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IGP ou IPCA como estimadores da inflação e indexadores na economia brasileira* * Versão revista e atualizada do texto “INPC ou IGP - Qual o Melhor Indicador da Inflação?” (1981).

IGP or IPCA as inflation estimators and indexes in the Brazilian economy

RESUMO

Esta nota tem por objetivo analisar criticamente o IGP e o IPCA na compreensão de seu papel na medição da inflação no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
IGP; IPCA; inflação; índices de inflação

ABSTRACT

This note aims to critically analyze the IGP and the IPCA in understanding their role in measuring the inflation in Brazil.

KEYWORDS:
IGP; IPCA; inflation; inflation indexes

Volta à baila, no Brasil, a discussão sobre os índices de preços como medida do fenômeno inflacionário. Além do caráter cíclico, adiciona-se lhe, no momento, um aspecto de indiscutível importância: seu papel no sistema de indexação ora vigente no país. Como resultado, é possível, do sobressalto provocado pelas discrepâncias verificadas entre os índices nacionais e suas consequências no lado real da economia.

Nosso intuito é contribuir com o debate em bases conceituais e técnicas, com a finalidade de proporcionar uma avaliação dos dois indicadores da inflação ora existentes no sistema estatístico nacional: o Índice Geral de Preços (IGP), da Fundação Getúlio Vargas, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), da Fundação IBGE. Nesta linha, discorre-se sobre os méritos de cada índice sob o ponto de vista do sentido e da precisão da estatística em si. Adicionalmente, exploramos questões ligadas ao desempenho como indexadores da economia brasileira. O questionamento do sistema de indexação brasileiro é incipiente, porém traz a mensagem da oportunidade de uma ampla discussão sobre o tema.

Vejamos, de início, os pontos básicos de nossa análise. Em primeiro lugar, do ponto de vista técnico, estabeleçamos os requisitos que devem possuir os índices de modo a serem considerados como indicadores da inflação. Tendo em vista sua característica nacional, os requisitos são estes:1 1 Abstraímos, nesta análise, questões relacionadas ao atendimento ou não a testes e propriedade convencionais da teoria dos índices.

  1. Abrangência. Quando se fala em inflação, pensa-se um número que represente o movimento de preços de todos os produtos e serviços nos diversos estágios de comercialização em certa área geográfica. Dadas as óbvias dificuldades de obtenção de tal índice, opta-se por aproximações, restringindo-se quer o conjunto de produtos e serviços, quer os estágios de comercialização, quer a área geográfica. Importa examinar o que significam as simplificações: se são estimativas apropriadas ou se descaracterizam o fenômeno. Sob o aspecto abrangência, analisamos o rol de produtos, a estrutura de pesos e o levantamento de preços dos dois índices sob estudo;

  2. Consistência na agregação. Os Índices de Preços constituem uma medida síntese do movimento de preços de um conjunto bem definido de produtos (empregaremos o termo produtos para significar bens ou serviços). São resultantes de processos de agregação. Assim, há que se atentar para os agrupamentos parciais em que são classificados os produtos. Por exemplo, é comum se hierarquizar um Índice de Preços ao Consumidor (IPC) em grupos, subgrupos, itens e subitens de tal modo que sejam produzidos subíndices para os diversos níveis e para o geral. No entanto, é necessário proceder de modo que os resultados atendam rigorosamente ao critério da Consistência na Agregação, teste crucial quando se trata de índices de caráter nacional, com elevado grau de agregação. Em termos bastante simples este critério exige que a união de todos os grupos compreenda o total dos produtos considerados; que não haja interseção entre os grupos; que haja unicidade de método de cálculo; e que a fórmula, em si, seja agregativamente consistente. De tal modo que o cálculo sem qualquer estágio seja exatamente igual ao índice calculado considerando todos os estágios;2 2 Uma definição mais rigorosa encontra-se em Theil (1967).

  3. Conceituação. Os índices de preços são estatísticas econômicas, e como tal devem ser operacionalizações de conceitos da teoria econômica (por exemplo, os IPC são correspondentes operacionais dos Índices de Custo de Vida) ou ainda de categorias macroeconômicas na concepção dos sistemas de Contabilidade Nacional. Em outros termos, faz-se mister saber o que representam nos sistemas de informações econômicas.

O segundo aspecto, liga-se à aplicação dos índices como indexadores de preços, salários, aluguéis e ativos em geral. Do ponto de vista formal, estão presentes em cláusulas de contratos de transações futuras e têm como objetivo proteger os agentes econômicos contra os riscos de perdas provocadas pela inflação. Avaliamos os índices pelos critérios: da estabilidade da série de variações mensais e do grau de aproximação com a estimativa da inflação derivada das Contas Nacionais: o Deflator Implícito do PIB. São muitas as qualificações a este tipo de abordagem.

O ÍNDICE GERAL DE PREÇOS - IGP

O IGP é definido pela média aritmética ponderada dos índices: de Preços por Atacado - Disponibilidade Interna (IPA-Dl), de Preços ao Consumidor do Município do Rio de Janeiro (IPC-Rio) e do Índice Nacional de Custos da Construção Civil (INCC); os pesos são, respectivamente, 60%, 30% e 10%. Alguns aspectos destes índices são comentados a seguir.

O IPA-DI

O IPA, no conceito de disponibilidade interna, visa a espelhar, em caráter nacional, o movimento de preços dos bens finais de consumo e produção na penúltima operação antes da utilização final.

As ponderações são baseadas em complexa combinação de informações das Contas Nacionais, do Censo Industrial de 1975, das Pesquisas Anuais 74 e 76 (para o Setor Industrial); Censo Agropecuário e dados levantados pelo próprio IBRE em 1969-1980 (para o setor agrícola); e dados da CACEX para importações e exportações. A partir destas informações, compõem-se os pesos nacionais, refletindo a importância relativa do valor adicionado de cada produto. Quando a estrutura de pesos é estratificada a nível regional, usam-se informações de valor por estado ou valor do consumo familiar.

Quanto à coleta, é feita em 11 estados da Federação, junto a “grandes atacadistas”, distribuidores, departamentos comerciais de grandes indústrias, importadores e órgãos públicos” (“Preços por atacado”, documento FGV, mimeo, e daqui em diante doc. FGV), além do SIMA do Ministério da Agricultura. São coletados preços de 243 produtos, num total de 11.000 cotações de preços mensais.

O método de agregação consiste no cálculo de índices mensais com ponderações móveis ou, dito de outra forma, de razões de Índices de Laspeyres base fixa.

De modo genérico, podemos comentar os seguintes pontos:

  1. É ambígua a definição do(s) agente(s) econômico(s) do IPA-DI. A ausência de uma caracterização clara do grupo a que se refere o índice implica dificuldades em definições importantes para sua operacionalização. A referência ora é o produtor, ora o grande atacadista, ora o distribuidor. É necessário ressaltar que este fato é inerente aos índices no atacado e que a observação crítica é de ordem conceitual;

  2. quanto à estrutura de pesos, se sobressai a duplicidade dos conceitos de valor adicionado nos pesos nacionais e de valor da produção nos pesos regionais. A última modificação efetuada pela FGV visava a aproximar o IPA-DI a um índice ligado à demanda final: “Por isso, deve refletir mais de perto a evolução dos preços de bens finais, de consumo e de produção. Por outro lado, esse é um dos índices que compõem o índice usado para medir a taxa da inflação no país, cujos efeitos mais importantes são aqueles referidos diretamente aos componentes da Despesa Interna Bruta, em termos de bens de Consumo e de Investimento” (doc. FGV, p. 6; grifo nosso).

  3. quanto à fórmula, deve-se ressaltar que até setembro de 1984 o método consistia em estimativas mensais de médias aritméticas ponderadas, sendo os índices mensais acumulados para se obter resultados de períodos maiores. Alhures,3 3 Em Moura de Melo (1984). mostramos a impropriedade conceitual deste procedimento e os indícios de que tenha viés ascendente. Somente a partir de outubro de 1984 é que a FGV alterou o método para o que se convencionou chamar de Laspeyres Modificado (C. E., vol. 38, n. 11). Trata-se de processo consagrado nas grandes instituições de estatística.

O IPC-Rio

A FGV produz desde 1947 um índice de preços para o município do Rio de Janeiro - IPC-Rio. O índice é definido para as famílias cujos rendimentos estão no intervalo de um a cinco salários-mínimos e sua última reformulação data de 1973, quando aquela Instituição fez levantamentos de despesas familiares.

O sistema de pesos, atualmente utilizado, foi obtido através da consolidação dos dados fornecidos por 306 famílias selecionadas do universo de 31.000 domicílios dos conjuntos habitacionais (COHAB) do município do Rio de Janeiro.

Com respeito à coleta de preços há total ausência de documentos divulgados sobre tamanho de amostras e processos de seleção. Sabe-se, no entanto, que o total de informações mensais é da ordem de 50.000.

Quanto à metodologia de cálculo é válido observar que tradicionalmente a FGV utilizou a fórmula de Laspeyres, consistente quando agregados os resultados mensais na obtenção dos índices semestrais ou anuais. No entanto, a partir de março de 1977 passou a adotar três expressões para o cálculo do IPC-Rio: para os produtos alimentícios, média geométrica; para os não-alimentícios, Laspeyres tradicional; para o índice como um todo, uma média aritmética dos dois anteriores, com pesos fixos. A hipótese subjacente é que haja substitutibilidade entre os bens alimentícios e não para os restantes e para os dois grupos entre si (C.E. 7 vol. 31, n. 6).

Sendo precisa a definição do agente econômico do IPC-Rio, ficam bem definidas sua composição e suas fontes de dados básicos. Já o sistema de pesos tem vários problemas decorrentes de adaptações efetuadas com base em informações de pesquisa anterior (167-168), necessárias em virtude das deficiências do último inquérito, entre as quais se destacam: o período de pesquisa (três meses, apenas), as características dos domicílios pesquisados principalmente sua localização e cobertura.4 4 Para maiores detalhes, consultar C.E., vol. 28, n. 6.

O novo método de cálculo da FGV, confor­me comentado acima, visa a tratar os produtos ali­mentícios na hipótese-de que sejam substitutos en­tre si. A medida da reação dos consumidores às alterações nos preços relativos é uma questão em­pírica difícil de ser avaliada, não havendo evidên­cia do acerto da nova opção. Ademais, do ponto de vista do índice em si, ficou desfigurado, não atendendo a propriedades elementares, como a da circularidade.

O INCC

O INCC passou a compor o cálculo do IGP a partir de ·fevereiro de 1985 em· substituição ao índice de Custos da Construção Civil do Rio de Janeiro.

Este índice representa o movimento de preços de materiais de construção e tipos de mão-de-obra verificados nas oito maiores capitais do país: Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Belo Horizonte.

Sua estrutura de pesos é definida pela relação entre o valor de cada insumo (estimados pelo produto dos preços médios das oito capitais pelas respectivas quantidades) pelo valor total dos insumos (material de construção e mão-de-obra), para cada padrão de construção. O peso final resulta da aplicação do número de “habite-se” por padrão de construção, referente aos anos 78 e 79.

A pesquisa contínua de preços, de ciclo mensal, engloba 67 produtos e 16 itens de mão-de-obra. É referida às firmas atacadistas de material de construção e empresas construtoras. São coletados, em média, 10 mil preços/mês.

A fórmula de cálculo segue as normas operacionais do método de Laspeyres. Pode ser interpretada, no mês-a-mês, como uma relação entre dois índices de longo prazo (da base até o período de referência).

Quanto ao INCC, podemos comentar que se trata de um índice de concepção extremamente simples, sendo, de fato, um índice de preços e não um índice de custos. Na área de preços da construção civil, o genuíno índice nacional de custos é produzido pelo IBGE como produto mais importante do Sistema Nacional de Preços da Construção Civil - SINAPI.

O ÍNDICE NACIONAL DE PREÇOS AO CONSUMIDOR AMPLO - IPCA

Desde a fase de planejamento do projeto Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor, a Fundação IBGE definira que na área de preços ao consumidor teríamos dois indicadores estatisticamente representativos de área metropolitana (ao invés de município-capital) e dois indicadores nacionais, com objetivos perfeitamente nítidos. O primeiro, chamado de Índice Restrito, refere-se às famílias cujos chefes são assalariados em sua ocupação principal e cujo Rendimento Familiar Monetário Disponível encontra-se entre um e cinco salários-mínimos; o segundo, o Índice Amplo, refere-se às famílias cujos rendimentos, quaisquer que sejam suas fontes, estejam compreendidos entre um e trinta salários mínimos. Do ponto de vista nacional, o índice restrito popularizou-se como INPC, seu objetivo é servir de subsídio à Política Salarial e a escolha do segmento de renda teve como objetivo a garantia de representatividade do grupo populacional mais vulnerável ao fenômeno inflacionário. Quanto ao Índice Amplo, que, na perspectiva nacional, chamaremos de IPCA, seu objetivo essencial é constituir-se um indicador da inflação, ao nível do consumo pessoal. Neste texto, trataremos exclusivamente do IPCA, observando que faz parte do mesmo Sistema do INPC, sendo comuns as pesquisas básicas, métodos, sistemas produtivo, de coleta, crítica/análise etc. Diferem, em decorrência de suas definições, quanto à estrutura de pesos, à agregação e ao conjunto de produtos.

O IPCA é obtido dos índices metropolitanos (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília), combinando-se através de uma média aritmética onde os pesos são dados pela Despesa Final Familiar, conforme estimativas do IBGE para o período agosto de 1974 a agosto de 1975.

Importa descrever, no momento, as bases e a metodologia de cálculo utilizadas para a montagem e obtenção dos índices mensais metropolitanos.

A Estrutura de Pesos é derivada da pesquisa Estudo Nacional da Despesa Familiar - ENDEF, realizada no período de agosto de 1974 a agosto de 1975, compreendendo extensivo levantamento dos orçamentos familiares de cerca de 55.000 famílias de todas as categorias socioeconômicas com representatividade a nível nacional, de macrorregiões e de áreas metropolitanas.

A concepção da ENDEF contemplou, entre seus objetivos prioritários, o desenvolvimento de um sistema nacional de índices de preços ao consumidor, abrangendo todos os bens e serviços adquiridos pela população e permitindo, pela primeira vez no país, a elaboração de índices ao nível de áreas metropolitanas.

A Coleta de Preços é realizada a partir de amostras de locais e de produtos obtidas por métodos estatisticamente rigorosos. Estas amostras são extraídas de universos levantados por inquéritos especiais em cada região metropolitana: Pesquisa de Locais de Compra - PLC, para estabelecimentos varejistas; Pesquisa de Especificação de Produtos e Serviços - PEPS, para os produtos.

O instrumento básico é o Questionário de Preços ao Consumidor, emitido por computador, a partir das informações, personalizadas-por local, dos cadastros de locais e de produtos. Este esquema permite notável flexibilidade do sistema, capacitando-o a incorporar, com rapidez, a dinâmica dos mercados.

Em geral, são pesquisados em torno de 2000 produtos por área metropolitana em 13000 estabelecimentos comerciais (nas dez áreas metropolitanas), compreendendo supermercados, feiras, quitandas, mercearias, farmácias etc., além de 6000 domicílios visitados por ano. Estas informações geram séries históricas mensais contendo aproximadamente 250000 preços.

A Metodologia de Cálculo, ao nível de cada área metropolitana, expressa a fórmula de Laspeyres para 43 itens do índice; para os itens sazonais (Frutas; Hortaliças e Verduras; Tubérculos, Raízes e Legumes) utiliza-se uma aproximação da fórmula de Paasche. A agregação dos 46 itens é feita pelo método de Laspeyres. Há, desta forma, em caráter nacional, 46 categorias de despesas familiares para as quais se calculam os índices nacionais.

O IGP E O IPCA COMO ESTIMADORES DA INFLAÇÃO

Tentamos, agora, em função dos critérios definidos, um paralelo entre os dois indicadores sob análise e uma avaliação de sua pertinência quanto ao tributo de estimadores da inflação.

Com respeito à Abrangência, o IGP apresenta um rol de produtos superior ao IPCA, porquanto compreende, também, bens de produção e não apenas de consumo familiar. Mas, do ponto de vista de cobertura geográfica, dificilmente podemos identificá-lo como um indicador genuinamente nacional, em virtude da abrangência limitada do IPC. Já o IPCA, sua característica nacional é bem mais consistente, refletindo a estrutura de demanda dos grandes aglomerados urbanos onde se concentra parte substancial da população urbana (42%, conforme o Censo de 1980) e grande parte da despesa familiar.

Quanto à Consistência na Agregação, propriedade fundamental quando pensamos em índices nacionais, o IGP não atende por duas razões: há mais de uma fórmula de cálculo em uso; há duplicidade de elementos, ou seja, existem produtos comuns a dois índices que o compõem. Por exemplo, parte dos produtos está tanto no IPA quanto no IPC-Rio. O IPCA, definido na perspectiva da Despesa Familiar, é consistente na agregação a partir do agregado item.

Consideremos o sentido propriamente dito dos dois índices. O IGP, como uma combinação de seus três componentes, dificilmente associa-se a qualquer conceito econômico. O IPA, seu mais importante componente, pelo peso (60%) e abrangência nacional, carece de conceituação apropriada, além de trazer em sua estrutura um problema de dupla contagem. Por essas razões, instituições estrangeiras, como o Bureau of Labor Statistics, desativaram a produção de índices de preços por atacado, substituindo-os pelos Índices de Preços ao Produtor, que têm paradigma teórico nos sistemas de Contas Nacionais.5 5 Ver Bureau of Labor Statistics (1982).

Com o INCC, o problema é conceitual. Se o objetivo é ter um índice de custos consoante a própria denominação, o correto seria utilizar o Índice Nacional de Custos da Construção Civil do SINAPI, o qual teria a vantagem adicional de cobrir 75 munícipios do território brasileiro e um número de cotações de preços bem superior (38 mil contra 10 mil). Acresça-se a estes senões o problema dos pesos (6, 3, 1), definidos em 1954. Apenas por acaso estes pesos guardam alguma semelhança com a estrutura da economia brasileira de hoje.6 6 Uma interpretação da origem destes· pesos e uma crítica encontram-se em Macrométrica, N. 9.

Do ponto de vista conceituai, o IPCA, como um índice de preços ao consumidor que abrange a totalidade da população urbana dos grandes centros do país, é uma proxy do verdadeiro Índice de Custo de Vida para sua respectiva população objetivo. Ademais, por serem os índices regionais combinados pela variável Despesa Familiar, é um estimador da inflação do Consumo Familiar, a mais importante categoria de demanda final, que representa 71% do PIB, consoante as últimas estimativas das Contas Nacionais (C.E., vol. 39, n. 3). Pode ser considerado, também, um estimador do Deflator Implícito do Consumo Familiar a preços de mercado, associando-se, assim, ao Sistema de Contas Nacionais.

OS ÍNDICES E O SISTEMA DE INDEXAÇÃO

Trata-se de assunto complexo e polêmico. Suscitamos questões para análises e aprofundamento posteriores e damos uma resposta à indagação “qual deve ser o indexador da economia brasileira?”.

Comparação dos resultados

Analisemos, inicialmente, o comportamento do IGP e do IPCA ao longo do período janeiro de 1981 a outubro de 1985. Na apresentação destes dados, bem como nos comentários, incluímos o INPC e destacamos o IPA, dada a importância destas duas estatísticas. Os dados do IGP e do IPA são correspondentes ao conceito de disponibilidade interna. Vejamos o comportamento das taxas anuais de variação na Tabela 1.

Tabela 1
Taxas de variação dos índices IPCA, IGP e IPA (período: 1981 a outubro de 1985)

Observa-se que ao longo do período a taxa de inflação medida pelo IGP atinge a 10008%; medida pelo IPCA, 8 373%. Se examinarmos as taxas anuais, verifica-se brutal divergência de resultados em 1983, ano em que a inflação brasileira atingiu novo patamar, provocada principalmente pelos choques agrícolas e pela desvalorização cambial de fevereiro daquele ano. Observa-se, assim, que o IGP é extremamente sensível aos choques de oferta em razão da alta sensibilidade do IPA (234% em 83). Em 1984, os índices diferem menos e, em 1985, reverte-se a tendência, isto é, o IPCA passa a ser maior que o IGP. Se tomarmos a variação no período novembro de 1983 a outubro de 1984, os números são: IPCA, 191,5%; IGP, 211,0%. Já no período novembro de 1984 a outubro de 1985, temos: IPCA, 222,5%; IGP, 212,8%. É necessária uma medida de quanto desta inversão se atribui à mudança metodológica ocorrida no IPA em outubro de 1984 e de quanto se deve, de fato, aos efeitos do controle de preços, os quais incidem mais intensamente no IPA do que no IPCA.

Em resumo, observam-se discrepâncias enormes entre os índices, o que, certamente, em contextos de indexação generalizada, tem implicações no lado real da economia. Na existência de dois indexadores - um para salários (INPC) e outro para ativos em geral e demais preços (IGP) - o problema se agrava. Basta citar o exemplo corriqueiro do mutuário, classe média, do Sistema Financeiro da Habitação. Até o final de 1984 tinha os salários reajustados por fração da variação do INPC; suas prestações mensais e seu passivo, pela variação das ORTN, enquanto seu ativo acompanhava a evolução do mercado.

IGP ou IPCA - qual o Indexador?

Partimos da hipótese da adoção de um único parâmetro para o Sistema de Indexação. Seria os estimador da inflação e o indexador oficial para a economia brasileira. Aliás, esta é a prática universal7 7 Ver Emerson (1983). (e os eleitos são os IPC) e que vem sendo sugerida por alguns economistas, como o professor da EPGE/FGV Fernando de Holanda Barbosa:

“Nas fórmulas de cálculo de correção monetária, da política salarial e no controle de preços, a inflação seria medida pelo índice de preços ao consumidor, [...]

Mas, ao invés do índice restrito, usado atualmente na política salarial, [...] seria empregado um índice amplo, que é mais abrangente. Este procedimento unificado evitaria anomalias que ocorrem atualmente, em virtude do uso de um Índice de preços para a correção monetária e de outro para o reajuste dos salários.”8 8 Holanda (1984).

Dada a hipótese, nomeemos os critérios de escolha do indexador:

  • 1) a estabilidade da estatística. Em economias indexadas esta característica é altamente desejável. Sua medida será expressa pelo Desvio Padrão (ou Coeficiente de Variação) da série histórica das variações mensais dos índices (período janeiro de 1981 a outubro de 1985). Os resultados, com um destaque para o ano de 1983, estão na Tabela 2.

Tabela 2
Desvio padrão e coeficiente de variação do IPCA, INPC, IGP e IPA (período: jan. 1981 a out. 1985, e ano 1983)

Observamos nitidamente que os dois índices de preços ao consumidor - numa série longa de 58 meses - têm menor variabilidade. O desvio padrão do IGP, bastante influenciado pelas oscilações do IPA, é 10% maior que o IPCA. Se cotejarmos os índices genuinamente nacionais, o IPA tem desvio padrão 27% maior que o IPCA. Não há diferença, estatisticamente significativa, entre o IPCA e o INPC.

Considerando apenas a série correspondente ao ano de 1983, quando a inflação brasileira atingiu novo patamar, o grau de instabilidade do IGP e do IPA aumenta substancialmente. As relações com respeito ao IPCA são, pela ordem, 27% e 68%.

Assim, pelo critério da estabilidade da estatística, é nítida a preferência pela IPCA.

  • 2) aderência ao Deflator Implícito do PIB. Jackman e Klappholz (1975Jackman, R., Klappholz, K. (1975) “The Case for Indexing Wages and Salaries”, in Indexing for Inflation, T. Liesnes e M. King (eds.), Londres Heinemann Educational Books.) indicam como mais apropriado para fins de indexação o Deflator Implícito do PIB (DIP) a custo de fatores. O argumento principal é que o DIPafc é um indicador da inflação associado à produção interna, líquido de impostos e subsídios e isento dos efeitos dos preços importados. Tal indexador não constitui obstáculo aos ajustamentos dos preços relativos resultantes de efeitos externos e das alterações na política orçamentária do governo.

Pressupondo-se a existência de um sistema de Contas Nacionais, o principal impedimento para o uso deste índice é seu ciclo de produção, geralmente anual e disponível com razoável defasagem de tempo.

Mesmo assim, tentemos uma comparação entre nossos índices e o DIP, feitas as seguintes ressalvas: primeiro, o DIP das contas nacionais brasileiras é a preço de mercado e não a custo de fatores; segundo, como o DIP pode ser interpretado como uma relação entre o índice de valor e o índice de quantum, expressa uma média de variações anuais de preços. Em consequência, para manter a comparabilidade, assim também são calculadas as variações anuais dos índices diretos de preços. 9 9 Procedimento idêntico ao utilizado por Allen (1983), p. 115. Terceiro, todas as estatísticas se referem a um intervalo de tempo comum, isto é, não faremos qualquer adaptação que compense qualquer defasagem de aumentos de preços (atacados e bens de produção versus bens de consumo pessoal no varejo). Os números encontram-se na Tabela 3.

Tabela 3
Variação média anual dos fndices DIP, IPCA, IGP e IPA (período: 1981 a 1984 e acumulado)

Estes dados constatam o baixo grau de semelhança entre qualquer dos índices de preços diretos e o DIP. Sempre tomando como base o DIP, verifica-se que o IPCA difere de 11% nos anos 83 e 84, enquanto o IGP difere em percentual bem menor. Porém, a maior discrepância ocorre no IGP em 1981: 14%. O IPA distancia-se do DIP mais intensamente: 18% em 1981 e 14% em 1984. Quando consideramos os acumulados, o IPCA difere menos: 11% contra 12,4% do IGP e 23,5 do IPA.

Em geral as discrepâncias são acentuadas, sendo difícil qualquer escolha. Mas os números indicam: primeiro, ao contrário do esperado, que o IGP não tem aderência alguma ao DIP, muito embora englobe um espectro de produtos compatível (bens de consumo e de produção, além dos serviços) e também seja compatível quanto à referência temporal; segundo, mesmo correspondendo a apenas uma categoria da Demanda Final, que o IPCA não pode ser preterido à luz deste critério.

A lição maior, no entanto, é que o sistema de estatísticas de preços e de índices de preços precisa passar pelo veredicto de uma análise profunda que explique o porquê destas discrepâncias. Não é verossímil que um mesmo fenômeno seja expresso por resultados tão diversos, embora sabendo-se diversos os métodos de medi-lo.

CONCLUSÕES

A análise e a avaliação técnicas deste texto desaconselham fortemente a manutenção do uso do IGP como indicador da inflação e indexador da economia brasileira. Pelas razões que resumimos:

  1. não atende a critérios técnicos, necessários a um índice nacional de preços. Compreende uma miscelânea de métodos, procedimentos, abrangência geográfica etc., que lhe retira consistência e desfigura-o como estatística;

  2. não representa qualquer conceito econômico. Além do problema dos pesos, o principal índice que o compõe carece de sentido, e está sendo desativado nos países mais desenvolvidos; o IPC-Rio pouco significa, dada a diminuta abrangência (conjuntos habitacionais da COHAB) e a precariedade da última pesquisa de orçamentos familiares; o INCC tem um equívoco conceitual;

  3. é uma estatística instável, logo, imprópria como balizador do sistema de indexação.

Nestas condições, nossas propostas são as seguintes:

  • 1) dada a atual situação do sistema estatístico brasileiro:

  • utilizar o IPCA como o estimador oficial da inflação brasileira e como parâmetro básico do sistema de indexação de salários, ativos econômicos, aluguéis, etc.;

  • em casos especificas, utilizar índices especiais. Por exemplo, na área de Construção Civil, o índice do SINAPI (e não o INCC) verdadeiramente um índice nacional de custos, por ter em seu sistema o mecanismo de escolha da tecnologia de menor custo;

  • 2) a médio prazo, quanto ao sistema de estatísticas de preços:

  • a institucionalização de um programa de atualização das bases do IPCA e do INPC, em particular quanto às pesquisas de orçamentos familiares;

  • a implantação do processo de desestacionalização do IPCA, o qual deve ser operacionalizado no próprio sistema, de modo a garantir-lhe consistência. Consistência no sentido de que, ultrapassado o ciclo estacionai, os resultados sejam rigorosamente iguais aos do índice normal;

  • a construção do sistema de preços e índices de preços ao produtor;

  • estimativas de deflatores implícitos por categorias de demanda final e a custo de fatores.

À dialética da realidade econômica devem corresponder, quanto à produção de estatísticas, sistemas integrados e com elevada capacidade de atualização. Assim, os pontos acima subentendem o desenvolvimento dos grandes referenciais: a classificação de produtos e de atividades e a concepção sistêmica das Contas Nacionais;

  • 3) a médio prazo, quanto ao sistema de indexação, um debate nos foros próprios - científicos e políticos - quanto a:

  • adoção do IPCA dessazonalizado. Trata-se de atributo desejável para a estatística que baliza a indexação quer formal, quer informal, principalmente considerando-se a iminente aplicação da trimestralidade de reajustes;

  • desenvolvimento de técnicas que o tornem flexível, de tal modo a não ser obstáculo aos ajustamentos dos preços, que não obstrua, mas ao contrário facilite, a execução da política orçamentária ou mesmo de uma política de rendas.

São pressupostos óbvios, o domínio público dos métodos, o conhecimento e o consentimento dos agentes econômicos quanto às diretrizes da política econômica, como convém à construção de uma sociedade aberta e consciente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Theil, H. (1967) Economics and Information Theory, Amsterdã, North-Holland Publishing Company.
  • *
    Versão revista e atualizada do texto “INPC ou IGP - Qual o Melhor Indicador da Inflação?” (1981Moura de Melo, F.A. (1981) IGP ou INPC - Qual o melhor Indicador da Inflação?, IBGE, mimeo, junho 1981.).
  • 1
    Abstraímos, nesta análise, questões relacionadas ao atendimento ou não a testes e propriedade convencionais da teoria dos índices.
  • 2
    Uma definição mais rigorosa encontra-se em Theil (1967Theil, H. (1967) Economics and Information Theory, Amsterdã, North-Holland Publishing Company.).
  • 3
    Em Moura de Melo (1984Moura de Melo, F.A. (1984) Os Métodos de Cálculo dos índices de Preços, Estatísticas Associadas e a Prática no Brasil, IBGE, mimeo, maio 1984.).
  • 4
    Para maiores detalhes, consultar C.E., vol. 28, n. 6.
  • 5
    Ver Bureau of Labor Statistics (1982Bureau of Labor Statistics (1982). Handbook of Methods.).
  • 6
    Uma interpretação da origem destes· pesos e uma crítica encontram-se em Macrométrica, N. 9.
  • 7
    Ver Emerson (1983Emerson, M. (1983) “A View of Current European Indexation Experiences”, in Inflation, Debt, and Indexation, R. Dornbusch e M.H. Simonsen (eds.), Londres. The MIT Press, Cambridge, Massachusetts, 1983.).
  • 8
    Holanda (1984Holanda, F.B. (1984) “Inflação e Indexação”, Conjuntura Econômica, vol. 38, p. 97.).
  • 9
    Procedimento idêntico ao utilizado por Allen (1983Allen, R.G.D. (1983) Uma Introdução à Contabilidade Nacional, Rio de Janeiro, Zahar.), p. 115.
  • JEL Classification: E30; C43; E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1986
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