Acessibilidade / Reportar erro

O processo orçamentário: tendências e perspectivas

The budget process: tendencies and perspectives

RESUMO

O projeto de lei do orçamento define as principais funções do governo. Uma vez promulgada, sua implementação garante a prestação de serviços públicos, a minimização da injustiça social e a busca pelo pleno emprego com a inflação sob controle. Este artigo começa delineando as origens históricas do orçamento nacional, destacando a evolução e sistematização do processo à medida que as nações se desenvolvem. A legislação orçamentária do Brasil é descrita a partir da constituição de 1969. Passando à Constituição de 1988 (em vigor), critica-se a prolixidade e inconsistência do capítulo das finanças públicas. O processo orçamentário brasileiro mostra-se excessivamente fragmentado, com três legislações separadas, mas sobrepostas - a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Orçamento Geral da União e o Plano Plurianual. Conclui-se que a eficácia e a transparência podem ser aumentadas pela fusão dos três em um único ato.

PALAVRAS-CHAVE:
Orçamento público; legislação; lei de diretriz orçamentária

ABSTRACT

The budget bill spells out the key functions of government. Once passed into law, its implementation assures the provision of public services, the minimization of social injustice, and the search for full employment with inflation under control. This article begins by outlining the historical origins of national budgeting, stressing the evolution and systematization of the process as nations develop. Brazil’s budget legislation is described starting with the 1969 constitution. Moving on to the 1988 constitution (in force), the prolixity and inconsistency of the chapter on public finance are criticized. The Brazilian budgetary process is shown to be excessively fragmented, with three separated but overlapping pieces of legislation - the Budget Guidelines Act (Lei de Diretriz Orçamentária), the Federal General Budget and the Multiyear Plan. It is concluded that efficacy and transparency could be enhanced by merging all three into a single act.

KEYWORDS:
Public budget; legislation; budget guidelines act

1. INTRODUÇÃO

A questão orçamentária ocupa lugar de destaque nas discussões de política econômica contemporânea. Entretanto, virtualmente quase todos os aspectos das práticas orçamentárias modernas têm sua contrapartida nos tempos antigos. A técnica é diferente, mas os resultados frequentemente são os mesmos: a dificuldade para financiar o déficit é tão velha quanto o próprio governo. Da mesma forma que hoje a existência de uma multiplicidade de fundos especiais extraorçamentários compromete o controle e a avaliação das contas públicas, o rei quando confundia seu papel de chefe de Estado com o de guardião das finanças do reino, não estabelecia diferença entre seus próprios recursos e os do contribuinte. A falta de transparência estimulava gastos públicos sem representação e a reação dos contribuintes.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA1 1 Para uma ampla resenha histórica do processo orçamentário, v. Weber, C. e Wilddavsky, A History of Taxation and Expenditure in the Western World. Nova York: Simon & Schuster, 1986. Uma versão resumida desse trabalho está em Longo, C.A., Por um Orçamento Confiável. Pará: CEJUP, 1990.

A Carta Magna, outorgada em 1217, pelo rei João da Inglaterra, após insistente pressão dos barões do Reino, assim se expressava: “Nenhum tributo ou auxílio será instituído no Reino, senão pelo seu Conselho Comum” - órgão de representação feudal da época. Mesmo sem contar com o fator despesa, esse requerimento pode ser visto como o germe do orçamento público. Com o tempo, instrumentos de controle do governo foram sendo gradualmente elaborados e aperfeiçoados, como reação aos excessos absolutistas dos monarcas. No século XVII, o Parlamento britânico aprovou o Petition of Rights, que confirmava o princípio de que tributo, para ser legítimo, precisava do seu consentimento; o Bill of Rights de 1689 tornou essa prescrição ainda mais explícita ao afirmar que nenhum cidadão seria compelido a pagar imposto sem consentimento da lei. Reações menos pacíficas à tributação sem representação foram os conflitos separatistas, como, por exemplo, a Inconfidência Mineira no Brasil e a luta pela independência norte-americana no século XVII.

No século XIX muitos orçamentos públicos já tinham semelhança com suas formas atuais. Em 1822, o chanceler do erário passou a apresentar anualmente ao Parlamento britânico um documento que fixava a receita e a despesa de cada exercício. Na França, havia controle parlamentar sobre o orçamento após 1831; entre suas regras básicas incluía-se a anualidade do orçamento, sua votação antes do início do exercício, a inclusão de todas as previsões financeiras e a não-vinculação da receita a despesas específicas.

Nos EUA, a autorização para o governo gastar, tributar e tomar empréstimos foi concedida pela Constituição ao Congresso, que, entretanto, delegou em 1798 ao recém-criado Departamento do Tesouro a responsabilidade de preparar e relatar as estimativas das receitas e despesas púbicas. Mas, assim mesmo, a Câmara dos Representantes exercia muito controle sobre essas iniciativas do Departamento do Tesouro. A aprovação do processo orçamentário no Congresso, através da Comissão de Meios e Recursos criada em 1802, era caótica. Os EUA não tinham propriamente um orçamento elaborado de forma compacta e sistemática até o final da Primeira Guerra Mundial; as tarifas e os impostos sobre o comércio exterior eram então mais do que suficientes para cobrir os gastos do governo federal.

No começo da década de 20 já havia uma diferença significativa entre as práticas orçamentárias norte-americana e europeia. Os EUA concediam tradicionalmente mais poder de decisão sobre matéria financeira ao Legislativo, enquanto na Europa essas iniciativas cabiam primordialmente ao Poder Executivo (Cabinet), ainda que em regime parlamentarista. Os orçamentos europeus eram unitários, sendo receitas e despesas consideradas simultaneamente. Nos EUA, o orçamento era fragmentado: cada secretaria ou departamento (ministério) submetia suas propostas, e as receitas eram consideradas à parte.

Até 1921, de acordo com a lei norte-americana, as estimativas de despesa deviam ser encaminhadas pelo secretário do Tesouro (ministro da Fazenda), cuja autonomia, entretanto, era limitada; o secretário não tinha poderes para modificar as propostas a ele submetidas pelos chefes de departamento e pelas várias comissões de apropriação do Congresso. No processo orçamentário, o papel do chefe do departamento era o de defender maiores gastos; das Comissões de Apropriação na Câmara esperavam-se cortes nessas estimativas, e o Senado agia, então, como tribunal de apelação, e, em geral, mantinha o pedido original: Já em 1907 o Congresso pedia ao secretário do Tesouro que preparasse um relatório abrangente das projeções estimadas de despesa e receita. Caso as despesas superassem as receitas, o presidente deveria propor os meios para aumentar impostos e/ou reduzir gastos.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, renovou-se o interesse sobre a reforma do orçamento do Executivo Federal; entre 1918 e 1921 várias propostas foram apresentadas às comissões do Congresso encarregadas de examinar o assunto. Entre as críticas principais ao processo orçamentário em vigor destacavam-se: sobreposição de tarefas entre as várias comissões no Legislativo e, portanto, duplicação de esforços; não se respeitava o princípio da unidade na consideração das receitas e despesas, estimulando-se assim a rivalidade burocrática e a aprovação de metas incoerentes entre si.

Um novo sistema orçamentário foi concebido, nessa época, para centralizar despesas, subentendendo-se a partir daí que qualquer proposta de gasto, encaminhada pelo Executivo, representaria o interesse nacional. Depois que o orçamento tivesse sido apresentado ao Congresso, não poderia mais ocorrer troca de favores (logrolling) para garantir dotações adicionais de verbas. Nesse caso, o Executivo encaminharia o orçamento como uma peça estruturada nos seus detalhes, faltando apenas estabelecer o delineamento geral de prioridades: defesa, previdência, déficit, etc.

A dicotomia político-administrativa era uma das premissas básicas da reforma orçamentária. As grandes decisões de natureza política seriam tomadas no Legislativo, mas as escolhas de cunho técnico-administrativo, das quais dependia o sucesso, na fase de implementação, dessas prioridades, seriam de responsabilidade do Executivo. Os postulantes da reforma se inspiraram na organização interna das grandes sociedades anônimas, isto é, em sua estrutura hierárquica: o Congresso em sua função de “conselho de diretores” distinguiu-se daquela em que age como legislador.

O processo orçamentário britânico consolidado a partir da primeira metade do século XIX também impressionou os defensores da reforma norte-americana. A única maneira de o Parlamento inglês alterar o orçamento era mudando o governo.: O “segredo” desse sistema era a distinção clara entre os poderes administrativos e os legislativos. Nenhuma proposta de aumento de despesa podia ser considerada sem uma iniciativa do Gabinete, como custodiante do poder administrativo do governo.

Os proponentes da reforma minimizaram, entretanto, as dificuldades que os membros do Parlamento costumavam encontrar para decidir sobre suas prioridades orçamentárias. A escolha podia se resumir a derrubar o governo, ou então a questionar as despesas por ocasião da auditagem, muito depois de terem sido realizadas. De fato, o Parlamento tem o direito de dissolver o Gabinete, assim como faz um “conselho de diretores” quando perde a confiança na administração de uma empresa. Essas iniciativas são impossíveis num governo presidencialista, cujo mandato é fixo.

Em 1921, a nova Lei do Orçamento e Controle (Budget and Accounting Act) introduziu as principais sugestões de reforma· defendidas há tempo. Uma única Comissão de Apropriação foi criada na Câmara, e outra no Senado. Os departamentos passaram a remeter suas estimativas de despesas ao presidente, através da recém-criada Secretaria do Orçamento (Bureau of the Budget). Daí em diante, nenhuma apropriação poderia ser efetivada - ao menos essa era a intenção - sem que tivesse sido aprovada antes pelo presidente e pelas duas comissões de apropriação.

O que não se decidiu nessa ocasião foi a competência, ou a função, da nova secretaria na esfera do Executivo (depois chamada Escritório do Orçamento e Administração - Office of Management and Budget - OMB). Seu primeiro executivo insistiu para que o escritório não se localizasse no prédio do Tesouro e, se possível, que ficasse perto da Casa Branca, para insulá-lo, até certo ponto, das disputas interdepartamentais. O presidente Warren foi mais longe, e sugeriu que as reuniões formais do secretário com os chefes de departamento fossem realizadas na própria sala de conferências da Casa Branca (White House Cabinet Room), para destacar o papel centralizador do primeiro mandatário em questões orçamentárias.

No Brasil a Constituição Imperial de 1824 estabelecia que o ministro da Fazenda era responsável pela elaboração e encaminhamento à Assembleia Geral, para aprovação, dos Orçamentos de “todas as despesas” e “rendas públicas”. A iniciativa das leis sobre impostos cabia à Câmara dos Deputados. A Constituição de 1891, que se seguiu à proclamação da República, transferiu ao Congresso também a competência para elaborar o orçamento. A Câmara assumiu então a iniciativa de preparar a proposta orçamentária, mas, na prática, o ministro da Fazenda, através de entendimentos extraoficiais, continuava a orientar o encaminhamento da Lei de Meios.

A Revolução de 30 fez refluir a autonomia do Congresso. Na Constituição outorgada em 1934 a competência da elaboração da proposta orçamentária era atribuída ao presidente da República, e, como as duas câmaras legislativas nunca foram instaladas, o Orçamento Federal foi sempre elaborado e decretado pelo chefe do Executivo. Com a redemocratização do país, na Constituição de 1946, o Executivo continuava a elaborar o projeto de lei orçamentária, passando então a encaminhá-lo para discussão e votação nas duas casas legislativas, que tinham o direito de emendá-lo. As constituições outorgadas em 1967 e em 1969, que vigoravam até recentemente, limitaram a capacidade de iniciativa do Legislativo em leis ou emendas que criavam ou aumentavam despesas, inclusive emendas à proposta orçamentária. O papel do Congresso nessa matéria era, em essência, simplesmente homologatório.2 2 Para uma discussão dos fundamentos e das práticas orçamentárias no Brasil, v. Giacomini, J., Orçamento Público. São Paulo: Atlas, 1985.

3. PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS

O Executivo, ao encaminhar o processo orçamentário, torna-o explícito ao conflito de interesses entre as possíveis alocações de recursos e à distribuição do seu custo entre os diferentes segmentos da sociedade. O orçamento é apresentado tradicionalmente todos os anos em regime de caixa e de forma incremental - os itens de custo e benefício se afastam marginalmente daqueles do período anterior.

Dadas as dificuldades naturais para se fazer previsão, erros poderiam ser minimizados com o aumento da frequência com que são levantados os orçamentos. Estes, quando repetitivos, entretanto, não são uma fonte confiável de previsão de despesas, mas um convite aos ministérios para que “incluam aí o que puderem”. Nesse caso, quando as condições econômicas e políticas mudam, como ocorre comumente, o orçamento é revisto: maximiza-se a adaptação à custa da previsibilidade.

O orçamento depende de práticas usuais: sancionado pelo Congresso, os ministérios autorizam e empenham suas verbas durante o exercício financeiro, cujo valor e adequação são depois auditados pelo Tribunal de Contas. Ainda assim, mesmo em muitos países avançados não é através do orçamento que se concretiza a maioria das despesas públicas. Por exemplo, metade das despesas públicas norte-americanas, e também na Europa, não passa pelo processo orçamentário tradicional, mas é autorizada diretamente pelo Tesouro. Entre as alternativas conhecidas para se gastar sem passar pelo orçamento (backdoor spending) estão os créditos subsidiados, as despesas tributárias ao alcance do Executivo (deduções e abatimentos) e os “direitos adquiridos” ao longo de anos de preços subsidiados (agricultura, habitação, etc.).

As críticas ao orçamento tradicional são as seguintes: é incremental, fragmentado e parcial. Entretanto, esse orçamento é mais simples e flexível do que alternativas tais como o Orçamento de Base Zero e o Orçamento de Planejamento e Programação. O orçamento tradicional pode ser visto como um contrato, significando um acordo dentro e fora do governo, quanto às suas prioridades e linha de ação. O orçamento tem metas a cumprir, mas se for montado com base em atividades e funções, essas metas podem ser modificadas sem com isso afetar a metodologia de cálculo.

As despesas extraorçamentárias costumam ser justificativas para que o governo possa exercer uma política de estabilização ativa. O problema é que, no seu esforço de controlar a economia, o governo acaba abrindo mão do controle das suas próprias contas. Devido às inúmeras alternativas para se contornar o processo orçamentário, ninguém pode afirmar com certeza quanto custará um determinado plano de estabilização e quem será o beneficiário.

Na ausência de um orçamento que consolide as despesas extraorçamentárias, o caixa unificado se torna o principal instrumento de política fiscal. O resultado de caixa, entretanto, pode ser manipulado facilmente pelo Executivo. O adiamento de despesas, a venda de ativos, a perda das reservas e o recurso às fontes de financiamento não convencionais, durante um exercício, melhoram o resultado financeiro imediato, mas podem comprometer seriamente resultados futuros.

Ademais, o controle do dispêndio da administração direta torna-se ineficaz quando grande parte dos gastos e recursos tem natureza extraorçamentária. Os grupos de interesse organizados, nesse caso, fogem do processo orçamentário, diante das óbvias facilidades de uma negociação direta com o Executivo. Portanto, na medida em que a abrangência orçamentária é reduzida, cai também a confiança na previsão dos gastos públicos.

A própria administração direta tem incentivo para transferir gastos para fora do orçamento fiscal. Em vez de suportar o considerável grau de incerteza inerente ao processo orçamentário, os ministérios podem preferir sacar diretamente do Tesouro ou da autoridade monetária, contrair empréstimos através de empresas públicas ou utilizar bancos oficiais para obter créditos especiais na sua área de influência.

A anualidade do orçamento é desejável para se assegurar um mínimo de previsibilidade. Se exequível - o orçamento dura um ano -, sua rigidez induz os ministérios a cooperar indiretamente com o controle central. Como o Tesouro não paga mais, nem menos, do que o montante fixado em lei, os ministérios não têm por que sobrestimar suas requisições, sendo por isso mesmo do seu interesse manter os gastos sob controle.

Grandes incertezas em relação às receitas e despesas futuras têm conduzido à reformulação contínua dos orçamentos. Quando, no Brasil, por exemplo, o exercício fiscal se inicia em janeiro, a Lei de Meios, tendo sido elaborada seis meses antes, costuma ser uma peça de museu. Por que, então, não corrigir os orçamentos trimestralmente, ou, melhor ainda, mensalmente ou diariamente?

O recurso à frequente correção orçamentária desestimula o controle de gastos na medida em que gera uma expectativa de reprogramação, que viabiliza eventuais inconsistências do orçamento corrente. De fato, a remontagem frequente de orçamentos acaba gerando direitos adquiridos de difícil contestação. Portanto, o cumprimento do princípio da anualidade dá ao governo uma oportunidade única para especificar claramente suas restrições e opções e, assim, para se controlar.

A reprogramação frequente de orçamentos não unificados contribui para o desequilíbrio financeiro do Estado. Questões inconfortáveis como a dimensão do verdadeiro déficit não precisam ser encaradas. Se, por outro lado, todos os participantes do processo decisório fossem colocados numa mesa de negociação, uma vez por ano, suas ações tornar-se-iam interdependentes: se um programa ou departamento conseguisse mais recursos, outros teriam menos, inevitavelmente. Nesse caso, cada departamento teria incentivos para limitar o custo do seu programa, de modo a aumentar a chance de que seu pedido fosse incorporado ao orçamento, e aí permanecer. Como resultado desse jogo cooperativo, as despesas seriam controladas não através de sanções, mas inibindo-se a demanda na fonte.

4. A CONSTITUIÇÃO DE 1969

Desde os seus primórdios, do ponto de vista conceitual, o processo orçamentário foi cercado de regras cuja finalidade era aumentar sua confiabilidade, sendo seus princípios mais importantes o da unidade, o da universalidade e o da anualidade. O orçamento deve ser uno. De acordo com esse princípio cada esfera de governo teria apenas um orçamento. O artigo 62 da Constituição de 1969, ao definir a amplitude do orçamento da União, já dizia: “o orçamento anual compreenderá obrigatoriamente as despesas e receitas relativas a todos os poderes, órgãos e fundos, tanto da administração direta quanto da indireta, excluídas apenas as entidades que não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento”.

Entre as entidades “autossuficientes” estavam as sociedades de economia mista, as entidades financeiras oficiais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, etc. e as autarquias previdenciárias do grupo SINPAS (INPS, INAMPS, IAPAS, etc.). Tornado obrigatório pela Lei da Reforma Bancária (Lei nº 4595/dezembro 1964), que criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central (este em substituição à Superintendência da Moeda e do Crédito - SUMOC), o orçamento monetário fixava anualmente tetos para as contas das chamadas autoridades monetárias - operações de crédito extraorçamentárias administradas pelo Banco Central, Banco do Brasil e bancos comerciais.

De acordo com o princípio da universalidade, o orçamento da União deve conter todas as receitas e todas as despesas do governo federal. A antiga Constituição também consagrava essa regra no artigo 62, transcrito acima. Dada a multiplicidade de orçamentos, ficava difícil calcular a necessidade total de recursos fiscais, sobretudo quando somente o orçamento da União era preparado com a devida antecipação.

A cobertura de encargos, ou sobra de recursos, dos demais orçamentos era acomodada ao longo do exercício financeiro pelo Executivo, através do remanejamento de verbas, ou do aumento de endividamento, ou através da simples emissão por meio das autoridades monetárias. Ademais, a Lei Complementar nº 12 (novembro de 1971) delegava ao Banco Central a administração da dívida mobiliária da União, autorizando-o a colocar e a resgatar títulos do Tesouro Nacional, independentemente de essas operações constarem do orçamento fiscal. Os demais orçamentos, o previdenciário, o das estatais e o dos bancos oficiais, desde 1979, com a criação da Secretaria Especial de Controle das Estatais - SEST, passaram a ser consolidados no Plano de Dispêndio Global e a ser aprovados por decretos do Executivo no início de cada exercício financeiro.

O orçamento deve ser elaborado e autorizado para um período determinado de tempo, geralmente um ano. A origem mais remota desse princípio está na regra da anualidade do imposto, que vigorou na Inglaterra antes mesmo do surgimento do orçamento. O objetivo, obviamente, é dar ao Congresso a oportunidade de apreciar e discutir detalhadamente o orçamento proposto pelo Executivo, solicitar alternativas para certos programas, realçar despesas, redefinir alíquotas de impostos, etc.

O período de vigência do orçamento varia entre os países. O Brasil e a maioria deles faz coincidir o ano financeiro com o ano civil (1 º de janeiro a 31 de dezembro). Há, entretanto, países que adotam outros períodos: 1 º de julho a 30 de junho (Itália e Suécia), 1º de abril a 31 de março (Inglaterra e Alemanha) e 1º de outubro a 30 de setembro (EUA). Em geral, o que determina essa variação do ano orçamentário é a época do funcionamento do Legislativo.

No Brasil, a anualidade do orçamento era prescrita no artigo 60 da Constituição de 1969. A Lei Maior determinava ainda que o orçamento anual devia conviver com orçamentos plurianuais, envolvendo esses últimos apenas as despesas de capital, isto é, os investimentos. Conforme parágrafo 3º do artigo 62, “nenhum investimento, cuja execução ultrapasse um exercício financeiro, poderá ser iniciado sem prévia inclusão no orçamento plurianual”.

5. A CONSTITUIÇÃO DE 1988

A antiga Constituição - Emenda nº 1 de 1969 à Constituição de janeiro de 1967 - tratava do processo orçamentário no capítulo do Poder Legislativo. A nova Constituição atribui ao processo orçamentário uma seção à parte.3 3 Título VI - Da Tributação e do Orçamento- Capítulo II das Finanças Públicas, Seção II dos Orçamentos. A principal crítica que se faz ao texto atual é quanto à forma: confusa e prolixa. A boa técnica orçamentária independe até mesmo de normas explícitas. O respeito e fiel cumprimento de princípios orçamentários básicos, tais como unicidade, universalidade e anualidade, decorrem, muitas vezes, da própria tradição. Há países que só consolidam na lei ordinária práticas orçamentárias em uso, com o objetivo de facilitar o conhecimento e a orientação dos interessados. Nesse sentido, teria sido mais útil reformular o antigo texto constitucional, pois além do fato de ser sintético suas deficiências já eram conhecidas.

O novo texto, cabe ressaltar, em matéria de técnica orçamentária - iniciativa de leis, abertura de créditos suplementares, emendas nas comissões do Congresso, etc. - não difere muito da antiga Carta Magna. Houve alterações, é verdade, em questões mais genéricas. Busca-se, na nova Constituição, coibir a prática de financiamentos “indiretos” de gastos governamentais - que não passam pelo Congresso, mas que são referendados pelo Banco Central, particularmente pelo Conselho Monetário Nacional. Essa lacuna estava, aliás, expressa na legislação anterior, pois o Banco Central, pela Lei Complementar nº 12 (novembro de 1971), que regulamentava o artigo 69 da antiga Constituição, assumia de direito o papel de responsável e administrador da dívida mobiliária federal.

Contudo, decretos presidenciais expedidos em 1988, antes mesmo da nova Constituição, já tinham reduzido substancialmente os vazamentos do Orçamento Geral da União. De fato, como parte das medidas que foram tomadas para unificar as contas do Tesouro Nacional, o Executivo incorporou ao processo orçamentário demonstrativos de origem e aplicação de recursos (fundos e programas especiais) e de encargos financeiros da dívida (interna e externa), antes administrados pelo Banco Central. A julgar pela prática corrente, portanto, a Carta não inovou substancialmente. Ademais, leis complementares terão ainda que dispor sobre o exercício financeiro da União, sobre sua vigência, prazos, tramitação legislativa, e sobre elaboração e organização de planos plurianuais e dos orçamentos anuais.

Existiram, contudo, novidades. Primeira, criou-se uma “lei de diretrizes orçamentárias”, que deverá definir a cada ano as metas e prioridades do Executivo para o exercício financeiro subsequente. Esse documento serve tanto para “orientar” a elaboração da lei orçamentária anual como para anunciar “alterações” na legislação tributária e na política de aplicação das agências financeiras oficiais. É muito questionável a necessidade de uma lei específica para expor aquilo que normalmente já deveria constar do próprio orçamento, cuja hierarquia jurídica é idêntica.

A segunda é o limite que se impõe às operações de crédito - déficit público-, que não poderão exceder o montante das despesas de capital. Trata-se de uma medida de precaução e, por isso, louvável. Contudo, é criticável pelo excesso de rigidez que impõe à discussão e à aprovação do orçamento, no contexto dinâmico de barganhas políticas e de variações nos níveis de atividade.

O Executivo também passou a ter que encaminhar ao Legislativo, juntamente com o projeto de lei orçamentária, um demonstrativo financeiro das contas do sistema previdenciário e uma estimativa para as “brechas fiscais”. O orçamento das brechas fiscais é um balanço das perdas de receita que decorrem de isenções e subsídios de natureza tributária patrocinados pelo governo federal. O orçamento da seguridade social abrange todas as entidades e órgãos a ele vinculados, da administração direta e indireta. Ambas as medidas são recomendáveis para efeito de transparência, avaliação e controle da Lei de Meios. Transformou-se ainda a Comissão Mista de Senadores e Deputados de temporária - constituída anualmente para examinar e emitir parecer sobre o projeto de lei orçamentária - em permanente, e obrigou-se o Executivo a apresentar relatórios bimestrais da execução orçamentária.

A prolixidade expressa no texto constitucional está exacerbada no âmbito das normas gerais do Capítulo das Finanças Públicas. Lei complementar terá que dispor sobre finanças públicas, dívida pública, concessões de garantias, emissão e resgate de títulos, fiscalização de instituições financeiras, operações de câmbio e compatibilização de funções das instituições oficiais de crédito.

O grau de detalhe da Constituição é máximo quando ela se propõe a fixar normas de política monetária. Começa por estabelecer que compete à União decidir sobre a emissão de moeda.4 4 Título IV da Organização dos Poderes, Capítulo I do Poder Legislativo, Seção II das Atribuições do Congresso Nacional, artigo 48, item XIV. Por outro lado, veda ao Banco Central a concessão direta, ou indireta, de empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade “que não seja instituição financeira”. Indaga-se, no contexto de uma autoridade monetária independente, se a União deve decidir sobre a emissão de moeda. Ademais, como o próprio texto da Constituição consigna, o Banco Central em tese pode financiar o déficit público indiretamente através dos bancos oficiais de crédito, pois estes são instituições financeiras. Portanto, vedar na Constituição a monetização de déficits e atribuir a competência para emitir moeda à União são medidas tão ineficazes quanto dispensáveis.

As matérias de natureza fiscal da Constituição estão consolidadas no título “Da Tributação e do Orçamento”, que se desdobra em dois capítulos, sendo um referente ao Sistema Tributário Nacional e outro às Finanças Públicas. Neste último explicitam-se as linhas gerais do processo orçamentário; cabe, como na Constituição de 1969, à iniciativa do Poder Executivo estabelecer os orçamentos anuais, o plano plurianual de investimentos, e agora, também, as chamadas diretrizes orçamentárias (LDO). Pergunta-se se com esse novo instrumento aumentarão as chances de as metas e prioridades da administração federal serem alcançadas. Essa questão é relevante, sobretudo porque em países avançados dispensa-se esse refinamento orçamentário.

Dispõe a Constituição que a LDO serve para “orientar” a elaboração da lei orçamentária anual, “dispor” sobre as modificações na legislação tributária e “estabelecer” a política de aplicação das agências oficiais de fomento (artigo 165, parágrafo 2º). Assim, a LDO antecipa o orçamento anual, com todas as suas implicações alocativas e tributárias, e, ainda, fixa o programa das instituições financeiras da União. Não sendo pequeno o seu alcance, questiona-se, portanto, a sua eficácia, sobretudo porque o Orçamento Geral da União - OGU -, de mesmo nível hierárquico, pode modificar a LDO.

Chama a atenção nas LDOs encaminhadas ao Congresso o excesso de prescrições normativas e substantivas. Como faltam as leis complementares previstas na Constituição, que irão normatizar o processo orçamentário, a LDO busca suprir essas lacunas e incorre em descabidas redundâncias. Dispõe sobre a consolidação dos orçamentos fiscal e da seguridade social, e sobre a inclusão no OGU de todas as empresas estatais que recebem subsídios. Permite a indexação do orçamento fiscal, fixa o seu valor nominal em maio e antecipa a atualização de preços até dezembro. Requer a identificação regional dos beneficiários dos projetos contemplados no OGU, e submete os investimentos das estatais às normas das empresas privadas.

Quanto ao conteúdo programático as LDOs são minuciosas. Sinalizam a necessidade de elevação de receitas e de corte nos subsídios e, para tanto, contemplam mudanças. Vedam a fixação de despesas que não tiverem definida a fonte de recursos, sendo que as operações de crédito se devem limitar à rolagem da dívida mobiliária e aos investimentos “prioritários” da administração direta. A LDO estabelece a regra de rolagem das dívidas externas das empresas estatais e do setor público estadual e municipal. Define, também, que as despesas de pessoal, em termos reais-, não poderão superar as autorizadas no ano anterior, e vedam pagamentos de custeio não “prioritário” - veículos de representação, consultorias, viagens etc.

Enfim, a julgar pelo nível de detalhe, quase todas as matérias e contingências da proposta orçamentária anual estão aí contempladas. Convém recordar que a autonomia do Congresso para mudar a proposta orçamentária no segundo semestre é cerceada pela Constituição, o que impede o remanejamento de gastos sobre os principais grupos de despesa - transferências, pessoal e serviço da dívida.

6. O PROCESSO ORÇAMENTÁRIO

A questão fiscal, como condicionante interno à concretização de uma nova etapa de crescimento da economia, pode ser mais bem percebida através da discussão do Orçamento Geral da União, à luz da Constituição. O OGU estima todas as receitas e despesas do governo federal. Com a recente unificação orçamentária, incorporaram-se ao OGU as operações oficiais de crédito - previsão de origem e aplicação dos recursos extraorçamentários -, antes a cargo exclusivo da programação do Banco Central e do Banco do Brasil. O déficit de atividades extrafiscais, tais como o financiamento de safras, os créditos à exportação e à agricultura, soma-se agora ao déficit público medido pelo OGU.5 5 V. Longo, C. A. “O processo orçamentário no Brasil”. Revista de Economia Política 12(2), abr. 1991.

Essa unificação foi possível graças a mudanças anteriores: a criação da Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais (SEST), em 1979, por exemplo, foi um passo importante nessa direção. A consolidação orçamentária amadureceu com a criação da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), em 1986, e com a transferência da responsabilidade pela administração e controle da dívida mobiliária federal das autoridades monetárias para o Ministério da Economia, Fazenda e· Planejamento.

Resta ainda minimizar a dependência financeira de empresas estatais, dos bancos oficiais, dos tesouros estaduais e municipais· e até das autoridades monetárias em relação às finanças da União. Cumpre por isso rever encargos e obrigações dessas entidades, o que implica a definição de tarefas, a fixação de tarifas realistas e o enxugamento de seus ativos e passivos, para tornar suas contas transparentes e sua administração descentralizada.

A Constituição dá pequena margem de manobra para os parlamentares fazerem modificações no OGU. De acordo com o artigo 166, parágrafo 3o., inciso II, as emendas ao projeto de lei orçamentária do Executivo somente podem ser aprovadas caso o Legislativo indique os “recursos necessários”. Não se incluem nesses recursos aumentos de impostos ou de dívida pública. E, com relação à despesa, não se podem alterar as dotações orçamentárias com pessoal, com serviço da dívida e com transferências tributárias aos estados e municípios. Portanto, uma vez aprovada a LDO, os parlamentares só podem remanejar os gastos de custeio e investimento. Nesse sentido, o Executivo e o Congresso estão presos tanto às prioridades da LDO quanto às suas dotações de verba.

7. A NECESSIDADE DE REFORMA

Para contornar a centralização excessiva do processo orçamentário derivado da Constituição de 1969, os constituintes resolveram criar um “pré-orçamento”. A ideia surgiu durante os trabalhos da comissão temática: “o Executivo deveria elaborar o projeto de lei orçamentária segundo orientação, indicadores e parâmetros submetidos previamente à apreciação do Legislativo”6 6 V. Afonso, J. R. R., e W. Giomi. “A Legislação Complementar sobre Finanças Públicas e Orçamentos-subsídios e sugestões para sua elaboração”, IPEA- Cadernos de Economia nº 8, abr. 1992. A forma de Lei de Diretrizes Orçamentárias definiu-se depois, durante os trabalhos da comissão de sistematização. As limitações que decorrem da introdução da Lei de Diretriz Orçamentária (LDO) são duas: uma está na própria essência do chamado “pré-orçamento” e a outra está afeita ao desvirtua­mento da técnica orçamentária.

Primeiro, cabe ressaltar que a preocupação em dar ao Congresso um papel destacado na organização dos gastos públicos não implica a necessidade de se criar uma lei de controle orçamentário, como parece ter sido o entendimento dos constituintes. Já são submetidos ao Congresso, além da LDO, o Plano Plurianual de Investimentos e o orçamento fiscal. Este último contém o orçamento de investimento das empresas estatais e o orçamento da seguridade social. O Plano Plurianual substituiu o antigo Orçamento Plurianual de Investimentos, que não chegou a se constituir em fonte segura de planejamento, embora fosse anualmente revisto e aprovado pelo Congresso.

A LDO procura fixar metas e prioridades de modo a compatibilizar atividades de planejamento e de orçamento, ou seja, procura articular o Plano Plurianual com a elaboração dos orçamentos anuais, e inclui política de pessoal, alterações na legislação tributária e nas políticas de investimento e crédito. Em outras palavras, a LDO tem por objetivo orientar a elaboração dos orçamentos anuais, definir parâmetros a serem utilizados nas estimativas da receita e da despesa e no tamanho do déficit público e sua compatibilidade ou não com a política macroeconômica.7 7 V. Afonso e Giomi, op. cit., pp.189-91.

Na prática, a LDO divide a antiga proposta de lei orçamentária ao meio, no sentido de que antecipa quase todas as suas ações. Contudo, é impossível desdobrá-la: os orçamentos são por natureza agregativos e interativos. A análise das despesas deve ter como pano de fundo. um documento passível de agregação monetária - projetos específicos, cujos valores se baseiam num montante determinado em moeda corrente. O montante das receitas públicas também é globalizante. Sua avaliação tem por base parâmetros históricos e aspectos sobre o nível de atividade e mudança nas leis. Há que se compatibilizar esses dados com a necessidade de financiamento do setor público - déficit fiscal -, cuja magnitude depende das metas oficiais e da disponibilidade de crédito oferecido ao governo. Há, portanto, um erro conceitual na LDO, que busca a separação daquilo que, pela sua própria natureza, é indissociável.

A segunda limitação da LDO está afeita ao desvirtuamento da técnica orçamentária.

É difícil transplantar as ações da LDO para o orçamento fiscal, porque se pretende estabelecer, a priori, parâmetros genéricos de política macroeconômica e ao mesmo tempo políticas específicas de pessoal, de tributação, de crédito público etc. Não há como conciliar o estabelecimento de fontes de financiamento e atividades-meio - estrutura e nível de tributação, tamanho do déficit, gastos com funcionalismo e limites de crédito- com a avaliação do mérito de projetos em atividades fins, tais como saúde, educação e transportes.

Além do mais, a LDO não é o instrumento para se encaminhar projetos a fim de que sejam incorporados à proposta de lei orçamentária. Trata-se, supostamente, de um documento voltado para o balizamento da Lei de Meios. Entretanto, os parlamentares vêm utilizando a LDO como uma oportunidade adicional para apresentar emendas que favoreçam os seus projetos individuais. Além de contrariar a sua concepção original, o encaminhamento à LDO de projetos individuais constitui uma flagrante duplicação de esforços, já que a mesma matéria terá que ser novamente considerada no orçamento fiscal. Assim, do ponto de vista operacional, a LDO não é um pré­orçamento, mas um mini orçamento. Em suma, não faz sentido avaliar, a priori, quanto mais decidir, o total das despesas públicas sem ter uma ideia clara e objetiva sobre o valor e as implicações dos projetos individuais.

Talvez seja realista, contudo, dizer que metas e diretrizes são necessários para contornar a tendência natural de crescimento das despesas públicas, quando se considera a minoria em que se encontram, durante a preparação da proposta orçamentária, os agentes do Executivo responsáveis pelo equilíbrio financeiro - o ministro da Economia e Secretaria do Planejamento - contra os agentes responsáveis pelos gastos - os demais ministros, em geral. Alguns países adotam um “pré-orçamento” no nível do Executivo - ou do Gabinete no sistema parlamentarista - para avaliar e decidir sobre as grandes linhas que deverão ser obedecidas na proposta orçamentária.8 8 V. Schick, A. “Macro-budgetary adaptations to fiscal stress in industrialized democracies”. Public Administration Review 46(2), mar. 1986. De forma semelhante, o Congressional Budget and Impoundment Act (1974) dos Estados Unidos criou um instrumento para, anualmente, durante o processo orçamentário, fixar metas e diretrizes de política fiscal. A chamada Resolução do Orçamento procura conciliar a evolução dos agregados macroeconômicos aos objetivos do governo na proposta de lei orçamentária.9 9 V. Pechman, J. A. Federal Tax Policy, 5 ed. Washington DC: Brookings. Cap. 3. The Tax Legislative Process, 1987.

8. A REFORMA ORÇAMENTÁRIA

É através do orçamento fiscal que a sociedade estabelece, pelos seus representantes, as prioridades quanto a como e para quem prover bens e serviços públicos. Ao Executivo cabe a iniciativa da proposta da lei orçamentária, o que não implica ter ele a última palavra sobre o montante de receitas e despesas e sua distribuição. Pelo contrário, a proposta de lei orçamentária que acompanha a mensagem do presidente da República ao Congresso apenas dá início à fase de análise, avaliação e votação da Lei de Meios, que será executada no ano subsequente.

A proposta de lei orçamentária deve ser única para evitar duplicidade de funções e o congestionamento da pauta congressual. Não há necessidade de um orçamento em separado para as despesas que extrapolam o exercício financeiro, pois estas farão parte das projeções intertemporais. Também não se justifica um “mini orçamento” com funções praticamente idênticas às do orçamento anual. No limite, ou seja, levando-se ao extremo o cuidado de pré-ordenar a proposta orçamentária, haveria que se cogitar de orçamentos mensais, ou até mesmo diários, o que significaria ausência total de previsão. O projeto de lei orçamentária deve ser universal, de modo a contemplar todos os gastos e receitas públicas relevantes. Não convém, todavia, incorporar no orçamento fiscal os investimentos das empresas estatais, devido à natureza empresarial dessas aplicações. A técnica orçamentária exige tão-somente que as transferências interorçamentárias (subsídios e dividendos) sejam registradas no orçamento da União.

O projeto de lei orçamentária idealmente deveria chegar ao Congresso no começo do exercício parlamentar com as linhas básicas da política fiscal do Executivo. Hipóteses econômicas, metodologia de cálculo, análises qualitativas e prospectivas embasariam as diretrizes gerais, os programas específicos e as fontes de financiamento. A Comissão Mista de Orçamento e Finanças (CMO) se desdobraria em diversas subcomissões responsáveis pelo encaminhamento e relatório de propostas setoriais. Essas subcomissões promoveriam reuniões e consultas com o Executivo, com grupos de interesse e com entidades de classe enquanto redigiriam suas emendas. Aos poucos, as propostas das subcomissões tomariam forma e seriam enviadas à CMO para consolidação e votação em plenário. Portanto, do trabalho conjunto, dinâmico e tempestivo do Executivo e do Legislativo é que se estabeleceria o contorno definitivo da Lei de Meios. A não ser por circunstâncias excepcionais, não haveria então por que alterá-la uma vez sancionada pelo presidente da República. Evitar-se-ia dessa maneira fragmentar propostas de lei, congestionar trâmites parlamentares e atomizar emendas individuais, com a consequente perda de legitimidade do processo orçamentário.

  • 1
    Para uma ampla resenha histórica do processo orçamentário, v. Weber, C. e Wilddavsky, A History of Taxation and Expenditure in the Western World. Nova York: Simon & Schuster, 1986. Uma versão resumida desse trabalho está em Longo, C.A., Por um Orçamento Confiável. Pará: CEJUP, 1990.
  • 2
    Para uma discussão dos fundamentos e das práticas orçamentárias no Brasil, v. Giacomini, J., Orçamento Público. São Paulo: Atlas, 1985.
  • 3
    Título VI - Da Tributação e do Orçamento- Capítulo II das Finanças Públicas, Seção II dos Orçamentos.
  • 4
    Título IV da Organização dos Poderes, Capítulo I do Poder Legislativo, Seção II das Atribuições do Congresso Nacional, artigo 48, item XIV.
  • 5
    V. Longo, C. A. “O processo orçamentário no Brasil”. Revista de Economia Política 12(2), abr. 1991.
  • 6
    V. Afonso, J. R. R., e W. Giomi. “A Legislação Complementar sobre Finanças Públicas e Orçamentos-subsídios e sugestões para sua elaboração”, IPEA- Cadernos de Economia nº 8, abr. 1992.
  • 7
    V. Afonso e Giomi, op. cit., pp.189-91.
  • 8
    V. Schick, A. “Macro-budgetary adaptations to fiscal stress in industrialized democracies”. Public Administration Review 46(2), mar. 1986.
  • 9
    V. Pechman, J. A. Federal Tax Policy, 5 ed. Washington DC: Brookings. Cap. 3. The Tax Legislative Process, 1987.
  • 10
    JEL Classification: H61.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1994
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br