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A experiência argentina de política anti-inflacionária: junho de 1985* * Este trabalho foi escrito pelos autores após viagem à Argentina e apresentado ao CEBRAP na forma de relatório. Para publicação na Revista de Economia Política foram excluídas algumas tabelas estatísticas.

The Argentine experience of anti-inflationary policy: June 1985

RESUMO

Esta é uma análise das experiências recentes da Argentina no combate à inflação. Mostra que é possível proporcionar negociações políticas para os planos de estabilização e o limite das ofertas do FMI.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilização

ABSTRACT

This is an analysis of the recent experiences of Argentina in fighting against inflation, It shows that it is possible to provide political negotiations for the stabilization plans and the limit of IMF offers.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization

“Que cada uno tenga consciencia de lo que está en juego. El plan de reforma no es para salvar un gobierno; es para salvar un sistema político; es para salvar un estilo de vida; y también para recuperar el orgullo y la ambición nacional.”

Raúl Ricardo Alfonsín, em 14 de junho de 1985, ao anunciar o novo programa econômico

ANTECEDENTES

A Argentina vivia no 1º. trimestre de 1985 um evidente processo de hiperinflação, com uma taxa média mensal de 24% ao mês (ver Tabela 1 e Gráfico 1), indexação informal generalizada, encurtamento dos prazos de reajustes de preços e rendimentos (reajustes salariais mensais), perda crescente da credibilidade da moeda local (o peso), com consequente ampla generalização das transações em dólares.

Tabela 1:
Variações nos índices de preços1

Gráfico 1:
Evolução das taxas de variação dos preços no atacado e ao consumidor (em %)

Vários preços importantes da economia estavam expressiva e evidentemente defasados, entre os quais o da carne e de diversos bens e serviços públicos1 1 A carne tem um peso direto e indireto muito elevado na composição dos índices de preços argentinos. (ver Gráfico 2). Tais defasagens apontavam aos agentes econômicos a inexorabilidade de uma ainda maior aceleração da inflação.

Gráfico 2:
Preços relativos (base: dezembro 1984 = 100)

Esse quadro catalisava o processo de desagregação econômica por que passava o país, cujas manifestações mais importantes eram, de um lado, a evasão fiscal acelerada e, de outro, a perda de eficácia dos instrumentos de política monetária. Não só o setor privado, mas também as empresas estatais (entre as quais a YPF,2 2 Empresa petrolífera. responsável por 30% das receitas do governo), deixaram de transferir recursos para o Estado, que começou a acumular déficits crescentes, não obstante a continua e acentuada redução dos gastos. Por outro lado, a desmonetização da economia (a base monetária era apenas 2% do PIB) inviabilizava qualquer política monetária. Nesta situação, as taxas de juros chegavam a 40%/50% ao mês e aprofundava-se a desintermediação financeira.

Some-se a isso a instabilidade cambial decorrente da vulnerabilidade das contas externas, da problemática negociação com o FMI e os credores externos e da extensa dolarização dos ativos financeiros.

Frente a esse quadro, que caminhava junto com um processo de polarização política no qual o presidente Alfonsín estava perdendo apoio, impôs-se a necessidade de medidas de impacto que fortalecessem o governo, tanto na administração da crise interna quanto na negociação externa.

Medidas

O pacote de 14 de junho, anunciado pelo presidente Alfonsín, foi precedido de uma série de medidas preparatórias e de uma negociação direta com o governo norte-americano.

Medidas preparatórias

A preparação para o “dia D”, em que o plano seria anunciado publicamente, começou em fevereiro/março, quando as autoridades econômicas iniciaram um processo de alinhamento de preços através do qual, segundo os mentores do plano, a estrutura de preços relativos seria ajustada progressivamente. Os preços industriais foram liberados em março; as tarifas públicas foram elevadas brutalmente a partir de abril e especialmente em junho; a gasolina foi reajustada em 30% em termos reais; o preço da carne foi elevado entre 70 e 80% em junho; a taxa de câmbio foi desvalorizada; enfim, os principais preços da economia foram corrigidos (ver Tabela 2).

Tabela 2:
Índices de preços no atacado (Base 1981 = 100)

Os reajustes dos preços e tarifas dos bens e serviços públicos permitiram a recomposição das receitas públicas, totalmente corroídas pelos atrasos nos preços (ver Gráfico 2). Por exemplo, a empresa estatal de petróleo, a YPF, cujo imposto embutido nos preços dos seus derivados é a principal fonte de receita governamental, há vários meses não recolhia impostos ao Tesouro. Com a elevação da arrecadação, preparou-se o congelamento de preços de forma a não acarretar incremento do déficit público. Ao contrário, é de se supor, apesar da falta de dados concretos, que se garantiu inclusive um incremento de receita adicional para financiar parte do déficit.

Negociação com o governo americano

A negociação foi feita diretamente com o governo americano, especificamente com o presidente do Federal Reserve, que ficou convencido da inviabilidade política de se implantar o programa proposto pelo FMI e do perigo de não se conseguir chegar a um acordo em um prazo compatível com os interesses do sistema bancário norte-americano. Assumindo o plano argentino, Volcker obrigou o FMI a aceitá-lo e liberou um empréstimo-ponte suficiente para garantir a estabilidade cambial do programa, enquanto não fossem desembolsados os recursos do FMI e dos credores privados.

O pacote

Apresentamos a seguir as medidas anunciadas em 14 de junho, cuja articulação será explicada no próximo item:

  1. congelamento de preços e tarifas públicas aos níveis efetivamente praticados em 12 de junho. A fiscalização de tais preços será realizada pela própria população, através de uma lista de preços máximos, que vem sendo largamente divulgada. Segundo as autoridades econômicas, é um instrumento de curto prazo destinado a quebrar as expectativas. Contudo, o governo não divulgou nem pretende divulgar por quanto tempo manterá o congelamento. Segundo eles, é preciso evitar expectativas em torno do 91º, 121º. ou 181º. dia. A intenção do governo é efetuar pequenas correções para sair do congelamento de forma gradual e organizada. O congelamento estabelecido não é absolutamente rígido, poderão ser autorizados reajustes desde que sejam constatadas evidentes variações de custos (matérias-primas e componentes importados, por exemplo);

  2. os salários foram congelados ao nível dos salários estabelecidos em 1º. de junho e pagos ao final do mês (22% acima dos salários pagos em fins de maio - 90% da variação do custo de vida em maio);

  3. foi criada uma nova moeda com a denominação de AUSTRAL (A) com a paridade de 1 austral equivalente a 1.000 pesos argentinos;

  4. para evitar os efeitos distributivos de uma rápida queda de inflação em favor dos credores, o governo estabeleceu urna escala de conversão (tablita) entre austrais e pesos válida até 31 de julho para todos os tipos de contratos celebrados antes de 14 de junho (aluguéis, contas de água, luz, telefone etc.);

  5. as taxas nominais de juros no mercado regulado foram fixadas em 4% e 6% ao mês para as operações de depósitos e empréstimos a 30 dias, respectivamente (ver Tabela 9). As taxas de juros das Letras Telefônicas (títulos públicos) foram fixadas em 7%. Permitiu-se a manutenção de uma faixa de mercado não· regulada;

  6. ao anunciar o pacote, o governo propôs-se alcançar um déficit fiscal em torno de 2,5% do PIB no segundo semestre de 1985 (no primeiro semestre o déficit tinha atingido a cifra de 10% do PIB) (ver Tabela 6), que será financiado mediante o uso do crédito externo concedido por organismos internacionais e bancos. Essa cifra inclui o déficit do Banco Central (por volta de 1,3% do PIB);

  7. o governo estabeleceu o compromisso de congelar as emissões de moeda para financiar o setor público. A partir do pacote, o setor público deverá financiar seus gastos com recursos “genuínos” - impostos e tarifas - e com financiamento externo. Assim, a emissão de moeda se restringirá às variações nos fluxos financeiros de origem externa;

  8. ficaram congelados os níveis de expansão do crédito por parte do sistema financeiro;

  9. Congelou-se a taxa de câmbio, estabelecendo-se a relação de 1 dólar para cada 0,8 austral. A desvalorização implícita nessa relação, quando comparada com as relações peso/dólar do mês anterior, abriu um espaço para a melhoria da arrecadação do setor público através de uma tributação maior sobre as exportações;

  10. com o objetivo de reduzir o déficit do setor público, o governo tomou ainda mais três iniciativas: a) enviou ao Congresso um processo de ahorro forzoso sobre as classes de maior renda; b) anunciou· que procuraria privatizar uma grande quantidade de empresas estatais3 3 Existem inúmeras empresas, dos mais diversos ramos, que, dada a corrupção, a má administração ou o excessivo endividamento externo do período militar, acabaram deficitárias e em mãos do Estado. (podendo chegar a uma centena); c) anunciou um corte generalizado dos gastos públicos da ordem de 12%.

Tabela 3:
Custo de vida em junho de 1985 (semanal)

Tabela 4:
Produto Interno Bruto e seus componentes(1) (preços de 1970)
Tabela 5:
Coeficiente de inversão
Tabela 6:
Setor Público consolidado (em % do PIB)
Tabela 7:
Dívida Externa (em milhões de dólares)
Tabela 8:
Principais relações da dívida externa
Tabela 9:
Taxas de juros reguladas pelo banco central (% a.m.)

ESTRATÉGIA

Objetivo

O objetivo único do plano é o controle do processo inflacionário. A questão da retomada da economia não estava na ordem do dia, porque, segundo os autores do plano, urgia direcionar todos os instrumentos de política econômica para estancar a hiperinflação, como passo inicial de um programa de reconstrução econômica.

Para os mentores do programa, a principal força aceleradora da inflação decorria das expectativas dos formadores de preços, que procuravam proteger suas margens de lucro preferindo “errar para mais” nas suas políticas de preços. Para alterar tal conduta seria necessário eliminar as incertezas com relação à evolução futura dos seus custos.

Meios

Para atingir tais objetivos, o governo optou por uma estratégia de choque ao invés de um gradualismo. Segundo o próprio presidente Alfonsín, de pouco adiantava reduzir a inflação de 2 ou 3 pontos percentuais ao mês, quando a inflação atinge cifras próximas a 30% a.m. Além disso, tendo em vista o diagnóstico do processo inflacionário, a opção pelo congelamento de preços parecia ser a mais indicada para eliminar as incertezas dos formadores de preços com relação à evolução futura dos custos.

Adicionalmente, tendo em vista as eleições em novembro, para o governo Alfonsín era absolutamente indispensável a obtenção de bons e indiscutíveis resultados a curto prazo, o que dificilmente se conseguiria com uma estratégia gradualista.

Assim, optou-se por uma estratégia de choque, que, como será analisado adiante, combinava medidas heterodoxas e ortodoxas. Tal combinação parecia necessária para os mentores do plano, tendo em vista as diversas experiências frustradas de politicas anti-inflacionárias baseadas exclusivamente em congelamento de preços e rendas.

Ao lado da confecção de um pacote de medidas, o governo atuou no sentido de adquirir o apoio e engajamento interno e externo. Externamente, atuou-se diretamente com o governo americano, que garantiu uma boa receptividade inicial do plano por parte da comunidade financeira internacional. Internamente, preparou-se uma ampla mobilização política da população, corresponsabilizando-a não só com o eventual sucesso do programa econômico, mas também, na dependência deste, com a sustentação política, não do governo, mas do regime democrático.

Operacionalidade segundo os autores do plano

As experiências anteriores de congelamento de preços e rendimentos indicavam que este, sozinho, não dava conta do processo inflacionário. As expectativas dos agentes econômicos são duplamente determinadas. De um lado, como administradores no cálculo dos preços, levam em consideração a expectativa da evolução futura dos custos. De outro lado, como a população assumiu paulatinamente uma ideologia fortemente monetarista (CGT, sindicatos, trabalhadores, deputados etc.), era fundamental dar sinais claros de que o déficit público seria eliminado e a emissão zerada. Caso contrário, as expectativas contribuiriam para a manutenção do processo inflacionário. Por isso, os preços relativos foram preliminarmente elevados e ajustados a um nível compatível com as necessidades de financiamento do setor público. Também por esta razão foi anunciado que a emissão de moeda só será realizada como contrapartida de elevação nas reservas internacionais e, caso contrário, se estas não se elevarem, será nula.

Pela mesma razão impôs-se um imposto de exportação, enviou-se ao Congresso um projeto de empréstimo compulsório sobre rendas e patrimônio das faixas de renda mais altas, anunciou-se cortes nos gastos públicos e privatização de empresas estatais.

As taxas de juros foram fixadas em níveis extremamente elevados (4% ao mês para depósitos, 6% ao mês para créditos e 7% para os títulos conhecidos por letras telefônicas, que correspondem a 60%, 101% e 125% ao ano, respectivamente) por dois motivos. Em primeiro lugar, para evitar a formação de estoques especulativos que poderia ocorrer devido ao congelamento de preços. A formação de estoques poderia levar a um aumento indesejado e perigoso na demanda que comprometeria o congelamento com pressões inflacionárias. Em segundo lugar, as taxas de juros foram mantidas elevadas para evitar uma corrida ao sistema financeiro, com retiradas maciças de recursos que poderiam acarretar uma quebradeira generalizada, dada a extrema fragilidade em que o sistema se encontra. A decisão sobre que taxas seriam anunciadas foi ad hoc. Preferiu-se errar para cima, mas evitar reações imprevisíveis dos agentes econômicos. A ideia é ir ajustando para baixo as taxas, cuidadosamente, em função das reações dos agentes, porém mantê-las em um nível que evite estoques e corridas aos bancos.

A criação da nova moeda, o austral, serviu para atuar sobre as expectativas, eliminando a carga negativa que existia com relação ao peso. O fundamental, entretanto, é que com a mudança na moeda, foi possível criar uma tabela de conversão, conhecida por tablita, que permitiu eliminar a maior parte das transferências de riqueza que existiriam com a queda da inflação (efeito Fischer). Como todos os contratos antigos embutiam uma expectativa de inflação elevada, com a queda da inflação os credores receberiam uma renda real não esperada. Com a escala de conversão conseguiu-se a inflação embutida nos contratos, respeitando os contratos privados preexistentes. Além disso, a tabela de conversão teve um efeito psicológico considerado relevante, porque permitiu pela primeira vez, em muitos anos, que a população pagasse nominalmente quantias menores em algumas de suas contas.

AVALIAÇÃO GERAL E PRINCIPAIS PROBLEMAS

O plano apresenta uma série de problemas e riscos que em alguma medida são percebidos pelas autoridades econômicas. Contudo, é preciso destacar que em função da conjuntura econômica e política, dificilmente poder-se-ia conceber um plano alternativo que como este simultaneamente combatesse a inflação e minimizasse os custos para a sociedade argentina. As autoridades tinham consciência da necessidade de que uma negociação externa diferente da que vinha sendo implementada dependia de condições econômicas e políticas internas que passavam a curto prazo por um combate à hiperinflação e a médio prazo por uma reordenação econômica. Em outras palavras, dada a impossibilidade de um rompimento com a comunidade financeira internacional, tratava-se de ganhar tempo e recompor as forças para uma negociação externa que redefinisse o volume de recursos a serem transferidos para o exterior (ver Tabela 8) e, assim, efetivamente estabelecer os pressupostos para um definitivo combate ao processo inflacionário e para a reconstrução do sistema produtivo.

Contudo, não são poucos os problemas do plano. A primeira dificuldade que se coloca é o desequilíbrio com o qual os preços foram congelados. O congelamento torna transparente eventuais defasagens de preços relativos, criando o perigo de que, com o seu término, assista-se a uma aceleração da disputa entre os preços.

O plano não só não se propôs dar uma resposta à recessão como pode vir a aprofundá-la, minando o apoio político fundamental para a sua estabilidade (ver Tabelas 4 e 5).

Como nos meses que antecederam a implementação do pacote houve uma nítida contração salarial decorrente da aceleração inflacionária associada à desindexação parcial dos salários (reajustes de 90% do IPC), é de se esperar que a tolerância a uma situação de agravamento do desemprego seja pequena e que se aprofundem os movimentos por recomposição salarial, que só poderiam ser absorvidos sem aceleração inflacionária num contexto de crescimento (ver Tabela 1, e Gráficos 2 a 3).

Gráfico 3:
Salário normal real por hora na indústria manufatureira (Índice: 1970 = 100)

O plano parte da suposição da necessidade de um equilíbrio fiscal, porém não traz garantias para esse equilíbrio. Entre os problemas destacam-se a ineficiência das empresas estatais e as dificuldades políticas de se implementar cortes ou privatizá-las; o possível ressurgimento de pressões salariais nessas empresas (que foram as mais arrochadas no período recente); a não garantia de o Congresso sancionar a lei de ahorro forzoso; o impacto sobre as receitas resultante do aprofundamento da recessão etc.

O plano dependeria de um nível de taxas de juros suficientemente alto que impedisse a especulação com estoques e a corrida ao mercado financeiro. Entretanto, definiram-se taxas iniciais que se revelaram extremamente altas, ocasionando alguns problemas (ver Tabela 9). Nos primeiros dias após o anúncio do plano começaram a entrar cerca de US$ 80 milhões diários,4 4 Esses dólares entraram sob a forma de adiantamento de exportações. Os exportadores passaram a comprar dólares no mercado paralelo, que chegou a ficar abaixo do oficial, e os legalizavam via Banco Central, como empréstimos para exportação. que, para evitar uma expansão monetária indesejada, teriam de ser enxugados com títulos públicos (letras telefônicas a 7% ao mês), pressionando o déficit público. Segundo os próprios autores do plano, uma expansão exagerada da base poderia acarretar efeitos imprevisíveis na economia, entre os quais uma queda brusca na taxa de juros, que poderia vir a desestabilizar o plano. Outro problema resultante dos níveis definidos de taxas de juros, é que elas, associadas ao congelamento de preços, poderiam afetar a demanda de bens e serviços e as condições financeiras das empresas, que passaram a desempregar massivamente, potencializando a reação sindical contrária ao plano econômico e minando suas bases de sustentação.

Conscientes destes problemas, as autoridades econômicas abaixaram as taxas de juros em fins de junho (Tabela 9). Entretanto, o grande problema é a definição de taxas, ou do ritmo de queda nas taxas, em garantam o equilíbrio do plano. Além de ser uma questão difícil em si, não existem taxas matematicamente definíveis, a estrutura institucional existente não permite a agilidade operacional necessária para ir calibrando as taxas. O plano tem exigências de controle operacional que dependem de uma grande agilidade, impossível dado o desgaste em que se encontra o aparato estatal.

Alguns outros problemas de natureza política podem ainda ameaçar o plano. Externamente, o FMI pode vir a dificultar as negociações, atrasando os recursos externos que deverão entrar em agosto. Internamente, as eleições de novembro poderão criar uma polarização política. Como se sabe, dada a generalizada ansiedade por um combate à hiperinflação e a boa imagem do plano proposto, o governo conseguiu no seu lançamento uma adesão impressionante, colocando na defensiva seus adversários políticos. Contudo, ao menor sinal de descontrole do plano, as oposições poderão procurar capitalizar politicamente, criticando-o e se fortalecendo para as eleições.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Do ponto de vista de negociação externa, o caso argentino evidencia:

  1. segundo os economistas argentinos, a experiência recente demonstrou que é possível negociar politicamente um plano de ajustamento e que, para tanto, é fundamental ter uma proposta alternativa, “bons negociadores” e articulação política direta com o governo norte-americano;

  2. mais uma vez ficou absolutamente claro que o FMI possui padrões burocráticos de racionalidade que o impedem de negociar um programa de ajustamento adequado. As resistências do FMI a perceber os limites políticos ao seu programa impuseram a intervenção direta do governo americano, com quem as negociações foram feitas,

Um programa de estabilização precisa vir acompanhado de uma proposta adequada de recuperação econômica, de maneira a evitar que os setores prejudicados a curto prazo com o plano não o inviabilizem politicamente.

  • 1
    A carne tem um peso direto e indireto muito elevado na composição dos índices de preços argentinos.
  • 2
    Empresa petrolífera.
  • 3
    Existem inúmeras empresas, dos mais diversos ramos, que, dada a corrupção, a má administração ou o excessivo endividamento externo do período militar, acabaram deficitárias e em mãos do Estado.
  • 4
    Esses dólares entraram sob a forma de adiantamento de exportações. Os exportadores passaram a comprar dólares no mercado paralelo, que chegou a ficar abaixo do oficial, e os legalizavam via Banco Central, como empréstimos para exportação.
  • *
    Este trabalho foi escrito pelos autores após viagem à Argentina e apresentado ao CEBRAP na forma de relatório. Para publicação na Revista de Economia Política foram excluídas algumas tabelas estatísticas.
  • JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1985
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