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O modelo de investimento de Kalecki: análise empírica dos Estados Unidos, 1948-1980* * Agradeço a Haydn Pimenta, do CEDEPLAR, por sua revisão redacional desta versão em português.

Kalecki’s investment model: an empirical analysis of the United States, 1948-1980

RESUMO

Embora publicado no início da década de 1930, e apesar do recente interesse em sua teoria, o modelo de investimento de Kalecki não foi submetido a muitos testes empíricos. Este artigo especifica uma versão de curto prazo de três equações do modelo de investimento de Kalecki e o estima usando dados anuais dos EUA entre 1948-1980. Um resultado surpreendente é que a economia dos EUA parece ter sido dinamicamente instável no período analisado, com ciclos de amplitude crescente.

PALAVRAS-CHAVE:
Investimento; Kalecki; ciclo econômico

ABSTRACT

Though published in the early 1930’s, and despite recent interest in his theory, Kalecki’s investment model has not been subject to much empirical testing. This paper specifies a three equation short run version of Kalecki’s investment model and estimates it using annual U.S. data between 1948-1980. A surprising result is that U.S. economy appears to have been dynamically unstable in the period analyzed, with cycles of increasing amplitude.

KEYWORDS:
investment; Kalecki; economic cycle

Uma característica básica do modelo de investimento de Kalecki é a importante distinção entre as encomendas de investimento e as despesas de investimentos, ambos separados por intervalo de tempo. Kalecki não se satisfez, totalmente, com as versões publicadas do seu modelo de investimento: Como ele mesmo observou, enquanto suas teorias de demanda efetiva e distribuição de renda continuaram inalteradas desde a década de trinta, ele empenhou-se numa busca contínua de soluções novas na teoria sobre as decisões de investimento.

O modelo original de investimento de Kalecki, formulado em seu “Esboço de uma Teoria do Ciclo Econômico” (1983bKalecki, Michal, (1983b) Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas, São Paulo, HUCITEC.) consiste em três equações e três variáveis: lucro, consumo capitalista, e o investimento planejado. Tanto o investimento corrente quanto o volume do equipamento de capital são exógenos a curto prazo:

(1) P t = C t = + I t I d e n t i d a d e d e l u c r o

(2) C t = a + b P t C o n s u m o c a p i t a l i s t a

(3) I t + 1 K t = F P t K t I n v e s t i m e n t o p l a n e j a d o

onde P significa lucros brutos reais, incluindo depreciação do volume do equipamento de capital; C denota todos os bens consumidos pelos capitalistas; I, as encomendas de investimento; K, volume do equipamento de capital; e t, o tempo, em anos. A primeira equação é uma identidade contábil. A segunda é a função de consumo capitalista. Pressupõe-se que os trabalhadores não tenham poupança. A terceira equação é a função de investimento que relaciona a taxa de acumulação capitalista com a taxa de lucro.

Agora podemos introduzir a equação (2) na equação (1), e determinar o nível de lucro bruto corrente, que depende dos parâmetros a e b, e do nível de investimento corrente:

P t = a 1 - b + 1 1 - b I t (4)

Kalecki (1983bKalecki, Michal, (1983b) Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas, São Paulo, HUCITEC., p. 35) pressupôs que a taxa de acumulação capitalista fosse uma função linear da taxa de lucro corrente. Por isso, a equação (3) pode ser representada como se segue:

I t + 1 = m P t - n K t (5)

onde m e n são constantes, com valor positivo, menor que um. Segundo a equação (5), o volume de encomendas de investimento é uma função crescente da acumulação bruta (investimento corrente) e uma função decrescente do volume de equipamento de capital (Kalecki, 1983bKalecki, Michal, (1983b) Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas, São Paulo, HUCITEC., p. 35).

Depois de introduzir a equação (4) na (5), se obtém a seguinte forma reduzida da equação de encomendas de investimento:

I t + 1 = c + d I t - n K t (6)

onde c=ma/(1-b) e d=m/(1-b).

As equações (4) e (6) foram estimadas, utilizando-se os dados anuais para os Estados Unidos do período entre 1948 e 1980. Os dados relevantes estão reproduzidos no Apêndice. Todas as variáveis, com exceção do estoque de equipamento de capital (que requer um processo de deflação especial), são deflacionadas pelo deflator implícito do PNB. Os resultados do OLS para a equação de lucros, após os impostos, são os seguintes (com a estatística de “t” em parênteses):

P t = 6 , 103 + 2 , 2802 25 , 049 I t R 2 = 0 , 953 D W = 1 , 535

O teste de Durbin-Watson não mostra qualquer evidência de correlação serial ao nível de 5%. Pela equação (4), o multiplicador de investimento é igual a 1/(1-b). Portanto, o coeficiente b indica a proporção do aumento do lucro utilizado para o consumo capitalista:

1 / 1 - b = 2 , 28 ; b = 0 , 56

Esses estimadores indiretos indicam que 56% dos lucros brutos adicionais serão usados no consumo capitalista, enquanto os restantes 44% serão investidos. Kalecki (1983aKalecki, Michal, (1983a). Teoria da Dinâmica Econômica, São Paulo, Editora Abril., pp. 44-45) achou improvável que o coeficiente b ultrapassasse os 30%. Examinando o período entre 1929 e 1940 nos Estados Unidos, Kalecki estimou b=0,25, no pressuposto de que os trabalhadores não façam poupança, defasando o investimento por um trimestre e incluindo uma variável de tendência.1 1 Reestimando a regressão de Kalecki (1983a, p. 44), com os mesmos dados por ele utilizados para os Estados Unidos entre 1929 e 1940, obtêm-se os resultados levemente diferentes: Pt=22,5327+1,331116,507It-0,25-0,26333,104tAdjR2=0,962DW=2,3989 De acordo com o teste de Durbin-Watson, não existe evidência de autocorrelação nesta regressão.

Os resultados do OLS para a forma reduzida da equação de investimento bruto (6) são os seguintes (com a estatística de “t” em parênteses):

I t + 1 = 23 , 5476 + 0 , 5150 2 , 747 I t - 0 , 0865 2 , 425 K t R 2 = 0 , 904 D W = 1 , 508

As variáveis I e K, juntas, explicam 90% da variação das encomendas de investimento, 11+1, enquanto os coeficientes de regressão parcial têm significância estatística a nível de 5% e carregam os sinais esperados. Os resíduos padronizados, traçados em função do tempo, não mostram qualquer padrão sistemático. Pode-se inferir, portanto, a ausência de autocorrelação entre os erros da regressão de investimento estimada.

Assim, um aumento de um bilhão de dólares em investimento corrente, a preços constantes, faria aumentar as encomendas de investimento em 0,51 bilhão de dólares, enquanto um aumento semelhante no volume do equipamento de capital faria diminuir as encomendas de investimento em 90 milhões de dólares.

A condição de estabilidade de modelo de investimento de Kalecki é muito importante, do ponto de vista da política econômica. Isso porque as flutuações dos investimentos serão acompanhadas por flutuações no emprego e na renda nacional.

A equação dinâmica fundamental de Kalecki para encomenda de investimento (6) serve como base para análise do ciclo econômico (veja Kmenta, 1971Kmenta, Jan, (1971). Elements of Econometrics, Nova Iorque, Macmillan., pp. 589-596). Depois de substituir a identidade It=Kt-Kt-1 na equação (6), a transposição da mesma equação (6) produz a relação seguinte:

K t + 1 - K t - d K t - K t - 1 + n K t = c (7)

ou, simplificando-a uma vez mais, a equação (7) pode ser escrita da seguinte maneira:

K t + 1 + v K t + d K t - 1 = c o n s t a n t e (8)

onde v=(n-d-1).

A equação de diferença (8) tem a seguinte equação característica:2 2 A solução geral da relação (8) desenvolve-se como segue: Kt+2+vKt+1+dKt=0 Definindo Kt=Aht e introduzindo na relação acima, obtém-se: Aht+2+vAht+1dAht=0 Dividindo a expressão acima por Aht, obtém-se a equação característica. h2+vh+d=0

h 2 + v h + d = 0

ou

h 2 - 1 , 6015 h + 0 , 515 = 0

que pode ser solucionada pela fórmula quadrática para as duas raízes h1=1,156 e h2=0,445.

A evolução no tempo K - sejam os ciclos amortecidos, sejam eles explosivos - depende dos valores das raízes h, e h2. Segundo as estimativas do OLS, a raiz dominante da equação característica tem um valor maior que um. Portanto, a economia dos Estados Unidos parece ter mostrado instabilidade dinâmica no período entre 1948 e 1980. Isso significa que o movimento irrestrito do volume de equipamento de capital nos Estados Unidos e, portanto, os movimentos de investimento, renda nacional e emprego se caracterizavam como explosivo, fomentando, assim, os ciclos de amplitude crescente.


Lucros apôs os impostos. investimento bruto, depreciação. e valor do equipamento de capital fixo nos estados unidos 1948-1980 (Bilhões de dólares a preços de 1972)

O Gráfico 1 apresenta o comportamento de investimento bruto relativo ao nível de depreciação, utilizando-se fontes oficiais (veja o Apêndice Estatístico). Este demonstra que a acumulação capitalista nos Estados Unidos realmente se caracteriza por flutuações explosivas - isto é, cada ciclo sucessivo mostra uma amplitude crescente, se comparado ao anterior.

GRÁFICO 1
Investimento bruto e depreciação nos Estados Unidos, 1948-1980 (bilhões de dólares de 1982 - valores oficiais)

Lange (1970Lange, Oskar, (1970). Michal Kalecki’s Model of Business Cycle, in Papers in Economics and Sociology, Oxford, Perganon Press.) elaborou uma análise prática do modelo de ciclo econômico de Kalecki. Através das estimações econométricas dos coeficientes d e n estimou que os ciclos de investimento de Kalecki duram, aproximadamente, nove anos.3 3 Infelizmente, Lange não dá informações precisas sobre a fonte de suas estimativas econométricas. Lange (1970Lange, Oskar, (1970). Michal Kalecki’s Model of Business Cycle, in Papers in Economics and Sociology, Oxford, Perganon Press., p. 361) comentou: “Este ciclo, no entanto, não termina porque - segundo Kalecki - certas perturbações acidentais que movimentam o ciclo declinante novamente acontecem, e continuam a mantê-lo vivo”.

Os resultados econométricos mostram, então, que o modelo de investimento de Kalecki oferece uma boa explicação do comportamento de investimento na economia dos Estados Unidos para o período entre 1948 e 1980. Apesar de sua simplicidade, o modelo de investimento de Kalecki é um guia promissor para pesquisa empírica sobre a dinâmica da economia capitalista.

APÊNDICE ESTATÍSTICO

Os lucros são computados como a diferença entre a renda bruta corrigida do setor privado e os salários corrigidos do setor privado. Faz-se o ajuste do erro estatístico entre o produto nacional computado do lado da renda nacional e do lado da despesa nacional (veja Kalecki, 1983aKalecki, Michal, (1983a). Teoria da Dinâmica Econômica, São Paulo, Editora Abril., pp. 139-141, notas 5 e 7). A renda bruta do setor privado é igual a PNB, menos os salários governamentais e os impostos indiretos. O investimento inclui o saldo governamental e o saldo da balança comercial. Portanto, essa variável se refere ao que Kalecki (1983aKalecki, Michal, (1983a). Teoria da Dinâmica Econômica, São Paulo, Editora Abril., p.43) chama de I’, que consiste na soma de investimento privado, do déficit orçamentário e do saldo da balança comercial. Os dados sobre lucros, investimentos, e o deflator implícito do PNB provêm do Council os Economic Advisors (CEA), Economic Report of the President, 1984. Os dados sobre o volume do equipamento de capital provêm de uma listagem do Office of Business Analysis (OBA), U. S. Department of Commerce.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Kalecki, Michal, (1983a). Teoria da Dinâmica Econômica, São Paulo, Editora Abril.
  • Kalecki, Michal, (1983b) Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas, São Paulo, HUCITEC.
  • Kmenta, Jan, (1971). Elements of Econometrics, Nova Iorque, Macmillan.
  • Lange, Oskar, (1970). Michal Kalecki’s Model of Business Cycle, in Papers in Economics and Sociology, Oxford, Perganon Press.
  • 1
    Reestimando a regressão de Kalecki (1983aKalecki, Michal, (1983a). Teoria da Dinâmica Econômica, São Paulo, Editora Abril., p. 44), com os mesmos dados por ele utilizados para os Estados Unidos entre 1929 e 1940, obtêm-se os resultados levemente diferentes: Pt=22,5327+1,331116,507It-0,25-0,26333,104tAdjR2=0,962DW=2,3989 De acordo com o teste de Durbin-Watson, não existe evidência de autocorrelação nesta regressão.
  • 2
    A solução geral da relação (8) desenvolve-se como segue: Kt+2+vKt+1+dKt=0 Definindo Kt=Aht e introduzindo na relação acima, obtém-se: Aht+2+vAht+1dAht=0 Dividindo a expressão acima por Aht, obtém-se a equação característica. h2+vh+d=0
  • 3
    Infelizmente, Lange não dá informações precisas sobre a fonte de suas estimativas econométricas.
  • JEL Classification: B51; E22; E32; E11.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1986
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