma pessoa foi, em maio, de 100.000 pesos argentinos, no final de junho receberá 122,6 austrais. A partir daí, seu salário ficará congelado.

O governo deseja transmitir claramente d população que a reforma monetária não contém nem implica medidas confiscatárias para os poupa­dores. De sua parte, os tomadores de crédito do sistema financeiro não deverão esperar, a partir da troca de moeda, uma liquidação de suas dfvidas.

A reforma monetária surge justamente para evitar que se produzam fortes redistribuições entre setores da população e busca neutralizar os efeitos indesejados de passar de uma inflação da ordem de 30% para uma situação de virtual estabilidade de preços.

O Banco Central ditará as normas pertinentes para que a reforma não altere o desenvolvimento normal das operações bancárias. Os saldos em conta corrente e as poupanças converter-se-ão em austrais no dia 15 de junho.

Todos os depósitos a prazo fixo e empréstimos realizados antes de 15 de junho, que estão expressos em pesos argentinos, mantêm suas condições tal como foram acordados. Mantém-se a taxa de juros em pesos dos depósitos a prazo fixo e dos empréstimos a taxa fixa, os quais serão devolvidos ou pagos em seu vencimento em austrais, à taxa de conversão do dia correspondente.

O depositante receberá menos austrais que a quantidade de pesos argentinos que esperava. Mas, entenda-se bem, não há nisso nenhum estorno nem confiscação: a diferença reflete tão-somente a brusca interrupção da inflação. Pela mesma razão, o tomador de créditos pagará também uma cifra em austrais menor que a prevista em pesos. Neste caso, tampouco, há uma liquidação da dívida.

Os depósitos e empréstimos indexados constituídos antes de 15 de junho irão sendo ajustados segundo as fórmulas pactuadas. O Banco Central anunciará o modo pelo qual estas operações serão convertidas em austrais.

Entretanto, todas as operações novas acordadas a partir de 15 de junho realizar-se-ão em austrais.

As taxas de juros fixadas refletirão a brusca diminuição do aumento dos preços. As taxas nominais no mercado oficial serão de 4 a 6 por cento para as operações de depósitos e empréstimos a trinta dias, respectivamente. Isto é: serão sensivelmente inferiores em termos nominais às taxas atualmente vigentes. Entretanto, elas serão remuneradoras para os poupadores e obviamente positivas para os tomadores de crédito.

Os poupadores devem confiar e entender que as novas taxas de juros que o sistema financeiro oferece agora, permitir-lhes-ão, ao término de um período de investimento financeiro, adquirir os mesmos bens que esperavam obter com as altas taxas nominais que vigoravam para as operações em pesos argentinos.

No marco das decisões adotadas prevê-se, mesmo assim, manter uma fatia do mercado na qual a taxa de juro será determinada livremente.

O ataque drástico e global da inflação que iniciamos não constitui uma solução mágica e fulminante para os problemas econômicos do país. É a política capaz de criar as condições para fazer-lhes frente. Como instrumento, tem uma eficácia maior que a estratégia gradualista, porque permite alcançar resultados tangíveis e positivos em um prazo mais curto.

Mas não evita que a sociedade tenha que atravessar um período duro de esforços e de contenção econômica.

Sabemos que, em suas primeiras etapas, esta política vai tropeçar com o previsível pessimismo de uma sociedade que perdeu a confiança em seu símbolo monetário. Enquanto persistirem as expectativas inflacionárias, a taxa de juros real vai se manter alta, e isto condicionará o ritmo da atividade econômica.

O fim das expectativas inflacionárias e a consequente queda da taxa de juros haverão de abrir espaço à reconstrução econômica do país, à retomada do investimento e do crescimento. Serão uns poucos meses de sacrifícios que todos os setores deverão realizar solidariamente para colocar de novo a Argentina em movimento.

Por tudo isto:

Trabalhadores: vocês entendem melhor que ninguém os custos das altas taxas de inflação. Seus salários se deterioram, os pesos que mantêm em suas carteiras perdem valor dia a dia, a ansiedade se apossa de seus lares.

O governo não vem oferecer milagres e sim reclamar sua participação na luta que hoje começamos.

Seus salários serão respeitados. No final do mês de junho receberão o aumento estabelecido sem nenhuma redução, e o receberão em austrais.

Empresários: vocês sabem que com taxas de inflação de 30%, planejar a produção e o investimento é um projeto impossível. Por outro lado, operar com taxas de juros superiores a 30% cria-lhes problemas não só econômicos, mas também financeiros.

O governo não crê em uma política de controle de preços com mecanismo de longo prazo. Pelo contrário. Entretanto, nas circunstâncias atuais, é preciso apelar para ela. O congelamento de seus custos permitirá a manutenção da rentabilidade e preservará o funcionamento de suas empresas.

Poupadores: seus depósitos não serão confiscados nem total nem parcialmente. Serão transformados em moeda nova de maneira tal que possam comprar com eles os mesmos bens que poderiam comprar na situação anterior.

O governo oferecer-lhes-á uma taxa rentável para suas poupanças e uma maior segurança.

Enfim, argentinos: hoje o governo se dirige a vocês para que se ajuntem à grande empreitada que se inicia. O cessamento da inflação é o requisito necessário para reconstruir o país, para fazer dele uma sociedade próspera e solidária, capaz de preservar sua autonomia nacional. Um país com uma economia vacilante e desmoronada pela inflação é um pais que não pode defender seus interesses nacionais e fazer valer suas justas demandas por uma ordem internacional mais equitativa, onde os povos da América Latina tenham direitos ao desenvolvimento e à modernização.

Porque estas são as aspirações que nos guiam, porque estas são as aspirações dos argentinos, hoje passamos à ação e começamos a agir.

  • JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1986
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