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A “credibilidade” da política econômica anti-inflacionária e sua consistência temporal

The “credibility” of the antiinflationary economic policy and its temporal consistency

Resumo

Este artigo é um levantamento das consequências da credibilidade das políticas governamentais, um dos principais desdobramentos da teoria macroeconômica nos anos 80. Os economistas do novo clássico usaram-no para explicar por que, no longo prazo, as políticas governamentais fracassam quando pretendem aumentar o nível de emprego acima da taxa natural. Mesmo no curto prazo, eles só alcançam seus objetivos se for possível enganar o setor privado. O resultado será perda de credibilidade e pressões inflacionárias. Outros autores o desenvolveram como uma ferramenta para entender a relação entre governo, partidos políticos e grupos de pressão com a política econômica. Por fim, comentamos alguns artigos sobre a inflação brasileira com base no conflito distributivo e os comparamos com explicações de credibilidade de políticas.

Palavras-chave:
Credibilidade; estabilização; inflação

Abstract

This article is a survey about the consequences of the credibility of government policies, one of the main developments in macroeconomic theory in the 80s. New classical economists used it to explain why, in the long-run, government policies fail when they intend to increase the level of employment above the natural rate. Even in the short run, they only achieve their aims if it is possible to cheat the private sector. The result will be to lose credibility and inflationary pressures. Other authors developed it as a tool to understand the relationship between government, political parties and pressure groups with economic policy. Finally, we comment some papers about the Brazilian inflation based on distributive conflict and compare them with explanations from credibility of policies.

Keywords:
Credibility; stabilization; inflation

1. APRESENTAÇÃO

A preocupação com os resultados (otimalidade paretiana) da política econômica levou à análise das reações do setor privado às decisões governamentais. Desse modo, a definição da credibilidade como um tema de pesquisa deveu muito a um trabalho de Kydland e Prescott (1977KYDLAND, F.E. & Prescott, E.C. (1977). “Rules rather than discretion: the inconsistency of optimal plans”. Journal of Political Economy 85(3).), em que eles mostram que, em um sistema econômico onde os agentes econômicos têm expectativas racionais, a teoria do controle ótimo usada para o planejamento econômico não deve mais gerar planos ótimos.

A partir daí, vários trabalhos passam a usar teoria dos jogos [por exemplo, Barro e Gordon (1983BARRO, R.J. & Gordon, D.B. (1983). “Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy”. Journal of Monetary Economics 12.)] para entender o problema da inconsistência dos planos ótimos. A credibilidade surge nesse contexto como um fator que permite ao governo, em um jogo não cooperativo, coordenar a ação dos jogadores de tal modo que os resultados obtidos, se não são aqueles do plano ótimo, são melhores do que quando o governo busca executar o plano ótimo e o setor privado reage.

Portanto, é possível relacionar o processo inflacionário com este comportamento otimizador por parte do governo, que não é sustentável (consistente) ao longo do tempo, pois é frustrado pela reação do setor privado.

Nossa intenção neste trabalho é bastante restrita: basicamente em duas seções procuramos, em primeiro lugar, traçar um panorama dos estudos sobre credibilidade e, posteriormente, discutir se esta teoria pode desempenhar algum papel para a compreensão do processo inflacionário no Brasil dos anos 80. A inflação brasileira nesse período provocou um debate em que temas como conflito distributivo e inércia inflacionária desempenharam um papel central, incorporando ideias de mudança de regime de política monetária e fiscal e um papel mais ativo para as expectativas só mais recentemente. Na verdade, até o fracasso dó Plano Cruzado, e de outras experiências heterodoxas na América Latina, a inflação foi considerada como um fenômeno essencialmente inercial.

2. “CREDIBILIDADE” E CONSISTÊNCIA INTERTEMPORAL

Ao comentar o tema credibilidade, é fundamental colocar os principais argumentos dos trabalhos de Kydland e Prescott (1987KYDLAND, F.E. & Prescott, E.C. (1977). “Rules rather than discretion: the inconsistency of optimal plans”. Journal of Political Economy 85(3).) e Barro e Gordon (1983BARRO, R.J. & Gordon, D.B. (1983). “Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy”. Journal of Monetary Economics 12.). Eles ajudaram decisivamente na definição da direção que a pesquisa prosseguiu. A ideia básica de Kydland e Prescott é que mesmo quando existe uma função objetivo social claramente definida e os planejadores conhecem com precisão o impacto das políticas discricionárias, o resultado não é a maximização da função objetivo. A explicação dos autores para esse fato é que a implementação da política econômica não é um jogo contra a “natureza”, mas sim contra agentes econômicos que têm expectativas e, portanto, reagem às ações tomadas pelos policy makers.

Supondo que os agentes têm expectativas racionais, não se mantêm as condições necessárias para a utilização da teoria do controle ótimo para o planejamento, pois este funciona bem quando o movimento do sistema depende das decisões passadas e presentes e do estado atual do sistema. Contudo, quando as expectativas são racionais, as decisões são tomadas também em função da expectativa sobre as políticas futuras. Somente se estas expectativas fossem invariantes é que o controle ótimo poderia ser utilizado. Para Kydland e Prescott, para que esta hipótese seja quebrada, não é necessário que os agentes econômicos tenham previsão perfeita: basta que tenham o mesmo nível de informação que o governo.

Assim sendo, políticas econômicas de estabilização podem ter um efeito até inverso ao pretendido. Poderemos ter políticas que são consistentes, mas subótimas. A definição de política consistente, de forma reduzida, é a seguinte: supondo uma função social objetivo S(xl ... xT; bl ... bT) onde x representa a sequência de decisões dos agentes econômicos e~ a sequência de políticas; o agente econômico no período t (t varia entre 1 e T) ao tomar a decisão x, leva em consideração as decisões x1...xt-1 e as políticas bl ... bT: todavia, o plano consistente ao procurar a maximização de S(.) ignora os efeitos de bt+1 ... bT sobre x, Assim, a política consistente é ótima para cada estágio, mas pode ser subótima para o período l...T. De maneira inversa podemos dizer que uma política ótima é inconsistente se precisa mudar a cada período para permanecer ótima.

Esses conceitos são aplicados em um modelo de inflação/desemprego em que o uso de uma política de administração da demanda provoca um aumento da taxa de inflação sem qualquer redução do desemprego. Portanto, a política de estabilidade de preços seria preferível. Utilizam, para isso, uma função onde o desemprego (u) depende da taxa natural (u*) e da discrepância entre a taxa de inflação (p) efetiva e a esperada: ut=apte-pt+u*. As expectativas dos agentes são racionais e existe uma função social objetivo a ser maximizada: S(pt;ut) Nesta estrutura teórica, através de resolução gráfica, mostram que o equilíbrio consistente em que µ1=µ* e pt + C (sendo C > 0) não é ótimo.

A compreensão da inconsistência dos planos ótimos vai ganhar um contorno mais definido a partir de um trabalho de Barro e Gordon (1983BARRO, R.J. & Gordon, D.B. (1983). “Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy”. Journal of Monetary Economics 12.) que incorporam a teoria dos jogos para entendê-la. Esta teoria, conforme Rasmusen (1990RASMUSEN, E. (1990). Games and information: an introduction to game theory. Cambridge, MA: Basil Blackwell.), está interessada na ação de agentes que sabem que seus resultados são interdependentes. Desse modo, a inconsistência dos planos surge como resultado de um jogo entre governo e setor privado. Nesse modelo o jogo é dinâmico (jogado em mais de um período) na forma de super-jogo (o mesmo jogo repete-se no tempo), com estratégias puras (não probabilísticas) e tem horizonte infinito. Além disso, é inicialmente um jogo com informação incerta (os payoffs dos jogadores dependem de parâmetros dados pela “natureza”) e assimétrica, pois os movimentos não são simultâneos (o governo escolhe qual vai ser a taxa de inflação via política monetária, e o setor privado reage sem conhecê-la).

Os payoffs dos jogadores se definem de acordo com o custo/beneficio da inflação. O governo tem como vantagens o imposto inflacionário e a desvalorização da dívida pública. O aumento do nível de atividades com consequente redução do desemprego é valorizado tanto pelo governo como pelo setor privado. Quanto aos custos, para Barro e Gordon, eles existem, mas não são claramente definidos pelos economistas.

Desse modo, a função objetivo do governo é dada por:

z t = a / 2 p t 2 - b 1 p 1 - p t e o n d e a , b t > 0 ;

sendo p a taxa de inflação, o primeiro termo representa os custos da inflação e é quadrático, o segundo termo baseado na curva de Phillips mostra os ganhos de produto, que tem uma valoração variável (b, com média B) em cada período. O governo busca minimizar z, ao longo do tempo, utilizando um fator de desconto q1 (com média Q) para os períodos futuros.

Os agentes têm expectativas racionais: logo, preveem a inflação resolvendo o problema de otimização do governo no caso de política discricionária (p^t = B/a). Como em equilíbrio Pt=Pte teremos um custo, z^t = (1/2)(B)2/a.

A seguir, eles supõem que o governo se compromete com uma regra. Ninguém conhece os valores de bt e qt, mas conhece os seus valores prévios. Assim, o governo pode condicionar a taxa de inflação de acordo com parâmetros conhecidos do público, sujeito à condição que Pte=pt. Portanto, a melhor regra1 1 Estamos usando a seguinte notação: para política discricionária, ^, para regras,*, e quando o governo engana,~. será fazer Pte=0 e, portanto, zt*=0.

Entretanto, se o público esperar inflação zero, o governo ficará tentado a renegar a regra com a qual havia se comprometido. Se o governo enganar terá como inflação que minimiza zt p~t = B/a, portanto E(z~t) = (1/2)(B)2/a, de modo que a tentação a enganar é dada por Ezt*z~t=1/2B2/a.

O first best (que maximiza o bem-estar) é aquele resultante da situação em que o governo engana e o público está esperando inflação zero. Todavia, como se trata de um jogo repetido, o ato de enganar vai significar uma perda de credibilidade por parte do governo. Desse modo, comprometer-se com uma regra é o second best. O setor privado forma suas expectativas do seguinte modo:

(1) P t e = p t * s e P t - 1 = P t e - 1

(2) P t e = p ^ t s e P t - 1 = P t e - 1

uma estratégia de tit for tat.

Pode-se ver então que a regra ótima não é consistente, pois o setor privado não pode ser enganado persistentemente. No entanto, neste caso, nem o comprometimento com uma regra para garantir a inflação zero (second best) é seguida. O motivo é que o payoff do governo é maior quando ele engana sabendo que o setor privado aposta na inflação zero do que seguindo a regra e, mais ainda, o governo sabe que o setor privado fará esta aposta no período t, se ele, governo, fez inflação zero em t-1. Assim, o governo escolhe pt para maximizar sua função objetivo. Confronta-se com a seguinte escolha, se enganar terá:

E z t * , z ~ 1 = l / 2 B 2 / a ;

seguindo a regra (lembrando que E(q,) = Q):

E [ q t z ^ t - z t 1 * = Q l / 2 B 2 / a ;

como Q é um fator de desconto intertemporal menor do que um, logo enganar é melhor do que seguir a regra inflação zero e, portanto, para o setor privado, seguir a estratégia tit for tat é irracional.

Para atingir a melhor regra passível de ser seguida, devemos ter uma situação com inflação constante pt = p, onde a condição de equilíbrio deve ser que o payoff da tentação a enganar é igual ou menor ao payoff da regra. Se fizermos o payoff variar em função da taxa de inflação, sujeito à condição de equilíbrio, temos a regra ótima: p* = (B/a)(l - Q)(l + Q).

Barro e Gordon ainda tratam de dois aspectos importantes neste trabalho. No primeiro, eles consideram como conhecidos os valores de b, que representam a sensibilidade da função utilidade do governo a variações do produto. É racional para o governo “acumular” credibilidade em momentos onde b é menor do que a média e “gastá-la” na situação inversa. O outro aspecto refere-se ao período de punição (na estratégia tit for tat ele é de um período); entretanto, intervalos de várias extensões provocam diferentes conjuntos de equilíbrios.2 2 No caso de um duopólio com horizonte infinito, o princípio da punição máxima leva a que qualquer preço entre o custo marginal e o preço de monopólio seja um equilíbrio [vide Tirole (1989)].

Para Taylor (1983TAYLOR, J.B. (1983). “Comments: rules, discretion and reputation in a model of monetary policy by Robert J. Barro and David B. Gordon”. Journal of Monetary Economics nº 12.) os méritos de Barro e Gordon (1983BARRO, R.J. & Gordon, D.B. (1983). “Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy”. Journal of Monetary Economics 12.) são de mostrar que a credibilidade como um fator que permite ao governo, em um jogo não cooperativo, coordenar a ação dos jogadores de tal modo que os resultados obtidos, se não são aqueles do plano ótimo (enganar), são melhores do que os da política discricionária.

Contudo, Taylor tem dúvidas sobre as implicações desse modelo para a teoria positiva da política macroeconômica. A introdução da reputação no modelo de inconsistência, torna-o menos atrativo como teoria positiva, pois, quanto maiores são os efeitos da reputação, mais próxima a inflação deve estar de zero. Sendo que Barro e Gordon apresentam o fato de uma alta e subótima taxa de inflação ser a única política crível, como a razão da alta inflação nos EUA no fim dos anos 70 e início dos 80. Entretanto, no modelo Barro-Gordon é tão óbvia a superioridade da política de inflação zero que é difícil compreender por que ela não é adotada.

Em nosso entender, embora esta crítica de Taylor quanto ao caráter positivo do modelo Barro-Gordon possa ser adequada, ela não leva suficientemente em conta o fato de que a política de inflação zero ser claramente superior não significa que seja adotada. Aliás, o dilema de prisioneiro em teoria de jogos serve justamente para demonstrar isso.

O trabalho de Persson (1989PERSSON, T. (1988). “Credibility and macroeconomic policy: an introduction and a broad survey”. European Economic Review nº 32.) é um survey em que apresenta as principais linhas da pesquisa sobre credibilidade, colocando seus impactos sobre a política monetária e fiscal, e a coordenação de políticas macroeconômicas quando existe mais de um policy maker. Na sua opinião, o que distingue a pesquisa baseada em credibilidade da macroeconomia anterior (dos velhos keynesianos aos novos clássicos) é que a primeira afirma que a política macroeconômica não pode ser considerada exógena. Ela se torna endógena através da especificação de uma função objetivo que o governo maximiza.

Como já vimos, a tentação por parte do governo de conduzir a economia do second best para o first best termina levando a economia para o third best. A credibilidade no sentido de otimização ex-post coloca uma restrição adicional em termos de otimização ex-ante. Desse modo, segundo Persson, a literatura coloca duas questões:

  • Quão sério é o problema da credibilidade? A política ótima ex-post rende um bem-estar social muito diferente da política ótima ex-ante?

  • É possível evitar as perdas de bem-estar devido ao problema de credibilidade governamental?

As respostas a essas questões dependem do contexto de análise, “a forma da função objetivo do governo, as escolhas que fazem as restrições ex-ante e ex-post serem diferentes, as imperfeições que impedem que o first best seja alcançado, o tipo de teoria dos jogos e o conceito de equilíbrio usado” [Persson (1989PERSSON, T. (1988). “Credibility and macroeconomic policy: an introduction and a broad survey”. European Economic Review nº 32.: 520)].

Um aspecto ressaltado por Persson como um desenvolvimento é o uso de teoria dos jogos com informação incompleta sobre o tipo de governo que os agentes estão enfrentando. Rasmusen (1990RASMUSEN, E. (1990). Games and information: an introduction to game theory. Cambridge, MA: Basil Blackwell.: 54) mostra que um jogo de informação incompleta desse tipo pode ser considerado como um jogo de informação completa usando a transformação de Harsanyi. Desse modo, os agentes têm uma distribuição de probabilidade a priori sobre o tipo de governo que estão enfrentando, e esta crença é atualizada através da regra de Bayes. Portanto, os resultados do comportamento do governo entre 1 e t-1 serão decisivos para formar as crenças e as decisões dos agentes econômicos em t. Os trabalhos de Backus e Driffill (1985aBACKUS, D. & Driffill, J. (1985a). “Rational expectations and policy credibility following a change in regime”. Review of Economic Studies nº 52.) e (1985bBACKUS, D. & Driffill, J. (1985b). “Inflation and reputation”. American Economic Review 75(3).) incorporam este tema.

Uma observação crítica de Persson sobre os estudos desenvolvidos na área é que até o momento os modelos são bastante rudimentares. Para ele um dos problemas básicos é que a teoria adequada para tratar com credibilidade, a de jogos dinâmicos, está pouco avançada.

Além disso, no que se refere aos modelos de política monetária, as ligações entre os objetivos governamentais e o comportamento e objetivos privados não são claros. Se os objetivos do governo são políticos, os modelos falham na especificação do comportamento dos votantes e nas alternativas oferecidas pela oposição.

No caso da política fiscal, ela está submetida à questão macroeconômica do financiamento público. Em geral, os modelos trabalham com equilíbrio geral, existência de um consumidor representativo que tem previsão perfeita e o mesmo horizonte de planejamento que o governo. Este, por sua vez, é pigoviano (de Pigou, que busca maximizar o bem-estar social).

Teremos distorções nesses modelos porque os impostos do governo sobre o trabalho, o capital e o inflacionário provocam distorções na economia. O governo busca equalizar a “distorção marginal” dos diferentes impostos. Contudo, como existe uma diferença entre as elasticidades ex-ante e ex-post desses tributos, as restrições do governo também serão diferentes. Novamente, a credibilidade vai se colocar como uma otimalidade imposta ex-post. Outros modelos consideram agentes heterogêneos e o governo também preocupado com a distribuição de renda.

Ainda como problemas adicionais desses modelos temos o pequeno progresso na comparação de políticas críveis de second best e as de third best. Encontramos também a dificuldade de explicar as instituições sociais com fundamentos microeconômicos adequados.

Finalmente, os modelos de coordenação de políticas macroeconômicas tratam com um problema duplo de credibilidade, de interação entre os governos e entre cada governo e o setor privado de seu país. Nesse caso, como na teoria do second best, se duas restrições interagem, a eliminação de uma delas pode levar a um resultado pior. Por exemplo, a coordenação apenas entre dois governos pode significar um resultado pior do que a política ótima ex-post.

Alesina e Tabellini (1988ALESINA, A. & Tabellini, G. (1988). “Credibility and politics”. European Economic Review nº 32.) tratam de um último tema que gostaríamos de mencionar, da relação entre política e credibilidade. Para esses autores, não é possível abstrair as instituições políticas quando se modela a política econômica. Dessa maneira, colocam-se novas questões para a consistência temporal, políticas monetária e fiscal ótimas, reputação e estabelecimento de regras de política. A definição de regras políticas ótimas é afetada pelo sistema eleitoral num regime democrático.

A literatura considera em geral um sistema de dois partidos em que as preferências podem ser definidas de duas formas: a) os partidos maximizam popularidade, buscando ficar no poder o máximo de tempo possível; b) os diferentes partidos representam grupos com interesses econômicos conflitantes, e eles buscam maximizar o bem-estar de seu agente representativo [vide Alesina e Tabellini (1988ALESINA, A. & Tabellini, G. (1988). “Credibility and politics”. European Economic Review nº 32.: 543)]. Esta segunda vertente parece se adaptar melhor aos fatos empíricos.

No caso de partidos que maximizam popularidade, o seu comportamento dá origem a um “ciclo político”, com medidas antiinflacionárias no início do mandato e expansionistas no final. Como este ciclo é incompatível com a existência de expectativas racionais, alguns autores o embasam na ideia de assimetria de informação, em que o governo pode enganar persistentemente os agentes econômicos.

Na segunda linha de pesquisa, não há uma função social claramente definida e os grupos sociais têm objetivos conflitantes. Desse modo, surge um “teorema do eleitor médio”, que mostra a convergência das políticas dos dois partidos em véspera de eleições. Os partidos fazem uma certa troca de ideologia por possibilidades de vitória eleitoral. A questão é saber se essas políticas “convergentes” são consistentes temporalmente se inexiste um fator disciplinador.

Para haver consistência, devemos ter esse fator disciplinador que força o partido a seguir a política com a qual se comprometeu, mesmo após a eleição. Duas fontes podem gerar a disciplina: a existência de uma preocupação dos policy makers com sua reputação que repercutirá na próxima eleição, e o comportamento da oposição utilizando uma estratégia de “gatilho”, qual seja, uma reação muito forte se o partido no poder ultrapassar certos limites. Portanto, os dois partidos são levados a moderar suas diferenças, sejam elas, por exemplo, em relação ao tamanho do déficit público ou à distribuição de renda.

3. “CREDIBILIDADE” E A INFLAÇÃO BRASILEIRA

Nesta seção, vamos discutir até que ponto os modelos preocupados com credibilidade e consistência temporal podem ser usados para explicar o processo inflacionário no Brasil. Para tanto, é necessário repassar o trabalho de Pechman, Grandi e Martins (1989PECHMAN, C.; Grandi, R. e Martins, A. (1989). “Credibilidade e inflação: uma análise empírica do caso brasileiro”. Revista Brasileira de Economia 43(4).) que faz uma análise empírica para nosso país da relação entre credibilidade e inflação. O estudo é baseado em pesquisas de opinião durante o governo Sarney e, embora não sirva como teste para o tipo de modelo que estamos lidando, é importante como uma primeira aproximação.

Posteriormente, discutiremos o trabalho de Fraga e Werlang (1983FRAGA, A. e Werlang, S. (1983). “Uma visão da inflação como conflito distributivo”. Revista Brasileira de Economia 37(3).) também pioneiro ao abordar a concepção neoestruturalista de inflação, baseada no conflito distributivo, sob um prisma de teoria dos jogos. A visão neoestruturalista teve certamente influência na ideia de inércia inflacionária, que sustentou as experiências heterodoxas que marcaram a segunda metade dos anos 80. Tanto na sua versão realmente aplicada dos “choques que derrubariam a inflação”, como pensava Lopes (1984LOPES, F. (1984). “Só um choque heterodoxo pode derrubar a inflação”. Economia em Perspectiva (CORECON), agosto.), ou de maneira mais remota na proposta soft da moeda indexada de Arida e Lara Resende (1986ARIDA, P. & Lara Resende, A. (1986). “Inflação inercial e reforma monetária”. In Arida, P., org. Inflação Zero. Rio de Janeiro: Paz e Terra.).

Para finalizar, podemos comparar o trabalho de Nakano (1989NAKANO, Y. (1989). “Da inércia inflacionária à hiperinflação”. In Rêgo, J.M., org. Aceleração recente da inflação. São Paulo: Bienal.), que explica a hiperinflação do final do governo Sarney via conflito distributivo entre setor privado e Estado, incluindo um fator acelerador calcado em expectativas, com o estudo de Backus e Driffill (1985aBACKUS, D. & Driffill, J. (1985a). “Rational expectations and policy credibility following a change in regime”. Review of Economic Studies nº 52.), que busca explicar a resistência à baixa da inflação no primeiro governo Thatcher. Para tanto, eles constroem um modelo em que os agentes têm expectativas racionais e, portanto, mesmo após uma mudança de regime a credibilidade das políticas não é imediata.

Pechman, Grandi e Martins (1989PECHMAN, C.; Grandi, R. e Martins, A. (1989). “Credibilidade e inflação: uma análise empírica do caso brasileiro”. Revista Brasileira de Economia 43(4).) formularam um modelo que buscava identificar as variáveis capazes de afetar a credibilidade e reputação do governo. A variável credibilidade foi medida através de uma proxy, a popularidade em pesquisas de opinião pública.3 3 Os institutos de pesquisa usaram duas metodologias distintas para medir popularidade, uma com resposta binária confia ou não confia no governo, e a outra com os conceitos muito bom, bom, regular e péssimo. As duas séries apresentam uma tendência paralela. Pode-se observar então uma relação inversa muito clara entre aceleração da inflação e credibilidade, sem que com isto os autores pretendam sustentar uma relação de causalidade.

Todavia, para definir algumas características a essa inter-relação, identificam alguns elos entre elementos econômicos e políticos. Desse modo, a partir da definição da política como uma atividade que distribui bens públicos, é realizada uma classificação de bens positivos e negativos, que implicam em maior ou menor sustentação ao governo por parte da sociedade. Entre os bens positivos, temos, p.ex.: aumento da renda per capita, apoio à saúde, educação; e bens negativos: desemprego, queda do nível de renda, inflação (com consequente diminuição do poder aquisitivo).

Neste trabalho, os autores se restringem aos impactos da inflação sobre o apoio ao governo, ao contrário de toda a teoria que discutimos até agora, onde relação de causalidade é a inversa, com a reputação e a credibilidade do governo influenciando a inflação (segundo os autores, o teste desta última relação não está consolidado na literatura). A credibilidade no período t é considerada uma variável dependente da aceleração da inflação em t; da inflação oficial em t-1; da variação do salário real em t-3 (considerado como um índice de barganha salarial); da tendência de longo prazo da série da credibilidade no tempo (neste caso, pode ser a perda devido à contínua queda no nível dos serviços públicos); do desgaste no tempo do governo Sarney (efeito lua-de-mel, que diminui com o tempo4 4 Tem horizonte de curto prazo, não mais que alguns trimestres, sendo uma variável exponencial natural, com expoente obedecendo a uma progressão geométrica de razão unitária negativa. Fatos como o Plano Cruzado ou eleições provocam situações de lua-de-mel. ); e, finalmente, da diferença entre produto potencial e produto real.

Duas equações são testadas; no primeiro teste verifica-se que o hiato do produto (a recessão) não é significativo para explicar a credibilidade, sendo então eliminado na segunda tentativa. Os efeitos das variáveis aceleração da inflação e nível defasado de inflação são elásticos (para um aumento de 10% de ambos temos respectivamente quedas de 11,5% e de 15,5%). A diminuição do salário real em 10% provoca uma redução de credibilidade de 3,5%. Finalmente, houve uma tendência de redução contínua de credibilidade à taxa de O,18% por trimestre, e a variável lua-de-mel respondeu por um aumento médio de credibilidade presidencial de 40% nos dois trimestres que sucederam os fatos políticos já citados na nota 4.

Entre as conclusões do modelo estão o entendimento da credibilidade como uma variável endógena ao sistema, sendo influenciada fortemente pela inflação. Uma consequência o nível de política econômica é que um novo governo eleito deve aproveitar o momento da posse para a adoção de uma política de estabilização; caso contrário, o nível de inflação e sua aceleração se encarregam de esvaziar o efeito lua-de-mel.

O paper de Fraga e Werlang (1983FRAGA, A. e Werlang, S. (1983). “Uma visão da inflação como conflito distributivo”. Revista Brasileira de Economia 37(3).), “Uma visão da inflação como conflito distributivo”, utiliza teoria de jogos para construir um modelo de inflação em que o conflito distributivo é o fator explicativo. Eles partem da visão estruturalista de inflação e, a seguir, introduzem algumas sofisticações baseadas em teoria dos jogos.

No modelo mais simples valem as seguintes hipóteses: a) as expectativas dos agentes econômicos são passivas (ou adaptativas); b) a moeda é ignorada. Como características gerais, temos:

Dois grupos sociais, um com a renda nominal5 5 As variáveis nominais são denominadas com letras maiúsculas, e as reais, com minúsculas. igual a W, e a do outro igual a R. Portanto, a identidade do PIB é:

P . y = W + R (1)

Como ex-ante o nível de preços é desconhecido e os grupos determinam sua demanda sobre a renda levando em conta uma expectativa de preços (Pe), que é idêntica para ambos; logo:

R d = r . P e W d = w . P e (2)

De onde o equilíbrio é dado se tivermos:

W d + R d = P e . y (3)

Caso contrário, com as demandas maiores do que a renda, teremos pressões inflacionárias,

W d + R d > P e . y (4)

Portanto, a renda dos grupos será menor do que a que esperam. As expectativas, passivas, são dadas por Pe = P-1 (o nível de preços do período anterior). O que significa que as demandas são:

R d = r . P - 1 (5)

W d = w . P - 1 (6)

Ex-post teremos:

W d . P - 1 + R d . P - 1 = P . y (7)

Mas como sabemos, por (4), quer+ w > y; conclui-se que:

P > P - 1 (8)

Um dos problemas deste modelo mais simples é que as expectativas dos agentes econômicos não podem ter previsão perfeita, já que em equilíbrio P > Pe. Outra falha, como já vimos, é que a moeda é ignorada.

A segunda construção do modelo6 6 Este modelo pode ser considerado como um jogo de informação completa, certa, simétrica e imperfeita. Ao tomar a decisão o jogador conhece o conjunto das estratégias de seus adversários, a natureza não se move, e ambos os jogadores têm o mesmo conjunto de informação; contudo, cada jogador, ao realizar seu movimento, não sabe qual é a ação tomada pelo adversário. procura sanar essas deficiências. Temos então os seguintes pressupostos: a) as expectativas dos agentes econômicos são perfeitas; b) a moeda é endógena; e) a inflação tem um custo; d) existe o conflito distributivo. Como a moeda é endógena, cada agente econômico, ao definir qual deve ser sua renda nominal, determina também qual é a quantidade de moeda de que vai necessitar, e o governo passivamente a oferta.

Assim, cada um dos dois grupos se coloca em uma situação onde escolhe uma quantidade de moeda (e de renda nominal) maior, representada por “M”, ou menor, dada por “m”. Se a inflação não tiver custo, cada agente vai demandar cada vez mais e mais dinheiro a cada período, e não existe equilíbrio. Entretanto, se considerarmos que o PIB de pleno emprego tem uma relação inversa com a taxa de inflação, pois a inflação toma a economia menos eficiente, a situação muda. Chegaremos a um resultado de equilíbrio de “dilema do prisioneiro”, como podemos ver abaixo, na forma estratégica:

Agente 1 Agente 2 m M M (10; 10) (2; 12) M (12; 2) (4; 4)

O par (M; M) é o equilíbrio de Nash, uma solução que não é Pareto ótimo. Assim, cada um dos dois grupos se coloca em uma situação onde escolhe uma quantidade de moeda (e de renda nominal) maior, mas que, dados os custos da inflação, e devido à inexistência de coordenação, leva ambos a uma situação pior do que eles poderiam estar se coordenassem suas demandas.

A seguir, Werlang e Fraga tomam o equilíbrio formalmente mais rigoroso, ao derivar uma função de reação7 7 Neste caso, a melhor descrição de uma estratégia é a forma de função, onde cada jogador responde da melhor maneira possível (máximo payoff) à estratégia de seu oponente, estabelecendo uma função de “melhor resposta” ou de “reação”. para cada um dos agentes, onde a renda real é y = f(P/ P-1), com f’ < 0, se P/P-1 > l; e f’ > 0, seP/P-1 < 1. Cada jogador maximiza sua quantidade de moeda (renda nominal), em função da quantidade de moeda do outro. O resultado de equilíbrio de Nash a que se chega é análogo ao da forma estratégica. Concluem reafirmando que é possível modelar uma economia com conflito distributivo, previsão perfeita e moeda passiva.

Essa visão da inflação não é semelhante à primeira versão inercialista de Lopes8 8 A visão de Lopes se assemelha mais ao primeiro modelo, na versão estruturalista. (que não considerava a hipótese de previsão perfeita), onde cada agente, de maneira ilusória, procurava recompor o seu pico de renda real. Todavia, é compatível com a de Lara Resende e Arida, onde os agentes, tendo uma expectativa correta da inflação futura, estimavam reajustes de pico de renda nominal que mantivessem sua renda média.

A comparação do modelo Werlang e Fraga com a de outros inercialistas é interessante para observar quais suas possíveis contribuições num momento em que o debate (o artigo é de 1983) sobre as especificidades da inflação no Brasil vai dar origem ao Plano Cruzado. Note-se que eles utilizam outras hipóteses que são comuns aos inercialistas, tais como o conflito distributivo originando a inflação e a moeda passiva. Como novidade, entretanto, temos a hipótese de que o PIB de pleno emprego tem uma relação inversa com a taxa de inflação, porque esta torna a economia menos eficiente. A partir daí, chegamos ao resultado de “dilema de prisioneiro” já descrito, ou seja, o mercado funcionando livremente leva a um resultado não eficiente.

Todavia, mesmo essa novidade leva a um corolário, não explícito, em que a terapia proposta seria idêntica à de outros inercialistas, isto é, a inflação vista como um problema de falta de coordenação, em que um acordo ou agente externo deveria intervir no sentido de levar a economia ao ótimo paretiano.

Após essa discussão do processo inflacionário, vista como conflito distributivo, e das políticas necessárias para debelá-lo, voltamos à relação entre inflação e credibilidade. Discutiremos um modelo que examina uma mudança de política, baseado na credibilidade das políticas antiinflacionárias de Thatcher, para finalmente compará-los com as sugestões de política de estabilização das visões de conflito.

Backus e Driffill (1985aBACKUS, D. & Driffill, J. (1985a). “Rational expectations and policy credibility following a change in regime”. Review of Economic Studies nº 52.) trabalham com os resultados da mudança de regime sobre a credibilidade da política econômica quando os agentes têm expectativas racionais. Para isso, seguem um caminho já trilhado em Backus e Driffill (1985bBACKUS, D. & Driffill, J. (1985b). “Inflation and reputation”. American Economic Review 75(3).). Neste segundo trabalho, eles discutem a validade de algumas conclusões de Barro e Gordon (1983BARRO, R.J. & Gordon, D.B. (1983). “Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy”. Journal of Monetary Economics 12.) levantando os problemas existentes na utilização de um super-jogo para modelar a credibilidade. Num super-jogo, dependendo do período de punição, temos diferentes conjuntos de equilíbrio, ou seja, equilíbrios múltiplos. Uma abordagem alternativa é conseguida através da resolução de equilíbrios sequenciais de Kreps-Wilson para jogos dinâmicos. Essa solução também é conhecida como perfeição de sub-jogos9 9 Neste tipo de jogo, em vez da repetição do mesmo jogo do período I ao T, temos uma ligação direta entre as decisões tomadas em t e t + 1. Portanto, para encontrar uma solução é necessário buscar um caminho de equilíbrio para cada período jogado, sabendo que a decisão tomada em t define as possibilidades em t + 1. O caminho de equilíbrio com perfeição de subjogo é formado por decisões que são equilíbrios de Nash para cada período, tanto para os nódulos (momentos de decisão) que estão no caminho de equilíbrio entre 1 e T, como para aqueles caminhos que não fazem mais parte das possibilidades do jogo. A descoberta deste caminho de equilíbrio se faz através do método da indução retroativa. Se descobre o equilíbrio para o período T, isto delimita as possibilidades de T - 1. Repete-se o processo para T - 1 até chegarmos ao período 1. . Por ser um equilíbrio de Nash para cada período, ela é consistente por definição.

Outra diferença em relação a Barro e Gordon está no tipo de estratégia usada, mista em vez de pura. Os agentes apostam em inflação zero com uma determinada probabilidade. Esta, por sua vez, depende da avaliação que os agentes fazem sobre o governo, se ele é forte ou fraco (inflacionário). Esta avaliação muda a cada período, de acordo com a regra de Bayes, e a base para determiná-la é a inflação do período anterior. Como o fato de o governo ter inflacionado durante um período afeta fortemente a avaliação do setor privado, e como o governo tem payoffs negativos quando inflaciona se o setor privado já espera a inflação, existe um estímulo maior para manter a credibilidade, pois caso contrário nos períodos posteriores o setor privado deve apostar em inflação.

Desse modo, veremos que mesmo governos fracos terão incentivos para estabelecer uma reputação não inflacionária no início de seu mandato. Note-se que nesse caso o intervalo de punição é dado endogenamente pelo impacto sobre a avaliação a respeito do governo, e que repercutirá sobre os payoffs futuros deste. Como problemas desse modelo os autores colocam: a falta de uma dinâmica relacionando inflação e produto, e citam Tobin (1981) [Backus e Driffill (1985bBACKUS, D. & Driffill, J. (1985b). “Inflation and reputation”. American Economic Review 75(3).: 537)], que discorda que a inflação é resultado de uma escolha política para aumentar o produto, tomando como exemplo a guerra da Indochina na época do presidente Johnson, em que o motivo principal da política expansionista foi o receio de pedir ao Congresso um aumento de impostos para financiar a escalada bélica.

No segundo paper,Backus e Driffill (1985aBACKUS, D. & Driffill, J. (1985a). “Rational expectations and policy credibility following a change in regime”. Review of Economic Studies nº 52.) utilizam a mesma estrutura teórica. Esse modelo é resultado da tentativa de entender por que os custos da mudança de regime foram tão elevados na Grã-Bretanha no início do governo Thatcher, fato que parece incompatível com a existência de expectativas racionais. Na verdade, eles vão observar a importância que a informação tem sobre a credibilidade da política, econômica. Muitas vezes o governo pode ter uma férrea vontade antiinflacionária, mas o setor privado não acreditar. Nesse caso, não adianta anunciar a política, porque teremos um caso de seleção adversa, como o market for lemons de Akerlof.

Nesse modelo temos um governo que pode ser forte ou fraco, como já definimos anteriormente, e um setor privado forte (não modera suas demandas de aumento de salários nominais) ou fraco (o contrário). O jogo é estabelecido como no caso anterior, onde cada agente tem suas crenças a respeito do outro jogador e que são atualizadas pela regra de Bayes. Qualquer dos dois lados que ceder terá sua reputação rebaixada a zero. Considera-se que os payoffs futuros estão sujeitos a uma taxa de desconto. Os resultados possíveis no jogo dinâmico são os seguintes:

  • se o governo ceder e o setor privado não, teremos o equilíbrio inflacionário idêntico ao de Barro e Gordon;

  • se ceder, o setor privado tem um custo constante “c”; entretanto, se nenhum ceder teremos perdas de produto a cada período, até que o custo de perda de produto para o setor privado torna-se maior do que “c”, quando é racional ceder.

Cada setor tem uma função objetivo que é não decrescente em relação a sua própria reputação e não crescente em relação à reputação do outro jogador, fato que acresce os custos de ceder. O caso do governo Thatcher é consistente com o modelo, pois até o governo conseguir conquistar credibilidade, o caminho do produto foi de queda e a inflação alta.

O trabalho de Nakano (1989NAKANO, Y. (1989). “Da inércia inflacionária à hiperinflação”. In Rêgo, J.M., org. Aceleração recente da inflação. São Paulo: Bienal.) busca explicar a aceleração inflacionária durante o governo Sarney, após o Plano Cruzado. Para tanto, discute fatores que garantem uma inflexibilidade nominal e real aos preços e salários, que, portanto, não reagem a políticas tradicionais de contenção de demanda. Relativamente à inflexibilidade nominal, as causas são reajustes com frequências distintas e assincrônicos, provocando desajustes de preços relativos e gerando inércia. Além disso, como a inflação apresentou variância crescente, as empresas, para não serem surpreendidas por uma inflação maior do que a esperada e sofrerem perdas patrimoniais, aumentam sua margem para diminuir riscos. A inflexibilidade real é dada por um “pacto pró-inflação” entre empresas e sindicatos fortes contra o Estado. A aceleração de preços e salários é uma forma de proteção contra a tentativa do Estado de aumentar sua participação na renda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • TIROLE, J. (1988). The theory of industrial organization Cambridge, MA: MIT Press.
  • 1
    Estamos usando a seguinte notação: para política discricionária, ^, para regras,*, e quando o governo engana,~.
  • 2
    No caso de um duopólio com horizonte infinito, o princípio da punição máxima leva a que qualquer preço entre o custo marginal e o preço de monopólio seja um equilíbrio [vide Tirole (1989TIROLE, J. (1988). The theory of industrial organization. Cambridge, MA: MIT Press.)].
  • 3
    Os institutos de pesquisa usaram duas metodologias distintas para medir popularidade, uma com resposta binária confia ou não confia no governo, e a outra com os conceitos muito bom, bom, regular e péssimo. As duas séries apresentam uma tendência paralela.
  • 4
    Tem horizonte de curto prazo, não mais que alguns trimestres, sendo uma variável exponencial natural, com expoente obedecendo a uma progressão geométrica de razão unitária negativa. Fatos como o Plano Cruzado ou eleições provocam situações de lua-de-mel.
  • 5
    As variáveis nominais são denominadas com letras maiúsculas, e as reais, com minúsculas.
  • 6
    Este modelo pode ser considerado como um jogo de informação completa, certa, simétrica e imperfeita. Ao tomar a decisão o jogador conhece o conjunto das estratégias de seus adversários, a natureza não se move, e ambos os jogadores têm o mesmo conjunto de informação; contudo, cada jogador, ao realizar seu movimento, não sabe qual é a ação tomada pelo adversário.
  • 7
    Neste caso, a melhor descrição de uma estratégia é a forma de função, onde cada jogador responde da melhor maneira possível (máximo payoff) à estratégia de seu oponente, estabelecendo uma função de “melhor resposta” ou de “reação”.
  • 8
    A visão de Lopes se assemelha mais ao primeiro modelo, na versão estruturalista.
  • 9
    Neste tipo de jogo, em vez da repetição do mesmo jogo do período I ao T, temos uma ligação direta entre as decisões tomadas em t e t + 1. Portanto, para encontrar uma solução é necessário buscar um caminho de equilíbrio para cada período jogado, sabendo que a decisão tomada em t define as possibilidades em t + 1. O caminho de equilíbrio com perfeição de subjogo é formado por decisões que são equilíbrios de Nash para cada período, tanto para os nódulos (momentos de decisão) que estão no caminho de equilíbrio entre 1 e T, como para aqueles caminhos que não fazem mais parte das possibilidades do jogo. A descoberta deste caminho de equilíbrio se faz através do método da indução retroativa. Se descobre o equilíbrio para o período T, isto delimita as possibilidades de T - 1. Repete-se o processo para T - 1 até chegarmos ao período 1.
  • 10
    JEL Classification: E31; E52.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1994
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