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Dois diagnósticos equivocados da questão fiscal no Brasil* * O autor agradece os comentarios de Margaret Hanson Costa e Maria Silvia Bastos Marques sem responsabilizá-las pelas conclusões do artigo.

Two misdiagnoses of the tax issue in Brazil

RESUMO

Este artigo faz uma avaliação crítica de alguns aspectos do recente debate sobre a política fiscal no Brasil. Argumenta que tanto as análises ortodoxas quanto as heterodoxas do tamanho do déficit fiscal tendem a incorrer em erros conceituais ou factuais que obstruem seriamente uma compreensão adequada das questões envolvidas. A compreensão errônea de certos conceitos básicos e até mesmo a tendência a desconsiderar as informações estatísticas disponíveis mostram-se algumas das principais causas do caráter inconclusivo das discussões sobre a situação das finanças públicas no Brasil. A Seção I examina as dificuldades conceituais envolvidas na aplicação do conceito de requisitos de financiamento do setor público conforme definido no programa do FMI para o Brasil. A Seção II discute a validade das estatísticas sobre o déficit “operacional” do setor público e a hipótese de que as finanças públicas estão basicamente sob controle. A seção final resume as principais conclusões.

PALAVRAS-CHAVE:
Política fiscal; déficit

ABSTRACT

This paper provides a critical evaluation of some aspects of the recent debate on fiscal policy in Brazil. It argues that orthodox as well as heterodox analyses of the size of the fiscal deficit tend to incur conceptual or factual errors that seriously obstruct an adequate understanding of the issues involved. A mistaken comprehension of certain basic concepts and even a tendency to disregard available statistical information are shown to be some of the main causes of the inconclusive nature of the discussions about the state of public finance in Brazil. Section I examines the conceptual difficulties involved in the application of the concept of public sector borrowing requirements as defined in the IMF programme for Brazil. Section II discusses the validity of the statistics on the public sector’s “operational” deficit and the assumption that public finances are now basically under control. The final section summarizes the main conclusions.

KEYWORDS:
Fiscal policy; defict

As discussões sobre a questão do déficit público no Brasil têm-se revelado geralmente de pouca eficácia para o entendimento da situação das finanças governamentais. Como se sabe, o caráter inconclusivo deste debate resulta, em parte, de uma imensa desordem institucional e estatística, que impede um conhecimento minimamente satisfatório dos problemas relacionados à política fiscal. De fato, os dados disponíveis costumam ser incompletos, defasados ou de qualidade e precisão duvidosas. Esta inadequação dos dados reflete, por sua vez, a inexistência de um arcabouço institucional organizado e a multiplicidade de orçamentos governamentais e de funções desempenhadas pelas autoridades monetárias.

À falta de informações adequadas acrescenta-se a tendência muito comum entre os economistas brasileiros de abordar problemas concretos com base em posições doutrinárias preconcebidas. Proliferam, portanto, colocações de caráter dogmático, que pouco ou nada contribuem para o esclarecimento do problema. Esta tendência se manifesta, na verdade, em todas as áreas do debate econômico no Brasil, mas assume especial intensidade sempre que se discute a questão fiscal ou da ação econômica do Estado, problema que em toda a parte do mundo desperta um debate carregado de conteúdo ideológico. O Brasil não teria por que escapar a esta regra. O que resulta é uma discussão confusa em que se misturam equívocos conceituais, ignorância de informações básicas e preconceitos de natureza ideológica ou doutrinária.

No debate sobre a questão do déficit fiscal, destacam-se duas correntes básicas. De um lado, colocam-se aqueles que tendem a exagerar a dimensão do déficit e a identificá-lo como principal fonte das distorções e desequilíbrios da economia brasileira. De outro, há os que acreditam que o déficit fiscal já teria sido eliminado e que a inflação brasileira seria atualmente de natureza “inercial”. Estes dois diagnósticos, embora diametralmente opostos, encontram algum suporte nas precárias informações estatísticas disponíveis, fato que por si só dá alguma medida da confusão que se estabeleceu em torno do assunto.

Na realidade, é possível demonstrar que ambas as posições incorrem em equívocos conceituais ou metodológicos e utilizam de maneira inadequada as informações disponíveis. O diagnóstico de tipo “ortodoxo”, isto é, a tendência a atribuir a um imenso déficit público a responsabilidade pelos principais problemas da economia brasileira, costuma apoiar-se em interpretação incorreta do conceito de necessidades de financiamento do setor público. O diagnóstico do tipo “heterodoxo” tende, por sua vez, a recorrer de forma acrítica às estatísticas referentes ao “déficit operacional” do setor público e a desprezar as múltiplas indicações de que o problema do desequilíbrio dos orçamentos governamentais está ainda longe de ter sido efetivamente equacionado.

O propósito deste trabalho é contribuir para a discussão dos problemas de política fiscal no Brasil através da crítica a estas duas correntes básicas de opinião. A primeira seção apresenta um diagnóstico de tipo “ortodoxo” e discute as dificuldades conceituais associadas à utilização do conceito de necessidades de financiamento do setor público tal como definido no contexto da execução do acordo com o FMI. A segunda apresenta um diagnóstico de tipo “heterodoxo” e examina a validade do conceito de “déficit operacional” e da suposição de que o desequilíbrio das finanças públicas teria sido basicamente resolvido como consequência da política de ajustamento implementada nos últimos dois anos sob supervisão do FMI.

I. UM DIAGNÓSTICO ORTODOXO

Nas discussões sobre política fiscal destaca-se a interpretação que identifica o déficit público como fonte básica dos desequilíbrios internos e externos da economia brasileira. Segundo este ponto de vista, o déficit global das contas governamentais teria sofrido aumento contínuo ou quase contínuo ao longo dos últimos anos, fato que combinado com a violenta redução do aporte de poupança externa estaria resultando em pressão insuportável sobre o setor privado. Desse modo, o Brasil constituiria um caso exemplar de crowding out do setor privado pelo setor público.

Este argumento, que encontra ampla aceitação em alguns setores do pensamento econômico brasileiro, foi expresso de maneira clara por Rabello de Castro:

“A generalização dos subsídios e o crescimento espantoso do estado-empresário têm como síntese numérica os dados do déficit público consolidado. Segundo a definição dada pelo FMI, que ressalta, justamente, a necessidade de financiamento criada pelas múltiplas atividades econômicas do Governo, o déficit (em sentido amplo) atingia 8,1% do PIB em 1979, caindo um pouco, para 7,1%, em 1980, mas crescendo, de novo, para 12%, em 1981, e 16,9%, em 1982. Como a poupança interna vem caindo nos últimos anos, de um patamar de 25%, no início da década de 70, para pouco mais de 15%, nos anos mais recentes, conclui-se que toda a poupança realizada pela sociedade brasileira está sendo ‘utilizada’ para financiar o déficit do setor público. Não sobrou espaço para as inversões privadas autônomas.”1 1 Paulo Rabello de Castro, “Macroeconomia Madrasta, Microeconomia Mirrada”, in FMI x Brasil: A Armadilha da Recessão, Fórum Gazeta Mercantil, São Paulo, 1983, p. 133 (grifo no original).

O texto acima transcrito baseia-se na combinação do conceito de public sector borrowing requirements (necessidades de financiamento do setor público), que constitui um dos elementos centrais do esquema de análise e acompanhamento elaborado pelo Fundo Monetário Internacional, e da identidade macroeconômica básica que relaciona o déficit do governo ao aporte de poupança externa e ao excesso da poupança privada sobre o investimento privado. De fato, partindo-se da identidade entre produto nacional bruto e os componentes da demanda agregada, chega-se à seguinte expressão:

G - T = M - X + S - I (1)

onde:

  • G = gastos governamentais;

  • T = tributação líquida;

  • M = importação de bens e serviços;

  • X = exportação de bens e serviços;

  • S = poupança privada; e

  • I = investimento privado.

Em 1984 o déficit do balanço de pagamentos em transações correntes foi praticamente eliminado, e a economia brasileira transferiu um volume substancial de recursos reais para o exterior. Admitindo-se que o conceito de necessidades de financiamento do setor público constitua uma medida adequada do déficit fiscal, e sabendo-se que estas alcançaram cerca de 18% do PIB em 1984,2 2 Projeção apresentada na Carta de Intenções de 28 de setembro de 1984 (parágrafo 9). chega-se à conclusão de que o déficit estaria sendo inteiramente financiado pelo setor privado, isto é, por um excesso de poupança privada sobre investimento privado, que representaria aproximadamente 18% do PIB!

As estatísticas divulgadas pelo governo brasileiro no contexto da execução do acordo com o FMI indicam, de fato, que o setor público apresenta necessidades crescentes de financiamento. Como se verifica no Quadro I, estas últimas aumentaram significativamente como proporção do PIB tanto em 1982 como em 1983.

Quadro 1:
Necessidades de financiamento do setor público não financeiro, 1981-1984 (em Cr$ bilhões)

No entanto, a compreensão do significado real destes dados pressupõe um entendimento preciso do conceito de necessidades de financiamento do setor público (NFSP). Este último é definido como a variação nominal do saldo da dívida do setor público em todos os níveis, incluindo governo federal, estados, municípios e empresas estatais. Trata-se, portanto, de um conceito que procura medir, pela ótica do financiamento, o déficit governamental consolidado.

A insuficiência básica do diagnóstico ortodoxo consiste em não perceber que o conceito de NFSP, tal como definido acima, é inteiramente inadequado à análise de uma economia com inflação alta e amplamente indexada como a brasileira. Isto por uma série de motivos, que serão examinados a seguir. Na verdade, são tantos os problemas e as distorções inevitavelmente gerados pela utilização deste conceito como indicador de política fiscal, que depois de dois anos de insucesso na tentativa de aplicá-lo, os próprios técnicos do FMI parecem reconhecer a sua inutilidade para a análise da tendência da política fiscal no Brasil.3 3 A elaboração do conceito alternativo de “déficit operacional”, que parece vir desempenhando o papel de principal variável de acompanhamento do programa de ajustamento na área fiscal, representa o reconhecimento tácito por parte dos técnicos do Fundo de que o indicador tradicional não pode ser aplicado no caso brasileiro.

O primeiro problema reside na acentuada sensibilidade das NFSP à inflação.4 4 Rogério L. Furquim Werneck, “A Armadilha Financeira do Setor Público e as Empresas Estatais”, in FMI x Brasil: A Armadilha da Recessão, op. cit., pp. 140-142. Luiz Carlos Bresser-Pereira e Marcelo G. Antinori, “Nota Sobre o Déficit Público e a Correção Monetária”, in Revista de Economia Política, Vol. 3, n. 4, out.-dez./83, pp. 135-138. A relação NFSP/PIB, na definição utilizada no Quadro I, está na razão direta da taxa de inflação. De fato, como as NFSP são por definição iguais ao aumento nominal da dívida do setor público, a relação NFSP/PIB depende da relação dívida/produto no ano anterior, da variação real da dívida, da taxa de inflação e da variação real do produto:

N F S P P I B = Δ D P I B = D t - 1 p + r + r p P I B t - 1 1 + y 1 + p (2)

onde:

  • D = dívida do setor público;

  • Dt-1 = dívida do setor público no final do ano anterior;

  • P = taxa de inflação e de correção monetária;

  • r = taxa de variação real da dívida;

  • PIBt-1 = produto no ano anterior; e

  • y = taxa de variação real do produto.

Reordenando os termos da expressão (2), percebe-se imediatamente que a relação NFSP/PIB é função crescente da inflação e da correção monetária:

N F S P P I B = D t - 1 P I B t - 1 1 + r 1 + y - 1 1 + y 1 + p (3)

O aumento do “déficit público”, identificado com as NFSP tal como definidas acima, pode, portanto, ser consequência e não causa de um aumento da taxa de inflação. Dada a forte aceleração inflacionária observada em 1983, por exemplo, o fato de as necessidades de financiamento terem aumentado de 16,5% do PIB no ano anterior para 18,5% do PIB não constitui de modo algum condição suficiente para afirmar que a política fiscal teria se tornado menos restritiva ou mais expansionista naquele ano.

Convém esclarecer, além disso, que os dados reproduzidos no Quadro I baseiam-se na comparação entre a variação do estoque da dívida ao longo do ano, medida pela diferença entre seu valor no final de dois anos consecutivos, e o produto interno bruto em cada ano. Desta forma, quando a inflação está em fase de aceleração, as correções monetária e cambial aplicadas ao saldo da dívida tenderão a superar o aumento do deflator implícito do produto, fato que por si só concorre para elevar a relação NFSP/PIB, sem que isto tenha qualquer ligação com “afrouxamento” da política fiscal.5 5 No que diz respeito ao ano de 1983, deve-se observar que o aumento na relação NFSP/PIB pode estar refletindo não apenas a aceleração da inflação, mas também a queda do nível de atividade econômica. Como se sabe, a recessão tende a aumentar o déficit fiscal e as necessidades governamentais de financiamento, na medida em que provoca redução da receita tributária em termos reais e aumento de certos tipos de gasto. Uma análise adequada da tendência da política fiscal teria evidentemente que levar em conta a distinção entre déficit fiscal observado e déficit “estrutural” ou de “pleno emprego”. Inversamente, em fase de declínio da inflação, a redução das necessidades de financiamento como proporção do produto não deve ser interpretada como evidência conclusiva da adoção de uma política fiscal restritiva.

Até agora fizemos a suposição injustificada de que os fatores de correção das dívidas dos diferentes segmentos do setor público coincidem exatamente com a taxa de inflação. Como se sabe, a maior parte da dívida do setor público corresponde a obrigações pós-fixadas e corrigidas pela variação da ORTN ou da taxa cambial. Flutuações na relação entre a taxa de inflação e as correções cambial e monetária introduzem elementos não considerados nas expressões (2) e (3). Como consequência destas flutuações, o setor público sofre ganhos ou perdas de capital, que nada têm a ver com os resultados fiscais correntes.

Tome-se mais uma vez o exemplo de 1983, ano em que a correção cambial foi de 289% contra 211% de inflação medida pela variação do IGP-DI. A forte desvalorização real da taxa de câmbio traduziu-se, evidentemente, em expressivo aumento do estoque da dívida do setor público indexada à taxa de câmbio. Os lançamentos contábeis correspondentes não podem, entretanto, ser tratados como dispêndio de caixa do ano. É verdade que a desvalorização cambial mais acentuada provocou um aumento do serviço da dívida efetivamente pago em 1983. Mas como as obrigações financeiras vencem ao longo de vários anos, constitui um equívoco evidente atribuir todo o aumento do saldo da dívida às operações fiscais realizadas no período.

De um modo geral, qualquer tentativa de medir o déficit fiscal pela ótica do financiamento esbarra em dificuldades de difícil transposição. Na realidade, a emissão de dívida pública pode refletir não apenas a necessidade de financiar um eventual déficit fiscal, mas também a tentativa de fazer face ao impacto monetário de operações cambiais ou de operações de crédito. De fato, em diversos momentos no passado recente, a expansão da dívida pública foi consequência do esforço de neutralizar o impacto monetário de aumentos· nas reservas internacionais ou da expansão dos créditos concedidos pelas autoridades monetárias a setores considerados prioritários.

O conceito de public sector borrowing requirements, tal como apresentado pelo Fundo, não representa e nem pretende representar uma medida direta do déficit público. Mas muitos participantes do debate recente sobre política fiscal no Brasil têm se revelado inteiramente incapazes de estabelecer a necessária distinção entre déficit e necessidades de financiamento. Esta confusão elementar assume especial gravidade no caso brasileiro em que empresas produtivas respondem por uma parte substancial das necessidades consolidadas de financiamento do setor público. A própria validade da noção de “déficit público consolidado” pode ser questionada neste contexto. Cabe indagar se não seria mais apropriado retomar a distinção tradicional entre orçamento de capital e orçamento corrente, e separar claramente as necessidades de financiamento geradas por investimentos, dos déficits associados a um excesso de gastos sobre despesas correntes.

Como o diagnóstico ortodoxo costuma vir acompanhado de uma condenação sumária das empresas estatais, consideradas “deficitárias” e ineficientes, vale a pena assinalar que o conjunto das empresas não financeiras com participação do governo federal apresentou resultados operacionais e correntes positivos em todos os anos do período 1970-1982 (Quadro II), fato que contrasta de forma acentuada com a afirmação insistentemente repetida de que o setor produtivo estatal registra déficits crônicos.6 6 Para uma análise do desempenho das empresas estatais não financeiras nesse período ver Margaret Hanson Costa, “A Atividade Empresarial do Estado”, mimeo, jun./84, texto elaborado para a revista Digesto Econômico. Ainda que sejam excluídos os subsídios concedidos a estas empresas pelo governo, as demais receitas correntes ainda superaram o total das despesas correntes em quase todos os anos do- período (Quadro III). Estes resultados geralmente positivos foram obtidos a despeito da existência de algumas empresas estatais cronicamente deficitárias, entre as quais se destaca a Rede Ferroviária Federal, e de uma série de empresas em fase de implantação nas quais resultados correntes negativos são inevitáveis e naturais.

QUADRO II
RESULTADOS OPERACIONAIS E CORRENTES DAS EMPRESAS NÃO FINANCEIRAS COM PARTICIPAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL, 1970-1982 (EM Cr$ bilhões)
Quadro III:
Receita corrente exclusive substdios e despesa corrente das empresas não financeiras com participação do Governo Federal

Apesar dos resultados correntes positivos, a ampliação dos investimentos das empresas estatais conduziu, evidentemente, a que fossem significativas as suas necessidades de financiamento nesse período (Quadro IV). Mas deve ser considerado fato perfeitamente natural que empresas em fase de implantação ou de ampliação de sua capacidade tenham necessidades positivas de financiamento. Dificilmente se encontrará um analista sério que designe como “deficitária” uma empresa nestas condições. No entanto, é exatamente o que vêm fazendo os economistas que confundem déficit fiscal com necessidades de financiamento do setor público consolidado. A identificação incorreta de “déficit” com necessidade líquida de financiamento conduz à proposição absurda de que o equilíbrio orçamentário só poderia ser obtido estabilizando-se a dívida em termos nominais.

Quadro IV:
Necessidades de financiamento das empresas não financeiras com participação do Governo Federal, 1970-1982 (Em Cr$ bilhões)

Deve-se ressaltar que as necessidades líquidas de financiamento excluem por definição as amortizações do principal, mas incluem os pagamentos referentes à correção monetária da dívida, que respondem por uma parcela significativa das despesas correntes do governo. Admitindo-se que exista de fato um déficit corrente, corretamente definido como o excesso de gastos (inclusive correção monetária paga) sobre receitas correntes, seria preciso ainda destacar a parcela deste déficit atribuível à correção monetária. Se os credores do governo não sofrem de ilusão monetária e não consideram a correção monetária como rendimento real, a própria indexação cria a poupança nominal necessária para financiar esta parcela do déficit fiscal, à qual não correspondem, portanto necessariamente, os efeitos macroeconômicos associados a um desequilíbrio do orçamento governamental (pressões sobre a demanda agregada, preços, taxas de juro, contas externas etc.)7 7 Mário Henrique Simonsen. “Desindexação e reforma monetária”, in Conjuntura Econômica, Vol. 38, n. 11, nov./84, p. 101.

Em suma, há diversos motivos para rejeitar o diagnóstico ortodoxo apresentado no início desta seção. Procurou-se demonstrar que este diagnóstico se baseia em compreensão e utilização incorretas de um conceito básico do Fundo Monetário Internacional e dos dados oficiais disponíveis. Em consequência destes e de outros equívocos conceituais e empíricos, boa parte do que vem sendo afirmado e escrito sobre o “incontrolável” déficit público, o “rombo” das empresas estatais etc., pouco ou nada tem contribuído para aumentar o grau de informação e conhecimento acerca da efetiva situação das finanças públicas no Brasil.

II. UM DIAGNÓSTICO HETERODOXO

O diagnóstico discutido na seção I é rejeitado pelos que defendem a posição diametralmente oposta de que o déficit fiscal estaria sob controle ou já teria sido essencialmente eliminado. Dois anos de política econômica “ortodoxa” imposta pelo FMI teriam conduzido, segundo este ponto de vista, à implementação de uma política fiscal austera e a uma redução dramática do déficit público.

Embora menos difundido do que o diagnóstico ortodoxo apresentado na seção anterior, este tipo de argumento encontra apoio em certos círculos e foi enunciado com clareza por Lara Resende:

“Os fatores primários da inflação, a saber, o déficit operacional do setor público e a política monetária, estão sob controle. Não há pressão exagerada de demanda e não há mais necessidade de promover importantes reajustes de preços relativos, como desvalorizações reais de câmbio, eliminação dos subsídios de preços básicos e dos subsídios de serviços públicos. ( ... ) A inflação é agora essencialmente inercial, isto é, os preços sobem hoje porque subiram ontem, de acordo com o mecanismo perverso de catraca da economia indexada.”8 8 André Lara Resende, “A Moeda Indexada: Uma Proposta para Eliminar a Inflação Inercial”, mimeo, Departamento de Economia, PUC/RJ, set./84, Texto para Discussão n. 75, p. 4. Deve-se observar, entretanto, que o autor não defende a “validade absoluta” destas afirmativas e admite que o déficit operacional do setor público possa não ter sido efetivamente eliminado, “mas só parcialmente encoberto por truques contábeis”. Ibidem.

Este diagnóstico “heterodoxo” baseia-se na observação dos dados referentes ao chamado déficit operacional do setor público. Este conceito, que não faz parte do arcabouço analítico normalmente empregado pelo FMI, foi desenvolvido no contexto da tumultuada execução do programa de ajustamento das contas do governo brasileiro, como forma de fazer face às já referidas distorções provocadas pela aplicação do conceito tradicional de necessidades de financiamento do setor público. Estabeleceu-se desse modo uma medida de “déficit consolidado”, que exclui a parcela referente às correções monetária e cambial imputadas. Mais precisamente, definiu-se “déficit operacional” como a diferença entre a variação do endividamento global do setor público não financeiro e a soma dos acréscimos devidos à atualização do valor do estoque da dívida pública interna pela correção monetária e cambial.

Como se pode verificar no Quadro V, o déficit operacional sofreu, de fato, acentuada redução em 1983 e 1984. Depois de aumentar de 6,2% em 1981 para 6,9% em 1982, a relação déficit operacional/PIB caiu para apenas 1,9% do PIB em 1983. Segundo projeção oficial, as contas operacionais do setor público não financeiro registrarão em 1984 um superávit equivalente a 0,5% do PIB.9 9 Carta de Intenções de 28 de setembro de 1984 (parágrafo 8). Ao confirmar-se esta previsão, o resultado operacional do setor público terá passado, em questão de apenas dois anos, de um déficit de quase 7% do PIB para um saldo ligeiramente positivo.

QUADRO V
DÉFICIT OPERACIONAL DO SETOR PÚBLICO NÃO FINANCEIRO, 1981-1984 (Em Cr$ bilhões)

No entanto, há diversos motivos para rejeitar diagnósticos da situação das finanças públicas que se fundamentem exclusivamente nestes dados. A própria noção de “déficit operacional”, tal como apresentada no Quadro V, pode ser objeto de alguns reparos. Observe-se, em primeiro lugar, que o déficit operacional não constitui uma medida do desequilíbrio global das contas públicas, dado que se refere apenas ao setor público não financeiro. Eventuais déficits de caixa das autoridades monetárias, do BNH e de outras instituições financeiras oficiais não aparecem, portanto, nas estatísticas acima referidas.10 10 A mesma ressalva se aplica evidentemente ao conceito de necessidades de financiamento do setor público. Cabe notar, entretanto, que este conceito não pretende captar os déficits de caixa de instituições financeiras governamentais, decorrentes de empréstimos realizados a taxas de juros subsidiadas ou de subsídios diretos concedidos sem consignação em orçamento. De fato, faz-se necessário distinguir a pressão monetária ou financeira decorrente de operações fiscais propriamente ditas, do impacto ocasionado por operações das instituições financeiras governamentais.

Deve-se ressaltar, em segundo lugar, que a exclusão da correção cambial, que incide sobre parte considerável do endividamento global do governo, pode conduzir a que seja significativamente subestimada a pressão associada ao serviço da dívida pública.

Nos últimos anos, as empresas estatais, os governos estaduais e outros segmentos do setor público foram levados a contrair um volume crescente de obrigações em moeda estrangeira.11 11 Em 31/12/83, a dívida externa pública (inclusive dívidas do setor privado com garantia governamental) correspondia a 74,1% do total da dívida externa de médio e longo prazos registrada no Banco Central. Banco Central do Brasil, Relatório 1983, pp. 84 e 85. O próprio Banco Central vem absorvendo, através da criação de depósitos em moeda estrangeira (Resolução n. 432 e Circular n. 230) e dos “projetos” relacionados à renegociação da dívida externa, a responsabilidade efetiva por uma parcela substancial e crescente do passivo financeiro externo do Brasil.12 12 Segundo dados retirados do Balanço do Banco Central e convertidos pela taxa de câmbio de venda, em 30/12/83 os depósitos em moedas estrangeiras registrados no Banco Central alcançavam o valor de US$ 11,6 bilhões. O valor total das obrigações do Banco Central em moedas estrangeiras situava-se na mesma data em US$ 8,9 bilhões. Banco Central do Brasil, Boletim Mensal, Vol. 19, n. 12, dez./83, p. 293. Os dois itens somados correspondiam a 22% da dívida externa total do Brasil em fins de 1983, estimada pelo Banco Central em US$ 93,6 bilhões. Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico - Ajustamento Interno e Externo, Vol. 5, nov./84, p. 84. Além disso, títulos com cláusula de opção pela correção cambial têm respondido, ao longo dos últimos anos, por uma parte expressiva da dívida pública mobiliária em mãos do setor privado.13 13 Em 31/12/83, as ORTNs com cláusula cambial representavam 93% das ORTNs em poder do mercado. Como consequência do processo de “desdolarização” da dívida pública federal ocorrido em 1984, a participação das ORTNs cambiais no total das ORTNs em mercado havia se reduzido a 31% em 30/11/84. Voto da Diretoria da Área Bancária do Banco Central que aprova a criação das ORTNs de 3 e 4 anos de prazo e a extinção da cláusula cambial para as ORTNs de 5 anos de prazo (reproduzido na íntegra in Gazeta Mercantil, 28/12/84, p. 18). Neste contexto, a forte aceleração do ritmo de desvalorização cambial ocorrida no passado recente tem-se constituído em fator de significativo agravamento da situação financeira do setor público, fato que não se reflete no déficit operacional tal como definido no Quadro V.

Problemas conceituais à parte, a ideia de que o déficit fiscal teria sido suprimido como consequência do esforço de ajustamento empreendido nos últimos dois anos encontra-se frequentemente associada a uma visão algo simplificada das relações entre o Brasil e o FMI, isto é, à suposição de que esta instituição vem exercendo controle completo e absoluto sobre os rumos da política econômica brasileira. Desse modo, a aprovação pelo Fundo de sucessivas cartas de intenção tem sido às vezes encarada como evidência de que o Brasil estaria se submetendo às regras da ortodoxia econômica e implementando, de fato, um programa rigoroso de ajustamento das contas fiscais. A realidade é, entretanto, mais complexa. Na prática, o Brasil tem utilizado, em alguma medida, o seu peso político, e especificamente o poder de barganha associado à condição de grande devedor junto aos bancos comerciais dos EUA e demais países industrializados, para dobrar a inflexibilidade do Fundo Monetário no que diz respeito ao ajustamento interno.

Em meio a constantes revisões do programa e a “cartas de intenção” que se sucedem com frequência espantosa, o que vem ocorrendo na realidade é um ajustamento parcial das contas públicas, apoiado preponderantemente em cortes profundos no investimento público. Foi pelo menos o que aconteceu em 1983, ano em que o investimento direto dos 20 maiores grupos de empresas estatais sofreu uma redução de 30% em termos reais.14 14 Rogério L. Furquim Werneck, “Uma Análise do Financiamento e dos Investimentos das Empresas Estatais Federais no Brasil, 1980-83”, mimeo., Departamento de Economia, PUC/RJ, out./84, Texto para Discussão n. 79, p. 25 O ajustamento fiscal efetivamente realizado vem-se baseando, portanto, no corte das despesas ligadas à ampliação da capacidade produtiva, o que poderá comprometer o crescimento da economia no médio e longo prazos.15 15 Observe-se que os investimentos diretos totais dos 20 maiores grupos de empresas estatais representaram mais de 1/5 da formação de capital da economia entre 1980 e 1982. lbid., p. 34.

Em que pese à profundidade do corte efetuado no investimento das estatais em 1983, há diversos indícios de que o problema do desequilíbrio dos orçamentos públicos persiste. Como já foi indicado acima, qualquer discussão sobre política fiscal no Brasil fica seriamente prejudicada pela falta de transparência das contas públicas e pela inexistência de dados completos e confiáveis sobre as despesas do governo. De qualquer modo, as informações disponíveis, embora fragmentárias e passíveis de revisão, apontam para a conclusão de que o problema do desequilíbrio dos orçamentos governamentais está ainda longe de ter sido efetivamente superado.

No passado recente, verificou-se, como se sabe, extraordinário aumento das transferências de recursos do Orçamento do Tesouro para o Orçamento Monetário.16 16 Entre 1981 e 1983, as transferências do Tesouro para as Autoridades Monetárias (inclusive resultado de caixa) aumentaram de forma contínua como proporção da receita orçamentária, passando de 10,0% da receita em 1981, para 12,6% em 1982 e 22,5% em 1983. Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico ... , op. cit., p. 43. Entre janeiro e outubro de 1984, a contribuição de recursos fiscais para a execução do Orçamento Monetário correspondeu a 20,9% da receita orçamentária da União. Banco Central do Brasil, Informativo Mensal, Ano 5, n. 52, nov./84, pp. 3 e 6. Juntamente com a colocação líquida de títulos públicos, estas transferências têm funcionado como fator de compensação das pressões monetárias derivadas ora do crédito das autoridades monetárias, ora das operações do setor externo, ora de despesas fiscais não registradas no Orçamento do Tesouro. No entanto, como uma parte expressiva dos gastos de natureza fiscal tem sido alocada no Orçamento Monetário, o crescente superávit do Orçamento do Tesouro não pode ser tomado como evidência conclusiva de redução do déficit fiscal.17 17 Observe-se que o aumento das transferências fiscais para o Orçamento Monetário em 1981-83 veio acompanhado de uma forte redução nas transferências do Orçamento do Tesouro para as empresas estatais. Entre 1981 e 1983, as transferências para as empresas estatais (exclusive Previdência Social) passaram de 36,6% para 27,8% da receita orçamentária. Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico ... , op. cit., p. 43.

Nos últimos dez anos, uma ampla variedade de gastos fiscais tem sido sistematicamente lançada no Orçamento Monetário.18 18 Maria Sílvia Bastos Marques, “Inflação, Política Econômica, Mecanismos de Realimentação e Choques de Oferta: 1973-1983”, mimeo, FGV/IBRE/CEMEI, set./84, pp. 34-40. É o caso, por exemplo, das despesas relacionadas ao serviço da dívida pública mobiliária, à conta-petróleo, à formação e manutenção de estoques reguladores de produtos agrícolas, à execução da política de preços mínimos, a subsídios diretos associados à comercialização de produtos agrícolas (trigo, açúcar etc.) e à cobertura de encargos de empréstimos externos contraídos com garantia da União.

Este quadro de desorganização fiscal e financeira, em que boa parte dos gastos governamentais não aparece no orçamento submetido à aprovação do Congresso ou não está completamente coberta por dotações orçamentárias, permanece basicamente intocado. Destacam-se, neste contexto, as despesas por conta da comercialização do trigo e do açúcar, e o déficit da Previdência Social. O subsídio ao trigo, cuja supressão vem sendo constantemente prometida e sucessivamente adiada desde o início do programa de ajustamento acordado com o FMI,19 19 A eliminação do subsídio ao trigo, fixada na terceira carta de intenções para jun./84, foi adiada em versões posteriores do acordo para dez./84 e jun./85. Carta de Intenções de 15 de setembro de 1983 (parágrafo 7, alínea b); Carta de Intenções de 28 de setembro de 1984 (parágrafo 10); e comunicado distribuído pelo Ministério da Fazenda sobre a conclusão das negociações com o FMI a respeito da sétima Carta de Intenções (reproduzido na íntegra in Gazeta Mercantil, 13/12/84, p. 15). continua a demandar um volume substancial de recursos. Na sétima carta de intenções, junho de 1985 aparece como nova data-limite para a eliminação deste subsídio. Com base nesta hipótese de eliminação gradual do subsídio, a programação monetária para 1985, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional em dez./84, prevê que as operações com a comercialização do trigo provocarão impacto monetário de Cr$ 704 bilhões, decorrente da formação de estoques oficiais.20 20 Conselho Monetário Nacional, “Programação Monetária para o Exercício de 1985”, mimeo, p. 6. O impacto monetário decorrente da política de preços mínimos e da formação de estoques reguladores está previsto em respectivamente Cr$ 812 bilhões e Cr$ 495 bilhões. Ibid., pp. 5 e 6. As despesas relativas à conta-açúcar, que compreendem a cobertura da gravosidade nas exportações e do diferencial de custos entre o Nordeste e o Centro-Sul, serão ainda maiores. Segundo a programação do Conselho Monetário, estas despesas alcançarão Cr$ 2 238 bilhões em 1985, em grande medida como resultado da redução dos preços do açúcar no mercado internacional.21 21 Ibid., p. 6. Segundo o presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1984 o Tesouro foi obrigado a arcar com um prejuízo de US$ 300 milhões, em consequência da acentuada discrepância entre os preços pagos pelo IAA e as cotações de venda no mercado internacional. Gazeta Mercantil, 29/11/84, p. 14; O Globo, 29/11/84, p. 22. Outro problema pendente é o do desequilíbrio da Previdência Social. O orçamento da Previdência, de Cr$ 57,7 trilhões, prevê um déficit de Cr$ 3,2 trilhões para 1985, em decorrência do fato de uma parcela significativa dos benefícios pagos não contar com fontes de recursos previamente definidas.22 22 Secretaria de Controle de Empresas Estatais, Orçamento SEST 1985: Dispêndios Globais das Empresas Estatais, Brasília, D.F., p. 83.

A estes problemas tradicionais, acrescenta-se o subsídio concedido recentemente aos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, que deverá custar cerca de Cr$ 600 bilhões ao Tesouro Nacíonal23 23 Segundo estimativa do Presidente do BNH Gazeta Mercantil, 12/12/84, p. 5. , e o reaparecimento do déficit operacional da Petrobrás, em consequência da defasagem entre a cotação do dólar oficial e a do dólar implícito na estrutura de preços dos combustíveis. Ainda que uma quantificação atualizada e precisa desta série de gastos extraorçamentários não seja possível, a variedade de despesas ainda excluídas, no todo ou em parte, do· orçamento formal do Tesouro e os números acima mencionados parecem suficientes para indicar que o problema do desequilíbrio das contas governamentais continua presente.

Deve-se considerar ainda que o Orçamento das Empresas Estatais também inclui um volume substancial de gastos de natureza especificamente fiscal. Como se sabe, a SEST controla não apenas empresas produtoras de bens e serviços, mas também um grande número de entidades que desempenham funções típicas de governo (educação, saúde, fiscalização etc.). Como não costumam possuir receitas próprias significativas, estas últimas dependem geralmente de recursos do Tesouro. Quando as dotações orçamentárias não são suficientes para cobrir os gastos destas entidades, ocorre um endividamento junto ao sistema bancário, que corresponde, rigorosamente, ao financiamento de um componente do déficit fiscal não registrado no Orçamento do Tesouro. Na verdade, deve-se considerar como despesa tipicamente fiscal não só o conjunto dos gastos das autarquias, fundações etc., incluídas no orçamento da SEST, mas também os déficits operacionais de empresas estatais decorrentes de políticas de subsídios implícitos na fixação de seus preços. Em suma, a efetiva dimensão do déficit público ainda é uma questão em aberto, que só pode ser resolvida mediante análise integrada do conjunto dos orçamentos governamentais.24 24 Este tipo de análise vem sendo realizado em bases periódicas pelo Centro de Estudos Fiscais do IBRE/FGV. No entanto, os dados mais recentes disponíveis referem-se ao ano de 1982 e serão divulgados in International Monetary Fund, Government Finance Statistics Yearbook, Vol. VIII, 1984.

A suposição de que o déficit público estaria atualmente sob controle vem muitas vezes acompanhada da afirmativa de que teria ocorrido “brutal aumento da carga fiscal sobre o setor privado” nos últimos anos.25 25 André Lara Resende, op. cit., p. 13. Esta afirmativa não resiste, entretanto, a um confronto com os dados disponíveis. Pode-se mesmo argumentar que a persistência do desequilíbrio fiscal decorre, ao contrário, de uma tendência à queda da carga tributária. Como se verifica no Quadro VI, em 1981-84, período em que o nível de atividade econômica permaneceu estagnado26 26 Em 1981-84, o PIB a preços constantes apresentou crescimento estimado em 0,5%. Conjuntura Econômica, Vol. 38, n. 6, jun./84, p. 89; IBRE/FGV, “O Desempenho da Economia Brasileira em 1984”, mimeo, dez./84. , a receita orçamentária da União acumulou redução de cerca de 14% em termos reais. Excetuando-se 1982, a receita da União acusou quedas reais em todos os anos desse período. Em 1981, a queda real da receita foi várias vezes superior à redução real do PIB; em 1983, a receita registrou redução de 3,5% em termos reais, ligeiramente superior à queda de 3,2% estimada para o PIB a preços constantes. Em 1984, apesar da economia ter crescido cerca de 4%, a receita do Orçamento da União voltou a registrar significativa diminuição, fato que reflete a composição setorial da expansão ocorrida no passado recente. Como a retomada do crescimento tem sido impulsionada em grande medida pelos setores voltados para a exportação e basicamente isentos de contribuições fiscais, a reativação da economia tende a resultar em redução da carga tributária global.

QUADRO VI
RECEITA ORÇAMENTÁRIA DO TESOURO NACIONAL, 1981-1984

Não obstante, prevalece o ponto de vista de que a carga fiscal é excessivamente elevada no Brasil. Preconceitos de natureza doutrinária ou ideológica têm impedido que sejam levadas na devida conta informações que contrariam a opinião predominante. Na realidade, a carga tributária brasileira, além de não ser elevada em comparação à que prevalece em outros países, tem apresentado nítida tendência à queda. De fato, a carga tributária bruta, definida como a relação percentual entre a tributação total e o PIB, caiu de 25,6% em 1970-72 para 24,0% em 1980-82. Em consequência de um aumento nas transferências e nos subsídios como proporção do PIB, a carga tributária liquida sofreu diminuição ainda mais significativa, passando de 16,1% em 1970-72 para apenas 10,8% em 1980-82 (Quadro VII).

QUADRO VII
CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA E LÍQUIDA, 1970-1982 (Em % do PIB)1

Cabe ressaltar, além disso, que os dados de PIB subjacentes às relações percentuais registradas no Quadro VII representam, nos anos mais recentes, uma subestimativa provavelmente considerável da atividade econômica realizada no país. Com efeito, pode-se supor que durante o período recente de recessão ou crescimento lento, a chamada economia invisível ou submersa tenha crescido de forma substancial em termos absolutos e em relação à atividade econômica formal. Quatro anos de crescimento a taxas negativas ou inferiores à taxa requerida para absorver no setor formal da economia os expressivos contingentes de mão-de-obra que ingressam no mercado de trabalho a cada ano parecem ter conduzido a uma situação em que o PIB, tal como calculado pela Fundação Getúlio Vargas, corresponde a uma parcela decrescente da atividade econômica total. A participação dos impostos no total da produção de bens e serviços deve ter sofrido, portanto, redução bem superior àquela indicada no Quadro VII.

Mesmo que se faça abstração do crescimento da economia “submersa”, a carga fiscal brasileira não é de magnitude comparável à de outros países. Em 1980-82, a carga tributária bruta no Brasil foi inferior em quase 13 pontos de percentagem à carga tributária média dos países da OCDE. Note-se ainda que a carga fiscal nestes países seguiu tendência oposta à verificada no Brasil, aumentando de 31,7% em 1970-72 para 36,9% em 1980-82 (Quadro VIII). A carga fiscal brasileira parece pouco significativa mesmo quando comparada à de algumas economias subdesenvolvidas de nível médio de renda. Em 1980, por exemplo, a receita tributária líquida de 5 países da Ásia Oriental (Filipinas, Indonésia, Malásia, Singapura e Tailândia) representava 16,2% do PIB27 27 Carlos A. Longo, “Notas sobre a Evolução da Carga Tributária”, in Revista de Economia Política, Vol. 4, n. 4, out-dez. 84, p. 129. , superando, portanto, em 5,5 pontos percentuais a relação correspondente para o Brasil (Quadro VII).

QUADRO VIII
CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA1 NO BRASIL E NOS PAÍSES DA OCDE, 1970-1982 (Em % do PIB)

Finalmente, cabe ressaltar que a carga tributária, avaliada segundo o método convencional utilizado no Quadro VII, tende a superestimar o ônus efetivamente suportado pelo setor privado, dado que uma fração apreciável dos impostos totais recai sobre o próprio governo ou sobre as empresas estatais. Na realidade, a tentativa de quantificar a carga fiscal efetivamente incidente sobre o setor privado pressupõe uma estimativa dos impostos pagos pelo governo (encargos patronais, impostos implícitos nas compras governamentais de bens e serviços) e pelas empresas estatais (encargos patronais e outros impostos diretos). Os dados registrados no Quadro IX permitem verificar que a redução na carga bruta incidente sobre o setor privado foi ainda mais expressiva do que a queda estimada pelo método convencional. Entre 1970-72 e 1980-82, a carga bruta suportada pelo setor privado caiu de 24,4% para 21,3%, ao passo que os tributos pagos pelo governo e pelas empresas federais aumentaram de 1,2% para 2,7% do PIB. A carga líquida incidente sobre o setor privado, definida como a diferença entre a carga bruta e a soma das transferências e subsídios, acusou diminuição de quase 50%, passando de 14,9% em 1970-72 para apenas 8,1% em 1980-82 (Quadro IX).

QUADRO IX
ESTIMATIVA DA CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA E LIQUIDA INCIDENTE SOBRE O SETOR PRIVADO, 1970-1982 (Em % doPIB)1

Em síntese, as informações acima apresentadas apontam para a conclusão de que o problema do desequilíbrio fiscal pode ser enfrentado, pelo menos em parte, por meio de um aumento da carga tributária. Ao contrário do que frequentemente se afirma, o nível de tributação vem apresentando tendência à queda e não é elevado em comparação ao que se verifica em outros países. Desde que combinada com a preocupação explícita de evitar um aumento de impostos sobre setores já excessivamente sobrecarregados e de reduzir o grau de regressividade da estrutura tributária, a elevação da carga fiscal pode contribuir de modo apreciável para o ajustamento das finanças públicas no Brasil.

COMENTÁRIOS FINAIS

O objetivo básico deste trabalho foi o de contribuir para o exame da questão do déficit público por meio da crítica a dois diagnósticos equivocados, que tiveram divulgação relativamente ampla no passado recente. Procurou-se mostrar, em primeiro lugar, que diagnósticos de tipo “ortodoxo”, que tomam como referência a relação necessidades de financiamento do governo/PIB, baseiam-se em utilização inadequada dos dados disponíveis e em compreensão incorreta de um conceito tradicional do FMI e da possibilidade de aplicá-lo à economia brasileira. Por uma série de motivos discutidos na primeira seção deste trabalho, o conceito de necessidades de financiamento do setor público, tal como definido no contexto da implementação do programa de ajustamento acordado com o FMI, não se presta à análise da política fiscal em uma economia como a brasileira, fato que parece ter sido finalmente reconhecido até mesmo pelos técnicos do Fundo. Como o diagnóstico ortodoxo está normalmente vinculado a uma condenação sumária das empresas públicas, consideradas responsáveis por grande parte do déficit fiscal, procurou-se enfatizar a necessária distinção entre déficit e necessidades de financiamento, e mostrar que as empresas não financeiras com participação do governo federal apresentaram superávits operacionais e correntes em todos os anos do período 1970-1982, o que contraria a opinião muito difundida de que o setor produtivo estatal registra déficits crônicos.

Por outro lado, rejeitou-se a opinião oposta de que depois de dois anos de política econômica “ortodoxa”, sob supervisão do FMI, o déficit fiscal estaria atualmente “sob controle”. Esta avaliação costuma basear-se nas estatísticas referentes ao “déficit operacional” do setor público, tal como conceituado para fins de acompanhamento da execução do acordo com o FMI. Na segunda seção deste trabalho, argumentou-se que o “déficit operacional” também não constitui um indicador adequado da política fiscal e que, apesar das “contas operacionais” do setor público consolidado apresentarem atualmente resultado positivo, existem inúmeros indícios de que o problema do desequilíbrio das contas governamentais está ainda longe de ter sido realmente equacionado. Como a suposição de que o déficit fiscal estaria sob controle vem muitas vezes acompanhada da afirmativa de que teria ocorrido nos últimos anos substancial aumento da carga tributária, mostrou-se também que a evidência disponível aponta na direção contrária. Na verdade, a carga fiscal brasileira não é elevada em comparação com a de outros países e vem apresentando tendência à queda no passado recente.

Este trabalho não teve e nem poderia ter a pretensão de oferecer uma resposta às diferentes questões suscitadas pelo debate a respeito do déficit público no Brasil, mas apenas a de afastar alguns equívocos, de caráter conceitual ou empírico, que têm contribuído para dificultar o entendimento dos problemas discutidos. Na realidade, as deficiências do debate sobre a questão fiscal decorrem não somente da já mencionada propensão, tão frequente entre os economistas brasileiros, a opinar sobre problemas específicos com base em posições ideológicas preconcebidas, mas principalmente da verdadeira desordem fiscal e administrativa prevalecente no país, que torna extremamente difícil, quando não impossível, uma análise adequada e atualizada dos orçamentos governamentais. A solução deste problema pressupõe uma completa reorganização das finanças públicas, que seja efetivamente capaz de conferir visibilidade às contas do governo e de submetê-las ao controle da sociedade.

  • 1
    Paulo Rabello de Castro, “Macroeconomia Madrasta, Microeconomia Mirrada”, in FMI x Brasil: A Armadilha da Recessão, Fórum Gazeta Mercantil, São Paulo, 1983, p. 133 (grifo no original).
  • 2
    Projeção apresentada na Carta de Intenções de 28 de setembro de 1984 (parágrafo 9).
  • 3
    A elaboração do conceito alternativo de “déficit operacional”, que parece vir desempenhando o papel de principal variável de acompanhamento do programa de ajustamento na área fiscal, representa o reconhecimento tácito por parte dos técnicos do Fundo de que o indicador tradicional não pode ser aplicado no caso brasileiro.
  • 4
    Rogério L. Furquim Werneck, “A Armadilha Financeira do Setor Público e as Empresas Estatais”, in FMI x Brasil: A Armadilha da Recessão, op. cit., pp. 140-142. Luiz Carlos Bresser-Pereira e Marcelo G. Antinori, “Nota Sobre o Déficit Público e a Correção Monetária”, in Revista de Economia Política, Vol. 3, n. 4, out.-dez./83, pp. 135-138.
  • 5
    No que diz respeito ao ano de 1983, deve-se observar que o aumento na relação NFSP/PIB pode estar refletindo não apenas a aceleração da inflação, mas também a queda do nível de atividade econômica. Como se sabe, a recessão tende a aumentar o déficit fiscal e as necessidades governamentais de financiamento, na medida em que provoca redução da receita tributária em termos reais e aumento de certos tipos de gasto. Uma análise adequada da tendência da política fiscal teria evidentemente que levar em conta a distinção entre déficit fiscal observado e déficit “estrutural” ou de “pleno emprego”.
  • 6
    Para uma análise do desempenho das empresas estatais não financeiras nesse período ver Margaret Hanson Costa, “A Atividade Empresarial do Estado”, mimeo, jun./84, texto elaborado para a revista Digesto Econômico.
  • 7
    Mário Henrique Simonsen. “Desindexação e reforma monetária”, in Conjuntura Econômica, Vol. 38, n. 11, nov./84, p. 101.
  • 8
    André Lara Resende, “A Moeda Indexada: Uma Proposta para Eliminar a Inflação Inercial”, mimeo, Departamento de Economia, PUC/RJ, set./84, Texto para Discussão n. 75, p. 4. Deve-se observar, entretanto, que o autor não defende a “validade absoluta” destas afirmativas e admite que o déficit operacional do setor público possa não ter sido efetivamente eliminado, “mas só parcialmente encoberto por truques contábeis”. Ibidem.
  • 9
    Carta de Intenções de 28 de setembro de 1984 (parágrafo 8).
  • 10
    A mesma ressalva se aplica evidentemente ao conceito de necessidades de financiamento do setor público. Cabe notar, entretanto, que este conceito não pretende captar os déficits de caixa de instituições financeiras governamentais, decorrentes de empréstimos realizados a taxas de juros subsidiadas ou de subsídios diretos concedidos sem consignação em orçamento. De fato, faz-se necessário distinguir a pressão monetária ou financeira decorrente de operações fiscais propriamente ditas, do impacto ocasionado por operações das instituições financeiras governamentais.
  • 11
    Em 31/12/83, a dívida externa pública (inclusive dívidas do setor privado com garantia governamental) correspondia a 74,1% do total da dívida externa de médio e longo prazos registrada no Banco Central. Banco Central do Brasil, Relatório 1983, pp. 84 e 85.
  • 12
    Segundo dados retirados do Balanço do Banco Central e convertidos pela taxa de câmbio de venda, em 30/12/83 os depósitos em moedas estrangeiras registrados no Banco Central alcançavam o valor de US$ 11,6 bilhões. O valor total das obrigações do Banco Central em moedas estrangeiras situava-se na mesma data em US$ 8,9 bilhões. Banco Central do Brasil, Boletim Mensal, Vol. 19, n. 12, dez./83, p. 293. Os dois itens somados correspondiam a 22% da dívida externa total do Brasil em fins de 1983, estimada pelo Banco Central em US$ 93,6 bilhões. Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico - Ajustamento Interno e Externo, Vol. 5, nov./84, p. 84.
  • 13
    Em 31/12/83, as ORTNs com cláusula cambial representavam 93% das ORTNs em poder do mercado. Como consequência do processo de “desdolarização” da dívida pública federal ocorrido em 1984, a participação das ORTNs cambiais no total das ORTNs em mercado havia se reduzido a 31% em 30/11/84. Voto da Diretoria da Área Bancária do Banco Central que aprova a criação das ORTNs de 3 e 4 anos de prazo e a extinção da cláusula cambial para as ORTNs de 5 anos de prazo (reproduzido na íntegra in Gazeta Mercantil, 28/12/84, p. 18).
  • 14
    Rogério L. Furquim Werneck, “Uma Análise do Financiamento e dos Investimentos das Empresas Estatais Federais no Brasil, 1980-83”, mimeo., Departamento de Economia, PUC/RJ, out./84, Texto para Discussão n. 79, p. 25
  • 15
    Observe-se que os investimentos diretos totais dos 20 maiores grupos de empresas estatais representaram mais de 1/5 da formação de capital da economia entre 1980 e 1982. lbid., p. 34.
  • 16
    Entre 1981 e 1983, as transferências do Tesouro para as Autoridades Monetárias (inclusive resultado de caixa) aumentaram de forma contínua como proporção da receita orçamentária, passando de 10,0% da receita em 1981, para 12,6% em 1982 e 22,5% em 1983. Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico ... , op. cit., p. 43. Entre janeiro e outubro de 1984, a contribuição de recursos fiscais para a execução do Orçamento Monetário correspondeu a 20,9% da receita orçamentária da União. Banco Central do Brasil, Informativo Mensal, Ano 5, n. 52, nov./84, pp. 3 e 6.
  • 17
    Observe-se que o aumento das transferências fiscais para o Orçamento Monetário em 1981-83 veio acompanhado de uma forte redução nas transferências do Orçamento do Tesouro para as empresas estatais. Entre 1981 e 1983, as transferências para as empresas estatais (exclusive Previdência Social) passaram de 36,6% para 27,8% da receita orçamentária. Banco Central do Brasil, Brasil: Programa Econômico ... , op. cit., p. 43.
  • 18
    Maria Sílvia Bastos Marques, “Inflação, Política Econômica, Mecanismos de Realimentação e Choques de Oferta: 1973-1983”, mimeo, FGV/IBRE/CEMEI, set./84, pp. 34-40.
  • 19
    A eliminação do subsídio ao trigo, fixada na terceira carta de intenções para jun./84, foi adiada em versões posteriores do acordo para dez./84 e jun./85. Carta de Intenções de 15 de setembro de 1983 (parágrafo 7, alínea b); Carta de Intenções de 28 de setembro de 1984 (parágrafo 10); e comunicado distribuído pelo Ministério da Fazenda sobre a conclusão das negociações com o FMI a respeito da sétima Carta de Intenções (reproduzido na íntegra in Gazeta Mercantil, 13/12/84, p. 15).
  • 20
    Conselho Monetário Nacional, “Programação Monetária para o Exercício de 1985”, mimeo, p. 6. O impacto monetário decorrente da política de preços mínimos e da formação de estoques reguladores está previsto em respectivamente Cr$ 812 bilhões e Cr$ 495 bilhões. Ibid., pp. 5 e 6.
  • 21
    Ibid., p. 6. Segundo o presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1984 o Tesouro foi obrigado a arcar com um prejuízo de US$ 300 milhões, em consequência da acentuada discrepância entre os preços pagos pelo IAA e as cotações de venda no mercado internacional. Gazeta Mercantil, 29/11/84, p. 14; O Globo, 29/11/84, p. 22.
  • 22
    Secretaria de Controle de Empresas Estatais, Orçamento SEST 1985: Dispêndios Globais das Empresas Estatais, Brasília, D.F., p. 83.
  • 23
    Segundo estimativa do Presidente do BNH Gazeta Mercantil, 12/12/84, p. 5.
  • 24
    Este tipo de análise vem sendo realizado em bases periódicas pelo Centro de Estudos Fiscais do IBRE/FGV. No entanto, os dados mais recentes disponíveis referem-se ao ano de 1982 e serão divulgados in International Monetary Fund, Government Finance Statistics Yearbook, Vol. VIII, 1984.
  • 25
    André Lara Resende, op. cit., p. 13.
  • 26
    Em 1981-84, o PIB a preços constantes apresentou crescimento estimado em 0,5%. Conjuntura Econômica, Vol. 38, n. 6, jun./84, p. 89; IBRE/FGV, “O Desempenho da Economia Brasileira em 1984”, mimeo, dez./84.
  • 27
    Carlos A. Longo, “Notas sobre a Evolução da Carga Tributária”, in Revista de Economia Política, Vol. 4, n. 4, out-dez. 84, p. 129.
  • *
    O autor agradece os comentarios de Margaret Hanson Costa e Maria Silvia Bastos Marques sem responsabilizá-las pelas conclusões do artigo.
  • JEL Classification: H62.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1985
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