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Argentina: Cavallo, galope para o desastre?

Argentina: Cavallo, lope for disaster?

RESUMO

Este artigo analisa o mais recente esforço de estabilização na Argentina, o Plano Cavallo (em homenagem a seu mentor, Domingo Cavallo). A estrutura analítica é o modelo negociável-não negociável, também conhecido como modelo de economia dependente, da literatura comercial australiana. O modelo é estendido para incluir o efeito dos salários reais na demanda agregada e, portanto, na atividade. Também é adicionada uma descrição da curva de Phillips da inflação. Mostra-se que, ao passar de um regime de câmbio flutuante para um de taxa fixa, a economia argentina alcançou o equilíbrio interno, à custa do equilíbrio da balança de pagamentos. O artigo mostra que o déficit comercial resultante pode levar a uma corrida clássica nas reservas, forçando o retorno às taxas de câmbio flutuantes. Nesse processo, a economia passará por um ciclo econômico completo, retornando à inflação.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; dolarização; crise cambial

ABSTRACT

This paper analyses the latest stabilization effort in Argentina, the Cavallo Plan (named after its mentor, Domingo Cavallo). The analytical framework is the tradeable - non tradeable textbook model, also known as the dependent economy model, from the Australian trade literature. The model is extended to include the effect of real wages on aggregate demand, and therefore on activity. A Phillips curve description of inflation is also added. It is shown that, by moving from a floating to a fixed-exchange rate regime, the Argentinian economy attained domestic equilibrium, at the cost of balance of payments equilibrium. The paper shows that the ensuing trade deficit may lead to a classical run on reserves, forcing the return to floating exchange rates. In the process, the economy will go through a complete economic cycle, returning to inflation.

KEYWORDS:
Inflation; dollarization; currency crisis

1. INTRODUÇÃO

Após a adoção do Plano Cavallo, na Argentina, retornou ao debate econômico brasileiro a ideia da dolarização. O entusiasmo doméstico atual1 1 Este artigo foi escrito entre 17/l0/91e 05/11/91. Ele reflete a opinião do autor, porém já à época da adoção do Plano Cavallo, cm 1° de abril de 1991. O autor agradece aos participantes de seminários e reuniões na FGV/SP, onde as ideias básicas foram apresentadas. Quaisquer erros e incorreções porventura remanescentes são de inteira responsabilidade do autor. reflete o sucesso do plano argentino. Efetivamente, desde abril a taxa mensal de inflação esteve em franca queda naquele país, ao mesmo tempo em que a economia vigorosamente retomava altos níveis de atividade e emprego. Aparentemente a dolarização seria uma medida simples e óbvia, capaz de efetuar o milagre da estabilização com crescimento, sem traumas.

O objetivo deste artigo é analisar, de forma crítica, a experiência do Plano Cavallo. A análise a seguir aponta para riscos sérios para o plano, que poderão resultar em crise cambial, abandono da taxa fixa de câmbio, crise fiscal e recessão, no futuro próximo. O sucesso apenas aparente do plano, até hoje, faz parte de um ciclo natural de credibilidade-boom-recessão-crise, passível de explicação através da aplicação de um simples e popular modelo macroeconômico teórico.

Se a análise for fundamentada, apontará os riscos e as inconveniências de um processo de dolarização no Brasil, dadas certas semelhanças estruturais entre as economias dos dois países.

O artigo está organizado da seguinte maneira. Na próxima seção, esboça-se o referencial básico de análise. Na seção 3, discutem-se as diferentes dinâmicas do modelo, de acordo com o regime cambial. A seção seguinte aplica o modelo à experiência argentina e o artigo é encerrado com alguns comentários.

2. O MODELO

O referencial básico de análise, ou o framework teórico, é um modelo macroeconômico simples e popular, amplamente conhecido na literatura econômica.2 2 Este é o “modelo da economia dependente”, originado na literatura australiana sobre comércio exterior, de Wilson (1931), Salter (1959) e Swan (1960, 1963). O leitor interessado encontrará uma clara exposição, bem como extensas referências, em Dornbusch (1980). O modelo aqui apresentado difere do standard, pela inclusão do efeito kaleckiano dos salários reais, sobre a demanda agregada, e pela descrição da inflação. O modelo considera dois tipos de bens, tradeables e non-tradeables. Há dois equilíbrios (ou objetivos) simultâneos: o do balanço de pagamentos e o da economia doméstica.

2.1 Balanço de pagamentos

A estrutura do Balanço de Pagamentos (BoP) é muito simples. A Balança de Transações Correntes (T) depende simultaneamente da taxa real de câmbio e da demanda agregada doméstica. A Balança de Capitais (BK) depende do diferencial de juros interno e externo (ajustado pela desvalorização esperada, que é uma função da estrutura do BoP).

B o P = T + B K (1)

T = T e , A d T / d e > O , d T / d A < ϕ (2)

e = P t / P n (3)

P T E · P * (4)

B K = B K r - r * - ê ; B K ' > 0 (5)

onde

  • BoP = Balanço de Pagamentos

  • T = Balança de Transações Correntes

  • BK = Balança de Capitais

  • e = taxa real de câmbio

  • Pt = preço doméstico (em moeda nacional) de tradeables

  • Pn = preço doméstico de non-tradeables

  • E = taxa nominal de câmbio (moeda nacional por US$ 1)

  • P* = nível nominal de preços internacional

  • A = demanda agregada doméstica

Equilíbrio no BoP significa, obviamente,

B o P = ϕ (6)

2.2 Equilíbrio doméstico

O equilíbrio no mercado de non-tradeables (exclusivamente doméstico) é dado pela equação (7):

D n e , A = S n e D n / a > ϕ ; D n / A > ϕ ; d S n / d e < ϕ (7)

onde

  • Dn = Demanda por non-tradeables

  • Sn = Oferta de non-tradeables

Como é óbvio, a demanda por non-tradeables varia diretamente com a demanda agregada doméstica e com a taxa real de câmbio (ou seja, o inverso do preço relativo dos non-tradeables). A oferta, por sua vez, cresce quando aumenta o preço relativo Pn/Pt (ou seja, quando cai a taxa real de câmbio).

2.3 Equilíbrio simultâneo

O Gráfico 1 mostra a solução do modelo. No gráfico, o equilíbrio simultâneo externo-interno é obtido no ponto E.

Gráfico 1

A curva BoP é o locus dos pontos de equilíbrio no BoP. Ela é positivamente inclinada: um aumento na demanda agregada doméstica deteriora a Balança de Transações Correntes; para restabelecer o equilíbrio, é necessária uma taxa real de câmbio mais elevada.

A curva NN, negativamente inclinada, é o locus dos pontos de equilíbrio no mercado de non-tradeables. Um aumento na demanda agregada doméstica aumenta a demanda por non-tradeables; para atingir o equilíbrio, o preço relativo dos non-tradeables deve subir (a taxa real de câmbio deve cair).

2.4 Demanda agregada doméstica

Do lado da demanda, é preciso complementar o modelo standard com a relação kaleckiana: maiores salários reais aumentam a demanda agregada doméstica. Salários reais, por sua vez, são uma função inversa da taxa real de câmbio.

A = A ω ; A ' > ϕ (8)

ω = W / P (9)

P = P t · P n (10)

P n = 1 + ϕ W / a (11)

onde

  • ω = salário real

  • P = nível geral (doméstico) de preços

  • W = salário nominal

  • ϕ = mark-up

  • a = produtividade marginal física do trabalho

Dado o mark-up doméstico (para bens non-tradeables) e a produtividade do trabalho, está fixado o salário-produto, em termos de non-tradeables. Nesse caso, o que ocorrer com o preço relativo de non-tradeables/tradeables também ocorrerá com o salário-produto, em termos de tradeables. Assim, uma redução da taxa real de câmbio aumentará o salário real: sobe o preço de non-tradeables, em termos de tradeables e, logo, sobe o salário-produto, em termos de tradeables.

ω = ω e ; ω ' < ϕ (12)

A equação (12), como é óbvio, é resultante das equações (9), (10) e (11). Finalmente, temos:

A = A ω e = A e ; A ' < ϕ (13)

Assume-se, realisticamente, que apesar do efeito positivo da redução de taxa real de câmbio sobre os salários reais e, logo, sobre a demanda doméstica, o mercado de non-tradeables tem um ponto de equilíbrio. Graficamente, isso significa que a curva que relaciona demanda agregada doméstica e taxa real de câmbio (AA) é mais (negativamente) inclinada que a curva NN. (Ver Gráfico 2.)

Gráfico 2

2.5 Inflação

A inflação é gerada pela pressão de custos salariais (dados o mark-up e a produtividade). Como a curva NN é o locus dos pontos de equilíbrio no mercado de non-tradeables, é também o locus de pontos tais que o salário nominal esteja estável, ou seja:

W ˙ = ϕ ao longo de N N (14)

O comportamento sindical é descrito pela equação (15):

W ˙ = W ˙ ω , u ; W ˙ / ω < 0 , W ˙ / u < ϕ

onde

ω=dW˙/dt = variação nominal de salários, no tempo.

Em outras palavras, quanto menor o salário real, maior a pressão sindical e, logo, maiores serão os aumentos nominais de salários e, então, a inflação. Por outro lado, quanto maior o desemprego, menor a pressão salarial (menor a inflação). Logo, descendo ao longo de NN, temos simultaneamente zero inflação (ro = O, por construção de NN) e maior nível de atividade econômica.

2. 6 Atividade econômica

Realisticamente, assume-se que a produção de tradeables requer tempo. Ou seja, o nível de atividade no setor tradeables é pouco afetado pela taxa real de câmbio, no curto prazo, aumentando a resposta positiva, a médio/longo prazos.

Em termos gráficos, isso significa que, ao longo da curva AA, o nível de atividade é crescente.

No Gráfico 3, y* é aquele nível de renda compatível com inflação-zero, e com o nível de demanda doméstica A*, quando ω=ω*=ωe*, e A=A*=Aω*. Pelas hipóteses acima, a curva y* y* é mais inclinada do que a curva AA.

Gráfico 3

3. DINÂMICA E REGIMES CAMBIAIS

A dinâmica da economia, neste modelo, depende do regime cambial: taxa “fixa” de câmbio ou taxa flutuante. O regime de taxa fixa implica a determinação da taxa real de câmbio, pelo equilíbrio doméstico. Simetricamente, o regime de taxa flutuante implica a determinação da taxa real de câmbio, pelo equilíbrio do BoP.

3.1 Taxas flutuantes

No regime de taxa flutuante, o BoP está permanentemente equilibrado (ou seja, a economia encontra-se sempre sobre a curva BoP = 0). No Gráfico 4, as setas indicam a dinâmica da taxa real de câmbio e do nível de demanda agregada doméstica.

Gráfico 4

A dinâmica da demanda agregada doméstica é simples e comum a ambos os regimes cambiais. Considere-se um ponto abaixo e à esquerda da curva AA, como o ponto B, no Gráfico 4. Nesse ponto, a demanda agregada efetiva é inferior àquela correspondente à demanda “de equilíbrio” (por construção, sobre a curva AA). Dados o salário real (ou seja, dada a taxa real de câmbio) e a política fiscal, a demanda só pode ser mais baixa se o nível de atividade e de renda for inferior ao de equilíbrio. Ou seja, existe excesso de demanda, e a atividade econômica (a renda) está se expandindo. Pelo efeito sobre o consumo, a demanda agregada também se expandirá, mas em menor proporção (pois aumenta a poupança, como é óbvio). Logo, a partir do ponto B, a demanda cresce, até atingir a curva AA. Simetricamente, à direita e acima de AA, a demanda se contrai (pois cai a atividade, pelo excesso de oferta agregada).

A dinâmica da taxa real de câmbio, por outro lado, é simples e óbvia. Sob um regime de câmbio flutuante, qualquer situação de déficit “incipiente” (ou potencial) leva à imediata desvalorização cambial. Ou seja, acima e à esquerda da curva BoP, a taxa real de câmbio cai (aprecia-se). Simetricamente, abaixo de BoP, a taxa sobe (deprecia-se). Com o rápido ajuste do mercado de ativos, a economia estará “sempre” sobre BoP =0. O ponto de equilíbrio da economia, então, será o ponto EE (de equilíbrio externo).

Na realidade, a afirmação acima deve ser qualificada. É preciso levar em conta os efeitos da mudança da taxa de câmbio sobre a Balança de Capitais. Fora do ponto EE, há expectativa de apreciação ou depreciação cambial; logo, haverá movimentos endógenos de capital, que deslocam a curva BoP = 0. A posição final da curva não é afetada, quando o ajuste é atingido, mas o caminho de aproximação do equilíbrio será fora de BoP = 0 (como o caminho SS, no Gráfico 5).

Gráfico 5

A curva SS fica acima do BoP = 0, à esquerda do ponto EE, e abaixo daquela curva, à direita de EE (ou seja, SS passa por EE e é menos positivamente inclinada que a curva BoP = 0).

À esquerda de EE, a taxa de câmbio está abaixo do equilíbrio de longo prazo (EE); logo, haverá uma depreciação real esperada (tanto maior quanto menor for a taxa real de câmbio). A expectativa de desvalorização real induz à fuga de capitais (há muita demanda pelo ativo “dólar”), requerendo um superávit compensatório na Balança de Transações Correntes. Logo, a taxa real de câmbio tem de estar acima de BoP. Simetricamente, à direita de EE se espera uma apreciação real, logo há entrada de capitais, que financia o déficit em transações correntes.

O ponto EE, portanto, indica a posição final da economia. Neste ponto, o BoP está equilibrado e a Balança de Transações Correntes ajustada ao fluxo “natural” de capitais (compatível com à estabilidade da taxa real de câmbio). Do lado doméstico, porém, não há equilíbrio. A demanda agregada é igual à oferta agregada, é verdade; mas o nível de salário real é muito baixo, dados os níveis de atividade e emprego, para obter estabilidade de salários e preços (ou seja, está-se à esquerda da curva de Phillips de longo prazo). Obviamente, há inflação e, com expectativas, aceleração inflacionária.

O equilíbrio de demanda, renda, salário real, taxa real de câmbio e BoP, então, é obtido às custas do equilíbrio do nível de preços, sob um regime de taxas de câmbio flutuantes.

3.2 Taxas fixas

No regime de taxas (nominais) fixas de câmbio, a dinâmica da taxa real de câmbio é comandada pela situação doméstica, ou seja, pela curva NN. No Gráfico 6, as setas indicam as forças dinâmicas. Acima e à direita de NN, o salário real é baixo demais, dado o nível de atividade, para haver estabilidade de salários/preços. Os salários estarão subindo e, com eles, os preços de non-tradeables. Dada a taxa de câmbio, o preço relativo Pt/Pn estará caindo. Simetricamente, abaixo e à esquerda de NN, a taxa real de câmbio tenderá (talvez, muito lentamente) a subir, pela deflação doméstica.

Gráfico 6

O ponto de “equilíbrio” final da economia será o ponto ED.

Nessa situação, as variáveis reais são estáveis e não há inflação. No entanto, há um déficit no BoP, o que torna o “equilíbrio” obviamente instável, e temporário. Cedo ou tarde, a autoridade cambial deverá redirecionar o instrumento cambial para a obtenção do equilíbrio do BoP, deslocando a economia para EE (provocando recessão e, simultaneamente, aceleração inflacionária).

4. CAVALLO, GALOPE PARA O DESASTRE

O framework de análise acima esboçado permite uma análise do Plano Cavallo e de seus riscos. Antes dele, a economia argentina era caracterizada3 3 Damill et al. (1992) apresentam uma rica coleção de dados sobre a economia argentina antes e após a adoção do Plano Cavallo. por:

  • equilíbrio

  • baixo nível de atividade

  • “baixos” salários reais (relativamente aos níveis desejados pelos sindicatos)

  • aceleração inflacionária, com pressão sindical/trabalhista.

Claramente, a economia argentina estava no ponto EE: equilíbrio externo com desequilíbrio doméstico.

Após o Plano Cavallo, a Argentina experimenta os seguintes desenvolvimentos:

  • inflação inicial alta, e em queda progressiva

  • aumento de salário real

  • redução da taxa real de câmbio

  • deterioração da Balança de Transações Correntes

  • boom de demanda e atividade doméstica, que viabiliza a redução do déficit fiscal.

O Gráfico 7 apresenta a evolução da economia argentina, após o Plano Cavallo, em termos estabilizados: caminha-se de EE para ED. Como mostra o Gráfico 7, o nível de atividade cresce, de y. para y*.

Gráfico 7

A análise acima mostra que, dada a situação da economia argentina anterior ao Plano Cavallo, a economia estava efetivamente em um ponto como EE. Ou seja, havia efetivamente um desequilíbrio inflacionário em termos de salário real (“conflito distributivo”). Nesse caso, então, a situação atual é caracterizada pelo equilíbrio doméstico, mas com iminente crise cambial.4 4 A associação entre (i) taxa flutuante de câmbio, e a dicotomia equilíbrio externo/desequilíbrio doméstico e (ii) taxa fixa de câmbio e a dicotomia desequilíbrio externo/equilíbrio interno também aparece em Franco (1991), mas a partir de um referencial teórico diferente. O paper de G. Franco não era conhecido pelo autor quando da elaboração do presente artigo.

A crise cambial ainda não ocorreu porque, transitoriamente, o ganho de credibilidade pública no governo induziu a um processo de entrada de capitais, ajudado por taxas de juros superiores às internacionais. A paulatina redução dos juros, juntamente com a deterioração da Balança de Transações Correntes (que sinaliza uma desvalorização real futura), eventualmente provocará uma mudança na Balança de Capitais.

Simultaneamente, o boom econômico estará se revertendo, pela redução de atividade no setor tradeables, devido à apreciação da taxa real de câmbio. Isso implicará queda da receita fiscal e, logo, redução da credibilidade na manutenção da própria taxa fixa de câmbio.

A combinação de recessão, déficit público e déficit comercial certamente levará à expectativa de desvalorização cambial real, detonando um clássico processo de corrida às reservas. Quando isso ocorrer, a paridade fixa terá de ser abandonada, destruindo-se a estabilidade doméstica.

5. CONCLUSÕES

Este artigo mostra os riscos do Plano Cavallo: crise cambial, déficit público e reaceleração inflacionária, acompanhados de queda de salários real e recessão. A análise da economia argentina aqui esboçada utiliza, de forma proposital, um framework tradicional e simples de análise econômica, que torna evidente que o Plano Cavallo foi uma opção de altíssimo risco.

Este artigo tem um segundo objetivo. Identifica-se, como uma das características básicas da economia argentina, um conflito distributivo: salários reais baixos, sindicatos fortes e mercados com baixo grau de concorrência. É imediata a semelhança com a economia brasileira. Logo, é razoável extrapolar as previsões de fracasso do Plano Cavallo para tentativas semelhantes no Brasil. Vê-se, assim, por que a dolarização representaria um programa de alto risco em nosso país.

A conclusão final é simples. Não há truques ou mágicas capazes de eliminar o processo hiperinflacionário em economias subdesenvolvidas e conflituosas, como a Argentina e o Brasil.

Somente um programa abrangente de reformas estruturais5 5 A opinião do autor sobre as causas do processo inflacionário e as reformas estruturais para alcançar a estabilização pode ser encontrada nos artigos citados nas referências. poderá lograr a estabilidade de preços. Tais programas requerem duas bases políticas: um pacto/acordo político-social e reformas institucionais. Seus objetivos devem ser duplos:

  • uma ampla reforma fiscal, envolvendo a redução do déficit público, a renegociação de dívidas, a reestruturação tributária, a realocação de gastos públicos e o aumento da eficiência estatal;

  • a viabilização da redistribuição de renda, através do aumento da renda real dos assalariados, através de ganhos de produtividade, do aumento do grau de concorrência (para reduzir mark-ups) e de ganhos fiscais.

Sem tais reformas, nossas economias continuarão vivendo processos hiperinflacionários, oscilando e regredindo ao longo do tempo, em uma sequência de choques e experimentos fadados ao fracasso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WILSON, R. (1931). Capital imports and the terms of trade. Melbourne, Austrália. Melbourne University Press.
  • 1
    Este artigo foi escrito entre 17/l0/91e 05/11/91. Ele reflete a opinião do autor, porém já à época da adoção do Plano Cavallo, cm 1° de abril de 1991. O autor agradece aos participantes de seminários e reuniões na FGV/SP, onde as ideias básicas foram apresentadas. Quaisquer erros e incorreções porventura remanescentes são de inteira responsabilidade do autor.
  • 2
    Este é o “modelo da economia dependente”, originado na literatura australiana sobre comércio exterior, de Wilson (1931WILSON, R. (1931). Capital imports and the terms of trade. Melbourne, Austrália. Melbourne University Press.), Salter (1959SALTER, W. (1959). “Internal and external balance: the role of price and expenditure effects.” Economic Record 35, págs. 226-238.) e Swan (1960, 1963SWAN, T. (1963) “Longer run problems of the balance of payments”, in ARNDT, H. & CORDEN, M. (orgs.), The Australian economy: a volume of readings, Melbourne, Australia: Cheshire Press.). O leitor interessado encontrará uma clara exposição, bem como extensas referências, em Dornbusch (1980DORNBUSCH, R. (1980). Open economy macroeconomics. Nova York: BasicBook. (Cap. 6, especialmente págs. 97-108).). O modelo aqui apresentado difere do standard, pela inclusão do efeito kaleckiano dos salários reais, sobre a demanda agregada, e pela descrição da inflação.
  • 3
    Damill et al. (1992DAMILL, Mario et al. (1992). “La evolución de la economía argentina a partir del Plan de Convertibilidad”. CEDES: Buenos Aires, janeiro, 1992.) apresentam uma rica coleção de dados sobre a economia argentina antes e após a adoção do Plano Cavallo.
  • 4
    A associação entre (i) taxa flutuante de câmbio, e a dicotomia equilíbrio externo/desequilíbrio doméstico e (ii) taxa fixa de câmbio e a dicotomia desequilíbrio externo/equilíbrio interno também aparece em Franco (1991FRANCO, G. (1991). “Dolarização: mecanismos, mágicas e fundamentos”. PUC/RIO, agosto.), mas a partir de um referencial teórico diferente. O paper de G. Franco não era conhecido pelo autor quando da elaboração do presente artigo.
  • 5
    A opinião do autor sobre as causas do processo inflacionário e as reformas estruturais para alcançar a estabilização pode ser encontrada nos artigos citados nas referências.
  • 6
    JEL Classification: E31; F31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1992
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