Acessibilidade / Reportar erro

Flexibilização produtiva e reestruturação espacial: considerações teóricas e um estudo de caso para a indústria de calçados no Brasil e no Nordeste

Production flexibility and spatial restructuring: theoretical considerations and a case study for the shoes industry in Brazil and in the Northeast

RESUMO

O processo de globalização, o surgimento de novos paradigmas tecnológicos, a crescente introdução de mecanismos de mercado nas economias e a formação de blocos regionais de comércio trouxeram profunda reestruturação produtiva entre os diversos setores da atividade humana. Essas mudanças estão forçando os formuladores de políticas a prever novas formas de intervenção nas regiões, em todos os países, para que possam enfrentar os novos desafios que o desenvolvimento regional está colocando nos dias atuais. Este trabalho procura apresentar os principais aspectos de um novo cenário mundial, caracterizado pela introdução de processos de flexibilização produtiva e pela criação de novos espaços industriais e faz um estudo de caso de reestruturação na indústria de calçados no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Globalização; mudança estrutural; reestruturação produtiva; competição; calçados

ABSTRACT

The process of globalization, the emergence of new technological paradigms, the increasing introduction of market mechanisms in the economies and the formation of regional trade blocs, have brought about deep productive restructuring amongst the various sectors of human activity. These changes are forcing the policy makers to envisage new ways of intervention in the regions, in all countries, so that they can face the new challenges that regional development is posing in the present days. This work attempts to present the major aspects of a new world scenery, characterized by the introduction of processes of productive flexibilization and the creation of new industrial spaces and makes a case study of restructuring in the shoe industry in Brazil.

KEYWORDS:
Globalization; structural change; productive restructuration; competition; shoes

INTRODUÇÃO

O fenômeno da globalização, a aceleração dos processos de abertura comercial nos anos 80 e 90 - envolvendo não somente os países já industrializados mas também, e talvez principalmente, os menos desenvolvidos -, a emergência de novos paradigmas tecnológicos, a adoção de mecanismos de mercado e os processos de formação de blocos regionais de comércio, em curso em quase todos os continentes, têm provocado profundas mudanças nos processos de reestruturação das economias mundial e nacionais e vêm obrigando os formuladores de políticas a buscar novas concepções de intervenção pública nos espaços regionais, com vistas ao enfrentamento, em novas bases, dos desafios do desenvolvimento regional.

Essas mudanças, operando num ambiente fortemente marcado pelo crescimento da interdependência das economias nacionais e pelas alterações nos padrões de territorialidade da alocação de recursos, vêm criando um novo padrão de especialização produtiva, em nível espacial, afetando tanto os continentes e as economias nacionais, quanto as regiões dentro de cada país. De igual modo, tais mudanças têm provocado alterações no próprio conceito de região e redefinido o seu papel na nova ordem internacional em gestação, trazendo enormes implicações sobre o nível e a distribuição geográfica do emprego, em todos os setores da economia.

Este trabalho propõe-se a discutir algumas questões regionais dentro dessa nova moldura institucional. A seção seguinte apresenta os traços mais importantes de um novo contexto em gestação, marcado pela emergência de novos paradigmas tecnológicos, que estão exercendo grandes impactos sobre a natureza dos processos produtivos e de gestão da mão-de-obra. A terceira seção constitui um estudo de caso sobre reestruturação produtiva, num setor intensivo em mão-de-obra, apresentando as principais tendências ocorridas na indústria de calçados no Brasil nas décadas recentes. Uma última seção apresenta as conclusões.

ESPECIALIZAÇÃO FLEXÍVEL, FIRM AS INOVATIVAS E NOVOS ESPAÇOS INDUSTRIAIS: IMPLICAÇÕES SOBRE O EMPREGO

Os últimos vinte anos testemunharam uma profunda reestruturação da economia e do papel dos governos, das regiões e dos indivíduos. Os fenômenos da globalização e da emergência de novos paradigmas tecnológicos levaram, e ainda estão levando, a grandes mudanças institucionais em todas as esferas da sociedade, criando restrições à preservação de velhas formas de organização, e gerando novos desafios para o progresso e o avanço social.

No que diz respeito especificamente à ação do governo na esfera espacial ou regional, as complexas transformações do mundo contemporâneo estão produzindo, não somente uma grande mudança na natureza da intervenção governamental, mas também uma alteração radical nas próprias referências teóricas que davam suporte às políticas tradicionais de desenvolvimento regional. Isto decorre, em larga medida, do fato de que, ao invés da concentração industrial em alguns locais, durante a chamada fase fordista-taylorista do sistema de produção verticalizada, uma grande e crescente parcela da produção fabril estará se realizando em vários locais e em grande número de firm as, de tamanhos menores, que produzem bens diferenciados para serem vendidos em múltiplos mercados - locais, regionais e internacionais. Desses cenários em transformação e que vêm determinando a emergência de diferentes padrões de ordenamento territorial e exigindo novas concepções de atuação governamental, três princípios ou conceitos têm dominado a literatura recente: o da especialização flexível, o de novos espaços industriais e o de novos agentes institucionais1 1 Ver, especialmente, Sengenberger & Pyke (1992), Wolfe (1997), Zook (1997) e Porter (1993). .

O conceito de especialização flexível surge da constatação de que o antigo regime fordista de produção em massa e verticalizado, está sendo crescentemente substituído por outro, baseado na produção flexível, no sentido de que tanto ocapital quanto a mão-de-obra, deverão se prestar a propósitos cada vez mais gerais e serem capazes de operar dentro de contextos que exigem rápidas mudanças para a criação de novos produtos, novos processos e novos métodos de organização. Essas mudanças seriam resultado da intensificação da competição internacional, das freqüentes alterações nos padrões da demanda na direção de produtos mais diferenciados e de um crescente desejo dos consumidores por produtos de melhor qualidade. Esses fatores, por sua vez, teriam levado a profundas reestruturações nos sistemas produtivos e de gestão da mão-de-obra, para torná-los capazes de atender ao encurtamento do ciclo de vida dos produtos e de responder aos novos desafios do mercado, através de aceleradas taxas de inovação e de progresso técnico.

Essa nova ordem industrial, chamada por muitos analistas de “modelo pósfordista de acumulação flexível”, e que afetou inicialmente as grandes corporações transnacionais, seria, assim, caracterizada por uma grande flexibilidade organizacional, tanto em nível de processos internos de produção - mediante o uso de tecnologias que possibilitam rápidas mudanças no perfil da oferta de bens produzidos - quanto em nível locacional - consubstanciada na tendência da localização de diversas operações da firma transnacional, em diferentes partes do mundo. Com relação a esse último aspecto, parece ter ficado definitivamente consagrado, que a noção de que nem todos os produtos devem ser produzidos em um único país (o princípio das vantagens comparativas) deve vir acompanhada por uma outra: a de que nem todos os produtos de uma indústria devem ser fabricados numa única planta. O que significa dizer, em síntese, que nenhum país ou região pode ser competitivo em todos os produtos, nem nenhuma firma pode ser competitiva em todos os locais (Porter, 1993PORTER, M. E. (1993): A Vantagem Competitiva das Nações. Rio de Janeiro: Campus., p. 15). O resultado desse novo “paradigma tecnológico”, gerado no bojo da globalização, é uma progressiva desterritorialização das atividades econômicas, mediante a qual a grande firma moderna procura localizar cada segmento das suas operações no local mais apropriado e também comprar componentes, peças e materiais de outras firmas em todo o mundo, em busca de melhor qualidade e de maior competitividade.

Igualmente de suma importância pelo potencial de alteração, em nível mundial, dos padrões da localização industrial, são as mudanças na organização e na gestão da mão-de-obra, trazidas no âmbito das novas tecnologias. Aqui, duas tendências aparentemente contraditórias parecem dominar. De um lado, há os que argumentam que as novas tecnologias estão mudando a maneira de a fábrica produzir, exigindo a criação de um novo trabalhador, mais qualificado e com maior nível de escolarização, para que seja capaz de assimilar as novas informações e complexidades embutidas nessas novas tecnologias. De outro lado, há os que acreditam que as novas tecnologias, muito ao contrário, estariam provocando uma progressiva degradação do trabalho, porque as inovações tecnológicas e organizacionais contemporâneas são cada vez menos dependentes da destreza e da habilidade do trabalhador, ocasionando a diminuição da importância do operário qualificado na linha de produção. O argumento é o de que a introdução acelerada da máquina automática substitui o trabalho dos antigos operários especializados, de modo que as novas funções, mais elementares, passam a ser executadas por trabalhadores menos qualificados, mais baratos e mais facilmente substituíveis. Ao mesmo tempo, as tarefas mais nobres e mais complexas do processo produtivo estão ficando confinadas a um grupo seleto de trabalhadores, ou são crescentemente assumidas pela máquina ou por robôs - que, por exemplo, soldam, pintam, transportam peças e componentes e montam - todas essas tarefas sendo executadas sob os comandos de um programa de computador.

As características acima brevemente assinaladas - a da flexibilização dos novos processos tecnológicos, a da progressiva “desterritorialização” das atividades econômicas e a da emergência de um “novo trabalhador” - poderão produzir efeitos espaciais em duas direções: concentrar indústrias intensivas em conhecimento e mãode-obra muito qualificada nas regiões e países mais industrializados (as chamadas indústrias de alta tecnologia, como a de microeletrônica, a de biotecnologia, a de mecânica de precisão, a de novos materiais etc.), e dispersar pelo mundo, inclusive nos países e regiões menos desenvolvidos, as indústrias intensivas em recursos naturais e mão-de-obra menos qualificada, e até muitas intensivas em capital e utilizadoras de tecnologias avançadas, mas baseadas em operações repetitivas e elementares, com exigência de apenas um reduzido número de trabalhadores muito qualificados. Ainda dentro desse quadro, muitas indústrias poderão preferir localizar-se (ou relocalizar-se) onde uma mão-de-obra equivalente for mais barata, onde forem mais reduzidas as exigências ambientais, ou ainda longe de ambientes fortemente dominados por sindicatos organizados2 2 Ainda vale registrar, nesse contexto, que alguns aspectos do “novo paradigma” tecnológico têm levado a uma crescente onda de pessimismo com relação às perspectivas dos países e regiões menos desenvolvidos, sob o argumento de que a sociedade futura estará baseada na informação e no conhecimento e que, portanto, a nova indústria se instalaria apenas nos países e regiões com abundantes recursos de mão-de-obra qualificada. Embora este argumento contenha forte elemento de verdade, e não restem dúvidas de que “a modernidade não está aberta a todos [indivíduos, países e regiões] de igual maneira e simultaneamente” (Gatto, 1990, p. 39), vale lembrar, também que, na ordem industrial em gestação, muitas das novas vantagens dinâmicas se assentam sobre fatores socialmente construídos, no sentido de que resultam de decisões de política econômica, científica e tecnológica de agentes públicos e privados. Além do mais, não se deve desprezar o fato de que ainda haverá muito espaço para o desenvolvimento de indústrias dependentes de recursos naturais e que se sentem fortemente atraídas por diferenciais de salários — desde as mais tradicionais, como a de calçados, têxtil e alimentar, até as mais intensivas em capital, como química, papel e celulose e de material elétrico e eletrónico de consumo. Assim, mesmo sem se tornarem centros de geração de tecnologia, muitos países e regiões menos desenvolvidos poderão abrigar número expressivo de iniciativas industriais em ramos menos sofisticados da sociedade pósindustrial. Por fim, leve-se ainda em conta que, mesmo concentrando-se nos países do Primeiro Mundo, nem toda a indústria de alta tecnologia deverá necessariamente ficar localizada nos países de economia central — como foi sugerido acima. A experiência das economias do leste e sudeste asiáticos, nas últimas décadas, revela que, com uma boa estratégia de política industrial e o comprometimento dos governos com a formação de capital humano, uma parte das novas indústrias “pós-fordistas” poderá se localizar e prosperar na periferia.

Por outro lado, essas formas pós-fordianas de produção estariam criando oportunidades para o crescimento de vasto número de pequenas e médias firmas, tanto em regiões industrializadas quanto nas menos desenvolvidas, em decorrência de três ordens de fatores. O primeiro deles está associado à política de descentralização das grandes corporações, através da qual grandes empresas são desmembradas em plantas menores, ou na forma de subsidiárias instaladas em diversas regiões do país ou de outras nações. O segundo fator, que vem também levando ao crescimento de pequenas firmas, decorre das já conhecidas práticas de muitas empresas de conceder o seu direito de produção (prática chamada, no idioma inglês, de devolvement) a outras empresas, na forma de licenciamento e franchising. O terceiro fator, que sem dúvida é o mais importante como formador de pequenas firmas, está diretamente associado a uma forte tendência de desintegração ou desverticalização, que também está sendo praticada pelas grandes empresas. Esta tendência tem se manifestado em grande variedade de formas, destacando-se entre as mais importantes a terceirização, a subcontratação e a prática do out-sourcing (busca de fornecedores externos de insumos, peças, componentes e serviços, antes produzidos na própria empresa). Além desses casos, em que pequenas unidades produtivas emergem ligadas ou controladas por grandes corporações há, ainda, muitos exemplos - e, por certo, em número majoritário - de firmas que surgiram, nas últimas décadas, operando independentemente, atuando em nichos de mercado e até concorrendo nos mesmos mercados das grandes empresas (Sengenberger & Pyke, 1992SENGENBERGER, W & PYKE, F. (1992): “Industrial Districts and Local Economic Regeneration- Research in Policy Issues”. ln Sengenberger, W & Pyke, F., ed. Industrial Districts, Genebra).

Em todas as partes do mundo, esse fenômeno da emergência de grande número de pequenas e médias empresas tem sido visto como um aspecto muito positivo dos processos de reestruturação em curso, pela capacidade que têm tais firmas de gerar grande volume de emprego e de contrarrestar, em certa medida, os efeitos da tendência deliberação de mão-de-obra que está ocorrendo, em escala crescente, nas corporações de grande porte (Tendler & Amorim, 1996TENDLER, J. & AMORIM, M. A. (1996) “Small Firms and their Helpers - Lessons on Demand”, World Development , vol. 24, nº 3.; Amorim, 1998AMORIM, M. A. (1998): “Promoção de Clusters e Aglomerações de Pequenas e Médias Empresas - Idéias para Difundir e Fortalecer a Industrialização no Estado do Ceará”. Fortaleza, CE, Mimeo.; Humphrey, 1995HUMPHREY, J. (1995): “Industrial Organization and Manufacturing Competitiveness in Developing Countries”. World Development , Special Issue, vol. 23, nº 1, janeiro.).

Todavia, em todos os casos, e principalmente no das empresas independentes, certos requisitos são necessários para se garantir a continuidade do processo de crescimento e a consolidação da formação das firmas pequenas. As últimas décadas presenciaram, como já sugerido, uma aceleração do crescimento de firmas de pequeno e médio porte, mas a mortalidade dessas firmas é muito grande, e tanto quanto sempre foi no passado, continua no presente.

Porque o ambiente em que elas operam é de grande competitividade e envolve muito mais riscos e incertezas, por uma série de razões bem conhecidas (problemas de gestão, insuficiência de financiamento adequado, questões relacionadas à comercialização e marketing e menor capacidade de obtenção de informações sobre mudanças em tecnologias e no comportamento do consumidor, para citar algumas), as firmas pequenas e médias necessitam desenvolver uma capacidade de sobrevivência, que está largamente centrada na inovação e incorporação de novas tecnologias, e no firme suporte e apoio dos governos, em suas várias instâncias. Daí surgir, nesse contexto geral em discussão, o conceito de firmas flexíveis e, paralelo a ele, o de firmas inovativas.

O segundo princípio, na linha dos cenários acima mencionados, é o de novos espaços industriais, ou, para se usar um termo mais geral, o de clusters, para não se ficar com a impressão de que esses novos espaços compreendem apenas atividades manufatureiras.

O conceito de novos espaços industriais ou de clusters, vem propiciando, em anos recentes, a concepção de uma das abordagens mais férteis e promissoras para a formulação de novas políticas de desenvolvimento regional.

A emergência de novos espaços industriais decorre, em grande parte, da tendência, já discutida acima, da desintegração vertical dos processos produtivos gerada pelas deseconomias de escala e de escopo das grandes corporações, da qual vêm resultando os regimes de especialização flexível. Em vários países do mundo, grupos de empresas estão se aglomerando em certos locais ou regiões, e passando a desenvolver fortes relações baseadas na complementaridade, na interdependência, na cooperação e na troca de informações.

Por não exigirem muito investimento em capital para se beneficiarem de economias de escala, essas empresas se especializam em algumas atividades, concentrando-se na produção de conjuntos de bens que podem sofrer rápidas mudanças, em função das exigências do mercado ou da ameaça de outros competidores fora da região.

Essas áreas onde se aglomeram pequenas e médias empresas - PMEs - chamadas, em alguns contextos, de Distritos Industriais (ou novos distritos industriais), diferem dos tradicionais distritos industriais em operação em quase todo o mundo (e no Brasil), porque não constituem apenas uma concentração de firmas que têm como única característica a de estarem aglomeradas em uma determinada área geográfica. A principal diferença desses novos espaços é o fato de as firmas nelas localizadas se organizarem em redes (networks) e desenvolverem sistemas complexos de integração - nos quais predominam, entre as firmas, vários esquemas de cooperação, solidariedade e coesão e a valorização do esforço coletivo. Tais aglomerações de PMEs, espacialmente concentradas e setorialmente especializadas, propiciam grandes efeitos linkages para a frente e para trás, baseados no intercâmbio de insumos, produtos, informações e mão-de-obra, e operam numa atmosfera cultural e social centrada na cooperação e colaboração entre os agentes econômicos. O resultado é a materialização de uma eficiência coletiva, decorrente das externalidades geradas pela ação conjunta, propiciando uma maior competitividade das empresas, em comparação com firmas que atuam isoladamente. A ação conjunta, ademais, leva a processos de treinamento de mão-de-obra que propiciam a acumulação e a disseminação de conhecimentos e know-how; uma redução de custos de transação - decorrente das maiores facilidades de comunicação entre os clientes e as empresas localizadas nesses novos espaços; e a geração de sinergias coletivas, que contribuem para a aceleração das taxas de inovação e de introdução de novos processos e novas tecnologias. Além do mais, o regime de gestão da mão-de-obra tende a ser mais flexível do que os vigentes há algumas décadas, as relações trabalhistas operando em grande diversidade de arranjos, inclusive alguns em esquemas de forte desregulamentação. Esta maior flexibilidade através de sistemas especiais de relações de trabalho é uma característica fundamental nos novos espaços (distritos industriais ou clusters), na medida em que propiciam uma maior adaptabilidade da mão-de-obra e uma reação mais rápida às mudanças da demanda e à introdução de inovações (Trigilia, 1992TRIGILIA, C. (1992) “The Industrial Districts: Neither Myth nor Interlude”. ln Sergenberger & Pyke, ed. Industrial Districts , Genebra.; Sengenberger & Pyke, op. cit.).

As implicações desse cenário, na constituição de novos ordenamentos territoriais e para a concepção de políticas regionais, tanto com vistas ao incremento da taxa de crescimento da renda, quanto dos níveis do emprego, são muitas.

Pesquisas recentes vêm mostrando que as novas tecnologias reduziram a importância das economias de escala e aumentaram a das economias de escopo - que consistem, basicamente, na habilidade de se produzir um grande número de produtos, em regime de flexibilidade e, em muitos casos, diretamente voltados para o atendimento da demanda do cliente ou do consumidor.

É nesse contexto que surge o conceito de economias de escala de cluster, em oposição ao de economias de escala da firma - o que tem levado à conclusão de que um grande conjunto de firmas modernas tem, hoje, mais chances de sucesso se fizerem parte de um cluster, em vez de operarem isoladamente no mercado.

Vale registrar, aqui, que a literatura existente assinala não haver um padrão uniforme com respeito à emergência de clusters ou dos tipos de distritos industriais acima mencionados. Na maioria dos casos, clusters e distritos aparecem espontaneamente e se desenvolvem em função de condições particulares do ambiente ou de circunstâncias históricas diferenciadas. Qualquer que seja a sua origem, porém, uma certa densidade, ou massa crítica, de atividades deve existir. Por sua vez, clusters ou distritos podem decair e até desaparecer, caso certas políticas ou estratégias estejam ausentes.

Como já foi visto, o grau de competitividade de um cluster ou distrito depende das economias de especialização. Ou seja, a divisão do trabalho praticada em muitas pequenas e médias firmas especializadas torna a produção local ou regional mais eficiente, na medida em que o esforço coletivo aumenta a produtividade dos recursos disponíveis.

Todavia, economias de especialização não são suficientes para garantir o sucesso de clusters e o dinamismo dos novos distritos industriais. É necessário e indispensável um conjunto de iniciativas - tanto das próprias firmas, quanto do Governo - para o desenvolvimento constante de novas vantagens competitivas nessas áreas, através de investimentos em diferenciação de produtos, de programas de marketing e propaganda, do aperfeiçoamento constante da mão-de-obra e da criação de novos canais ou redes de comercialização, de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), além dos tradicionais investimentos em infra-estrutura física e social - como estradas, portos e aeroportos, saneamento, habitação, saúde e educação.

Tais políticas são necessárias porque, em paralelo ao conceito de firmas inovativas, descrito acima, também faz sentido falar-se de regiões inovativas - querendo-se dizer, com isso, que o grande objetivo da política regional é o de criar, nas regiões, um ambiente favorável à atração de investimentos, desenvolver e fortalecer instituições que conduzam a um aumento de sua capacidade de transformação e de aceitação de inovações na sua base econômica e, sobretudo, que propiciem um maior grau de coesão interna e de integração espacial dentro da região e entre as demais regiões do país.

Este ponto leva ao terceiro e último princípio, referente aos cenários determinantes dos novos padrões de ordenamento territorial: o dos novos agentes institucionais, ou, mais explicitamente, o do novo papel do governo, na concepção e formulação de novas políticas de desenvolvimento regional.

De início, vale reconhecer que os anos 70 e 80 testemunharam um ciclo de desencanto com o governo e a vitória de uma nova ordem econômica mais centrada nos mecanismos de mercado. Os movimentos em todo o mundo dirigidos à desregulamentação e às privatizações, parecem ter demonstrado que estava correta a defesa de um estado mais enxuto e, sobretudo, menos presente como produtor de bens - como aço, petroquímicas, automóveis e minérios - e de muitos serviços - como a geração e distribuição de energéticos e a operação de sistemas de telefonia, por exemplo. De igual modo revelaram os anos 70 e 80 que muitos dos incentivos tradicionais ao desenvolvimento, em geral, e ao desenvolvimento regional, em particular, ficaram obsoletos, num mundo globalizado e numa era de aceleração da competitividade internacional, de grandes mudanças em paradigmas tecnológicos e até de redefinição do próprio conceito de região.

Mas há um reconhecimento crescente, na literatura dos anos 90, tanto no referente a novos referenciais teóricos, quanto nas lições extraídas de experiências internacionais com políticas de desenvolvimento nacional e regional, que o governo é mais do que nunca necessário em um novo papel, agora de ordem muito mais qualitativo, que é o de liderar e facilitar processos de mudanças; de criar, apoiar e fortalecer organizações engajadas na promoção do crescimento econômico e social; e de liderar, coordenar, facilitar e implementar programas de desenvolvimento em todas as esferas territoriais - de âmbito nacional, regional e local.

Numa era de recursos escassos, é claro que o governo deve buscar eficiência e efetividade de resultados, mas isto não deve implicar seu afastamento de um profundo comprometimento com o crescimento e o bem-estar da sociedade.

Assim como as firmas no mundo moderno precisam ser inovativas para sobreviverem num ambiente mais competitivo, as regiões, onde se localizam as firmas, também estão sujeitas às mesmas restrições e, de igual modo, necessitam desenvolver instituições ágeis e inovativas, para criar os requerimentos exigidos por esses novos ambientes em mutação, tornando-se capazes de mobilizar agentes produtivos, autoridades educacionais, o governo e a comunidade, para a consecução do alvo comum, que é o crescimento econômico e o aumento do bem-estar de suas populações.

Embora no mundo desenvolvido, encontrem-se algumas experiências bem-sucedidas de reestruturação com pouca intervenção do governo (caso dos renomados “distritos industriais” do Norte e Nordeste da Itália), mesmo nessas experiências, mas muito mais em outras não tão bem-sucedidas, e sobretudo nos países menos desenvolvidos, o Estado vem sendo chamado a desempenhar as funções que, comprovadamente, as forças de mercado, sozinhas, não podem executar.

Nos estudos mais recentes sobre o desenvolvimento econômico, em geral, e particularmente sobre o desenvolvimento regional e local nas duas áreas mais desenvolvidas do mundo - a União Européia (UE) e os Estados Unidos -, é claramente explicitado que as tendências contemporâneas não conduzirão, automaticamente, as atividades econômicas a uma distribuição mais homogênea no espaço. No caso da Europa, desde o Tratado de Roma, de 1957, tem-se reconhecido que o duplo objetivo da integração e da coesão, pode não ser alcançado, havendo o receio de que uma maior integração poderá levar à fragmentação, ao enfraquecimento de algumas regiões e ao aumento das disparidades sociais e regionais. Por essa razão, foi desenvolvido o consenso, entre as autoridades européias, de que a coesão só poderá ser alcançada através de políticas governamentais. Em documentos recentes produzidos pelas autoridades da União Européia - o White Paper on Growth, Competitiveness and Employment, o Green Paper on Innovation e os diversos relatórios dos Cohesion Forum -, todos datados da segunda metade dos anos 90, ousados programas de crescimento regional foram concebidos e estão sendo implementados, definindo-se uma estratégia global de parceria, envolvendo autoridades públicas, institutos de pesquisa e universidades, agentes produtivos e vários segmentos das comunidades regionais e locais. O objetivo desses programas de promover um ambiente favorável ao desenvolvimento e à introdução de inovações nas regiões menos favorecidas da UE. Vale aqui registrar que, após minuciosos estudos, uma lista de 42 regiões da Comunidade foi selecionada para nelas serem implementadas “ações inovativas”, com recursos dos Fundos Estruturais e de Coesão, e dos governos nacionais e locais, através de projetos de desenvolvimento voltados para estimular um pool de experiências com iniciativas de cooperação com as outras regiões européias mais desenvolvidas.

No caso dos Estados Unidos, país de forte tradição privativista, os anos 90 estão testemunhando, talvez surpreendentemente, um crescimento extraordinário de esquemas de desenvolvimento regional e local, com o decidido apoio dos governos federal, dos estados e dos municípios. A proliferação de agências, comissões, associações e organizações estaduais e locais - como as Associations for Local Economic Development, The California Council on Competitiveness, The Governor’s Strategic Partnerships for Economic Development (sediada no estado do Arizona), os States Research Bureaux, e uma diversidade de Communities Development Agencies - para dar alguns exemplos de instituições criadas em anos recentes, em praticamente todos os estados norte-americanos e até em municipalidades, reflete a emergência de um novo interesse pelas questões regionais e locais e a importância do envolvimento dos governos nessa empreitada. Em todas essas iniciativas, é explicitada a necessidade de um forte comprometimento, das autoridades públicas, com políticas e estratégias de longo prazo, para desenvolver e reforçar as vantagens competitivas dos estados e municípios americanos.

Nesses novos contextos, são muito diversas e variadas as opções de ação governamental. Mas há um generalizado consenso, de que as políticas de incentivos fiscais do passado (embora presentes ainda em muitos países, como no Brasil), não estão mais em sintonia com as estratégias modernas de desenvolvimento regional. Ao invés do tradicional enfoque de prover subsídios indiscriminados para indústrias ou empresas, os governos, em todo o mundo, estão reconhecendo que a melhor política regional é criar um ambiente mais favorável nas regiões, para que estas possam enfrentar os desafios da competitividade e dos constantes avanços na esfera tecnológica (Galvão, 1998a_________.(1998a): “Velhas e Novas Políticas de Desenvolvimento Regional à Luz dos Conceitos de Especialização Flexível e de Novos Espaços Industriais”. Revista Econômica do Nordeste, vai. 29, Número Especial, julho.).

Há, hoje, o reconhecimento de que as regiões mais bem-sucedidas em reduzir o seu atraso, serão aquelas que disporão dos melhores ambientes econômicos e institucionais para desenvolver suas vantagens competitivas.

Inúmeras avaliações realizadas nos anos 80 e no início dos 90, por diversas entidades públicas, semi-públicas e privadas vêm revelando que as políticas tradicionais de incentivos fiscais e financeiros - em nível federal, estadual e municipal - estão em último lugar numa lista de fatores locacionais relevantes (cf., por exemplo, W. S. Cummings et al., 1996W. S. CUMMINGS Economic Research Services et ai. (1996): “Far North Queensland Regional Network: Strategies for Tradeable Services”. Queensland, dezembro.). Esses estudos também mostram que os incentivos governamentais devem ser orientados cada vez mais para o apoio localizado de clusters, ou seja, de conjunto de atividades identificadas como capazes de responderem ágil e eficazmente aos incentivos governamentais.

Além do mais, um número crescente desses estudos sugere que os incentivos governamentais devem ser destinados preferentemente às pequenas e médias empresas, que são aquelas que estão se localizando em clusters de base regional ou local e que estão propiciando, nos tempos atuais, muito maior capacidade de absorção de emprego, perspectivas de crescimento e de geração de efeitos linkages sobre outras atividades econômicas.

Uma questão crucial que se coloca é a de que uma área geográfica (municipalidades, áreas metropolitanas, estados e regiões) deve se especializar em algumas poucas atividades. No caso de áreas geográficas maiores, como, por exemplo, as macrorregiões brasileiras, na definição da FIBGE, o problema não seria tanto o de identificar as especialidades - que poderiam ser em número relativamente grande -, mas, após as escolhas, passar a se concentrar no desenvolvimento de mecanismos efetivos para apoiar as escolhas feitas. Neste momento, deverá haver uma perfeita associação entre as ações do governo e as atividades desenvolvidas nos clusters. Teoricamente, é possível argumentar que qualquer conjunto de atividades econômicas pode ser desenvolvido em qualquer região e que, neste sentido, o governo pode criar, indiscriminadamente, os clusters que desejar. De outra parte, o governo pode identificar clusters já existentes e concentrar o seu apoio às atividades neles desenvolvidas. A experiência internacional revela, porém, que a criação de novos clusters (ou seja, a implantação de clusters de atividades econômicas com pouca representatividade em um determinado local ou região) não tem propiciado resultados muito eficazes, e que, portanto, o apoio e suporte aos já existentes, têm se constituído na melhor política.

São várias e muito relevantes as questões que podem ser levantadas no contexto da experiência internacional com clusters e distritos.

Uma delas diz respeito à possibilidade da utilização de estratégias que possibilitem a generalização, em outros países, dos distritos industriais nos moldes italianos3 3 A Itália é considerada como a terra dos Distritos Industriais. Os “distritos industriais” que se desenvolveram neste país nas últimas décadas, são emblemáticos como exemplos de reação e adaptação às novas tendências de globalização e às reestruturações geradas pelos novos paradigmas tecnológicos. Concentradas nas regiões norte e nordeste desse país — principalmente nas províncias de Emília-Romana, de Veneto, da Umbria, da Toscana e do Piemonte — milhares de firmas pequenas e médias se aglomeraram em várias cidades, e em suas periferias, produzindo em regime de especialização flexível, quando número de bens e serviços diferenciados em setores tradicionais — têxteis, confecções, produtos cerâmicos, móveis, instrumentos musicais — mas também em alguns de maior elaboração tecnológica, como engenharia mecânica, equipamentos óticos e diversos produtos da indústria micro-eletrónica. Estima-se a existência, nessas regiões italianas, que vieram a ser chamadas de Terceira Itália (Terza Italia, segundo os italianos), de pelo menos 50 distritos, cada um deles formado por um vasto conjunto de firmas especializadas (Sengenberber & Pyke, op. cit., Sengenberger et alii (1990), Pyke et alii (1992) e Locke (1995). . Entre as experiências extremamente bem-sucedidas de alguns distritos industriais da Terceira Itália - que congregam pequenas e médias empresas altamente eficientes e inovativas -, há um conjunto de casos intermediários de sucessos apenas relativos, bem como de fracassos. Comparações internacionais recentes entre experiências tanto em países industriais quanto em não desenvolvidos mostram haver dois caminhos que estão sendo seguidos como resposta às reestruturações industriais em curso. Um denominado de high road, em que as pequenas, médias e mesmo grandes empresas se formam em ambientes que conduzem a um upgrading constante da mão-de-obra e nos quais os salários são relativamente elevados e crescentes; e outro, denominado de low road, baseado na predominância de firmas que se beneficiam principalmente de baixos salários, de esquemas de desregulamentação das relações trabalhistas e cujo crescimento, portanto, se assenta na pura exploração da mão-de-obra barata - as chamadas sweat shops -, onde há muito menores chances e perspectivas de melhorias significativas nas condições sociais das populações envolvidas nas áreas industriais (Sengenberger & Pyke, op. cit.; Cawthorne, op. cit.; e Gray, 1995GRAY, Anne (1995): “Flexibilisation of Labour and the Attack on Worker’s Living Standards” (Draft).)

Exemplos mais próximos da experiência italiana são os da região da West Jutland, na Dinamarca; na de Baden-Würtemburg, na Alemanha, e em algumas regiões da Espanha, como em Valência, e no Vale do Silício, nos Estados Unidos (cf. Kristensen, 1992KRISTENSEN, P. H. (1992): “Industrial Districts in WestJutland, Denmanrk”. ln Sengenberger & Pyke, ed. (1992): Industrial Districts and Local Economic Regeneration. Genebra: International Institute for Labour Studies, ILO.; Schimitz, 1992_________. (1992): “Industrial Districts: Models and Reality in Baden Wurttembeerg, Germany”. ln Segenberger & Pyke, ed., 1992: Industrial Districts and Local Economic Regeneration. Genebra: International Labour Institute for Labour Studies, ILO.; Saxenian, 1994SAXENIAN, A. (1994): Regional Advantage: Culture and Competition in Silicon Valley and Route 128. USA: Harvard University Press.; e Galvão, 1998b_________.(1998b): “Clusters e de Distritos Industriais: Estudos de Casos em Países Selecionados e Implicações de Política”. Texto para Discussão nº 413, PIMES da UFPE, agosto. e 1998c GALVÃO, O. J. A.(1998c): “Dez Estudos de Casos de Clusters e de Distritos Industriais, em Países Selecionados”. Texto para Discussão nº 416, PIMES da UFPE, setembro.). Casos de sucesso apenas relativo, ou situados no outro extremo dos caminhos de reestruturação, são freqüentemente encontrados nos países subdesenvolvidos - havendo muitos exemplos comparativos de experiências na Índia, no México e no Brasil (cf. Galvão, 1998c GALVÃO, O. J. A.(1998c): “Dez Estudos de Casos de Clusters e de Distritos Industriais, em Países Selecionados”. Texto para Discussão nº 416, PIMES da UFPE, setembro.). Alguns casos no Brasil - onde filiais de várias fábricas dos ramos de têxteis, de confecções e de calçados se transferiram do Sul e do Sudeste do país para se instalarem no Nordeste - podem estar enquadrados num padrão mais do tipo low road de reestruturação, como será sugerido adiante, quando do estudo de caso da indústria de calçados. Este caminho, entretanto, não deve ser propriamente considerado errado e condenado, porque pode ser apenas o caminho possível. As primeiras avaliações desse padrão de reestruturação produtiva no Brasil indicam que, em muitos casos, o impacto nos locais onde foi instalada a indústria tem sido muito grande e positivo (por ter criado milhares de oportunidades de emprego e renda, mesmo que em base de salário mínimo) - embora seja amplamente reconhecido terem sido os diferenciais de remuneração da mão-de-obra (juntamente com alguns generosos incentivos fiscais oferecidos pelos estados nordestinos) o móvel principal da transferência das operações das indústrias mencionadas.

Também de grande relevância para a concepção de novas estratégias de desenvolvimento regional é o fato de que em muitos locais (cidades, estados ou regiões) estão surgindo clusters de serviços, que vêm revelando enorme capacidade de gerar efeitos multiplicadores de investimentos e de criação de empregos bem remunerados. Em várias partes do mundo, e inclusive no Brasil, áreas geográficas manifestam uma tendência espontânea a se transformarem em regiões prestadoras de serviços, muitas delas envolvendo mão-de-obra altamente qualificada e utilizando sofisticados recursos tecnológicos. Um caso internacional exemplar nessa esfera - embora haja muitos outros - é o cluster de serviços médicos no estado de Minnesota, nos Estados Unidos. Nesse estado, desenvolveu-se um pólo de serviços médicos de alto nível - baseado em hospitais, clínicas e laboratórios especializados. Esses estabelecimentos criaram uma poderosa classe de médicos empresários, uma associação estreita com as universidades e institutos de pesquisas médicas e biológicas locais, e propiciaram a emergência de um mercado para a instalação de diversas indústrias nas proximidades, voltadas para o atendimento da demanda do referido pólo de serviços. O uso intensivo da micro-eletrónica - nos hospitais, nas clínicas, nos laboratórios e nas universidades - também criaram um mercado para indústrias de sofwares especializados e para uma rede de oficinas e escritórios técnicos especialmente voltados para a montagem, operação e reparo de equipamentos. Avaliações recentes de impactos revelam a existência de significativos clustering effects, operando como multiplicadores de um conjunto amplo e variado de atividades direta e indiretamente relacionados com os clusters de serviços mencionados (Cummings et al., op. cit.)

Exemplos nessa linha, embora obviamente em escala muito menor, mas bastante expressivos, são encontrados em algumas cidades do Nordeste. Apenas para ilustração, atualmente desenvolvem-se, no estado de Pernambuco dois clusters de serviços, que estão revelando grande crescimento e alto dinamismo: os pólos médicos e de informática, localizados na cidade do Recife.

Um último ponto ainda merece consideração, pela sua atualidade e universalidade. Em todos os países, onde se desenvolvem distritos industriais e clusters de atividades manufatureiras ou de serviços, a competição é muito grande e crescente. Competição não somente dentro dos clusters, mas entre clusters da mesma região e entre os de regiões de diferentes países. Como tais clusters e distritos operam em bases locais, estaduais ou regionais, é natural que também haja competição por recursos, apoio e suporte governamental, também em base local, estadual e regional e, sem dúvida, do governo federal. O resultado dessa disputa por competitividade e, às vezes, por sobrevivência, é a ocorrência do conhecido fenómeno da guerra fiscal entre estados e regiões - que, como já assinalado, não é característica brasileira, mas universal.

Em muitos países, guerras fiscais ocorrem com maior intensidade quando, nos sistemas políticos desses países, sejam de administração central ou baseados em regime federalista, o governo central ou federal atua com forte viés concentrador. Neste sentido, guerras fiscais não resultam apenas de uma simples competição por recursos, mas como uma resposta à ausência de uma coerente política nacional de desenvolvimento do governo central e, sobretudo, como uma resposta a uma atitude desses governos de não revelarem um sério comprometimento explícito com a desconcentração industrial, a redução das desigualdades regionais e o melhoramento das condições sociais das regiões mais atrasadas.

A literatura sobre a experiência internacional mostra que “guerra fiscal” entre estados para atrair indústrias e outras atividades econômicas é política equivocada e pode levar a situações predatórias, a jogos de soma zero, ou, ainda pior, àqueles em que todos perdem - mas há o reconhecimento de que em todo o mundo as regiões e os estados freqüentemente assumem posições e atitudes agressivas para atrair investimentos e acelerar o seu desenvolvimento.

A questão que se coloca não é a de eliminar a disputa por recursos, mas é, essencialmente, a de evitar o caráter predatório das disputas. Nesse contexto, exigir passividade ou neutralidade dos governantes estaduais é impossível e certamente tal atitude não conduziria a situações de optimalidade. Os estados e regiões devem poder vender a sua imagem, pois uma boa imagem pode ser o resultado de boas administrações, e de vantagens locacionais construídas por governantes competentes e que utilizaram sabiamente os recursos públicos escassos de que dispunham.

Há que existir, porém, o reconhecimento de que recursos financeiros despendidos em incentivos ou subsídios indiscriminados a firmas e indústrias, tornam ainda mais escassos os recursos para investimentos muito mais necessários para o apoio de atividades claramente identificadas como geradoras de maiores impactos desenvolvimentistas, e em educação, saúde e infra-estrutura econômica, que ainda são indispensáveis para criar um clima geral favorável ao desenvolvimento.

É interessante, aqui, para finalizar esta seção, oferecer dois exemplos internacionais que podem servir de lições para o Brasil, no que diz respeito à discussão acima. O primeiro vem dos Estados Unidos. Um relatório sobre ações governamentais voltadas para o desenvolvimento regional assinala que, no ano de 1993, uma instituição já existente, que representava os interesses de todos os governos estaduais norte-americanos - The National Governor’s Association (NGA) - adotou uma política de crescimento econômico e de incentivos ao desenvolvimento das economias estaduais, especialmente dirigida a criar uma alternativa para a “guerra de incentivos”, que era uma constante entre os estados daquele país. Essas políticas consistiam na adoção de iniciativas que compreendiam como objetivos principais o melhoramento dos sistemas educacionais, dos meios de transportes e das telecomunicações, a concepção de novos sistemas tributários estaduais, de mecanismos de regulação dos negócios e do provimento de uma série de outros serviços públicos - todos voltados para maximizar os investimentos governamentais e privados na consecução da aceleração do crescimento econômico e da melhoria das condições de vida da população.

O segundo exemplo vem da Europa. Em documentos recentes das instituições da Comunidade Européia, também sobre o desenvolvimento regional, há uma firme recomendação de que, diante da escassez de recursos, os fundos estruturais e de coesão da União Européia, devem constituir não propriamente um direito das regiões a serem assistidas, mas um incentivo para programas de desenvolvimento de cada região, que estejam funcionando com maior eficácia e efetividade (cf. Comissão Européia, 1995COMISSÃO EUROPÉIA (1995): “Innovation Promotion”. Documento preparado para a Diretoria Geral, Política Regional e de Coesão.).

A seção seguinte, que traz um estudo de caso de reestruturação produtiva no Brasil, mostra a relevância de muitos pontos acima levantados, ao discutir as complexidades que vêm cercando uma indústria intensiva em mão-de-obra no país, e que vem passando por profundas mudanças estruturais tanto em seus processos produtivos como na localização espacial de suas operações.

A INDÚSTRIA DE CALÇADOS NO BRASIL: UM BREVE HISTÓRICO DA SUA EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS RECENTES DE RELOCALIZAÇÃO INDUSTRIAL NO NORDESTE BRASILEIRO

Estudos de casos sobre a indústria de calçados vêm se apresentando como uma das áreas mais interessantes para a realização de análises comparativas de experiências internacionais sobre reestruturações produtivas. A razão para esse interesse decorre de uma série de características muito particulares, que marcaram o desenvolvimento dessa indústria nas últimas três ou quatro décadas, traduzidas não apenas nas intensas e rápidas mudanças organizacionais que ela sofreu ao longo do tempo, mas principalmente, pela velocidade das alterações de localização geográfica, pelas quais ela passou e continua passando, nos dias atuais.

Durante a década de 60, com a chamada crise do sistema fordista/taylorista de produção, o setor industrial em todo o mundo começa a sofrer profundas alterações, e as indústrias mais intensivas de mão-de-obra nos países industrializados são particularmente afetadas, em decorrência da saturação dos mercados de bens padronizados de consumo, do encarecimento das matérias primas, das pressões salariais e principalmente como resultado da entrada de novos países nos mercados internacionais de bens intensivos em mão-de-obra. A indústria de calçados é uma das que mais sofreu o impacto das reestruturações produtivas ocorridas no mundo, fazendo com que países tradicionalmente produtores e exportadores dessa indústria (como os Estados Unidos, a Alemanha, a Grã-Bretanha e a França) se transformassem, em pouco tempo, em grandes importadores. A partir dos anos 60, a produção de calçados é crescentemente deslocada para países situados em diversos continentes - com destaque para o Brasil e alguns países asiáticos, como Taiwan, Coréia do Sul e Hong Kong. Na segunda metade dos anos 80, outro deslocamento espacial dessa indústria ocorre, com o aparecimento de novos concorrentes no mercado afetando, agora, as nações que haviam se tornado tradicionais exportadoras de calçados nas décadas acima mencionadas - como a Itália e o Brasil -, trazendo um acirramento da competição internacional e novos participantes, que se utilizavam das vantagens de possuírem uma grande abundância de mão-de-obra, permitindo o pagamento de salários ainda mais baixos, numa indústria que continuava sendo altamente intensiva de trabalho. No final dos anos 80, e sobretudo ao longo da década de 90, a Índia, a Indonésia, a Tailândia, a Malásia, mas especialmente a China, entram nos mercados de exportação de calçados, obrigando as indústrias da Itália e do Brasil, a ingressarem em novo ciclo de reestruturações produtivas, para sobreviverem à concorrência das nações asiáticas (cf. Rabellotti, 1995RABELLOTTI, R. (1995): “Is There an ‘Industrial District Model’? Footwear Districts in Italy and Mexico Compared”. World Development , Special Issue, vol. 23, nº 1.; Schimitz, 1995SCHIMITZ, H. (1995): “Small Shoemakers and Fordist Giants: Tale of a Supercluster”. World Development , Special Issue, vol. 23, nº 1, janeiro, GB.; e Galvão, 1998c GALVÃO, O. J. A.(1998c): “Dez Estudos de Casos de Clusters e de Distritos Industriais, em Países Selecionados”. Texto para Discussão nº 416, PIMES da UFPE, setembro.).

O caso a seguir examinado, o da indústria de calçados no Brasil, tem despertado grande interesse na literatura internacional. Vale registrar, de início que, vista por uma perspectiva mais ampla, a indústria de calçados no Brasil apresentava, entre as décadas de 60 e 80, uma grande dispersão geográfica, contando com estabelecimentos do setor localizados em praticamente todos os estados do país. Olhada, a indústria, porém, sob uma ótica mais detalhada, observava-se haver uma grande concentração dessas firmas em apenas t ês estados do país: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo. Todavia, apenas os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul apresentavam uma distribuição de firmas na qual era particularmente notável a presença de outras empresas que formam o complexo industrial calçadista, com significativo número de fábricas de componentes e acessórios, de fabricantes de insumos químicos, de máquinas e equipamentos, de curtimento e beneficiamento de couro, de artefatos diversos, além de expressiva presença de firmas prestadoras de serviços técnicos e de assessoramento tecnológico, de agentes de exportação e firmas organizadas de transporte - todas essas firmas ligadas, direta ou indiretamente, ao setor de fabricação de calçados. Nesses dois estados, além do mais, a grande maioria das empresas fabricantes de calçados, os seus fornecedores e as diversas outras empresas prestadoras de serviços, concentravamse em duas áreas geográficas bem definidas: em São Paulo, na cidade de Franca, e no Rio Grande do Sul, na região denominada de Vale dos Sinos, onde se sobressai a cidade de Novo Hamburgo.

Nessas duas áreas, a indústria de calçados se desenvolveu de forma espacialmente concentrada e setorialmente especializada, constituindo verdadeiros clusters - fato que tem motivado a realização de pesquisas que colocaram a experiência de Franca e do Vale dos Sinos como casos exemplares de estudo na literatura recente sobre novos padrões de reestruturação industrial e a emergência de novas estruturas organizacionais.

A extraordinária performance do Brasil, em termos de expansão da produção e especialmente das exportações, se deveu, até o início da década de 90, quase que exclusivamente aos dois clusters, a seguir estudados.

A região do Vale dos Sinos tornou-se, a partir do início dos anos 70, o maior centro produtor e exportador de calçados do Brasil. Tendo como centro dinâmico a cidade de Novo Hamburgo, esta região concentrava, em 1991, mais de 1.800 empresas ligadas ao setor calçadista, empregando mais de 150 mil trabalhadores, sendo 480 voltadas diretamente à fabricação de calçados, e as restantes distribuídas em uma vasta rede de empresas ancilares, entre as quais 45 fábricas de máquinas e equipamentos, mais de 200 de componentes e acessórios, 135 curtumes, 52 fábricas de artefatos de couro, 26 de insumos de borracha, e mais de 700 empresas prestadoras de serviços diversos (oficinas e ateliers), além de uma grande diversidade de empresas envolvidas em outras atividades especializadas. As cidades do Vale dos Sinos são especializadas na produção de calçados femininos, e respondiam, no final dos 80, por 30% de toda a produção de calçados no Brasil, mais da metade destinada ao mercado exterior e por cerca de 60% de todas as exportações brasileiras de calçados. A cidade de Franca, em São Paulo, era o segundo pólo produtor de calçados no Brasil, empregando mais de 24 mil operários, em cerca de 400 empresas, e nesta cidade também funcionam diversas fábricas de máquinas e equipamentos, de componentes e acessórios e de outros insumos para a indústria. Especializada na produção de calçados masculinos, Franca respondia por quase todo o restante das exportações brasileiras do setor.

Na breve história da extraordinária expansão da indústria de calçados no Brasil, três fases foram percorridas: a primeira, que se inicia nos anos 60 e se encerra na metade da década de 70, quando a indústria era praticamente constituída por pequenas e médias empresas, a maioria produzindo em regime quase artesanal; a segunda, quando ocorre o boom das exportações, entre o início dos 70 e o final dos anos 80, quando as empresas crescem de tamanho e algumas se tornam empresas gigantes, passando a manifestar várias características do sistema fordista de produção em massa de bens padronizados; e a fase atual, de crise ( que se inicia na segunda metade dos anos 80), marcada pela ocorrência de uma nova reorganização produtiva do setor, mais voltada para o sistema de produção flexível, com maior ênfase em qualidade e na produção de bens mais diferenciados. Esta terceira fase também é fortemente marcada, como se verá adiante, pelo início de um amplo processo de relocalização geográfica da indústria no sentido das regiões Sul/Sudeste, para o Nordeste.

A aglomeração de firmas fabricantes de calçados e de fornecedores, a integração entre o setor de bens de capital e essas empresas e a presença dos agentes exportadores, foram cruciais para a emergência, no Brasil, dos dois poderosos clusters exportadores aqui estudados. Vale assinalar que, até praticamente o final dos anos 60, quase todas as firmas nesses distritos eram pequenas ou médias, e uma grande proporção delas operava com menos de 20 trabalhadores. No início dos anos 80, porém, já existiam, somente no Vale dos Sinos, 33 firmas com mais de 500 operários, várias com mais de 2 mil e até algumas com mais de 3 mil trabalhadores. Nessas grandes empresas o sistema organizacional da produção assumia características típicas do modelo fordista/taylorista, a ponto de os dois distritos industriais brasileiros terem sido classificados como “super clusters”.

Durante as duas primeiras fases do desenvolvimento dos distritos industriais de calçados no Brasil, e a despeito dos fortes traços fordistas apresentados por algumas das empresas de grande porte, predominava um sistema produtivo baseado na interação entre os diversos agentes produtivos, que praticavam uma extensa divisão do trabalho, pois continuou existindo, nas duas áreas, uma vasta rede de empresas fornecedoras de insumos, componentes e equipamentos e prestadoras de serviços. Entre essas firm as praticavam-se largamente sistemas de terceirização de tarefas, utilizando-se as mais variadas formas de subcontratação, inclusive a doméstica, que se materializava na forma do trabalho domiciliar.

A partir da segunda metade dos anos 80, porém, a indústria de calçados no Brasil entra em crise, em decorrência de vários fenómenos coincidentes. Primeiro, o governo federal, por força de acordos internacionais de comércio, inicia um processo gradativo e, depois, de eliminação quase total, dos subsídios às exportações. Segundo, entram em cena novos concorrentes internacionais, iniciando-se mais outra fase de deslocamento geográfico da produção mundial de calçados, na direção de nações onde a mão-de-obra era ainda mais barata que no Brasil (especialmente a China, a Indonésia e a Tailândia), fazendo com que este país fosse sendo substituído, pouco a pouco, como fornecedor dos Estados Unidos. E terceiro, as próprias casas importadoras norte-americanas começam a adotar práticas organizacionais diferentes, passando a utilizar sistemas just-in-time - que trazem como principal característica a manutenção de baixos estoques e a eliminação do sistema anterior, baseado em grandes encomendas às fábricas brasileiras, de produtos padronizados.

Tem início, então, um processo de reação às novas realidades do mercado, que se manifestava, principalmente, através de volumes menores de encomendas, na produção e entrega de lotes em menor espaço de tempo e em maiores exigências quanto à qualidade dos produtos. Neste processo de reajustamento e de nova reorganização industrial por que tiveram que passar as firmas brasileiras de calçados, algumas empresas de grande porte entraram em falência, outras mudaram a ênfase de crescimento da produção para a reorganização interna, algumas grandes plantas descentralizaram suas atividades, transformando-se em fábricas menores, houve um esforço maior de valorização da mão-de-obra, para torná-la mais qualificada e especializada e procurou-se a diversificação de mercados, as firmas tentando reduzir sua dependência das vendas nos mercados americanos e abrir novos canais de comercialização nos países europeus (Schimitz, op. cit.; Meireles, 1996MEIRELES, TH. (1996): “Análise da Competitividade da Indústria Brasileira de Calçados: As Novas Tendências Tecnológicas, e sua Inserção no Mercado Externo” (Mimeo).; Dias Pereira, 1998DIAS PEREIRA, J. M. (1998): “Flexibilidade da Produção e Subcontratação do Trabalho: O Caso da Indústria Gaúcha de Calçados de Couro”. Tese Doutoral, PIMES da UFPE, Recife (Mimeo).; e Galvão, 1998b_________.(1998b): “Clusters e de Distritos Industriais: Estudos de Casos em Países Selecionados e Implicações de Política”. Texto para Discussão nº 413, PIMES da UFPE, agosto., 1998c GALVÃO, O. J. A.(1998c): “Dez Estudos de Casos de Clusters e de Distritos Industriais, em Países Selecionados”. Texto para Discussão nº 416, PIMES da UFPE, setembro.).

Outra manifestação importante da conduta das empresas calçadistas brasileiras e especialmente das maiores, foi a sua tentativa, já no final dos anos 80, de deslocamento de várias unidades fabris para áreas circunvizinhas às dos dois distritos industriais do Rio Grande do Sul e de São Paulo.

Com o encarecimento da mão-de-obra e o fortalecimento dos movimentos trabalhistas nas regiões produtoras tradicionais, as grandes e médias fábricas tentaram sub-contratar trabalhadores em pequenos municípios de outras áreas dos estados acima mencionados. As empresas do Vale dos Sinos, particularmente, instalaram várias de suas operações em regiões agrícolas relativamente isoladas, como o Vale do Taquari e o Vale do Paranhana, onde a mão-de-obra era mais barata e sem experiência de organização sindical (Costa, 1998; Andreoli Galvão, 1999).

Mas a indústria de calçados do Sul e do Sudeste continuou enfrentando grandes dificuldades, com perdas crescentes de mercados externos e internos.

No início dos anos 90, dois grandes desafios se colocavam à indústria brasileira de calçados: romper as barreiras protecionistas dos países industrializados, que se utilizavam largamente de mecanismos de defesa de suas indústrias intensivas em mão-de-obra; e vencer a concorrência asiática, não apenas nos mercados externos, mas, agora, no próprio mercado interno, em virtude da crescente abertura da economia às importações.

O primeiro desafio pareceu ter tido um bom encaminhamento no médio ou longo prazos, já que as negociações da Rodada do Uruguai, ocorridas no período 1986-1993, traziam a promessa de uma melhoria do acesso aos bens intensivos de mão-de-obra nos mercados dos países industrializados.

O segundo desafio, contudo, era de ordem muito mais complexa, pois o setor calçadista, continuando intensivo em mão-de-obra, tornava os diferenciais de salários determinantes, ainda, da capacidade competitiva da indústria, em cada país.

No início da década de 90, as condições da indústria de calçados no Brasil indicavam haver, em princípio, dois caminhos a seguir: deslocar parte do seu parque industrial para regiões brasileiras onde os salários eram ainda mais baixos; e/ou adotar, nas antigas (e talvez também nas novas) regiões produtoras de calçados novas tecnologias, sobretudo baseadas na microeletrônica, introduzindo avançados sistemas para concepção de designs (modelos) e de processos de fabricação, através de programas de computador (os sistemas CAD/CAM - computer aided design/ computer aided manufacturing), que já estavam sendo largamente utilizados em alguns países industrializados, e especialmente nos distritos industriais italianos - que propiciam um certo deslocamento dos salários, como fator determinante dos custos de produção, para a tecnologia.

O primeiro caminho começou a ser seguido a partir do início da década de 90 e se intensificou após a implementação do Plano Real, que trouxe novas dificuldades para os exportadores de calçados, em virtude da valorização do câmbio e da intensificação do processo de abertura comercial, que possibilitou a entrada, no país, de grande quantidade de calçados importados dos países asiáticos.

O deslocamento de fábricas tradicionais do Rio Grande do Sul e São Paulo para o Nordeste está sendo visto, por alguns analistas, como uma verdadeira revolução na indústria calçadista brasileira (Conjuntura Econômica, 1997CONJUNTURA Econômica (1997): Indústria de Calçados: Corrida contra o Tempo. Fundação Getúlio Vargas, agosto, Rio de Janeiro.). Praticamente todas as grandes empresas do setor - entre as quais a Grendene, a Azaléia, a Dakota, a Vulcabrás, a Ortopé, a Brochier e a Dilly, só para citar algumas - já estão operando em vários estados do Nordeste, especialmente no Ceará, mas também na Paraíba, na Bahia e em Sergipe.

Na primeira metade dos anos 90, mais de 15 firmas calçadistas gaúchas e várias de São Paulo estabeleceram-se em estados nordestinos, abrindo diversas unidades fabris nas capitais da região e no interior, empregando enorme contingente de trabalhadores. Na segunda metade dos anos 90, a corrida ao Nordeste foi ainda maior. Só a Grendene do Ceará - que constava, segundo a Abicalçados, já como a quarta maior empresa de calçados no Brasil no ano de 1996 - opera nove fábricas no estado do Ceará (duas em Fortaleza e o resto em municípios do interior), produzindo mais de 60% de toda a produção da empresa no Nordeste, grande parte da qual destinada à exportação (cf. Dias Pereira, op. cit., p. 238; e Grendene, 1998GRENDENE (1998): “A Empresa” (obtido via Internet).). Um outro exemplo é a Azaléia, com unidades fabris em Campina Grande e Itaporanga d’Ajuda, na Paraíba, e outra grande central de produção em instalação no município de Itapetinga, na Bahia, que se utilizará de 20 cooperativas de trabalho, espalhadas por 17 municípios vizinhos, produzindo 50 mil pares de tênis esportivos por dia, e criando mais de 1O mil empregos diretos.

A explosão do crescimento das empresas calçadistas que se instalaram e continuam se instalando no Nordeste, parece vir contribuindo para resolver parte do problema da indústria - inclusive já se registrando uma certa recuperação das fatias do mercado internacional que haviam sido perdidas pelas empresas do Sul/Sudeste no início dos anos 90.

Todavia, nas áreas tradicionais produtoras de calçados a situação da indústria, como era de se esperar, não parece tão favorável. Apenas no período de 1994 a 1996, 40 mil trabalhadores no Rio Grande do Sul perderam o seu emprego e mais de 200 firm as fecharam as suas portas (Dias Pereira, op. cit., p. 159). O município de Franca, por sua vez, já está enfrentando sérios problemas de arrecadação tributária, em decorrência tanto da redução do número de firmas quanto da produção de calçados nesta cidade paulista.

As informações disponíveis no momento permitem inferir que as empresas nordestinas são competitivas, não somente por conta das novas tecnologias introduzidas e dos incentivos fiscais praticados pelos estados da região, mas sobretudo por conta dos arranjos trabalhistas que passaram a vigorar com a chegada da nova indústria. Na maioria dos municípios onde as fábricas calçadistas se instalaram, têm sido predominantes os esquemas de Subcontratação e terceirização - que constituem formas de organização do trabalho que também têm se desenvolvido em várias partes do mundo, inclusive nos países europeus (na Itália, na Espanha e em Portugal, por exemplo) -, mas esses novos arranjos institucionais estão sendo vistos, tal como na Europa, tanto como um mecanismo de flexibilização de processos produtivos quanto como um expediente voltado para a redução de custos - indicando, assim, que o caminho de reestruturação produtiva que se observa no setor, no Brasil, talvez seja mais do tipo low road - que provoca grandes impactos sobre o emprego e a renda das famílias onde antes havia poucas oportunidades de ocupação produtiva, mas que se apresenta, pelo menos no médio prazo, como uma forma típica de exploração da mão-de-obra barata.

No Nordeste, as empresas estão recebendo generosos incentivos fiscais dos governos dos estados e grande parte da produção é realizada através de cooperativas de trabalho - que empregam dezenas de milhares de trabalhadores - muitos dos quais utilizando as instalações e equipamentos das empresas, mas que não mantêm com elas qualquer vínculo empregatício.

O sistema produtivo em utilização na região é largamente baseado em redes, na medida em que as empresas operam várias unidades produtivas, em diversos municípios, especializadas em tarefas e atividades diferentes. Até o momento, porém, as firmas produtoras de calçados são, em sua quase totalidade, as empresas de grande porte que já existiam no Sul e Sudeste. Tais empresas funcionam como clusters, mas, porque têm data de operação muito recente, não possuem ainda a mesma densidade dos clusters do Vale dos Sinos, por exemplo, que se desenvolveram incluindo um grande número de pequenas e médias firmas, entre as quais se praticavam amplos mecanismos de terceirização e de divisão de trabalho. No Nordeste ainda é reduzido o número de empresas de componentes, mas já é um fato que estas estão chegando também à região (segundo informe recente do BNDES já estariam operando ou em instalação, em várias partes do Nordeste, cerca de 400 fábricas de componentes para a indústria de calçados), havendo um certo consenso, entre os industriais do ramo, de que a migração dessas fábricas do Sul/Sudeste para o Nordeste é só uma questão de tempo, em face do crescimento extraordinário do setor.

Por outro lado, não há dúvidas de que as firmas localizadas no Nordeste operam com claras características de flexibilidade. Como as plantas de cada empresa são pequenas ou médias e localizadas em diversos municípios vizinhos de uma mesma região, a possibilidade de alterações no perfil da oferta, em função das necessidades ou exigências do mercado, é certamente maior do que ocorria na época em que essas empresas operavam com enormes plantas nas regiões de origem. Além do mais, tem havido uma preocupação de alguns governos dos estados do Nordeste de dar apoio tecnológico às empresas calçadistas, para que seja mantido um nível mínimo de inovações que o setor exige. No presente momento, a maior parte das pesquisas que induzem ao desenvolvimento de produtos é realizada nas matrizes das indústrias recém instaladas, mas já existe no Nordeste um ativo Centro de Tecnologia do Couro, situado no município de Campina Grande, no estado da Paraíba - mantido pelo SENAI - que tem operado na área de formação de mão-de-obra apta a trabalhar com novas e sofisticadas tecnologias. Recentemente, vale acrescer, as atividades do mencionado Centro foram ampliadas com a criação de uma incubadora de couros e calçados - uma iniciativa que contou e conta com o apoio institucional e financeiro da Sudene, do Banco do Nordeste, da Universidade Federal da Paraíba e do Sebrae. É importante assinalar, ainda, que é propósito declarado dos órgãos acima mencionados, tão-somente formar mão-de-obra qualificada e estimular a formação de uma classe empresarial nativa, que venha, em futuro próximo, a desenvolver iniciativas próprias de constituição de outras empresas do setor.

No que diz respeito aos processos de gestão da mão-de-obra, as cooperativas de trabalhadores constituem, sem dúvida, um arranjo institucional bastante conveniente para as empresas calçadistas - por permitirem uma diminuição dos encargos sociais e o pagamento de salários mais baixos do que os pagos nas regiões tradicionais do Rio Grande do Sul e de São Paulo. As cooperativas pagam apenas uma alíquota média de 15% sobre o faturamento a título de desconto previdenciário, isentando-se as empresas de uma série de outros encargos trabalhistas. O impacto sobre os níveis do emprego e da renda locais e regionais, todavia, vem sendo considerados como muito expressivos.

CONCLUSÕES

Praticamente todos os países industrializados, nas últimas décadas, passaram, e continuam passando, por profundas mudanças nas suas estruturas organizacionais de produção. Essas mudanças são fruto da substituição crescente do antigo “modelo fordista” de acumulação - baseado na presença dominante de grandes corporações produzindo em regime de produção verticalizada - por outro chamado de acumulação flexível - centrado em formas descentralizadas de produção e menos dependente da existência de economias de escala, ou seja, daquelas decorrentes da produção de grandes volumes de produção padronizada, em grandes plantas industriais.

Na Itália, reconhecidamente um dos países que mais sucesso parece ter obtido na adaptação aos novos sistemas de produção flexível, as suas indústrias intensivas em mão-de-obra, sobretudo a têxtil, de confecções e de calçados, alcançaram extraordinário desenvolvimento. Essas indústrias, embora venham sofrendo intensa concorrência dos países menos desenvolvidos, parecem estar sendo capazes de sobreviver à competição dos países abundantes em fator trabalho e cujas indústrias pagam salários muito mais baixos, graças à introdução crescente de inovações tecnológicas e à sua especialização em produtos mais caros e de melhor qualidade.

Embora as idéias abaixo ainda estejam sujeitas à comprovação, parece ser possível argumentar que, a partir da década de 60 e até a de 80, o fator determinante da competitividade de certas indústrias intensivas em mão-de-obra, como a têxtil e a de calçados, residia essencialmente nos diferenciais de salários. Foi nessa época em que o Brasil teria se beneficiado largamente da produção em grande escala de manufaturas intensivas em mão-de-obra, em virtude dos baixos salários vigentes nos seus mercados de trabalho, tornando-se, o país, importante produtor e exportador de bens têxteis e, muito especialmente, de calçados.

A partir do final dos anos 80 e durante os anos 90, os avanços tecnológicos que ocorreram nas indústrias intensivas em trabalho passaram a promover um ressurgimento dessas indústrias em vários países desenvolvidos, na medida em que os baixos salários teriam deixado de ser praticamente o único determinante da competitividade dessas indústrias. Algumas observações sobre a evolução recente da indústria de calçados, por exemplo, parecem mostrar que os baixos salários continuam sendo um fator competitivo determinante na fabricação de produtos de qualidade inferior e média, enquanto as tecnologias microeletrônicas (nos casos, os sistemas CAD/CAM) se tornaram o fator crítico na competitividade dos produtos de qualidade superior.

Em assim sendo, a indústria calçadista (e de igual modo também a têxtil) no Brasil se encontra, nos dias atuais, diante de um quadro bem mais complexo do que se encontrava nas décadas de 60 e 70, tendo de concorrer com dois tipos de competidores: os do Terceiro Mundo, na fabricação de produtos de média e baixa qualidade - nos quais o preço da mão-de-obra ainda é fator determinante da competitividade; e os do Primeiro Mundo, na fabricação de produtos de alta qualidade, onde a tecnologia e uma mão-de-obra melhor qualificada constituem o fator crítico da competitividade.

No Brasil, a introdução das avançadas tecnologias já utilizados nos países industrializados traz uma série de problemas, por envolver toda a cadeia produtiva: exige matéria-prima de melhor qualidade (é bom lembrar que apenas 15% dos couros brasileiros são considerados, segundo entidades especializadas da indústria, de boa qualidade); exige a presença de uma indústria eficiente de fabricantes de máquinas e equipamentos; e uma mão-de-obra qualificada, capaz de operar as novas tecnologias - o que parece ainda não dispor o país, e nem mesmo as suas regiões mais desenvolvidas (vale lembrar que no Vale dos Sinos, segundo informações de Dias Pereira, apenas 10% dos trabalhadores da indústria calçadista tinham o primeiro grau completo).

Talvez seja por isso que o Nordeste se apresente, no momento, como um locus privilegiado para a localização de muitas indústrias intensivas de mão-de-obra, como já vem ocorrendo, em decorrência de seus baixos salários (em comparação com os das regiões Sul/Sudeste), da fraca ou inexistente organização sindical, dos incentivos fiscais e de outros atrativos oferecidos pelos estados nordestinos, e também porque, em alguns casos, a tecnologia trazida pelos empresários do Sul/Sudeste, graças à abertura comercial, já é mais avançada nas novas fábricas do Nordeste do que na média das antigas fábricas daquelas duas regiões. Uma combinação, portanto, de baixos salários com alguma melhoria tecnológica, mesmo que não torne o Brasil competitivo nos mercados de produtos de maior qualidade e preço nos países industrializados, certamente será capaz de colocar o país em situação mais favorável para enfrentar a concorrência dos novos emergentes asiáticos, sobretudo nas linhas de produção de qualidade inferior e intermediária, e de garantir a preservação do mercado interno para as indústrias brasileiras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AMORIM, M. A. (1998): “Promoção de Clusters e Aglomerações de Pequenas e Médias Empresas - Idéias para Difundir e Fortalecer a Industrialização no Estado do Ceará”. Fortaleza, CE, Mimeo.
  • BNDES (1998): “O Setor de Calçados no Brasil”, Informe Setorial. Área de Operações Industriais, nº 13, maio, Rio de Janeiro, RJ.
  • CAWTHORNE, P. M. (1995): “Of Networks and Markets-The Rise and Rise of a South Indian Town, the Example of Tiruppur’s Cotton Knitwear Industry”, World Development, Special Issue, vol. 23, nº 1.
  • COMISSÃO EUROPÉIA (1995): “Innovation Promotion”. Documento preparado para a Diretoria Geral, Política Regional e de Coesão.
  • CONJUNTURA Econômica (1997): Indústria de Calçados: Corrida contra o Tempo. Fundação Getúlio Vargas, agosto, Rio de Janeiro.
  • DIAS PEREIRA, J. M. (1998): “Flexibilidade da Produção e Subcontratação do Trabalho: O Caso da Indústria Gaúcha de Calçados de Couro”. Tese Doutoral, PIMES da UFPE, Recife (Mimeo).
  • GALVÃO, O. J. A., org. (1997): Ensaios de Economia. Edição Comemorativa dos 30 anos do PIMES da UFPE. Recife: Recife Gráfica e Editora.
  • _________.(1998a): “Velhas e Novas Políticas de Desenvolvimento Regional à Luz dos Conceitos de Especialização Flexível e de Novos Espaços Industriais”. Revista Econômica do Nordeste, vai. 29, Número Especial, julho.
  • _________.(1998b): “Clusters e de Distritos Industriais: Estudos de Casos em Países Selecionados e Implicações de Política”. Texto para Discussão nº 413, PIMES da UFPE, agosto.
  • GALVÃO, O. J. A.(1998c): “Dez Estudos de Casos de Clusters e de Distritos Industriais, em Países Selecionados”. Texto para Discussão nº 416, PIMES da UFPE, setembro.
  • GATTO, F. (1990): “Câmbio Tecnologico Neofordista y Reorganizacion Productiva: Primeras Reflexiones sobre sus Implicaciones Territoriales”. ln Albuquerque, F. et ai., orgs. (1990): Revolucion Tecnologica y Restructurarion Productiva: Impactos y Desafios Territoriales Buenos Aires.
  • GRAY, Anne (1995): “Flexibilisation of Labour and the Attack on Worker’s Living Standards” (Draft).
  • GRENDENE (1998): “A Empresa” (obtido via Internet).
  • HUMPHREY, J. (1995): “Industrial Organization and Manufacturing Competitiveness in Developing Countries”. World Development , Special Issue, vol. 23, nº 1, janeiro.
  • KRISTENSEN, P. H. (1992): “Industrial Districts in WestJutland, Denmanrk”. ln Sengenberger & Pyke, ed. (1992): Industrial Districts and Local Economic Regeneration Genebra: International Institute for Labour Studies, ILO.
  • LOCKE, R. M. (1995): Remaking the Italian Economy Ithaca & London: Cornell University Press.
  • MEIRELES, TH. (1996): “Análise da Competitividade da Indústria Brasileira de Calçados: As Novas Tendências Tecnológicas, e sua Inserção no Mercado Externo” (Mimeo).
  • PORTER, M. E. (1993): A Vantagem Competitiva das Nações Rio de Janeiro: Campus.
  • PYKE, F., et ai. (1992): Industrial Districts and Inter-firm Cooperation in Italy Genebra: International Institute for Labour Studies, ILO .
  • RABELLOTTI, R. (1995): “Is There an ‘Industrial District Model’? Footwear Districts in Italy and Mexico Compared”. World Development , Special Issue, vol. 23, nº 1.
  • SCHIMITZ, H. (1995): “Small Shoemakers and Fordist Giants: Tale of a Supercluster”. World Development , Special Issue, vol. 23, nº 1, janeiro, GB.
  • _________. (1992): “Industrial Districts: Models and Reality in Baden Wurttembeerg, Germany”. ln Segenberger & Pyke, ed., 1992: Industrial Districts and Local Economic Regeneration. Genebra: International Labour Institute for Labour Studies, ILO.
  • SAXENIAN, A. (1994): Regional Advantage: Culture and Competition in Silicon Valley and Route 128 USA: Harvard University Press.
  • SENGENBERGER, W & PYKE, F. (1992): “Industrial Districts and Local Economic Regeneration- Research in Policy Issues”. ln Sengenberger, W & Pyke, F., ed. Industrial Districts, Genebra
  • _________.eds, (1992) Industrial Districts and Local Economic Regeneration. Genebra: International Labour Organization for Labour Studies.
  • TENDLER, J. & AMORIM, M. A. (1996) “Small Firms and their Helpers - Lessons on Demand”, World Development , vol. 24, nº 3.
  • TRIGILIA, C. (1992) “The Industrial Districts: Neither Myth nor Interlude”. ln Sergenberger & Pyke, ed. Industrial Districts , Genebra.
  • W. S. CUMMINGS Economic Research Services et ai. (1996): “Far North Queensland Regional Network: Strategies for Tradeable Services”. Queensland, dezembro.
  • WOLFE, David A. (1997) The Emergence of the Region State. Department of Political Science, University of Toronto (Draft).
  • ZOOK, Matthew A. (1997) “Technological Innovation and Theories of Regional Development.” Department of City and Regional Planning, University of California-Berkeley (Draft, março).
  • 1
    Ver, especialmente, Sengenberger & Pyke (1992SENGENBERGER, W & PYKE, F. (1992): “Industrial Districts and Local Economic Regeneration- Research in Policy Issues”. ln Sengenberger, W & Pyke, F., ed. Industrial Districts, Genebra), Wolfe (1997WOLFE, David A. (1997) The Emergence of the Region State. Department of Political Science, University of Toronto (Draft).), Zook (1997ZOOK, Matthew A. (1997) “Technological Innovation and Theories of Regional Development.” Department of City and Regional Planning, University of California-Berkeley (Draft, março).) e Porter (1993PORTER, M. E. (1993): A Vantagem Competitiva das Nações. Rio de Janeiro: Campus.).
  • 2
    Ainda vale registrar, nesse contexto, que alguns aspectos do “novo paradigma” tecnológico têm levado a uma crescente onda de pessimismo com relação às perspectivas dos países e regiões menos desenvolvidos, sob o argumento de que a sociedade futura estará baseada na informação e no conhecimento e que, portanto, a nova indústria se instalaria apenas nos países e regiões com abundantes recursos de mão-de-obra qualificada. Embora este argumento contenha forte elemento de verdade, e não restem dúvidas de que “a modernidade não está aberta a todos [indivíduos, países e regiões] de igual maneira e simultaneamente” (Gatto, 1990GATTO, F. (1990): “Câmbio Tecnologico Neofordista y Reorganizacion Productiva: Primeras Reflexiones sobre sus Implicaciones Territoriales”. ln Albuquerque, F. et ai., orgs. (1990): Revolucion Tecnologica y Restructurarion Productiva: Impactos y Desafios Territoriales. Buenos Aires., p. 39), vale lembrar, também que, na ordem industrial em gestação, muitas das novas vantagens dinâmicas se assentam sobre fatores socialmente construídos, no sentido de que resultam de decisões de política econômica, científica e tecnológica de agentes públicos e privados. Além do mais, não se deve desprezar o fato de que ainda haverá muito espaço para o desenvolvimento de indústrias dependentes de recursos naturais e que se sentem fortemente atraídas por diferenciais de salários — desde as mais tradicionais, como a de calçados, têxtil e alimentar, até as mais intensivas em capital, como química, papel e celulose e de material elétrico e eletrónico de consumo. Assim, mesmo sem se tornarem centros de geração de tecnologia, muitos países e regiões menos desenvolvidos poderão abrigar número expressivo de iniciativas industriais em ramos menos sofisticados da sociedade pósindustrial. Por fim, leve-se ainda em conta que, mesmo concentrando-se nos países do Primeiro Mundo, nem toda a indústria de alta tecnologia deverá necessariamente ficar localizada nos países de economia central — como foi sugerido acima. A experiência das economias do leste e sudeste asiáticos, nas últimas décadas, revela que, com uma boa estratégia de política industrial e o comprometimento dos governos com a formação de capital humano, uma parte das novas indústrias “pós-fordistas” poderá se localizar e prosperar na periferia.
  • 3
    A Itália é considerada como a terra dos Distritos Industriais. Os “distritos industriais” que se desenvolveram neste país nas últimas décadas, são emblemáticos como exemplos de reação e adaptação às novas tendências de globalização e às reestruturações geradas pelos novos paradigmas tecnológicos. Concentradas nas regiões norte e nordeste desse país — principalmente nas províncias de Emília-Romana, de Veneto, da Umbria, da Toscana e do Piemonte — milhares de firmas pequenas e médias se aglomeraram em várias cidades, e em suas periferias, produzindo em regime de especialização flexível, quando número de bens e serviços diferenciados em setores tradicionais — têxteis, confecções, produtos cerâmicos, móveis, instrumentos musicais — mas também em alguns de maior elaboração tecnológica, como engenharia mecânica, equipamentos óticos e diversos produtos da indústria micro-eletrónica. Estima-se a existência, nessas regiões italianas, que vieram a ser chamadas de Terceira Itália (Terza Italia, segundo os italianos), de pelo menos 50 distritos, cada um deles formado por um vasto conjunto de firmas especializadas (Sengenberber & Pyke, op. cit., Sengenberger et alii (1990), Pyke et alii (1992PYKE, F., et ai. (1992): Industrial Districts and Inter-firm Cooperation in Italy. Genebra: International Institute for Labour Studies, ILO .) e Locke (1995LOCKE, R. M. (1995): Remaking the Italian Economy. Ithaca & London: Cornell University Press.).
  • JEL Classification: L67; F61.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2001
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br