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A internacionalização da ciência econômica no Brasil

The internationalization of the economic science in Brazil

Resumo

Este artigo analisa a influência exercida pelo chamado “modelo americano” na constituição do arcabouço institucional que permitiu a consolidação da competência científica em Economia no Brasil. Mostra os principais mecanismos pelos quais os padrões estabelecidos nos países desenvolvidos, nos EUA em particular, foram incorporados aos estudos de Economia no Brasil; e também, as resistências encontradas pelo processo de internacionalização ou americanização em algumas áreas do meio universitário do país. Os dados e tabelas organizadas oferecem uma dimensão quantitativa desse processo.

Palavras-chave:
Ensino da economia

Abstract

This article analyzes the influence exercised by the so-called “American model” on the setting up of the institutional framework which allowed the consolidation of scientific competence in Economics in Brazil. It shows the principal mechanisms through which the patterns established in the developed countries, in the USA in particular, were incorporated into the studies of Economics in Brazil; and also, the resistance met by the process of internationalization or Americanization in some areas of the university environment in the country. The data and tables organized offer a quantitative dimension of this process.

Keywords:
Teaching of economics

1. INTRODUÇÃO

Analisa-se aqui o processo de internacionalização da ciência econômica no Brasil, enfatizando-se, em particular, a influência exercida pelo chamado “modelo americano” na montagem da estrutura institucional que tornou viável a consolidação, no País, da competência científica em economia. Entende-se por internacionalização, ou, o que é o mesmo, modernização da ciência econômica, o processo de incorporação sistemática dos padrões teóricos e metodológicos vigentes em países avançados, particularmente nos Estados Unidos, por parte das instituições nacionais de ensino e pesquisa. Em outras palavras, o processo em questão significou uma ampla interiorização tanto da prática científica como dos programas de pesquisa que orientavam a produção acadêmica internacional.

Estudando esse processo, Coats (1992)COATS. A.W.. The Post-1945 Global Internacionalization (Americanization?) of Economics. Texto para discussão n. 18/92, FEA/USP, 1992. indica que a internacionalização da ciência econômica, ocorrida no período do pós-guerra, em diversos países, inclui várias dimensões, tais como: ampla disseminação de textos didáticos elementares, intermediários e avançados de forma relativamente homogeneizada; crença cada vez maior na formação acadêmica (cursos pós-graduados e treinamento em pesquisa) como precondição para a obtenção e o reconhecimento de status profissional; crescente matematização e quantificação da disciplina, o que permite superar as barreiras linguísticas; acesso generalizado às principais revistas de economia, o que implica a adoção do inglês como o idioma de comunicação científica; e, finalmente, enorme mobilidade internacional de estudantes, professores, pesquisadores, profissionais não acadêmicos, técnicos e funcionários de agências governamentais.1 1 Além do trabalho do professor Coats, que aliás deu título a uma das sessões da reunião anual da Sociedade de História da Economia, realizada na Filadélfia em junho de 1993, podem-se citar ainda vários outros trabalhos que procuram reconstituir o processo de internacionalização ou americanização da economia em países como a Coréia (Choi, 1993), Grécia (Psalidopoulos, 1993) e Chile (Markoff e Montecinos, 1992). Sobre o processo de difusão das ideias econômicas no próprio meio acadêmico e para o público leigo, v. o interessante volume organizado por Colander e Coats (1989).

O presente artigo está organizado como segue. Na seção 2, procura-se descrever os primórdios da formação acadêmica em economia no Brasil, ressaltando, em especial, o contexto político-econômico em que as primeiras faculdades de economia foram criadas e as características genéricas dos cursos por elas oferecidos. Na seção 3, a noção de modernização/internacionalização da ciência econômica é definida e inserida no contexto das transformações mais amplas ocorridas no ensino superior no final dos anos 60. Enquanto são mostrados, na quarta seção, os principais mecanismos da internacionalização, entendidos também como “americanização”, a seção 5 analisa sua diversidade e as resistências que esse processo sofreu em certos meios universitários no País. Nas duas últimas partes, é feita uma análise de dois programas de pós-graduação em ciência econômica que, mostrando como a assimilação da produção internacional é seletiva, reforça a percepção do processo de polarização existente no interior das principais instituições de ensino; e, ainda, são comentados os quadros que sistematizam o balanço quantitativo das referências bibliográficas encontradas nas principais revistas brasileiras de economia.

Finalmente, é preciso dizer que a pretensão aqui não é fazer um estudo das contribuições das diferentes teorias ou conceitos produzidos nos meios científicos internacionais e de sua influência sobre o pensamento econômico brasileiro. Sem negar a importância desse gênero de estudo, destaca-se que a análise aqui efetuada pode ajudar no entendimento mais completo da história da economia e dos determinantes que orientaram a estruturação do campo dos economistas no Brasil; e, ainda, ressalta-se que os indicadores e as quantificações aqui construídas, mesmo levando em conta seus limites, trazem contribuições imprescindíveis para o dimensionamento do processo de internacionalização da ciência econômica no País.

2. PRIMÓRDIOS DA FORMAÇÃO ACADÊMICA EM ECONOMIA

As primeiras faculdades de economia surgiram no Brasil nos anos 40, como resultado das mudanças implantadas no ensino superior naquele período. O nascimento dessas primeiras escolas indicou também a antecipação, por parte de certos grupos sociais, da demanda futura por novos profissionais. Essa demanda aparecia especialmente nas agências governamentais, devido à expansão das atividades de planejamento e intervenção do Estado na área econômica, caracterizando, ainda que de maneira embrionária, a adoção de um modelo de atuação inspirado nas propostas keynesianas. Antes disso, o ensino de economia restringia-se a algumas disciplinas “de cultura geral” nos cursos de Direito e Engenharia, ou era ainda um ramo dos cursos técnicos de comércio.

As transformações políticas ocorridas no Brasil a partir dos anos 30 e, particularmente, o início do processo de montagem do aparato administrativo do Estado que posteriormente assumiria a tarefa de industrializar e modernizar a sociedade brasileira, tiveram importante repercussão nesse processo.2 2 Sobre o processo de montagem gradativa do chamado Estado desenvolvimentista e sobre a construção do amplo aparato jurídico-institucional composto de órgãos de regulação, planejamento e desenvolvimento econômico no Brasil entre os anos 30-70, v . Souza (1976), Ianni (1971), Martins (1975), Wirth (1970), Leff (1968) e Lowenstein (l944). Essas transformações reforçaram o debate, já em efervescência desde a década anterior, nos meios intelectuais, em torno da criação de projetos universitários, tidos como necessários à formação de uma nova elite dirigente encarregada de levar avante a tarefa de modernização do Estado.

No caso da economia, surgiram vários projetos de faculdades, que representavam diferentes grupos de interesses e diferentes orientações a imprimir aos cursos e respectivos programas. De um lado, estavam os egressos das escolas de comércio e contabilidade, geralmente originários de camadas sociais mais baixas, que viam na criação das faculdades de economia a oportunidade de atribuir um status universitário a seus cursos e ao mesmo tempo de elevar o prestígio social de sua profissão; de outro lado, estavam aqueles que desejavam um curso de economia voltado para a formação de quadros dirigentes para o Estado e empresas privadas.

Este último grupo, liderado por Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões, acabou definindo a orientação imposta à primeira escola de nível superior oficial, criada em 1946 no Rio de Janeiro (então a capital federal). Com essa instituição, procurou-se desenvolver as novas tendências modernizantes, predominantes em países desenvolvidos, que reivindicavam princípios de racionalidade e rigor científico. Daí a rejeição de currículos “mistos”, ou seja, compostos de uma diversidade de disciplinas jurídicas e administrativas, e a afirmação de um curso com ênfase na matemática, nos métodos estatísticos e em teorias econômicas, o que exigia uma formação escolar mais intensa e extensa, e sendo, portanto, menos acessível a grupos sociais egressos de escolas secundárias profissionalizantes.

Todavia, a formação acadêmica de economistas com este último perfil não se efetivou imediatamente. Ao contrário, a tarefa de formar os novos profissionais foi bastante difícil naqueles primeiros tempos, e esbarrou em muitos obstáculos. Não só na escola do Rio de Janeiro, mas igualmente na escola criada, na mesma época na Universidade de São Paulo, cidade que se tornava o centro econômico e cultural do País. A maioria dos professores, provenientes de faculdades de Direito, Engenharia, ou mesmo das escolas de comércio, era autodidata em economia, o que configurava um curso de baixa qualidade, sem suficiente instrumentação profissional, incapaz de conferir a seus egressos condições de competitividade diante das demais carreiras. As taxas de abandono do curso eram, portanto, bastante elevadas e a demanda chegou mesmo a cair ao longo dos anos 50 e 60. Devido ao seu baixo prestígio, o curso de economia quase não atraía os jovens de origem social elevada. A maioria dos estudantes de economia nas décadas de 40-60 era constituída de estudantes vindos das escolas noturnas de comércio3 3 V., a respeito, História da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (1946-1981), USP, 1981, esp. vol. 1, e dados coletados nos arquivos da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. .

Em meados dos anos 60, divulga-se um diagnóstico bastante sombrio do ensino de economia no Brasil4 4 Trata-se de análise realizada durante um seminário que reuniu, na cidade de Itaipava, no Rio de Janeiro, em dezembro de 1966, os mais importantes professores e responsáveis por instituições de ensino de economia do País, tais como Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen, Maria da Conceição Tavares, João Paulo dos Reis Velloso etc. : “O ensino de economia nas universidades brasileiras é tão superabundante em quantidade quanto deficiente em qualidade ( ... ) O número de professores de economia que podem intitular-se como tal é incrivelmente menor, no Brasil, do que os necessários a todas essas faculdades ... A consequência é um ensino extremamente heterogêneo em poucas faculdades, mas péssimo na maioria delas. Algumas escolas desviam o centro de suas atenções para o ensino de Direito e Contabilidade, onde é mais fácil encontrar bons professores; isso constitui uma distorção, mas resta a vantagem de se dar ao estudante um instrumento útil à sua vida prática. A maioria, porém, nem isso consegue, especializando-se na divulgação de ideias vagas” (Simonsen, 1966SIMONSEN, M. H. “O ensino de economia em nível de pós-graduação no Brasil”. Revista Brasileira de Economia , ano XX, vol. 4, dezembro, 1966. , pp. 19-20).

Diante dessa situação, os autores do diagnóstico propunham o fechamento de algumas escolas e a transformação de outras em escolas de administração, já que a maioria dos economistas exerceria suas atividades profissionais como administradores de empresas, e não como economistas, realmente. E, o que é mais importante, decidiram desenvolver esforços concentrados para a melhoria da qualidade do ensino, pela instalação de programas de pós-graduação a serem desenvolvidos no País e no exterior. É esse o momento em que se inicia, de fato, a chamada modernização ou internacionalização da ciência econômica no Brasil. Processo que, aliás, está profundamente relacionado ao crescimento da participação dos economistas no governo, não apenas na condição de funcionários das inúmeras agências de planejamento e gestão econômica, criadas no período, mas inclusive como dirigentes políticos, atuando como ministros, presidentes, diretores de bancos, empresas estatais etc.

3. A MODERNIZAÇÃO DA CIÊNCIA ECONÔMICA NO BRASIL

Entende-se por modernização da ciência econômica o processo através do qual os estudos desenvolvidos nas faculdades e centros de pesquisa se integram aos padrões vigorantes nos países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos, em termos de sua atualização teórica e metodológica. Em outras palavras, é o processo de internalização, na produção brasileira, de modelos neoclássicos e keynesianos, das teorias micro e macroeconômicas, bem como de seu instrumental metodológico, em especial a formalização matemática rigorosa. Como resultado, os estudos econômicos perderam gradativamente o caráter ensaístico que os caracterizou até os anos 60, assumindo um formato mais teórico e formalmente modelizado, segundo o estilo vigorante nos livros e revistas econômicas estrangeiras.

A modernização da ciência econômica se deu no Brasil no bojo das transformações mais amplas ocorridas no ensino superior, no final dos anos 60. Dentre as modificações trazidas pela Reforma Universitária de 1968, cabe destacar a substituição do “modelo francês” de organização das faculdades, fundado em cátedras vitalícias, pelo “sistema americano”, baseado em departamentos de ensino. E, também, a enorme expansão de escolas de nível superior (especialmente dos estabelecimentos de ensino privado), que elevou o número total de alunos matriculados de menos de 100 mil, em 1960, para mais de 1.500.000 em 1990. Só na área da economia, havia no Brasil, em 1980, conforme estatísticas do Ministério da Educação, 129 escolas e cerca de 62 mil alunos matriculados, enquanto em 1968 esses números eram respectivamente de 84 escolas e 17 mil alunos.

Outro elemento importante da Reforma de 1968 foi a criação de cursos de pós-graduação para todas as áreas de ensino, com o apoio sistemático dos organismos do governo federal, que sustentaram financeiramente o processo de formação e aprimoramento do pessoal de nível superior. Apesar das dificuldades, a montagem institucional dos programas de pós-graduação representou um passo considerável para a consolidação da competência científica no Brasil. De 1969 a 1982, o número destes cursos passou de 125 para 1.324. Em 1989, só na área de saúde, por exemplo, havia 306 cursos, e na área de ciências sociais, 290.

Em economia, foram criados a partir de 1966 catorze centros de pós-graduação, em diversos estados da Federação.5 5 A partir de 1966 até hoje foram criados os seguintes cursos: CEDEPLAR, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais; IEPE, Curso de Pós-Graduação em Economia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; IPE, Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo; NAEA, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará; PIMES, Programa de Pós-Graduação em Economia, da Universidade Federal do Pernambuco; UFBA, Curso de Mestrado em Economia da Universidade Federal da Bahia; UFRJ, Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro; UnB, Departamento de Economia, da Universidade Nacional de Brasília; IE, Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo; CAEN, Curso de Mestrado em Economia, da Universidade Federal do Ceará. Todos esses estabelecimentos são públicos. E há dois estabelecimentos privados, a EPGE, Escola de Pós-Graduação em Economia, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, e a PUC-RJ, com seu Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Embora privados, estes últimos recebem também importantes subsídios do governo federal sob a forma de bolsas para seus alunos e verbas para atividades de pesquisas de seus professores. Além dos doze centros mencionados, foram criados mais recentemente dois outros: o Mestrado em Economia da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, e o Curso de Economia de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Eles recebem anualmente cerca de 500 candidatos para o concurso nacional de seleção de seus alunos, coordenado pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia (ANPEC). Os aprovados nos primeiros lugares, com prioridade de escolha, têm acesso aos centros considerados melhores. Do conjunto, cinco se destacam como os centros mais importantes de formação de pós-graduandos no País: A EPGE, primeiro núcleo de pós-graduação criado no Rio de Janeiro, em 19666 6 Cabe observar que esse núcleo nasceu de um antigo Centro de Aperfeiçoamento de Economistas (CAE), fundado no início dos anos 60 na FGV, destinado a complementar a formação deficiente dos cursos de graduação em economia para os pretendentes a cursos de doutoramento nos Estados Unidos. A própria FGV é urna instituição pioneira, constituída em 1944, com o objetivo de formar quadros técnicos e dirigentes para o Estado. Como se sabe, sua principal área de atuação tem sido, desde aquela época, a elaboração de estudos e pesquisas econômicas aplicadas, produzindo desde o final dos anos 40 importantes estatísticas, inspiradas nas formulações keynesianas tais como contas nacionais, balanço de pagamentos, índices de preços. Os dirigentes do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, responsáveis por tais atividades, participaram de vários conselhos econômicos no governo brasileiro e de comissões internacionais, como a de Bretton Woods, em que inclusive tiveram oportunidade de conhecer o próprio Keynes. Tudo isso, antes de se tornarem ministros da Economia, nos anos 50 e 60. ; a PUC-RJ, núcleo iniciado em 1977, com professores e ex-alunos que se afastaram da EPGE e de outras universidades; o IPE, em São Paulo, criado em 1964 na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo; o curso da UFRJ, que substituiu a primeira Faculdade Nacional de Economia, criada no Rio de Janeiro em 1946; e o Instituto de Economia da Unicamp.

4. MECANISMOS DE MODERNIZAÇÃO/INTERNACIONALIZAÇÃO

Dois mecanismos básicos responderam pelo processo de modernização/internacionalização da ciência econômica no Brasil a partir de meados dos anos 60. Em primeiro lugar, pode-se indicar a vinda de professores estrangeiros para ministrar disciplinas nos então recém-criados cursos de pós-graduação. Essa prática foi subsidiada inclusive pelos programas da United States Agency for International Development (USAID) e da Fundação Ford, que estabeleceram convênios com várias escolas brasileiras. A Faculdade de Economia da USP (FEA/USP) foi um dos centros beneficiados por esses programas. Por meio de acordos dessa faculdade com a USAID, e ainda, em convênio com o Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso, iniciou-se a instalação do curso de pós-graduação em economia, em 1964. Pelo acordo, a USAID se responsabilizou pelos custos de viagem e manutenção de dois professores norte-americanos, através de um contrato firmado com a Universidade de Vanderbilt, no que constava “a incumbência de prestar assessoria à criação do curso, ao desenvolvimento do currículo, ao planejamento para a pesquisa e à avaliação do aproveitamento dos alunos” (FEA/USP, 1981FEA/USP História da Faculdade de Economia e Administração (FEA/USP) da Universidade de São Paulo (1956-1981), São Paulo, 2 vols, 1981. , pp. 229-30).

A Fundação Ford teve também papel fundamental nesse processo de internacionalização da ciência econômica no Brasil. Como já se indicou, “o montante de recursos aplicados pela Fundação Ford nos países latino-americanos em geral e, particularmente, no Brasil, constitui o maior e mais importante fluxo financeiro externo em condições de influenciar de maneira decisiva o processo de expansão e consolidação das ciências socias no país ... No início dos anos 60, os maiores investimentos da Ford na área de ciências sociais na América Latina se concentraram pesadamente em economia e administração, na medida em que as demais disciplinas pareciam dificilmente assimiláveis às preocupações dominantes dos responsáveis pela Fundação com a problemática do desenvolvimento” (Miceli, 1990MICELI, S. A Desilusão Americana. CNPq/IDESP/, São Paulo: Sumaré, 1990. , pp. 17-22).7 7 A Fundação Ford participou dessa iniciativa com recursos para bolsas de estudos no País e no exterior, para compra de equipamentos e livros, e também financiando a vinda de professores para ministrarem cursos de pós-graduação na Faculdade de Economia. Vieram para a USP o professor W. O. Thweatt, da Universidade de Vanderbilt, que também ficou responsável pela gerência do convênio com a USAID e pela Fundação Ford, e os professores Werner Baer, Gian S. Sabota, Samuel Levy e Andrea Maneschi.

Além da Universidade de Vanderbilt, a Universidade de Berkeley também enviou professores para que assessorassem o trabalho de economistas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) do Ministério do Planejamento. Quem mais se destacou no grupo de Berkeley foi Albert Fishlow, especialmente por seus estudos sobre distribuição de renda, que geraram polêmica nos anos 70. Segundo um professor brasileiro que participou desse processo, a função dos economistas americanos era mais de transmitir o modelo de organização de ensino e pesquisa do que propriamente contribuir com o conhecimento de teoria econômica mais avançada, já que havia no Brasil líderes intelectuais com suficiente formação teórica. “O que faltava na época era a disseminação em escala razoável de atitudes e posturas que pudessem caracterizar uma comunidade científica consolidada. É aí que os grupos americanos tiveram sua principal função.” (Ekerman, 1989EKERMAN, R. “A comunidade de economistas do Brasil: dos anos 50 aos dias de hoje”. Revista Brasileira de Economia 43(2), abr-jun, 1989. , pp. 127.)

Outro procedimento importante de integração dos estudos econômicos brasileiros aos padrões vigorantes nas grandes escolas estrangeiras, foi a prática de envio sistemático, a partir do final dos anos 60, de professores brasileiros para realizarem cursos de doutoramento em escolas estrangeiras especialmente nos Estados Unidos. O que foi enormemente facilitado pelos acordos estabelecidos com os organismos americanos acima citados.

O Quadro 1 mostra que 60% dos professores que hoje lecionam nos cursos de pós-graduação em economia tiveram formação no exterior. Destes, destacam-se os que cursaram universidades americanas: 46%, ou seja, 158 professores. Na França estudaram apenas 7,5%, e na Inglaterra, 5,5% deles. Dentre as universidades americanas que mais formaram economistas brasileiros, sobressaem as seguintes: Vanderbilt, onde 18 professores brasileiros se diplomaram graças aos acordos realizados com diversas universidades; em segundo lugar, vem a Universidade de Chicago, que diplomou 16 professores, dos quais 13 estão concentrados em apenas uma escola, a EPGE, e 3 na Universidade de São Paulo; Berkeley formou, nos últimos anos, 12 professores; e Harvard, 11. A Universidade de Yale formou 8 e as de Michigan e Illinois formaram, cada uma, 7 doutores brasileiros em economia.

QUADRO 1
Professores de Pós-Graduação em Ciências Econômicas no Brasil: Origem Institucional de seus diplomas

5. DIFERENCIAÇÃO E RESISTÊNCIA AO PROCESSO DE “AMERICANIZAÇÃO”

Como já se indicou, a modernização da ciência econômica, ao implicar a internalização das práticas teóricas e metodológicas vigorantes nos países desenvolvidos, em especial nos Estados Unidos, significou concretamente um processo de “americanização” dessa disciplina. Despertando rejeição ao chamado “imperialismo americano” e ao seu consequente colonialismo cultural, o processo de “americanização” da ciência econômica não se deu de forma homogênea entre as diversas escolas no Brasil. Na verdade, sofreu resistências, sobretudo por parte de grupos mais próximos a posições políticas de esquerda.8 8 É interessante observar que os estudos econômicos no Brasil sempre estiveram bastante associados a debates políticos e ideológicos. Mesmo atualmente, com a modernização da ciência econômica e a institucionalização de um sistema de ensino e pesquisa, as relações entre os mundos universitário e político são bastante estreitas (v., a respeito, Loureiro, 1992). Portanto, nem todos os centros de pós-graduação aderiram com a mesma intensidade e no mesmo ritmo aos padrões vigentes nas universidades estrangeiras, americanas em particular.

Examinando ainda o Quadro 1, observa-se que o Instituto de Economia da Unicamp, por exemplo, é o que tem a porcentagem mais baixa de docentes formados no exterior: apenas dois fizeram PhD nos Estados Unidos, contra 26 professores que se doutoraram na própria Unicamp ou na Universidade de São Paulo. De outro lado, a PUC-RJ e a EPGE apresentam os números mais elevados de professores formados no exterior: 82% na PUC e 80% na EPGE formaram-se nos Estados Unidos.

Esses números revelam a polarização das escolas de economia no Brasil em torno de posições teóricas divergentes, polarização essa que remete a antagonismos vigentes no conjunto da sociedade brasileira no momento da formação do campo dos economistas no Brasil, nos anos 50-60.

Como é bem conhecido, o desenvolvimento econômico era, naquele período, a questão-chave que mobilizava lutas tanto nos meios intelectuais quanto nos políticos. De um lado, estavam os adeptos de um liberalismo econômico, que rejeitavam propostas de intervenção do Estado na economia, admitindo apenas medidas corretivas das tendências do mercado e reformas nas áreas monetária e fiscal. Como rejeitavam igualmente políticas de proteção às indústrias brasileiras, eram identificados como representantes dos interesses do capital estrangeiro. De outro lado, aglutinavam-se grupos denominados nacionalistas, à esquerda no espectro político, que afirmavam a necessidade de uma intervenção estatal para promover a industrialização do País, pelo planejamento econômico e da proteção das indústrias nacionais. Ligados a estes, encontravam-se os economistas da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), um órgão das Nações Unidas criado no Chile em 1948 para realizar estudos e elaborar propostas para o desenvolvimento econômico do continente (Bielschowski, 1988, e Loureiro, 1992LOUREIRO, M.R. “Economistas e elites dirigentes no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20(7), outubro, 1992. ).

Como já foi indicado em vários estudos, a CEPAL exerceu papel importante na formação dos pensamentos econômicos brasileiro e latino-americano até os anos 60.9 9 Celso Furtado, o principal representante brasileiro na CEPAL, era um dos economistas mais lidos e divulgados nos anos 60 no Brasil. Seu livro A Formação Econômica do Brasil, escrito quando ainda trabalhava na CEPAL e publicado em 1959, foi posteriormente considerado como “a obra fundadora da economia política brasileira”(v. Mantega, 1985). Desenvolvendo teorias que explicavam o atraso do continente a partir de fatores relacionados com a estrutura das relações de troca entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos e com a estrutura agrária e produtiva em geral, os economistas dessa comissão foram denominados “estruturalistas”. Eles se opunham, no Brasil, aos economistas da FGV do Rio, que eram identificados com grupos que se situavam à direita do espectro político, ligados a empresas estrangeiras e adeptos teoricamente do chamado “monetarismo ortodoxo”.10 10 Os líderes e fundadores do grupo de economistas da FGV do Rio de Janeiro - Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões - tinham, como se sabe, relações estreitas com o mundo empresarial e governamental. O primeiro era engenheiro, dirigente de empresas inglesas ligadas à construção de obras públicas e ferrovias no Brasil. Intelectual autodidata em economia, Gudin se tornou economista não só por suas atividades de professor e autor de livros didáticos e de artigos na imprensa, mas sobretudo por força de sua participação em vários conselhos econômicos do governo Vargas (1930-1945) e, inclusive, como já se indicou, por sua atuação na Conferência de Bretton Woods (v., a respeito, CPDOC,FGV, 1983, e Abreu, 1984). Bulhões, por sua vez, era um advogado, que se tornou conhecido como economista também por atividades de assessor, durante vários anos, do ministro da Fazenda do governo Vargas, pela prática docente e sobretudo pela participação nos conselhos técnicos e comissões econômicas internacionais, na qualidade de representante do governo brasileiro. É importante lembrar aqui que, nos anos 50-60, mesmo havendo faculdades de economia, a formação de economistas não se dava pelo aprendizado universitário, mas sobretudo no seio de agências governamentais (Loureiro, 1992).

Hoje, três décadas depois, as oposições criadas naquele período ainda permanecem, mesmo que transformadas por novos e mais complexos móveis de luta. Apesar da consolidação da formação universitária, por meio dos cursos de pós-graduação, do crescimento da produção acadêmica de teses, artigos, revistas, e do desenvolvimento de um quadro institucional para a pesquisa, as polarizações no campo dos economistas ainda remetem à velha oposição “monetaristas” versus “estruturalistas” ou “ortodoxos” versus “heterodoxos”.

Nessa linha de raciocínio, podem-se então reagrupar os principais centros de formação dos economistas brasileiros da seguinte forma: de um lado, encontra-se a escola da FGV do Rio de Janeiro, ainda hoje considerada a versão monetarista mais ortodoxa, cujos membros valorizam fortemente a modelização matemática. Não é por acaso que 72% de seus professores têm como formação básica a engenharia e a matemática. Ainda desse lado, está a PUC do Rio de Janeiro, constituída, como já se apontou, de antigos alunos da EPGE e de professores dissidentes da FGV e de outras universidades (UFRJ e UnB). Colocando também grande ênfase na modelização matemática, esses dois centros constituem o polo mais internacionalizado, isto é, mais integrado ao mainstream atual. Basta observar, como se viu, que respectivamente 80% e 82% de seus professores se formaram nos Estados Unidos. Além disso, eles participam de forma intensa da rede científica internacional (congressos, revistas científicas), inclusive de organismos internacionais, como o FMI, do Banco Mundial. Esse polo pode ser denominado também “privatista”, não só pelo fato de os dois centros serem estabelecimentos de ensino privado, mas sobretudo por valorizarem teoricamente o papel do mercado no sistema econômico (vale relembrar que grande parte dos membros da EPGE fez seu doutoramento em Chicago), e ainda porque estabelecem laços estreitos com as empresas privadas, bancos em particular, onde trabalham como consultores.

De outro lado, os centros da Unicamp e da UFRJ, constituídos por antigos discípulos da CEPAL, permaneceram sempre ligados às questões definidas como estruturais. Seus estudos são desenvolvidos em linguagem pouco formalizada matematicamente e enfatizam abordagens históricas e sociopolíticas dos processos econômicos. Esses centros constituem o que se poderia chamar de polo “público” do campo dos economistas: além de reforçarem os aspectos políticos da economia, trabalham em universidades públicas e desenvolvem geralmente atividades de consultoria em agências governamentais ou em empresas públicas. Diferentemente do polo aqui denominado “privatista”, este é bem menos internacionalizado, tanto no que se refere à formação de seus quadros quanto no tocante ao discurso teórico e metodológico.

Finalmente, entre os dois extremos encontra-se o curso de pós-graduação da USP, cujos membros - aliás bastante numerosos - se orgulham da diversidade de sua formação teórica e mesmo política. Essa diversidade se manifesta também em carreiras profissionais e práticas de consultoria bastante heterogêneas, sejam em empresas privadas, sejam em organismos públicos.11 11 Como se sabe, a Universidade de Chicago tornou-se, a partir da liderança de Milton Friedman, o “quartel-general” dos monetaristas, e, mais recentemente, é o núcleo dos economistas denominados novos clássicos, como Lucas e Sargent. Até meados dos anos 70, havia um grupo bastante ativo na FEA/USP, constituído de economistas formados pela Universidade de Chicago. Aos poucos e por influência de novos professores vindos de outras universidades americanas, como Yale, Harvard, MIT etc., o predomínio dos professores com orientações mais ortodoxas foi sendo substituído pela atual heterogeneidade de correntes teóricas vigorante naquela instituição.

6. OS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO: DOIS CASOS DE POLARIZAÇÃO

O exame dos currículos e programas de alguns dos mais importantes centros de pós-graduação em economia permite que se observe tanto a intensidade do processo de internacionalização, em alguns deles, quanto o grau de resistência a esse processo, oferecido por outros.

Em primeiro lugar, cabe notar, com base no Quadro 2, os pesos que cada centro de pós-graduação atribui às diversas provas do concurso nacional para seleção dos candidatos. Se os pesos atribuídos às disciplinas de microeconomia e macroeconomia são relativamente homogêneos em todos os centros, observa-se situação diversa com relação às provas de métodos quantitativos e economia brasileira, em que o grau de dispersão reforça a polaridade já identificada. Em um extremo, a EPGE da FGV/RJ é a que atribui maior peso para as provas de teoria econômica e métodos quantitativos e correlatamente menor peso para a prova de economia brasileira; no outro, está o Instituto de Economia da Unicamp que não apenas privilegia a prova de economia brasileira, como também atribui às provas de matemática e estatística o menor peso entre todos os centros.

Quadro 2:
Concurso nacional de seleção da ANPEC: pesos dos exames

Com dois terços de seus professores diplomados em cursos de graduação de engenharia e matemática, a pós-graduação da EPGE se caracteriza por um núcleo básico de teoria econômica e métodos quantitativos que segue de perto tanto o conteúdo teórico como os rigorosos procedimentos lógico-formais característicos do mainstream internacional. As disciplinas obrigatórias que compõem a formação básica do aluno de mestrado se desdobram em disciplinas de caráter instrumental e disciplinas de caráter aplicado. Enquanto a sequência de três trimestres de microeconomia segue o padrão mais usual, usando autores como Varian (1984VARIAN, H. Microeconomic Analysis. W.W. Norton & Co, 1984. Revista de Economia) e Kreps (1990KREPS, D. A Course on Microeconomic Theory. Princeton University Press, 1990. ), a sequência de três trimestres de macroeconomia se baseia em textos de professores da própria instituição, Simonsen (1983SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. McGraw-Hill, 1983. ) e Simonsen e Cysne (1989)SIMONSEN, M. H. & CYSNE, R. Macroeconomia, Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1989. , que realizam um trabalho de síntese de livros e artigos publicados em revistas americanas. Uma vez que os cursos de micro e macro são lecionados com grau elevado de formalização matemática, uma rigorosa sequência de dois trimestres de análise matemática, baseada em Chiang (1974CHIANG, A. Fundamental Methods of Mathematical Economics. McGraw-Hill, 1974. ) e Intrilligator (1972INTRILLIGATOR, M. D. Mathematical Optimization and Economic Theory. Prentice Hall, 1972. ), é fornecida como suporte quantitativo para eles. Completando o núcleo básico de métodos quantitativos, o programa de mestrado em economia da EPGE prevê ainda a realização de dois trimestres de estatística (básica e avançada) centrados em Larson (1982LARSON, H. J. Introduction to Probability Theory and Statistical Inference. John Wiley & Sons, 1982. ) e Spanos (1986SPANOS, A. Statistics Foundations of Econometric Modelling, Cambrigde, Cambrigde University Press, 1986. ) e um trimestre de econometria baseado principalmente em Johnston (1984JOHNSTON, J. Econometric Methods. MacGraw-Hill Book Co, 1984. ), Maddala (1988MADDALA, G. S. Introduction to Econometrics. MacMillan Publishing Co, 1988. ) e Greene (1990GREENE, W. Econometric Analysis. MacMillan Publishing Co, 1990. ). Os alunos que ingressam no doutoramento, por sua vez, devem cursar uma nova carga de análise matemática (Hoffmann e Kunze, 1971HOFFMANN, K. & KUNZE R. Álgebra Linear. São Paulo, Ed. Linear, 1971.), de teoria dos jogos (Friedman, 1986, RasmusenRASMUSEN, E. Games and Information. An introduction to Game Theory. Blackwell. ), de econometria (Harvey, 1981HARVEY, A. G. The Econometric Analysis of Times Series. Londres, Phillip Allan Pub, 1981. , Griliches e lntrilligator, 1986GRILICHES, Z. & INTRILLIGATOR, M. (eds.) Handbook of Econometrics. North-Holland, Amsterdam, 1986. ), de macroeconomia (Sargent, 1987SARGENT, T. J. Dynamic Macroeconomic Theory. Cambridge, Harvard University Press, 1987. , Lucas e Stockey, 1989LUCAS, R. J. & STOCKEY, N. Recursive Methods in Dynamic Macroeconomics. Cambridge, Harvard Univerisity Press, 1989. ) e finalmente de teoria econômica avançada (Lucas e Stockey, 1989LUCAS, R. J. & STOCKEY, N. Recursive Methods in Dynamic Macroeconomics. Cambridge, Harvard Univerisity Press, 1989. ).

Com relação ao IE da Unicamp, em que um número considerável de professores tem uma formação inicial em Direito e Ciências Sociais, os programas de cursos de mestrado e doutorado se caracterizam pela presença majoritária de disciplinas que privilegiam claramente as abordagens histórica e institucional. Assim, a disciplina de microeconomia prioriza a análise de seus fundamentos teóricos e de noções como concorrência, estratégia e dinâmica da firma, mudança técnica e internacionalização da firma, usando autores clássicos, como Marshall, Joan Robinson, Schumpeter, Steindl e Sraffa, e autores “alternativos” às diversas versões do paradigma neoclássico mais recentes, como Wood, Williamson, Eichner, Dosi, Nelsom e Winter. O curso de macroeconomia, por sua vez, privilegia análises relativas aos fundamentos da teoria macroeconômica, usando autores também “alternativos”. Dedicando reduzida atenção às diversas abordagens operacionalistas - tais como a chamada síntese neoclássica, o neokeynesianismo, a nova economia clássica ou, ainda, a teoria das expectativas racionais, o enfoque adotado na Unicamp enfatiza análises relativas aos fundamentos das noções de equilíbrio, expectativas e incertezas ao conteúdo da economia do emprego de Keynes e Kalecki. Privilegia ainda as origens, características e implicações da instabilidade das economias capitalistas contemporâneas.

Chama a atenção a diversidade de época em que foram publicados os textos adotados pela EPGE e pelo IE. A maioria dos livros indicados pela EPGE é recente. São, em geral, títulos editados nos últimos cinco ou seis anos: uns poucos, mais antigos, são do final dos anos 70 e inícios dos anos 80. Em contraste, os textos adotados pelo Instituto de Economia da Unicamp são de autores clássicos, e, portanto, publicados há várias décadas.12 12 Arida (1991) distingue dois modelos de ciência econômica: o de hard science (hegemônico nos Estados Unidos, e estruturado nos moldes das ciências exatas), no qual é admissível que os estudantes ignorem a história do pensamento, e no qual as leituras, com raras exceções, excluem textos com mais de cinco ou seis anos; e o modelo soft science, em que os estudantes devem basicamente dominar os clássicos ou as grandes obras do passado, porque a história do pensamento se confunde com a teoria, sendo que o estudo desta última é considerado indissociável da primeira.

7. A INFLUÊNCIA DA PRODUÇÃO ESTRANGEIRA NAS REVISTAS BRASILEIRAS

O processo de modernização/internacionalização da ciência econômica no Brasil pode ser ainda analisado a partir de uma outra perspectiva, a saber, por meio da influência exercida pela produção teórica internacional, particularmente pela norte-americana sobre a produção brasileira, expressa quantitativamente nos artigos publicados nas principais revistas acadêmicas de economia do País.13 13 Essas revistas são: Revista Brasileira de Economia, editada desde 1946 pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Pesquisa e Planejamento Econômico, criada em 1971, sob o patrocínio do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão ligado ao Ministério do Planejamento ),Estudos Econômicos, criada em 1970, Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, e a Revista de Economia Política, criada em 1980 por um grupo de professores da FGV de São Paulo, mas distantes das orientações teóricas de seus colegas do Rio. Como pode ser observado no Quadro 3, relativo ao balanço quantitativo geral das referências bibliográficas citadas nas quatro revistas, o número de referências a trabalhos publicados no exterior alcança hoje quase dois terços do total, enquanto as referências publicadas no Brasil giram em torno de 38%. Convém destacar que esse porcentual é superior àquele alcançado nos anos 50-60, situado em torno de uma média anual de 23%. Esse fato é explicável pelo avanço do processo de consolidação da ciência econômica no Brasil.

QUADRO 3
Referências bibliográficas citadas nos artigos das principais revistas de economia no Brasil: influência estrangeira e nacional quantificada por períodos

Todavia, ao aumento das citações de autores nacionais correspondeu uma importante mudança na composição das referências estrangeiras contidas nesses artigos, amplamente favorável à produção norte-americana. Em termos mais específicos, o Quadro 3 indica que, no período considerado, o porcentual de referências a obras publicadas na Inglaterra, na França e em outros países caiu respectivamente de 24% para 11, 7%, de 10% para 2,7% e de 20, 1% para 10,3%. O mesmo não ocorreu com as referências a obras publicadas nos Estados Unidos, que mantiveram uma expressiva participação no total, de 37,1%, e de quase 40% na média de todo o período considerado.

O Quadro 4, por sua vez, permite detectar e analisar os graus diferenciais de internacionalização/americanização observados em cada uma das quatro revistas pesquisadas. O processo de americanização ocorreu de maneira mais intensa (41,6%) na Revista Brasileira de Economia (editada, como já se indicou, pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e vinculada ao programa de pós-graduação oferecido por essa instituição) e na Pesquisa e Planejamento Econômico (40,4%). Esta última pode ser igualmente caracterizada por privilegiar artigos cujas análises se fundamentam em modelos matemáticos e testes empíricos. De outro lado, destaca-se a Estudos Econômicos, em que predominam citações de obras publicadas no Brasil: 45%. Esse porcentual é, aliás, superior à média alcançada no conjunto das quatro revistas (38,2%). As referências às obras publicadas nos Estados Unidos (33,2%) são, por sua vez, inferiores à média das quatro revistas (37,1%).

QUADRO 4
Referências bibliográficas en cada uma das principais revistas: balanço quantitativo para o período de 1946 a 1992

No caso da Revista de Economia Política, é interessante observar que esta apresenta o menor grau de americanização (27,8%) entre as revistas em questão. Tal fato não correspondeu, entretanto, a um elevado grau de referências nacionais. O porcentual destas (36,1 %) está próximo à média geral encontrada nas quatro revistas. Trata-se na verdade de uma revista na qual se encontram proporções mais elevadas de referências a obras publicadas na Inglaterra (14,4%), na França (6,5%) e em outros países (15,2%), aí incluídos especialmente os latino-americanos.

Por fim, o Quadro 5 permite avaliar o grau de penetração direta dos autores estrangeiros, classificados por nacionalidade, nas principais revistas nacionais. Como se observa, o volume total de artigos de autores estrangeiros (traduzidos ou não) publicados nessas revistas é bastante expressivo, totalizando nada menos que 25,3%, ou seja, 520 artigos. Destes, 65% são de autores americanos ou ligados a universidades americanas que publicaram nas editoras e revistas dos Estados Unidos.

QUADRO 5
Balanço quantitativo de artigos publicados nas masi importantes revistas de economia no Brasil, segundo a origem institucional dos autores

Em síntese, os dados contidos nesses três últimos quadros, permitindo a avaliação quantitativa da internacionalização dos estudos econômicos no Brasil, indicam que quase dois terços das obras citadas nas principais revistas de economia do País foram elaborados no exterior. E, mais ainda, permitem dimensionar a influência específica da produção científica gerada nos Estados Unidos sobre a brasileira: cerca de 40% das citações efetuadas são de autores americanos ou ligados às universidades americanas. Além de a proporção ser elevada, os números absolutos cresceram enormemente nesse período, passando de 75 no quinquênio de 1946-1950 para 3.095 no de 1986-1990. Em contrapartida, o peso quantitativo dos estudos gerados em outros países, em particular na Inglaterra e na França, vem caindo sistematicamente no conjunto do período analisado.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acompanhando a tendência geral presente hoje em dia em qualquer campo científico, a ciência econômica elaborada no Brasil, nas últimas décadas, internacionalizou-se, e para isso teve que se modernizar. Deixando de ser tema de ensaios ou trabalhos discursivos, escritos por intelectuais autodidatas, os estudos econômicos passaram a ser objeto de profissionais especializados nas universidades e, em particular, nos centros de pós-graduação em economia. Crescendo em quantidade e assumindo caráter científico, esses estudos incorporaram as orientações teóricas e os padrões metodológicos vigorantes nos países desenvolvidos. A visita de professores do exterior para ministrarem cursos no Brasil e sobretudo o envio de centenas de bolsistas brasileiros a universidades estrangeiras, em especial às universidades americanas, foram os mecanismos mais importantes de internacionalização/americanização da ciência econômica. Os programas dos cursos de pós-graduação e o balanço quantitativo das referências bibliográficas contidas nas principais revistas brasileiras de economia indicam a influência da produção realizada nas universidades americanas sobre a brasileira.

Embora este trabalho não examine especificamente o conteúdo das diversas correntes teóricas nem sua contribuição sobre a produção científica brasileira, é possível apontar, a partir de certas informações aqui apresentadas, que nenhuma orientação tem exercido influência hegemônica no pensamento econômico elaborado no Brasil, nem tampouco nas políticas econômicas postas em prática pelos governos brasileiros em diferentes momentos, como parece ter sido o caso, por exemplo, das teorias monetaristas da Universidade de Chicago aplicadas pelo governo militar no Chile (Silva, 1991SILVA, P. “Technocrats and politics in Chile: from the Chicago boys to the CIEPLAN monks”. Journal of Latin American Studies, vol. 23, parte 2, maio, 1991. , Montecinos, 1992MONTECINOS, V. Economic Policy Elites and Democratic Consolidation. The Pennsylvania State University, 1992. ). Embora muitos economistas brasileiros tenham se inspirado nos estudos desenvolvidos por Friedman e levado em conta de forma atenta os trabalhos mais recentes dos chamados neoclássicos, a crença no mercado, entre os economistas, nunca foi suficientemente forte no Brasil, afirmaram alguns dos entrevistados durante a elaboração deste estudo. Razões de ordem histórica, associadas ao papel que o Estado sempre precisou assumir no Brasil, de regulador e promotor do desenvolvimento econômico, podem estar na raiz da descrença, partilhada por praticamente todos os diferentes grupos de economistas, na capacidade do mercado, funcionando por si só, de produzir o crescimento e gerar equilíbrio. Mesmo os economistas da EPGE-FGV do Rio de Janeiro, mais próximos àquelas orientações, podem ser classificados como ecléticos, no sentido de que mesclam, em suas análises, diferentes paradigmas teóricos, e, quando participam do governo, adotam políticas econômicas inspiradas em variadas orientações.

Finalmente, é preciso considerar a ligação estreita que as instituições de ensino e pesquisa em ciência econômica têm, no Brasil, mais talvez do que em outros países, com os meios governamentais, e seus efeitos sobre a produção do conhecimento científico. Como se sabe, os temas escolhidos para estudo nos meios acadêmicos têm frequentemente relação com as demandas da política econômica; as carreiras dos economistas na universidade se completam com aquela realizada nos postos governamentais - não apenas como assessores, mas também como dirigentes políticos, nos cargos de ministros, presidentes e diretores de bancos e empresas públicas etc. Quais os limites que essa situação coloca para o desenvolvimento da produção científica? Sem pretender assumir uma posição de purismo acadêmico, essa é uma questão que merece reflexão por parte daqueles que se interessam pelas condições sociais do conhecimento econômico no País.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • CPDOC/FGV Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, FGV/ Forense, 1983.
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  • COATS, A. W.. Economists in Government (an international comparative study), Carolina do Norte, Duke University Press, 1981.
  • COATS. A.W.. The Post-1945 Global Internacionalization (Americanization?) of Economics. Texto para discussão n. 18/92, FEA/USP, 1992.
  • COLANDER, D. & COATS, A. W. (eds.) The Spread of Economic Ideas. Nova York, Cambridge University Press, 1989.
  • EKERMAN, R. “A comunidade de economistas do Brasil: dos anos 50 aos dias de hoje”. Revista Brasileira de Economia 43(2), abr-jun, 1989.
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  • SOUZA, M.C.C. Estado e Partidos Políticos no Brasil, São Paulo, Alfa Ômega, 1976.
  • WIRTH, J. D. The Politics of Brazilian Development (1930-1954). Stanford: Stanford University Press, 1970.

ALGUMAS REFERÊNCIAS USADAS EM CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

  • CHIANG, A. Fundamental Methods of Mathematical Economics. McGraw-Hill, 1974.
  • FREIDMAN, J. Game Theory with Applications to Economics. Oxford Press, 1968.
  • GRILICHES, Z. & INTRILLIGATOR, M. (eds.) Handbook of Econometrics. North-Holland, Amsterdam, 1986.
  • GREENE, W. Econometric Analysis. MacMillan Publishing Co, 1990.
  • HOFFMANN, K. & KUNZE R. Álgebra Linear. São Paulo, Ed. Linear, 1971.
  • HARVEY, A. G. The Econometric Analysis of Times Series. Londres, Phillip Allan Pub, 1981.
  • INTRILLIGATOR, M. D. Mathematical Optimization and Economic Theory. Prentice Hall, 1972.
  • JOHNSTON, J. Econometric Methods. MacGraw-Hill Book Co, 1984.
  • KREPS, D. A Course on Microeconomic Theory. Princeton University Press, 1990.
  • LARSON, H. J. Introduction to Probability Theory and Statistical Inference. John Wiley & Sons, 1982.
  • LUCAS, R. J. & STOCKEY, N. Recursive Methods in Dynamic Macroeconomics. Cambridge, Harvard Univerisity Press, 1989.
  • MADDALA, G. S. Introduction to Econometrics. MacMillan Publishing Co, 1988.
  • RASMUSEN, E. Games and Information. An introduction to Game Theory. Blackwell.
  • SARGENT, T. J. Dynamic Macroeconomic Theory. Cambridge, Harvard University Press, 1987.
  • SIMONSEN, M. H. Dinâmica Macroeconômica. McGraw-Hill, 1983.
  • SIMONSEN, M. H. & CYSNE, R. Macroeconomia, Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1989.
  • SPANOS, A. Statistics Foundations of Econometric Modelling, Cambrigde, Cambrigde University Press, 1986.
  • VARIAN, H. Microeconomic Analysis. W.W. Norton & Co, 1984. Revista de Economia
  • 1
    Além do trabalho do professor Coats, que aliás deu título a uma das sessões da reunião anual da Sociedade de História da Economia, realizada na Filadélfia em junho de 1993, podem-se citar ainda vários outros trabalhos que procuram reconstituir o processo de internacionalização ou americanização da economia em países como a Coréia (Choi, 1993CHOI, Y. B. The Americanization of Economics in South Korea. Paper apresentado em History of Economics Society, 20th Annual Meeting, Filadéfia, Temple University, Jun. 26-29, 1993. ), Grécia (Psalidopoulos, 1993PSALIDOPOULOS, M. The Internationalization of Post-War Economics: the Case of Greece. Paper apresentado em History of Economics Society, 20th Annual Meeting, Filadélfia, Temple University, Jun. 26-29, 1993. ) e Chile (Markoff e Montecinos, 1992MARKOFF, J. & MONTECINOS, V. The Irrestible Rise of Economists. University of Pittsburgh/The Pennsylvania State University, 1992. ). Sobre o processo de difusão das ideias econômicas no próprio meio acadêmico e para o público leigo, v. o interessante volume organizado por Colander e Coats (1989)COLANDER, D. & COATS, A. W. (eds.) The Spread of Economic Ideas. Nova York, Cambridge University Press, 1989. .
  • 2
    Sobre o processo de montagem gradativa do chamado Estado desenvolvimentista e sobre a construção do amplo aparato jurídico-institucional composto de órgãos de regulação, planejamento e desenvolvimento econômico no Brasil entre os anos 30-70, v . Souza (1976)SOUZA, M.C.C. Estado e Partidos Políticos no Brasil, São Paulo, Alfa Ômega, 1976. , Ianni (1971)IANNI, O. Estado e Planejamento no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971. , Martins (1975)MARTINS, L. Pouvoir Politique et Dévellopement Économique. Paris, Anthropus, 1976. , Wirth (1970)WIRTH, J. D. The Politics of Brazilian Development (1930-1954). Stanford: Stanford University Press, 1970., Leff (1968)LEFF, N. H. Economic Policy-Making and Development in Brazil, 1947-1964. Nova York, Wiley, 1968. e Lowenstein (l944)LOWENSTEIN, K. Brazil under Vargas, Nova York, MacMillan, 1944. .
  • 3
    V., a respeito, História da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (1946-1981), USP, 1981, esp. vol. 1, e dados coletados nos arquivos da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • 4
    Trata-se de análise realizada durante um seminário que reuniu, na cidade de Itaipava, no Rio de Janeiro, em dezembro de 1966, os mais importantes professores e responsáveis por instituições de ensino de economia do País, tais como Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen, Maria da Conceição Tavares, João Paulo dos Reis Velloso etc.
  • 5
    A partir de 1966 até hoje foram criados os seguintes cursos: CEDEPLAR, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais; IEPE, Curso de Pós-Graduação em Economia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; IPE, Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo; NAEA, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará; PIMES, Programa de Pós-Graduação em Economia, da Universidade Federal do Pernambuco; UFBA, Curso de Mestrado em Economia da Universidade Federal da Bahia; UFRJ, Instituto de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro; UnB, Departamento de Economia, da Universidade Nacional de Brasília; IE, Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo; CAEN, Curso de Mestrado em Economia, da Universidade Federal do Ceará. Todos esses estabelecimentos são públicos. E há dois estabelecimentos privados, a EPGE, Escola de Pós-Graduação em Economia, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, e a PUC-RJ, com seu Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Embora privados, estes últimos recebem também importantes subsídios do governo federal sob a forma de bolsas para seus alunos e verbas para atividades de pesquisas de seus professores. Além dos doze centros mencionados, foram criados mais recentemente dois outros: o Mestrado em Economia da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, e o Curso de Economia de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
  • 6
    Cabe observar que esse núcleo nasceu de um antigo Centro de Aperfeiçoamento de Economistas (CAE), fundado no início dos anos 60 na FGV, destinado a complementar a formação deficiente dos cursos de graduação em economia para os pretendentes a cursos de doutoramento nos Estados Unidos. A própria FGV é urna instituição pioneira, constituída em 1944, com o objetivo de formar quadros técnicos e dirigentes para o Estado. Como se sabe, sua principal área de atuação tem sido, desde aquela época, a elaboração de estudos e pesquisas econômicas aplicadas, produzindo desde o final dos anos 40 importantes estatísticas, inspiradas nas formulações keynesianas tais como contas nacionais, balanço de pagamentos, índices de preços. Os dirigentes do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, responsáveis por tais atividades, participaram de vários conselhos econômicos no governo brasileiro e de comissões internacionais, como a de Bretton Woods, em que inclusive tiveram oportunidade de conhecer o próprio Keynes. Tudo isso, antes de se tornarem ministros da Economia, nos anos 50 e 60.
  • 7
    A Fundação Ford participou dessa iniciativa com recursos para bolsas de estudos no País e no exterior, para compra de equipamentos e livros, e também financiando a vinda de professores para ministrarem cursos de pós-graduação na Faculdade de Economia. Vieram para a USP o professor W. O. Thweatt, da Universidade de Vanderbilt, que também ficou responsável pela gerência do convênio com a USAID e pela Fundação Ford, e os professores Werner Baer, Gian S. Sabota, Samuel Levy e Andrea Maneschi.
  • 8
    É interessante observar que os estudos econômicos no Brasil sempre estiveram bastante associados a debates políticos e ideológicos. Mesmo atualmente, com a modernização da ciência econômica e a institucionalização de um sistema de ensino e pesquisa, as relações entre os mundos universitário e político são bastante estreitas (v., a respeito, Loureiro, 1992LOUREIRO, M.R. “Economistas e elites dirigentes no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20(7), outubro, 1992. ).
  • 9
    Celso Furtado, o principal representante brasileiro na CEPAL, era um dos economistas mais lidos e divulgados nos anos 60 no Brasil. Seu livro A Formação Econômica do Brasil, escrito quando ainda trabalhava na CEPAL e publicado em 1959, foi posteriormente considerado como “a obra fundadora da economia política brasileira”(v. Mantega, 1985MANTEGA, G. A Economia Política Brasileira. São Paulo e Petrópolis, Polis/Vozes, 1985. ).
  • 10
    Os líderes e fundadores do grupo de economistas da FGV do Rio de Janeiro - Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões - tinham, como se sabe, relações estreitas com o mundo empresarial e governamental. O primeiro era engenheiro, dirigente de empresas inglesas ligadas à construção de obras públicas e ferrovias no Brasil. Intelectual autodidata em economia, Gudin se tornou economista não só por suas atividades de professor e autor de livros didáticos e de artigos na imprensa, mas sobretudo por força de sua participação em vários conselhos econômicos do governo Vargas (1930-1945) e, inclusive, como já se indicou, por sua atuação na Conferência de Bretton Woods (v., a respeito, CPDOC,FGV, 1983CPDOC/FGV Dicionário Histórico e Biográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, FGV/ Forense, 1983. , e Abreu, 1984ABREU, M. P. “Contribuições de Eugênio Gudin ao pensamento econômico brasileiro”. Literatura Econômica, 1984, 6(4), pp. 625-44. ). Bulhões, por sua vez, era um advogado, que se tornou conhecido como economista também por atividades de assessor, durante vários anos, do ministro da Fazenda do governo Vargas, pela prática docente e sobretudo pela participação nos conselhos técnicos e comissões econômicas internacionais, na qualidade de representante do governo brasileiro. É importante lembrar aqui que, nos anos 50-60, mesmo havendo faculdades de economia, a formação de economistas não se dava pelo aprendizado universitário, mas sobretudo no seio de agências governamentais (Loureiro, 1992LOUREIRO, M.R. “Economistas e elites dirigentes no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20(7), outubro, 1992. ).
  • 11
    Como se sabe, a Universidade de Chicago tornou-se, a partir da liderança de Milton Friedman, o “quartel-general” dos monetaristas, e, mais recentemente, é o núcleo dos economistas denominados novos clássicos, como Lucas e Sargent. Até meados dos anos 70, havia um grupo bastante ativo na FEA/USP, constituído de economistas formados pela Universidade de Chicago. Aos poucos e por influência de novos professores vindos de outras universidades americanas, como Yale, Harvard, MIT etc., o predomínio dos professores com orientações mais ortodoxas foi sendo substituído pela atual heterogeneidade de correntes teóricas vigorante naquela instituição.
  • 12
    Arida (1991)ARIDA, P. “A história do pensamento econômico como teoria e retórica”. REGO, J. M. Revisão da Crise: Metodologia e Retórica na História do Pensamento Econômico, São Paulo: Bienal, 1991. distingue dois modelos de ciência econômica: o de hard science (hegemônico nos Estados Unidos, e estruturado nos moldes das ciências exatas), no qual é admissível que os estudantes ignorem a história do pensamento, e no qual as leituras, com raras exceções, excluem textos com mais de cinco ou seis anos; e o modelo soft science, em que os estudantes devem basicamente dominar os clássicos ou as grandes obras do passado, porque a história do pensamento se confunde com a teoria, sendo que o estudo desta última é considerado indissociável da primeira.
  • 13
    Essas revistas são: Revista Brasileira de Economia, editada desde 1946 pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Pesquisa e Planejamento Econômico, criada em 1971, sob o patrocínio do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão ligado ao Ministério do Planejamento ),Estudos Econômicos, criada em 1970, Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, e a Revista de Economia Política, criada em 1980 por um grupo de professores da FGV de São Paulo, mas distantes das orientações teóricas de seus colegas do Rio.
  • 14
    JEL Classification: A20; A11.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1994
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