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A difusão do desenvolvimento: o modelo de industrialização tardia e a Grande Ásia Oriental* * Tradução de Ricardo Borges Costa.

The diffusion of development: the late industrialization model and the Great East Asia

RESUMO

Qual foi o impulsionador do sucesso da industrialização tardia no Leste Asiático? A posição ativa do Estado e do processo de empréstimo e aprendizagem em tecnologia parece ser a resposta certa. Este artigo discute essas duas hipóteses comparando-as com outras.

PALAVRAS-CHAVE:
Crescimento econômico; industrialização

ABSTRACT

What was the driver for the success of the late industrialization on East Asian? The active position of the State and the lending and learning process regarding technology seems to be the right answer. This paper discusses these two hypotheses comparing them to others.

KEYWORDS:
Economic growth; industrialization

Característica marcante da industrialização tardia é o seu viés regional. A Ásia oriental, tanto ao norte quanto ao sul, tem produzido boa parte dos países que mais rapidamente se industrializaram, incluindo Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Malásia, Indonésia e Tailândia (Cingapura e Hong Kong, embora prosperando, são distintos por nunca terem se transformado a partir de uma base agrária, que é normalmente o sentido dado ao termo “industrialização”). Entre 1960 e 1988, a indústria cresceu a uma taxa anual de 10,6% na Ásia oriental, ao passo que no conjunto das regiões em desenvolvimento esse crescimento se deu a uma taxa de 6,3% (Banco Mundial, 1990WORLD BANK, World Development Report 1990. Washington: World Bank, 1990).

O crescimento na Ásia oriental não foi uniforme; o desempenho das Filipinas não acompanhou o dos outros países. Procurar determinar por que a Ásia oriental em geral se expandiu pela comparação com o caso de desvio das Filipinas representa um atalho analítico que não podemos tomar. As Filipinas, por exemplo, promovem as exportações por mais de uma década, o que é uma política atribuída ao sucesso da Grande Ásia oriental. Nas Filipinas, entre 1973-1980 e 1980-1986, a razão entre exportações de produtos industrializados e valor adicionado pela indústria praticamente dobrou, mas sua economia ficou estagnada (como ocorreu com a economia exportadora de Porto Rico) (UNESCAP, 1990UN Economic and Social Comission for Asia and the Pacific, Restructuring the Development Economies of Asia and the Pacific in the 1990, New York: UN, 1990.). Assim, a chave para compreender o sucesso da Ásia oriental deve ser buscada além da atividade exportadora (ou da educação, campo em que tanto as Filipinas quanto Porto Rico têm também conseguido resultados excelentes).

A distribuição equitativa das terras, um fator estrutural que é geral para toda a Ásia oriental mas não para as Filipinas, provavelmente desempenha importante papel nessa disparidade de taxas de crescimento intrarregionais (bem como interregionais). A distribuição equitativa das terras na Ásia oriental seguindo padrões mundiais - por si só uma virtude - também parece estar na base de sua distribuição equitativa de salários e ordenados, a qual tem contribuído para pôr em xeque a inflação e o conflito social. Esse quadro, por sua vez, parece determinar altos níveis de poupança. Não obstante, o relacionamento entre industrialização e distribuição de renda é mais complexo do que sugerido pela comparação acima. O Brasil, por exemplo, com uma distribuição de renda altamente desigual, cresceu de maneira excepcionalmente rápida durante 25 anos. Países da Ásia oriental que possuem distribuições de renda não muito equitativas - como Tailândia e Indonésia - também apresentaram um ritmo acelerado de crescimento. Nos anos 80 (ou anos 70, em alguns casos), a participação na renda do quintil mais alto da população foi 4,0 vezes maior que a do quintil mais baixo no Japão, 4,3 em Taiwan (Kuo Ting Li 1988LI, KUO-TING, The Evolution of Policy Behind Taiwan’s Development Success, New Haven: Yale University Press, 1988.), 4,9 na Coréia do Sul, 7,6 em Cingapura, 11,2 na Tailândia, 11,9 na Indonésia (renda rural, Alan Geib, 1988GEIB ALAN (and Associates), Oi/Windfalls: Blessing or Curse?, New York: Oxford University Press, 1988.), 12,1 em Hong Kong e 16,1 nas Filipinas (os valores correspondentes para México, Brasil e Estados Unidos foram 15,4, 27,7 e 10,7 respectivamente). (Veja UN, 1985UN, National Accounts Statistics: Compendium of Income Distribution Statistics. New York: UN, 1985.).

É evidente que uma única variável não pode substituir uma teoria mais geral de industrialização tardia para explicar tendências de crescimento divergentes. Na formulação dessa teoria, são possíveis pelo menos duas abordagens. Uma consiste em aplicar a abordagem dos “gansos migradores” (originariamente apresentada por Akamatsu), de acordo com a qual as transferências de tecnologia, os investimentos estrangeiros e o comércio entre as partes mais ricas e mais pobres de uma região produzem o desenvolvimento através da reestruturação da divisão do trabalho (veja M. Shinohara, 1972SINOHARA, M., Growth and Cycles in the Japonese Economy; Tokyo: Institute of Economic Research, Hitotsubaki University, 1972.). A outra consiste em analisar o modelo geral por trás da industrialização tardia para então buscar as razões teóricas que expliquem por que apenas alguns países foram capazes de assimilar essa industrialização.

Não há dúvida de que a Ásia oriental tem sido influenciada por externalidades positivas (e algumas negativas) determinadas pelo Japão, a economia mais dinâmica do final do século XX, e por empresários chineses. Não obstante, a metáfora dos gansos migradores suscita mais dúvidas que respostas e não substitui a segunda abordagem. Como ilustração, cite-se o fato de que quando a indústria americana era a “número 1” em todo o mundo, nos anos 50 e 60, o padrão dos gansos migradores deveria ter valido no hemisfério ocidental, dados os grandes fluxos de tecnologia, investimentos e comércio entre a América do Norte e a do Sul. Ainda assim, a maior parte da América do Sul não se desenvolveu; e também não é óbvio que o desenvolvimento ocorrido, qualquer que seja ele, reflita externalidades regionais. As transferências regionais de recursos e a reestruturação são fatores que devem ser inseridos num contexto analítico mais amplo para fazerem sentido, particularmente na Ásia oriental, onde todos os gansos migradores parecem ter sido guiados pelo mesmo sistema de radar.

I. A INDUSTRIALIZAÇÃO ATRAVÉS DO APRENDIZADO

Há potencialmente dois modelos para explicar a industrialização tardia: um institucional, como esquematizado adiante e um de mercado (com pontos de sobreposição entre ambos). No modelo de mercado, a industrialização é uma questão de “estabelecer os preços certos” e de especializar-se. Segundo o modelo, os países de baixos salários deveriam desenvolver-se pela exportação de produtos intensivos em trabalho (ignorando-se as matérias-primas) e os países que apresentariam crescimento mais rápido seriam presumidamente os que mais se alinhassem à sua vantagem comparativa. Não obstante, a proporção dos fatores - o pilar da teoria dos preços - não incorpora a dinâmica de transformação industrial tanto do século dezoito quanto do dezenove. A primeira revolução industrial na Grã-Bretanha foi em grande medida impulsionada por uma série de mudanças tecnológicas que, na prática, são exogenamente determinadas no modelo de mercado. Quando da segunda revolução industrial, um século mais tarde, tanto a Alemanha quanto os Estados Unidos não se industrializaram competindo contra a Inglaterra com base em baixos salários. Na realidade, os salários alemães e americanos tendiam a ser maiores que os ingleses. Tanto a Alemanha quanto os Estados Unidos venceram a competição com a Inglaterra com base numa nova onda de inovações e num fenômeno que não se encaixa facilmente no modelo de mercado - as economias de escala.

No século XX, a característica que define uma industrialização tardia é a ausência de novas tecnologias - mesmo entre as empresas líderes. Começando com o Japão, os países de industrialização tardia não detinham inicialmente o ativo competitivo representado por produtos e processos pioneiros, o que os diferencia daqueles que se industrializaram mais cedo (veja meu estudo de 1988). Os inovadores também emprestam tecnologia de seus competidores, mas os países de industrialização tardia dependem inteiramente de “aprender” para poder competir. Esse imperativo é o que confere uma dinâmica de desenvolvimento comum a um grupo tão diverso de países de industrialização tardia com Malásia, México, Turquia e Japão (embora seja o Japão singular em muitos aspectos).

No modelo de mercado, a resposta à questão de como os países que tiveram que aprender podem exportar ou competir com as importações sem contar com uma tecnologia pioneira é simples: alinhando-se às suas vantagens comparativas e conseguindo estabelecer preços certos, podem então competir com base em baixos salários. O pressuposto subjacente é de que os salários mais baixos dos países menos desenvolvidos podem triunfar sobre a maior produtividade dos países um grau mais industrializados. As funções de produção seriam, portanto, em todo lugar idênticas e a vantagem comparativa dos produtores em regime de salários mais baixos estaria inequivocamente representada pelos produtos mais intensivos em trabalho.

Evidências empíricas verificadas na Ásia oriental, contudo, lançam dúvidas sobre tal suposição. Um estudo realizado nos anos 30 para esclarecer, por exemplo, por que a indústria têxtil japonesa estava levando Lancashire à falência concluiu que os salários mais baixos do Japão não eram os responsáveis (veja G. E. Hubbard, 1938HUBBARD, G. E., Eastern Industrialization and Its Effect on the West, London: Oxford University Press, 1938.). Os salários foram desconsiderados como variável crítica em face da segmentação do mercado de trabalho inglês. Os salários dos trabalhadores jovens do sexo feminino em Lancashire não eram muito mais altos que os praticados nas fábricas japonesas. Tomando-se somente a· influência dos salários, a indústria têxtil inglesa teria talvez sido vitoriosa. A superioridade japonesa foi, ao contrário, atribuída, entre outros fatores, aos seus instrumentos mais modernos de produção que, na perspectiva da teoria do mercado, deveriam ser o ponto forte da Inglaterra, rica em capital. A infraestrutura, o equipamento de produção e a administração superiores das companhias têxteis japonesas nos anos 60 eram fatores que impediam qualquer possibilidade de competição por parte das companhias coreanas e taiwanesas apenas com base em salários mais baixos, mesmo depois de a Coréia e Taiwan terem liberalizado suas economias e ajustado suas taxas de câmbio a um nível que satisfaria as instituições de Bretton Woods. Mesmo num setor intensivo em trabalho, como é o setor têxtil, e mesmo com uma infraestrutura moderna e auxílio financeiro, os governos da Coréia do Sul e de Taiwan tiveram que intervir para compensar a maior produtividade do Japão com uma série muito maior de subsídios que os concedidos para apoiar os primeiros inovadores da segunda revolução industrial. Uma vez desvalorizada a taxa de câmbio, os subsídios foram deliberadamente utilizados para conseguir preços “errados”, de maneira a estimular o investimento e o comércio.

De acordo com o modelo de mercado, a situação de um país de baixos salários que não consegue competir com a maior produtividade dos países de maiores salários em indústrias intensivas em trabalho é resolvida ou pela entrada de investimentos estrangeiros diretos, a partir de países tecnologicamente mais avançados, ou por maior desvalorização da taxa de câmbio. Nenhum investidor estrangeiro, contudo, decidiria investir num país de baixos salários podendo conseguir lucros maiores num país de custos mais baixos e maior produtividade. Desvalorizações maiores da taxa de câmbio podem reduzir o salário real e aumentar a competitividade, mas o aumento será pequeno (ou inexistente) se isso implicar o aumento do custo dos bens de salário (ou outros insumos de produção) importados.

Esse dilema é tautologicamente descartado na teoria dos preços como uma “falha do mercado”. Na prática, mesmo depois de promover desvalorizações, a maioria dos países que não contam com um novo produto ou processo na luta pela industrialização não pode competir com base em baixos salários numa série de indústrias críticas, ainda mais quando os seus sistemas educacionais e de infraestrutura são relativamente pobres. Os recursos naturais e a habilidade manual podem constituir uma fonte suplementar de acumulação de capital e um motor alternativo do crescimento - como na Malásia, Indonésia e Tailândia. Mesmo assim, esses países são excepcionalmente ricos em recursos naturais e continuam a subsidiar suas indústrias não ligadas a esses recursos para promoverem o crescimento de longo prazo.

II. PRINCÍPIOS DE ALOCAÇÃO DE SUBSÍDIOS

A Ásia oriental tem sido, de modo geral, mais bem sucedida em industrializar-se que outras regiões que tiveram que “aprender”, não porque tivesse feito maior reverência no altar dos mercados livres, mas por ter trabalho com um princípio distinto de alocação de subsídios. Isso aumentou de tal maneira a eficiência produtiva que os preços “errados” acabaram por tornar-se corretos, sendo necessários cada vez menos subsídios para gerar uma vantagem de custo. Em outras regiões de industrialização tardia, porém de crescimento mais lento, a tendência foi de alocação dos subsídios de acordo com o princípio de distribuição indiscriminada, “de graça para todos”. Na Ásia oriental, começando pelo Japão, houve uma tendência mais acentuada de distribuição de subsídios de acordo com o princípio da reciprocidade, em troca de padrões concretos de desempenho no tocante à produção, exportações e até P&D.

O governo da Coréia do Sul, por exemplo, disciplinou seus grandes grupos empresariais por meio de tetos para os preços, controles sobre a fuga de capital e incentivos que contingenciavam a diversificação em novas indústrias ao bom desempenho nas indústrias já sendo exploradas. A Comissão de Investimentos da Tailândia tornou os créditos subsidiados e a proteção contra as importações competitivas dependentes da concordância de seus clientes com padrões sequenciais de desempenho, incluindo exportações e metas locais de produção. Funcionários de bancos estatais taiwaneses foram pessoalmente responsabilizados por empréstimos concedidos às empresas, monitorando-os cuidadosamente.

Em toda parte, a industrialização tardia tem envolvido alto grau de disciplina da força de trabalho. Mas o que distingue a Ásia oriental não é apenas sua disciplina no trabalho, mas também a disciplina de seu capital. Uma vez que a vantagem representada por baixos salários não é capaz de compensar a vantagem representada pela alta produtividade num número de indústrias suficiente para estimular o crescimento, a intervenção do governo é um mal necessário. Quanto mais disciplinada e monitorada for a alocação de subsídios, mais rápido será o crescimento.

III. A SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES COMBINADA À ATIVIDADE EXPORTADORA

A contra proposição de que os preços certos de mercado são necessários e suficientes para promoverem a industrialização implica que para se chegar a exportar não é preciso qualquer período prévio de subsidiamento. É considerado suficiente que à medida em que a dotação de fatores de um país se modifica, este adquire novas vantagens comparativas podendo, consequentemente, dar início imediato à exportação.

Não obstante, uma grande parte das exportações de produtos industrializados da Ásia oriental envolveu um longo período de subsidiamento (durante o qual os incentivos parecem ter sido orientados para favorecer as vendas domésticas em detrimento das exportações). As exportações de tecidos de Taiwan e Coréia do Sul nos anos 60 cresceram em função dos incentivos de auxílio financeiro dos anos 50. Durante 25 anos, não se podia encontrar carros estrangeiros nas ruas da Coréia, como também não se via carros coreanos em estradas estrangeiras. Na Tailândia e Indonésia em meados dos anos 80, a maioria das exportações de manufaturados de indústrias não ligadas a recursos naturais havia começado a receber proteção em meados dos anos 60.

Uma vez fornecido o que tem sido padronizado como incentivos stand by à exportação, independentemente da indústria considerada, o problema político que se coloca é como garantir que após ter sido subsidiada por períodos possivelmente longos, essa indústria atinja níveis mundiais de competitividade em termos de produtividade e qualidade. Esta micro eficiência está no centro do sucesso da Ásia oriental nas exportações.

Os fatores inter-relacionados que estão por trás dessa micro eficiência da Ásia oriental se estendem desde o nível da fábrica até o nível do Estado. De maneira geral, em todos os países de industrialização tardia, o enfoque estratégico das empresas tende a ser direcionado para o nível da fábrica, porque é ali que a tecnologia emprestada é posta para funcionar. No entanto, a Ásia oriental tem administrado a fábrica excepcionalmente bem graças ao fato de ser relativamente pequena a diferença salarial que separa administradores de trabalhadores, por serem os níveis de instrução elevados e os prêmios por desempenho uma grande parte dos pagamentos de salários, entre outros fatores. Na maioria dos países de industrialização tardia, a forma predominante de empresa é o grupo altamente diversificado, algumas vezes em grande escala (como no Japão e Coréia), outras vezes em pequena escala (como em Taiwan e Tailândia). Contudo, por uma série de razões, tais empresas floresceram na Ásia oriental e vêm difundindo técnicas gerenciais de otimização para diversas indústrias. Finalmente, a micro eficiência da Ásia oriental tem sido superior porque, como já discutido, o processo de alocação de subsídios em nível macroeconômico tem sido relativamente disciplinado e o governo tem sido capaz de impedir que os preços “errados” fossem incorretos.

As forças do mercado e o Estado têm dividido a tarefa de disciplinar os negócios na Ásia oriental. Durante uma fase de industrialização por substituição de importações, o Estado é tipicamente o disciplinador, ao passo que, durante sua fase inicial de desenvolvimento das exportações, esse papel recai sobre o mercado. Então, durante uma “nova fase industrialização por substituição de importações”, quando passam a fazer parte da agenda o subsidiamento da P&D e a mudança para um segmento de mercado de maior qualidade, o papel predominante do Estado é retomado - como evidenciado no final dos anos 80 em Taiwan, Coréia do Sul, Cingapura e até mesmo Hong Kong.

IV. ÁSIA ORIENTAL: UM QUEBRA-CABEÇA

Pode-se dizer que um modelo institucional de industrialização tardia está conceitualmente tomando forma. Enquanto a industrialização dos séculos XVIII e XIX foi estimulada por novos produtos e processos, a industrialização tardia está sendo levada adiante pelo empréstimo ou “aprendizado” de tecnologias. Na ausência de tecnologias pioneiras, os baixos salários normalmente não representam uma vantagem de custo em regime de preços determinados pelo mercado, mesmo em setores intensivos em trabalho. Mesmo na presença de fortes desvalorizações da taxa de câmbio a persistência de problemas de competitividade acabaram por impelir o Estado a assumir um papel mais ativo que no passado. A falta de tecnologias pioneiras também determinou que as empresas se estruturassem menos em torno de uma única tecnologia, preocupando-se mais com a produtividade e qualidade ao nível da fábrica que com as firmas que evoluíram como inovadoras, com um enfoque estratégico sobre projeto e P&D.

Contudo, esse modelo geral de industrialização tardia só parece funcionar sob determinadas condições e a meta teórica que se apresenta é entender mais sobre quais são essas condições nos níveis macro e micro. A discussão anterior focalizou apenas as condições iniciais, em que as evidências observadas na Ásia oriental sugeriam que na industrialização dependente de subsídios, o crescimento será tanto mais rápido quanto maior for o grau de disciplina no processo de alocação de subsídios e de vinculação desse processo a padrões de desempenho - sendo a exportação possivelmente o mecanismo mais eficiente de monitoramento. O disciplinador da atividade empresarial tem, portanto, variado com o tempo. A partir meramente de uma estrutura de mercado competitiva na primeira revolução industrial, esse papel passou a ser desempenhado pelos ventos schumpeterianos de mudança tecnológica na segunda revolução industrial e finalmente por uma interação entre as forças do mercado e a intervenção estatal na industrialização tardia.

Após especificar o modelo geral e definir sob quais condições tal modelo poderá ser aplicado, a meta final consiste em determinar por que tais condições estão presentes em alguns países e não em outros. Essa tarefa é provavelmente a mais difícil, sendo analiticamente análoga à tarefa de identificar com precisão por que algumas companhias são bem-sucedidas e outras não. O quebra-cabeça da industrialização tardia na Ásia oriental consiste em identificar quais as qualidades intrínsecas à região que têm capacitado o Estado a disciplinar os negócios e permitido aos diversos grupos empresariais motivar a força de trabalho· com maior êxito que em outras regiões.

Seja qual for o papel desempenhado pela cultura no desenvolvimento da Ásia oriental, é certo que não se pode invocá-la de maneira simplista para explicar o seu desenvolvimentismo estatal. Os Estados exemplares da Ásia oriental depois dos anos 60 foram ignóbeis cobradores de aluguel nos anos 50 - cite-se Chiang Kai-Shek em Taiwan e Syngman Rhoe na Coréia do Sul. Os Estados de Taiwan e Coréia do Sul só se tornaram desenvolvimentistas pragmaticamente. O crescimento se acelerou quando o Estado começou não apenas a subsidiar as empresas, mas também a impor-lhes padrões de desempenho (dentre os quais se destacam as metas de exportação). À medida que se acelerava o crescimento, o Estado se tornava mais comprometido com o desenvolvimento econômico alocando-lhe mais recursos, o que, por sua vez, impulsionava ainda mais o desenvolvimento. Assim, o Estado transformou o processo de desenvolvimento econômico e, por sua vez, foi transformado por ele.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • UN, National Accounts Statistics: Compendium of Income Distribution Statistics New York: UN, 1985.
  • UN Economic and Social Comission for Asia and the Pacific, Restructuring the Development Economies of Asia and the Pacific in the 1990, New York: UN, 1990.
  • WORLD BANK, World Development Report 1990 Washington: World Bank, 1990
  • *
    Tradução de Ricardo Borges Costa.
  • JEL Classification: L52; 040.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1992
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