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Mercado de capitais e dívida pública: tributação, indexação, alongamento

RESENHAS

Mercado de Capitais e Dívida Pública - tributação, indexação, alongamento

Edmar Bacha e Luiz Chrysostomo de Oliveira (orgs.)

Rio de Janeiro: Editora Contra Capa, 2006.

Um dos grandes desafios da economia brasileira é o estabelecimento de um mercado de longo prazo de títulos pré-fixados. Especialmente intrigante é a pouca relevância desse mercado, não obstante o fato de o país vivenciar um relativo controle inflacionário há cerca de doze anos. Ou seja, enquanto nossa estabilidade de preços se aproxima da adolescência, as LFT's (Letras Financeiras do Tesouro), títulos pós-fixados e símbolo máximo desta questão, já gozam a maioridade há algum tempo, tendo completado vinte anos em 2006.

Obviamente, a comparação desses prazos deve ser qualificada notadamente pela ocorrência de sucessivos episódios de crises financeiras entre 1994 e 2002. Falar em alongamento e aumento de títulos pré-fixados em meio ao turbilhão das crises seria, no mínimo, um debate fora de lugar. Os últimos anos, contudo, apresentam um cenário internacional altamente favorável, sobretudo pela combinação de liquidez abundante e elevadas taxas de crescimento nos mercados emergentes e no G7. Tudo isso em um contexto de reduzidas taxas de inflação.

Neste sentido, o livro Mercado de Capitais e Dívida Pública - tributação, indexação, alongamento, organizado por Edmar Bacha e Luiz Chrysostomo de Oliveira, resgata um debate necessário, além de propor alternativas para efetiva existência de um mercado de longo-prazo. Nos moldes da publicação anterior, Mercado de Capitais e Crescimento Econômico - lições internacionais, desafios brasileiros, o livro reúne uma coletânea de artigos de renomados economistas e players do mercado financeiro e de capitais, vários deles diretamente ligados à condução da política macroeconômica dos últimos anos. São dois os textos-base. O primeiro, de Alkimar Moura, busca apresentar uma introdução à tributação no mercado financeiro e de capitais no Brasil. O segundo, de Márcio Garcia e Juliana Salomão, avalia possíveis lições para o Brasil, tendo em vista o processo de alongamento da dívida pública de Israel, México e Polônia.

A tarefa de Alkimar Moura é dificultada pelo emaranhado de detalhes tão característico de nossa tradição legal. Mesmo aqueles devidamente habituados aos jargões típicos dos mercados encontram dificuldades para compreensão dos pormenores estabelecidos no arcabouço do sistema tributário. Além disso, como bem ressalta o autor, as especificidades relativas ao funcionamento do mercado financeiro devem ser de antemão salientadas, sob pena de não se obter, por exemplo, uma estimativa precisa sobre a incidência tributária efetiva de um dado conjunto de agentes. É o caso da capacidade de arbitragem por parte dos mercados, amplificada a partir dos avanços do processo de globalização financeira, que dificulta a tributação dos mercados, mesmo em países desenvolvidos. Daí a chamada "natureza etérea" dos produtos financeiros, citada pelo autor.

Dado o alto grau de substituição entre esses produtos, o ônus tributário efetivo arcado pelos agentes pode ser completamente diferente da incidência nominal. Como exemplo, o autor menciona que um aumento do imposto de renda sobre juros pode ser compartilhado de diversas maneiras por depositantes, tomadores e investidores, a depender do valor relativo das elasticidades. Outro fator derivado da natureza dos mercados é sua capacidade de promover a chamada arbitragem tributária, ou seja, o sistema financeiro potencialmente diminui a incidência de impostos sobre si próprio.

Isso posto, o autor avalia qualitativamente a tributação incidente sobre os três grandes grupos atuantes nos mercados, ou seja, os aplicadores ou investidores, os tomadores ou devedores, e os intermediários financeiros. Fundamentalmente, as cargas tributárias efetivas de cada agente advêm não somente de sua posição dentro da cadeia de intermediação financeira, mas também da natureza, do prazo e das demais condições da operação.

Para os aplicadores ou investidores, o imposto de renda (IR) tem a maior relevância em termos de arrecadação. Incidem sobre as transações o imposto sobre operações financeiras (IOF) e a CPMF. Apesar de menos importantes do ponto de vista de arrecadação, estes últimos acabam causando distorções no funcionamento do mercado, principalmente por afetar a liquidez necessária ao desenvolvimento dos mercados secundários. Para os tomadores ou devedores, incidem diretamente o IOF sobre o crédito e a CPMF, havendo, saliente-se, a possibilidade de dedução dos juros pagos pelas pessoas jurídicas da base de cálculo do IR.

Em relação aos intermediários, o autor ressalta que grande parte das distorções e ineficiências de nosso sistema tributário advém justamente da taxação imposta a esse grupo. São as peculiaridades dos mercados e a natureza etérea já mencionada. Neste sentido, é importante examinar a evolução das componentes de tributação sobre o sistema financeiro nos últimos anos. Nota-se um aumento significativo da arrecadação através do Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), que, conjuntamente, responderam por 40% do total de tributos pagos pelo setor financeiro. Como a maior parte desses tributos é repassada para os tomadores finais, os efeitos sobre o spread bancário são evidentes. Portanto, é imprescindível levar em conta as particularidades do sistema financeiro, como lembra Ana Novaes, a fim de obter um desenho adequado de tributação do setor.

O grande desafio aqui reside em tributar progressivamente sem comprometer em demasia o critério de eficiência. A experiência internacional aponta para reformas tributárias que enfatizem a eficiência e a eqüidade, o que envolve, muitas vezes, redução de alíquotas marginais, como é o caso do IR. Além disso, no caso do sistema financeiro, deve prevalecer uma abordagem que considere as distorções eventualmente geradas pela tributação, assim como a capacidade de repasse de aumentos de alíquotas para os demais participantes da cadeia de intermediação financeira.

O texto de Márcio Garcia e Juliana Salomão tem como linha central de argumentação a necessidade de uma avaliação adequada do risco sistêmico ou não-diversificável. Em uma economia de mercado, essa é a medida de risco relevante, uma vez que os agentes econômicos eliminarão o risco não-sistemático através da diversificação. Não haverá êxito na direção do desejado alongamento da dívida pública e na colocação de títulos de longo prazo sem a redução do risco sistêmico.

Partindo desse diagnóstico, os autores buscam comparar a evolução das variáveis econômicas fundamentais à caracterização do risco sistêmico no Brasil e em países que obtiveram sucesso no alongamento de suas dívidas (Israel, México e Polônia). Essa comparação mostra-se desfavorável ao Brasil sob vários aspectos: i) a dívida pública não mostrou redução significativa em relação ao PIB; ii) a inflação não caiu de maneira suficiente a aproximar-se dos três países acima; iii) os juros reais continuam elevados; e iv) o país não é avaliado como grau de investimento.

A abordagem analítica desenvolvida por Marcio Garcia e Juliana Salomão é especialmente interessante por salientar o grau de controvérsia ao qual a economia está sujeita. Tanto é verdade que Joaquim Levy, ao avaliar o trabalho dos autores acima, afirma que, utilizando uma metodologia de cálculo mais conservadora que leve em conta o pagamento do principal e dos juros, o prazo médio da dívida brasileira é maior do que o da dívida mexicana e polonesa. Além disso, Joaquim Levy afirma que há uma melhora no perfil de endividamento e uma menor sensibilidade da dívida a choques na economia, fatores possivelmente subestimados na avaliação do mercado.

Em que pese o fato de Joaquim Levy, à época, estar ocupando o cargo de secretário do tesouro, suas argumentações trazem à tona o fato de que, no debate econômico, pode haver uma discordância em relação à própria medida de risco sistêmico. Por exemplo, alguns argumentam que faltaria ao Brasil ampliar a abertura da conta capital como forma de diminuição de risco e acesso ao grau de investimento. Entretanto, inúmeros autores, inclusive alguns insuspeitos do ponto de vista de defesa das práticas de mercado, como é o caso de J. Bhagwatti (In Defense of Globalization. Oxford: OUP, 2004), sustentam que a abertura da conta capital tem efeitos negativos e acaba por aumentar o risco sistêmico.

O papel fundamental das LFT's em momentos cruciais do país é cuidadosamente relatado por André Lara Rezende, ressaltando sua importância em tempos de incerteza, tendo inclusive a vantagem de reduzir o custo da dívida em momentos adversos. Além do efeito óbvio sobre o custo da dívida, a predominância das LFT's tem efeitos negativos sobre a condução da política monetária, notadamente pela presença do efeito riqueza decorrente de mudanças nas taxas de juros, conforme salientado por Afonso Pastore e resgatado por vários autores, como Alkimar Moura.

A controvérsia ressurge, contudo, quando o assunto é o fim desejado para as LFT's. "Morte matada ou morte morrida", eis a questão. Em outras palavras, trata-se de discutir o papel do governo nessa empreitada. Nenhum dos autores concorda com artificialismos, porém não há uma definição precisa sobre o que definiria tal termo. Por exemplo, idéias como as de Francisco Lopes, que propôs a indexação das LFT's a uma taxa média de um período maior (ao invés do overnight), soaram "rebuscadas" para alguns autores.

Não adentrando no mérito da correta definição do adjetivo acima, parece fundamental uma ação ativa por parte do governo e não fazer nada constitui um second best. Talvez, por questões ideológicas, haja uma preocupação excessiva com os malefícios de qualquer ação de governo. Na prática, porém, as intervenções ocorrem e o próprio Fed, em diversos momentos, "solicitou" a colaboração do mercado, visando, por exemplo, combater o risco sistêmico.1 1 A esse respeito, ver o interessante livro de Lawrence Meyer entitulado My Term at the Fed, especialmente o capítulo 5, que trata da interferência do Fed no contexto das crises asiática e russa e da quebra do hedge fund LTCM. Além disso, permanece o argumento de que o melhor incentivo pelo lado da demanda para ativos de longo-prazo seria a redução das taxas reais de juros, embora aperfeiçoamentos de mercado sejam bem-vindos.

Fica aqui a recomendação de uma leitura fundamentada teórica e empiricamente e que trata de um tema que figura no topo da agenda econômica brasileira.

Lauro Gonzalez

Professor do Departamento de Contabilidade, Finanças e Controle da EAESP-FGV

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    A esse respeito, ver o interessante livro de Lawrence Meyer entitulado
    My Term at the Fed, especialmente o capítulo 5, que trata da interferência do Fed no contexto das crises asiática e russa e da quebra do
    hedge fund LTCM.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007
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