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A composição da produção no processo de expansão da fronteira agrícola brasileira

The composition of production in the expansion process of the Brazilian agricultural frontier

RESUMO

Neste artigo, analisamos o processo de crescimento da agricultura da região Centro-Oeste do Brasil durante o período 1977/84 em comparação com o das antigas regiões Sul e Sudeste. Foi dada ênfase aos fatores causais da composição das culturas no passado recente, bem como às variáveis econômicas que provavelmente serão importantes no futuro próximo. Nossa conclusão indicou as dificuldades enfrentadas pela produção de alimentos nacionais em relação aos exportáveis e cana-de-açúcar na região Centro-Oeste, principalmente por causa de um padrão desequilibrado de inovações técnicas e uma política cambial muito favorável. Uma política compensatória seria então necessária para alcançar o objetivo de aumentar a produção doméstica de alimentos.

PALAVRAS-CHAVE:
Agricultura; fronteira agrícola; composição de culturas; exportação agrícola

ABSTRACT

In this paper we analysed the growth process in the agriculture of Brazil’s Center-West region during 1977/84 as compared with the one for the older South and Southeast regions. Emphasis was given to the causal factors of the crop composition in the recent past as well as the economic variables likely to be important in the near future. Our conclusion indicated the difficulties faced by the production of domestic foods as compared to exportables and sugarcane in the Center-West region, mainly because of an unbalanced pattern of technical innovations and a very favorable exchange rate policy. A compensatory policy would then be required to achieve the objective of increased domestic food production.

KEYWORDS:
Agriculture; agricultural frontier; crop composition; agricultural exports

Diversos estudos já foram capazes de mostrar que o crescimento da área cultivada tem sido, historicamente, a mais importante fonte de crescimento do nosso produto agrícola, ainda que o período mais recente evidencie um razoável aumento da melhoria da produtividade da terra como outra fonte de crescimento. Para o País como um todo, o componente aumento da área em cultivo foi responsável por 83% do crescimento do produto nos anos 40, por 72% nos anos 50 e por 65% nos anos 60. A maior contribuição da produção por hectare cultivado, por seu lado, aparece de forma mais nítida em São Paulo e, a seguir, na região Centro-Sul e muito pouco no Nordeste. Nesse processo, o País conseguiu viabilizar taxas satisfatórias de crescimento do produto agrícola e, particularmente, de seu componente alimentar, até o final dos anos 60.

Ao examinar-se os dados de crescimento da área cultivada na agricultura brasileira, pode-se constatar uma grande regularidade nas taxas observadas em diferentes décadas. Em cada uma das décadas entre a dos 40 e a dos 70, essas taxas estiveram compreendidas no estreito intervalo de 2,90 - 3,14%, com uma média de 3,46%. Apesar dessa regularidade, entretanto, as diferentes regiões têm revelado um comportamento bastante distinto. Por exemplo, tomando-se a década dos 70, com uma taxa média de crescimento para o Brasil de 3,18%, as taxas para cada região foram as seguintes: Norte, 4,93%; Nordeste, 1,95%; Leste, zero; Sul/Sudeste, 3,17%; Centro-Oeste, 8,17%. Por outro lado, a segunda metade da década dos 70 nos mostrou uma acentuada queda na taxa de crescimento para o País como um todo, de 3,67% para 2,23%, assim como quedas nas taxas de crescimento da área cultivada em todas as regiões. É importante registrar, entretanto, que a menor queda na segunda metade dos anos 70 ocorreu na região Centro-Oeste (de 6,81 % para 6,43%).

Adicionalmente, as indicações disponíveis para os anos 1980/84 apontam na direção de uma estagnação ou, apenas, de um pequeno incremento na área cultivada. A estagnação fica mais evidente quando se considera a área total com seis importantes culturas: arroz, feijão, milho, mandioca, algodão e soja, que correspondem a quase 70% da área total em cultivo na agricultura brasileira. Entretanto, novamente, observa-se comportamentos diferenciados entre os principais Estados produtores durante 1980/84. Enquanto Paraná e Rio Grande do Sul experimentaram declínios em suas áreas cultivadas (colhidas) totais, os dois Estados de Mato Grosso e Goiás mostraram significativos crescimentos a partir de 1980, ainda que com irregularidade entre os anos.

Esses fatos mais recentes estão mostrando uma tendência de crescente importância da região Centro-Oeste em termos da área total cultivada e do produto agrícola no Brasil. Como resultado, é a esse processo de expansão agrícola no chamado Brasil-Central que este estudo estará voltado. Em primeiro lugar, verificaremos como esse processo vem ocorrendo, em cada Estado dessa região em relação àqueles das regiões Sul e Sudeste no período 1977/84, assim como com relação à composição da produção, que, gradativamente, vem se formando. Em segundo lugar, procuraremos detectar os fatores causais dessa composição da produção no passado recente, enfatizando a geração de inovações tecnológicas e os programas governamentais relevantes (Polocentro, Proálcool). Em terceiro lugar, nossa atenção se voltará para os anos futuros, procurando-se detectar as principais tendências desse processo de ocupação e constituição de uma certa composição da produção. Examinaremos, particularmente, como fatores determinantes, as perspectivas do mercado internacional e a política cambial brasileira. Acrescentaremos, entretanto, alguns comentários gerais sobre programas governamentais específicos, como o Proálcool, a situação recessiva da economia e, finalmente, sobre as perspectivas tecnológicas entre os principais produtos da região.

CRESCIMENTO RECENTE NO BRASIL-CENTRAL

Nesta seção procuraremos verificar, para o período 1977/84, qual tem sido o crescimento da área cultivada nos Estados de Mato Grosso (Mato Grosso do Sul e Mato Grosso), Goiás e Minas Gerais, em comparação aos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, aqueles de ocupação mais antiga1 1 Veja, para maiores detalhes, Dias, G. L. S., Agricultura e Crescimento Extensivo, tese de livre-docência, Departamento de Economia da FEA-USP, 1978. mas, sem dúvida, ainda responsáveis por uma ponderável parcela do nosso produto agrícola. Também, daremos atenção à questão de qual a composição de produto que se vem formando nesses mesmos Estados do Brasil-Central, para tal novamente considerando o período mais recente de 1977/84. Boa parte desse período, aquele correspondendo aos anos do governo Figueiredo, está ligado à chamada “prioridade agrícola”. Essa “prioridade”, enquadrava-se em outras, de natureza econômica mais geral, principalmente as relacionadas aos crescimentos da agricultura, das exportações e da substituição do petróleo importado. Dadas estas “prioridades”, seria de esperar um desempenho razoavelmente equilibrado entre os subsetores alimentos domésticos (agricultura), culturas de exportação (exportações) e da cana-de-açúcar (substituição de petróleo), inclusive com um razoável crescimento da área cultivada.

Para se verificar a questão do comportamento da área total em cultivo a nível dos Estados, contrastamos, na Tabela 1, as evoluções de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, o aqui chamado Brasil-Central, com aquelas de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Podemos, então, constatar que taxas positivas de crescimento ocorreram em Mato Grosso, Goiás e São Paulo, enquanto Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul ficaram com suas áreas totais estagnadas. Alguns pontos sobre esse comportamento merecem ser destacados. Primeiro, a taxa positiva registrada para Mato Grosso, de 3,06%, é substancialmente inferior à verificada durante 1970/79, de 17,06%, enquanto a de Goiás, 4,54%, é bem superior à do mesmo período, de 1,75%. Em Minas Gerais, a situação permaneceu inalterada, ou seja, área estagnada em ambos os períodos. Portanto, a região Centro-Oeste (Mato Grosso e Goiás) diminuiu bastante o ritmo de expansão da área total, quando se compara 1970/79 (8,17%) com 1977/84.

Tabela 1
Evolução da área cultivada, principais culturas, estados da região Centro-Sul, 1977/84 (1977=100)

Em segundo lugar, entre os Estados de ocupação mais antiga, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, tivemos o, até certo ponto, surpreendente crescimento da área cultivada no primeiro, de 3,51% ao ano em 1977/84, comparado à estagnação ocorrida durante 1970/79. Ao contrário, Paraná e Rio Grande do Sul, que cresceram, respectivamente 4,40% e 5,49% ao ano durante 1970/79, ficaram com suas áreas estagnadas durante 1977/84. Esse comportamento, entretanto, deixa de ser tão surpreendente, quando se faz, como na Tabela 2, a comparação entre as áreas cultivadas em 1984, com os totais de áreas boas e/ou regulares levantadas pelo Ministério da Agricultura, assim como a existência, nesse período, do programa do álcool que beneficiou significativamente o Estado de São Paulo nos recursos totais investidos.

Tabela 2
Comparação da área total cultivada, principais culturas, com o total de área boa/regular, diversos estados (1.000 ha)

As áreas boas e/ou regulares em cada um dos Estados listados na Tabela 2 correspondem àquelas adequadas “para lavouras temporárias, dentro de uma tecnologia de manejo tradicional”2 2 Dias, G. L. S., op. cit., p. 49. . Em uma primeira aproximação, poderíamos identificá-las como as terras de utilização mais fácil, em função de maior fertilidade, em comparação a outras que, para serem incorporadas à produção, precisariam de maiores investimentos iniciais e sofisticação tecnológica (exemplos, correção de acidez, incorporação de certos nutrientes etc.). As grandes áreas de cerrados no Brasil-Central estariam nesta última categoria.

Os Estados mostrados na Tabela 2 com um diferencial positivo entre o total de áreas boas/regulares e a área cultivada em 1984, São Paulo, Mato Grosso e Goiás, são exatamente aqueles que mostraram, na Tabela 1, taxas anuais positivas de crescimento da área cultivada durante 1977/84. Os demais Estados, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, com áreas cultivadas em estagnação durante 1977/84 (Tabela 1), são aqueles que, em 1984, apresentavam áreas em cultivo iguais ou maiores que os respectivos totais de áreas boas e/ou regulares (Tabela 2).

Devemos mencionar que, ao se limitar o conceito de áreas boas e/ou regulares, no sentido daquelas aptas para culturas temporárias com “manejo tradicional” estamos trabalhando com um limite inferior em relação às áreas possíveis de serem ocupadas. Isso deve, em boa parte, explicar o caso do Rio Grande do Sul, com uma área cultivada em 1984 substancialmente maior que o total de área boa/regular. Ao que tudo indica, o crescimento da área gaúcha, com a combinação soja/trigo a partir de meados dos anos 60 - 2.321 mil hectares com soja e 1.060 mil hectares com trigo entre 1964/66 e 1973/75 - não pode ser considerado como baseado em um “manejo tradicional”.

Por outro lado, o total de área cultivada em 1984 (primeira coluna da Tabela 2) nos vários Estados, inclui não apenas as culturas temporárias, mas, também, perenes e semi perenes, desde que estejam entre as principais culturas do respectivo Estado. Ele, entretanto, exclui as áreas cultivadas com pastagens artificiais. Isso, em algum grau, pode explicar o resultado da Tabela 2 para São Paulo, isto é, a existência, ainda hoje, de uma magnitude ainda expressiva de áreas boas/regulares a serem incorporadas à produção, 4.870 mil hectares. Aliás, essa quantidade supera as áreas “fáceis” de incorporação em Mato Grosso, 4.156 mil hectares, e, em Goiás, 1.322 mil hectares.

Assim, esses três Estados do Brasil-Central disporiam ainda de 5.478 mil hectares a serem mais “facilmente” incorporados à produção. Esse montante corresponde a apenas 11% da área total cultivada no Brasil com 33 culturas em 1982. Mesmo quando acrescentamos, no mesmo conceito, as áreas disponíveis no Maranhão e Pará, essa proporção é apenas ligeiramente aumentada. Para uma melhor perspectiva, essa “margem fácil” de expansão agrícola, via crescimento extensivo e manejo tradicional, seria esgotada após apenas quatro anos de crescimento da área total no Brasil, à taxa histórica de 3,5% ao ano. Apesar da natureza bastante preliminar desta análise, concluiríamos que o crescimento extensivo e “fácil” da agricultura brasileira está prestes a se esgotar. Em assim sendo, haveria a necessidade de pensarmos, desde já, em um crescimento mais baseado em melhorias tecnológicas e maiores investimentos por hectare, mesmo nas regiões novas do Brasil-Central em que predominam as áreas de cerrado3 3 Veja, também, Vera Filho, F. e H. Tollini, “Progresso Tecnológico e Crescimento Agrícola”, ln: A. Veiga (coord.), Ensaios sobre Política Agrícola Brasileira, São Paulo, Secretaria de Agricultura, 1979, pp. 87-136. .

No restante desta seção veremos qual tem sido a composição da produção agrícola no período 1977/84 nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. De início, apresentamos a evolução da área cultivada com os principais produtos de cada Estado e o respectivo total, nas Tabelas 3, 4 e 5, assim como as taxas anuais médias de crescimento dessas áreas por cultura no mesmo período. A diferença a notar entre os dois primeiros Estados e o de Minas Gerais, com base na análise da parte inicial desta seção, é que este, ao contrário dos dois primeiros, já não tinha, em 1977, áreas “fáceis” a serem incorporadas à produção. No agregado, recordamos, a área permaneceu estagnada em Minas Gerais e cresceu, respectivamente, 3,42% e 4,35% ao ano, em Mato Grosso e Goiás.

Tabela 3
Evolução da área cultivada (colhida), principais culturas, estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, 1977/84 (1.000 ha)
Tabela 4
Evolução da área cultivada (colhida), principais culturas, estados de Goiás, 1977/84 (1.000 ha)
Tabela 5
Evolução da área cultivada (colhida), principais cultras, estado de Minas Gerais, 1977/84 (1.000 ha)

Em Mato Grosso, das oito culturas (exceto trigo) listadas na Tabela 3, apenas três mostraram crescimento, pela ordem: cana-de-açúcar, 29,3% ao ano; soja, 19,1% ao ano e milho, 8,1 % ao ano. Obviamente, o crescimento da soja é muito mais expressivo, pois ele se inicia de uma base de 412 mil hectares em 1977 e alcançando 1.702 mil hectares em 1984, enquanto a cana passou de apenas 11 para 83 mil hectares entre 1977 e 1984. Entre esses mesmos anos, a soja aumentou sua parcela na área total de 16,4% para 52,6%. Enquanto o incremento da área total foi de 723 mil hectares, o da soja foi de 1.290 mil hectares. Já a cana-de-açúcar passou de uma parcela de apenas 0,4% da área total em 1977 para 2,6% em 1984.

Por outro lado, quatro das oito culturas em Mato Grosso apresentaram, durante 1977/84, significativas reduções de área cultivada, pela ordem: amendoim, -33,9% ao ano; arroz, -8,0% ao ano; mandioca, -6,7% ao ano e algodão, -4,7% ao ano. Pelas mesmas razões que no caso da soja, aqui a mudança mais importante é a do arroz, com uma perda de área de 637 mil hectares a partir da área de 1.547 mil hectares em 1977. Como resultado, o arroz, que ocupava 61,6% da área total (Total 2) em 1977, alcançou 1984 com apenas 28,1%. Finalmente, o feijão permaneceu com sua área estagnada no período e, portanto, perdeu em participação relativa. Assim, de longe, a principal alteração na composição do produto agrícola em Mato Grosso nesse período foi a disparada da soja e a contração do arroz, mudança essa que está interligada via efeito-substituição, isto é, a primeira ocupando áreas da segunda cultura4 4 Entre as várias documentações jornalísticas desse processo de substituição, veja Gazeta Mercantil, 4 de maio de 1984. . Dos produtos alimentares domésticos, o milho é o único que apresentou aumento da área cultivada no período 1977/84.

Passemos, agora, ao Estado de Goiás, cuja agricultura é retratada na Tabela 4, em termos da evolução das áreas com os principais produtos durante 1977/84. A área total com oito culturas cresceu 4,35% ao ano, portanto a um ritmo maior que o de Mato Grosso. Quatro produtos apresentaram crescimento, pela ordem: soja, 28,7% ao ano; cana-de-açúcar 18,5% ao ano; banana, 7,4% ao ano e arroz, 4,6% ao ano. Três produtos, feijão, mandioca e milho, ficaram com suas áreas estagnadas, enquanto o algodão, do mesmo modo que em Mato Grosso, apresentou um significativo declínio.

De maneira semelhante a Mato Grosso, a principal alteração na composição do produto agrícola em Goiás veio com a soja: um incremento de 517 mil hectares; e um aumento na parcela da área total de 3,3% em 1977, para 21,0% em 1984. Apenas no ano de 1984, o crescimento da área de soja foi de 214 mil hectares ou 57,7% em relação a 1983. Ao contrário de Mato Grosso, esse crescimento da soja não se fez com reduções absolutas nas áreas de arroz. Entretanto, é preciso observar que, apesar do incremento médio de 4,6% ao ano entre 1977 e 1984 na área de arroz, esta dá, no mínimo, sinais de estagnação a partir de 1980. Portanto, como os outros três produtos alimentares domésticos, feijão, milho e mandioca, já apresentaram um quadro de áreas estagnadas, o arroz poderá a eles se juntar. Finalmente, a expansão da cana-de-açúcar é expressiva em termos relativos, mas ainda pouco significativa em comparação ao agregado absoluto.

Finalmente, vejamos as características da agricultura em Minas Gerais durante 1977/84, com base nos dados da Tabela 5. Neste Estado, como vimos, a área total cultivada permaneceu estagnada nesse período, enquanto quatro (de doze) produtos mostraram crescimento, pela ordem: soja, 17,5% ao ano; café, 6,6% ao ano; cana-de-açúcar, 5,2% ao ano e laranja, 5,1% ao ano. Os dois primeiros, entretanto, correspondem às mais expressivas alterações na composição. A soja passou de 2,4% para 7,8% da área total entre 1977 e 1984, enquanto o café evoluiu de 9,1% para 14,4% da área total entre os mesmos anos5 5 Comparação com a área total de 1984 em que repetimos a área de batata de 1983. . Quatro outros produtos, algodão, feijão, banana e batata, ficaram com suas áreas estagnadas durante 1977/84.

Por outro lado, quatro produtos registraram declínios significativos em áreas cultivadas, pela ordem: fumo, -11,6% ao ano; mandioca, -4,6% ao ano; arroz, -2,7% ao ano e milho -2,1 % ao ano. Notamos que, destes quatro produtos em declínio, três são alimentos domésticos, arroz, milho e mandioca, sendo que os dois primeiros são bem mais importantes na composição da agricultura mineira. O arroz passou de uma parcela de 17,3% da área total em 1977 para uma de 12,9% em 1984, enquanto a mudança do milho foi de 43,8% para 36,5%. Entre esses dois anos extremos, o arroz e o milho perderam 401 mil hectares de área cultivada em Minas Gerais.

Dado o nosso objetivo, cabe, agora, uma questão final: qual o padrão, se algum, do crescimento agrícola nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais durante 1977/84? Primeiro, cabe destacar a grande expansão da soja nos três Estados, de 2.038 mil hectares entre 1977 e 1984, mesmo contando com preços internacionais desfavoráveis em parte desse período. Segundo, particularmente em Mato Grosso e Minas Gerais, tivemos uma substancial redução das áreas de arroz, 537 mil hectares no mesmo período. Em Goiás, o arroz ainda mostrou crescimento de área durante 1977/84, mas, desde 1980, há sinais de sua estagnação. Terceiro, o quadro para o milho não foi homogêneo nesse período. Ele perdeu área em Minas Gerais, o Estado mais importante, ficou estagnado em Goiás e cresceu em Mato Grosso. No agregado, entretanto, em razão da maior importância de Minas Gerais, o milho perdeu participação relativa. Quanto aos demais produtos alimentares domésticos, feijão, mandioca e batata, a situação no período foi de estagnação ou redução da área cultivada, esta última ocorrendo particularmente para a mandioca. Em quarto lugar, o algodão, um tradicional produto de exportação, teve sua área cultivada reduzida em Mato Grosso e Goiás, e estagnada em Minas Gerais. Finalmente, a cana-de-açúcar, ainda que originalmente com área bastante pequena, apresentou grandes crescimentos, particularmente em Mato Grosso e Goiás.

FATORES CAUSAIS DA COMPOSIÇÃO DO PRODUTO NO BRASIL-CENTRAL

É sabido que uma importante inovação tecnológica, a nível de uma cultura específica (ou mais), tem condições de modificar a composição da área cultivada em uma certa região, como resultado das alterações que ocorrem nas rentabilidades relativas das opções disponíveis aos agricultores. Em estudo anterior que fizemos6 6 Veja Homem de Melo, F., “Inovações Tecnológicas e Efeitos Distributivos: O Caso de uma Economia Semi-Aberta”, Revista Brasileira de Economia 36(4): 429-43, 1982. sobre o processo de inovações tecnológicas em uma economia agrícola semiaberta, isto é, um subsetor de produtos domésticos convivendo com outro de produtos de exportação, analisamos o caso em que essas inovações se concentravam neste último. A nossa conclusão foi de que, mesmo que a área total do sistema de produção pudesse crescer, esse crescimento tenderia a ser direcionado para as culturas beneficiadas pelas inovações tecnológicas. Em outras palavras, a composição da produção iria se alterando, através da expansão das culturas de exportação e em detrimento das domésticas.

Ao contrário do tratamento agregado que demos, naquela ocasião, aos efeitos de um processo desequilibrado de inovações tecnológicas, faremos, agora, uma tentativa de maior desagregação, visando explicar algo da composição da produção que se está formando nos Estados do Brasil-Central. Para tal, utilizaremos, como um indicador da ocorrência de inovações (e adoção) tecnológicas a nível de culturas, a taxa anual média de crescimento dos rendimentos físicos por hectare durante o período 1965/81. Vale mencionar, entretanto, que esse não é um perfeito indicador de mudança tecnológica (e de adoção de inovações). Primeiro, ele deve refletir, mais de perto, apenas a adoção das inovações de caráter bioquímico e, não as mecânicas. Segundo, os rendimentos são influenciados, também, por fatores não ligados à ocorrência de inovações tecnológicas, tais como qualidade do solo, clima, preços dos produtos e de fatores/insumos utilizados7 7 Para qualificações desse tipo, veja Vera Filho, F. e H. Tollini, “Progresso Tecnológico e Desenvolvimento Agrícola”, op. cit. . Entretanto, ao se considerar a evolução dos rendimentos em um período razoavelmente longo, como o de 1965/81, acreditamos ser razoável esperar-se que o desenvolvimento (ou regressão) tecnológico seja uma das variáveis explicativas mais importantes, incluindo-se os conhecimentos obtidos pela pesquisa agronômica, incorporados ou não a variedades melhoradas.

Na Tabela 6, desse modo, apresentamos, de maneira ordenada, as taxas anuais médias de crescimento dos rendimentos das culturas domésticas com maior importância em área cultivada - arroz, feijão, milho e mandioca -, das exportáveis - soja, café, algodão, laranja, fumo e mamona - e da cana-de-açúcar, nos três Estados do Brasil-Central, e em São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, estes últimos Estados sendo utilizados como comparação. Do exame dessa Tabela, mesmo respeitando-se as peculiaridades estaduais de conjuntos de produtos, percebe-se uma razoável coincidência entre Estados quanto às culturas com as maiores taxas de crescimento dos rendimentos, listadas a seguir: soja, algodão, cana-de-açúcar, milho, fumo, café e laranja. De outro lado, há, também, uma certa concordância quanto às culturas com estagnação ou queda de rendimentos ao longo do tempo: amendoim (exceto São Paulo), mandioca, feijão e arroz (exceto Rio Grande do Sul). Entre as primeiras, a única doméstica é a cultura do milho, enquanto entre as últimas, excetuando-se a do amendoim, todas pertencem à categoria de alimentos domésticos.

Tabela 6
Ordenação das taxas anuais de crescimento (média móvel trienal) dos rendimentos físicos, culturas domésticas, de exportação e cana de açúcar, estados da região Centro-Sul (1965/81)(a)

Na região Brasil-Central propriamente dita, destaca-se o desempenho superior da soja e algodão em primeiro lugar, e da cana-de-açúcar e do milho em segundo lugar. Ao nível de Estados específicos, destacamos o café e o fumo em Minas Gerais. No lado negativo, ou seja, estagnação ou queda de rendimentos, é possível mencionar a concordância, nos três Estados, para as culturas alimentares domésticas arroz, mandioca e feijão.

Mais uma vez, respeitando-se as características de presença dos produtos em cada Estado, é interessante verificar que as culturas que estão mostrando, ao longo do tempo, evidências de inovações tecnológicas no Brasil-Central são, também, aquelas a apresentar crescimentos de área cultivada, exatamente o contrário ocorrendo para as culturas sem essas evidências. A maior exceção é o caso do algodão e, em menor grau, o milho, enquanto o fumo é específico a Minas Gerais. O algodão no Brasil-Central, tanto quanto em São Paulo e Paraná, mostra expressivas taxas de crescimento dos rendimentos, mas ao invés de registrar aumentos de área, revelou declínios (Mato Grosso e Goiás, Tabelas 3 e 4) ou estagnação (Minas Gerais). No Paraná, ao contrário, a área com algodão cresceu durante 1977/84 (4,35% ao ano), enquanto em São Paulo ela ficou estagnada. É possível que uma cultura bem intensiva em trabalho, como é o caso do algodão, encontre maiores dificuldades de expansão, mesmo com bom suporte tecnológico, em regiões novas da fronteira, ainda sem uma base populacional inteiramente consolidada. Essa, entretanto, é uma área em que trabalho adicional de pesquisa se faz necessário para um melhor entendimento.

O maior destaque, em termos da evolução de rendimentos, no Brasil-Central fica para a soja, com expressivas taxas de crescimento nos três Estados analisados. Isso, de certo modo, confirma o otimismo quanto à qualidade e quantidade das pesquisas com soja. Segundo Kaster e Bonato8 8 Kaster, M. e E. R. Bonato, “Contribuição das Ciências Agrárias para o Desenvolvimento: A Pesquisa em Soja”, Revista de Economia Rural 18 (3): 405-34, 1980. , na segunda metade dos anos 70 essa pesquisa esteve empenhada em desenvolver sistemas de produção para outras regiões, além do Sul do Brasil, como a Leste e Centro-Oeste. Além disso, em 1980 esses mesmos autores diziam que “a pesquisa está empenhada em desenvolver uma tecnologia específica para a produção de soja em regiões de latitudes inferiores a l5°S. As perspectivas de obtenção de cultivares especificamente adaptados a baixas latitudes, bem como de conhecimento sobre manejo da cultura são excelentes e inéditas no mundo “9 9 lbid, p. 432. .

Essas evidências, assim, corroboram a nossa expectativa, ainda que de maneira bastante geral, de que a composição do produto agrícola que se vem formando no Brasil-Central está sendo influenciada por um padrão desequilibrado, entre culturas, de inovações tecnológicas. Particularmente, essa seria a explicação para a grande expansão da soja entre 1977 e 1984 - 2.038 mil hectares nos três Estados considerados -, a significativa redução da área com arroz (exceto em Goiás), de 537 mil hectares, assim como para a estagnação ou redução das áreas de mandioca e feijão. Já o milho, outro importante produto alimentar doméstico, apresentou uma situação de crescimento uniforme dos rendimentos nos três Estados, de cerca de 1,6% ao ano, mas com redução de área no mais importante Estado produtor, Minas Gerais. Essa grande expansão da soja ocorreu, diga-se de passagem, mesmo durante o período de preços internacionais declinantes. Por exemplo, entre setembro de 1980 e setembro de 1982, a cotação média da soja na Bolsa de Chicago caiu de US$ 304 para US$ 201 por tonelada, recuperando-se a partir daí. Em setembro de 1983, ela estava a US$ 329 por tonelada. Certamente, com esse preço mais elevado, a expansão da soja será favorecida no Brasil-Central. Como exemplo, do incremento da área total com soja no Brasil em 1984, de 1.307 mil hectares, a contribuição daquela região é de 762 mil hectares. Adicionalmente, os levantamentos da FIBGE para 1984 registram, pela primeira vez, uma área com soja de 28 mil hectares na Bahia e de 4 mil hectares no Maranhão.

No que diz respeito a programas governamentais específicos faremos, ao final desta seção, uma rápida revisão do Proálcool e do Polocentro. Desde 1975 o Brasil tem criado e desenvolvido programas oficiais para a substituição de derivados de petróleo, em função das substanciais elevações dos preços internacionais dessa matéria-prima e dos consequentes problemas de balanço de pagamentos. A primeira iniciativa de maior expressão na área energética foi o programa do álcool, introduzido em novembro de 1975, com uma meta de produção de 3,0 bilhões de litros em 1980, destinados, principalmente, a ser misturados à gasolina. Como referência, pode-se mencionar que, em 1975, o consumo total de gasolina no País foi de 14,6 bilhões de litros10 10 Veja, para detalhes, Homem de Melo, F. e E. G. Fonseca, Proálcool, Energia e Transportes, São Paulo, Editora Pioneira, dezembro de 1981. . Em 1979, ao início do segundo “choque” do petróleo, esse programa teve seu objetivo de produção ampliado para 10,7 bilhões de litros em 1985 (cerca de 140-150 mil barris-equivalentes dia de petróleo).

O programa do álcool pode ser caracterizado como a mais importante iniciativa governamental na área de alternativas energéticas após o primeiro “choque” do petróleo em 1973/74, ainda que, em momento algum, as autoridades econômicas tenham dado evidências de se preocuparem com a economicidade do álcool na substituição da gasolina, em comparação com as outras alternativas disponíveis ao Brasil. O objetivo final é a substituição das importações de petróleo e a consequente diminuição da vulnerabilidade externa a que o País estava, e ainda está sujeito. Entretanto, é preciso mais do que identificar alternativas tecnicamente viáveis aos derivados de petróleo. Estas garantiriam uma economia de divisas na importação dessa matéria-prima, mas, não necessariamente, a maior economia de divisas possível.

O tratamento adequado dessa questão, do ponto de vista econômico, envolveria uma análise da matriz energética como um todo, ou seja, as diversas alternativas aos vários derivados de petróleo e não, apenas, as possibilidades individuais de algumas delas que, normalmente, são consideradas quando os problemas de balanço de pagamentos e/ou de suprimento externo aparecem (1973/74 e 1979/80, por exemplo). Uma análise dessa natureza deveria considerar, primeiro, os custos de produção por barril-equivalente das diversas alternativas tecnicamente viáveis, a curto e médio prazos, em comparação ao custo de importação de petróleo (mais refino) ou dos próprios derivados. Em segundo lugar, o valor dos investimentos por barril-equivalente dessas mesmas alternativas, sempre considerando-se o conjunto dos derivados de petróleo. Terceiro, a exigência de componentes importados de cada uma dessas alternativas, inclusive para se chegar ao resultado de quais as poupanças líquidas de divisas a serem efetivamente obtidas.

Dessa análise deveria resultar a escolha de um leque de alternativas, de maneira equilibrada, em relação aos derivados abrangidos e ao horizonte de tempo considerado, com base nos critérios econômicos de menores custos sociais de produção, menores investimentos por barril-equivalente produzido e menores requerimentos de componentes e insumos importados. Afinal, sem qualquer dúvida, a sociedade prefere um nível mais elevado de produto a custos mais baixos de produção, do que menos produto a custos mais altos. A atual crise econômica brasileira é mais uma razão para que as autoridades governamentais considerem, adequadamente, as alternativas para os investimentos públicos em uma mesma área, como a energética.

Algumas evidências atualmente disponíveis ajudarão a mostrar que o atual programa energético brasileiro não passa no teste acima esboçado de viabilidade econômica ou, pelo menos, está com as prioridades equivocadas. As estimativas de custos de produção por barril-equivalente das principais alternativas eram, em maio de 1981, as seguintes11 11 Veja Homem de Melo, F. e E. R. Pelin, As Soluções Energéticas e a Economia Brasileira, São Paulo, HUCTTEC, fevereiro de 1984. : a) carvão mineral: US$ 10-15; b) carvão vegetal: US$ 19-24; c) óleo de xisto: US$ 30-40; d) gás de carvão: US$ 41-69; e) petróleo nacional: US$15-20; f) álcool hidratado (substituindo a gasolina): US$ 79-91; álcool hidratado (substituindo o óleo diesel): US$ 137-158; g) álcool aditivado (substituindo o óleo diesel): US$ 148-170; h) óleos vegetais: US$ 84-140, dependendo da oleaginosa considerada. Mais recentemente, começaram a surgir grandes descobertas de gás natural (Juruá, Amazonas). As estimativas do Banco Mundial para outros países, mostram competitividade para o gás natural com o petróleo. Com relação a esta última alternativa, a Petrobrás colocou, recentemente, em funcionamento uma unidade de processamento de gás natural (de Campos) na Refinaria Duque de Caxias, com a entrada de até 2,2 milhões de metros cúbicos-dia dessa matéria-prima e a produção de 350 toneladas-dia de GLP, 100 mil litros-dia de gasolina e 1,9 milhão de metros cúbicos-dia de gás residual12 12 As nossas reservas estimadas, em fase de medição, correspondem a 160.000 barris-equivalentes dia de petróleo, uma magnitude superior à dada pelo atual programa do álcool. Veja Rodrigues, E. C., “Gases, do Metano aos Residuais”. O Estado de S. Paulo, 15/4/83, p. 44. .

O plano de safra do Instituto do Açúcar e do Álcool para 1984/85 estipula uma produção de 9,1 bilhões de litros. Isso indica que na safra de 1985/86 o Brasil deverá chegar perto da meta estipulada de 10,7 bilhões de litros. Assim, esse programa pode ser considerado como um dos que mais evoluiu na área energética, apesar de ser a alternativa com um dos mais elevados custos de produção e valor de investimento por barril-equivalente. Ao contrário, aqueles com melhores condições econômicas, ou tiveram seus objetivos de produção em 1985 severamente cortados (exemplo, carvão mineral, a menos da metade), ou não foram sequer iniciados (exemplos, óleo de xisto e carvão vegetal).

Desse modo, não é surpresa verificarmos que a área cultivada (colhida) com cana-de-açúcar cresceu consideravelmente entre 1977 e 1984 na região Centro-Sul, algo como 1.700 mil hectares no conceito de área cultivada13 13 São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. . A maior expansão foi a de São Paulo, com cerca de 1.300 mil hectares, sendo esse crescimento um dos responsáveis pela expansão da área cultivada total no Estado, assim como pela substituição de culturas alimentares14 14 Veja Homem de Melo e Fonseca, Proálcool, Energia e Transportes, op. cit, 15 . No Brasil-Central, como vimos, as taxas de crescimento da área cultivada (colhida) durante 1977/84 foram extremamente elevadas, ainda que os montantes absolutos sejam ainda pouco expressivos.

Isso, entretanto, poderá ser rapidamente alterado, na direção de uma mais intensa penetração da cana-de-açúcar no Brasil-Central, caso o governo federal, ao considerar a questão de substituição do óleo diesel, atenda os setores empresariais envolvidos com a produção de álcool. Estes desejam que essa substituição se dê, principalmente, por esse combustível, nas suas formas hidratada - em motores ciclo Otto - ou aditivada - em motores ciclo Diesel. Em recente matéria especial na imprensa15 15 Veja Revista Senhor, n. 132, 28/9/1983, p. 60. , menciona-se uma produção de 57 bilhões de litros de álcool no ano 2000, sendo 30 bilhões para a substituição da gasolina e 27 bilhões para a do diesel em caminhões e ônibus. Em termos anuais de produção entre 1986 e 2000, isso representaria um programa de álcool três vezes superior ao atual, o que, certamente, prejudicaria o desempenho da produção de alimentos e, possivelmente, mesmo, o de certos exportáveis, ao mesmo tempo que daria contornos mais definidos à composição do produto agrícola no Brasil-Central16 16 Em recentes declarações à imprensa, o sr. Olacyr de Morais, o maior produtor individual de soja (em Mato Grosso do Sul) previu, para a região Centro-Oeste, um futuro agrícola baseado na soja, cana-de-açúcar (álcool) e pecuária de corte. Veja O Estado de S. Paulo, 10/1/1984. .

Por outro lado, alguns17 17 Veja San Martin, P. e B. Pelegrini, Cerrados: Uma Ocupação Japonesa no Campo, Rio de Janeiro, Codecri, 1984. consideram que uma contribuição muito importante para o recente crescimento agrícola no Brasil-Central foi dada pelo Polocentro - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, introduzido em meados dos anos 70. Esse programa governamental, baseado em condições especiais de financiamento agrícola para custeio e investimento, voltava-se à incorporação das áreas de cerrado ao processo produtivo, cobrindo as regiões Centro-Oeste do Brasil e Oeste de Minas Gerais. Ao contrário do Proálcool, que é um programa quase específico à cana-de-açúcar, o projeto inicial do Polocentro previa a incorporação de três milhões de hectares, sendo 60% com lavouras e 40% com pecuária.

Esse programa, por seu lado, conjugava a assistência creditícia com investimentos governamentais em infraestrutura, como estradas vicinais, eletrificação rural, pesquisa agronômica, armazenagem etc., com recursos do Fundo de Desenvolvimento de Áreas Estratégicas, do Fundo de Desenvolvimento de Projetos Integrados, de dotações orçamentárias e do orçamento monetário. Os beneficiários eram os produtores, cooperativas e companhias de mecanização, exigindo-se deles a elaboração de projetos integrados para as explorações e a presença de assistência técnica. Não conhecemos estudos avaliativos da introdução do Polocentro na economia agrícola do Brasil-Central: Dada sua formulação, entretanto, ele deveria contribuir para um maior crescimento da agricultura nessa região, mas, provavelmente, reforçando o viés na composição do produto causado pelo desequilíbrio tecnológico apontado ao início desta seção.

TENDÊNCIAS DO PROCESSO DE OCUPAÇÃO

Nesta seção procuraremos analisar a questão da permanência ou não, ao longo do tempo, do tipo de ocupação que vem ocorrendo no Brasil-Central, em termos da composição de seu produto agrícola. Dois fatores serão examinados em maior detalhe, ou seja, as perspectivas do mercado internacional de produtos agrícolas e a política cambial brasileira. Alguns comentários serão também feitos sobre o padrão de inovações tecnológicas, o Proálcool, e a política de ajustamento econômico atualmente adotada pelo Brasil, em função da crise externa a que estamos sujeitos desde alguns anos.

Para facilitar uma visão comparativa do dinamismo das exportações mundiais dos diversos produtos agrícolas que, em maior ou menor grau, têm estado presentes em nossa pauta de exportações nos últimos vinte anos, apresentamos, na Tabela 7, a ordenação das taxas anuais médias de crescimento das quantidades mundialmente exportadas, dos valores totais em dólares e dos preços dos respectivos produtos, durante o período 1970/81.

Tabela 7
Ordenação das taxas anuais médias de crescimento das exportações mundiais, quantidade, valor e preço, 1970/81 (b)

Alguns esclarecimentos se fazem necessários a esta altura. Primeiro, assumindo-se preços reais constantes, a taxa de crescimento da quantidade nos daria uma indicação dos efeitos das variáveis deslocadoras da função demanda externa, entre os quais se inclui a renda dos países importadores. Na realidade, os preços reais podem não ficar inalterados nos diversos mercados. Isso nos leva ao segundo esclarecimento. Isto é, os preços reais permaneceriam constantes apenas no caso em que a taxa de crescimento da oferta externa fosse igual à da demanda para os vários produtos. Desse modo, podemos dizer que quanto mais elevada, em termos reais, for a taxa de crescimento dos preços, mais a demanda externa crescerá em relação à oferta. Devemos, também, esclarecer que trabalhamos com valores nominais e, não, reais, ou seja, eles não foram ajustados pela inflação. A inflação média nos Estados Unidos, medida pelo índice de Preços por Atacado, durante 1970/80 foi de 8,10% ao ano. Consequentemente, em termos aproximados, taxas anuais de aumento de preços acima dessa magnitude denotam incrementos reais, o contrário ocorrendo para valores abaixo dela. Pelos dados da Tabela 7, podemos constatar que uma certa diminuição de preços reais ocorreu para óleo de algodão, mamona-bagas, carne de frangos, amendoim-grãos, juta, torta de algodão e torta de amendoim, o contrário ocorrendo para os demais produtos.

Dada a importância referida - em termos de crescimento da demanda - olhemos o comportamento, entre produtos, das taxas de crescimento das quantidades mundialmente exportadas. Claramente, há um destaque, na Tabela 7, para os produtos do chamado “complexo carnes”, pois entre aqueles dez com taxas de crescimentos mais altas observamos as presenças, pela ordem, da carne de frangos, milho-grãos, torta de soja, carne suína, carne bovina e soja-grãos. Isto é, produtos finais de consumo e insumos utilizados nos respectivos processos produtivos. No outro extremo, isto é, produtos não apresentando crescimento ou mostrando declínios nas quantidades transacionais, temos: algodão-fibra, óleo de mamona, café, óleo de amendoim, cacau-amêndoas, amendoim-grãos, amendoim-torta, algodão-torta, juta, mamona-bagas, algodão-semente e sisal.

Em uma faixa intermediária de crescimento das transações internacionais, a Tabela 7 nos revela o arroz, fumo, açúcar, chá e manteiga de cacau. Na faixa superior, além daqueles produtos do complexo carnes, observamos a pasta de cacau, óleo de soja, pó de cacau e óleo de algodão. Assim, soja-grãos e seus dois produtos, farelo e óleo, estiveram entre os dez primeiros. Essa listagem parece indicar que os chamados produtos “tradicionais” em nossa pauta, excetuando-se os derivados de cacau, têm um crescimento relativamente pequeno ou, mesmo, mostram quedas nas transações internacionais. Entre eles, temos os produtos do algodão, do amendoim, café, cacau-amêndoas, juta e sisal. Isso, provavelmente, é o resultado de mudanças de hábitos com o aumento da renda, do desenvolvimento de substitutos e da forma em que o produto é exportado.

O café talvez seja o melhor exemplo do primeiro fator explicativo, isto é, tendo uma baixa elasticidade-renda. No caso de desenvolvimento de substitutos, temos duas possíveis linhas explicativas. A expansão da soja na alimentação animal traz, como consequência, o fato de o óleo de soja afetar, via aumento de sua oferta, o crescimento de outros óleos - algodão e amendoim - utilizados na alimentação humana. Também, o desenvolvimento de fibras sintéticas afeta o crescimento do mercado das fibras naturais, como algodão, sisal e juta. O caso mais marcante de alteração na forma de comercialização de um produto é o do cacau: estagnação das transações como amêndoas e crescimento daquelas de derivados de cacau. Algo semelhante pode ser notado no caso da mamona, se bem que com estagnação das transações de óleo e forte declínio daquelas na forma de bagas.

O quadro descrito até agora para o comportamento, entre produtos, das taxas anuais de crescimento das quantidades mundialmente exportadas não· é muito alterado quando se examina o comportamento das taxas de crescimento para os valores de exportação. O complexo carnes - produtos e insumos - ao lado dos derivados de cacau, ainda são aqueles apresentando as maiores magnitudes. O café, cacau e açúcar melhoram suas posições, em função do bom comportamento de seus preços. Entretanto, uma certa cautela é aqui necessária, pois esses são produtos caracterizados por mercados muito instáveis, em que períodos de escassez, causados muitas vezes por quebras de safra por razões climáticas, se alternam com períodos de relativa abundância.

O fato das ordenações das taxas de crescimento das quantidades e valores de exportação não serem fundamentalmente diferentes, resulta da circunstância de que os preços, exceto nos casos do café, cacau e açúcar, tiveram um comportamento relativamente homogêneo. Em termos de preços reais, pode-se perceber, pelos dados da última coluna da Tabela 7, assim como com a informação de uma inflação média de 8,1% durante 1970/80 (Estados Unidos, Índice de Preços por Atacado), que dois terços dos produtos listados tiveram elevações, o que, pelo menos no contexto numérico, denota um comportamento favorável do comércio internacional de produtos agrícolas. Durante o período 1971/81, a taxa anual média de crescimento econômico nos países da OECD foi de 3,0%, enquanto nos Estados Unidos, de 2,8%. Essas taxas, devemos lembrar, já foram inferiores às registradas antes do primeiro “choque” do petróleo, pois entre 1960 e 1973 o produto real da OECD cresceu 5,2% ao ano18 18 Veja Malan, P. S., “A Questão Externa”, Fórum Gazeta Mercantil, FMI vs. Brasil: A Armadilha da Recessão, São Paulo, 1983, p. 97. .

Assim, uma primeira conclusão desta parte do trabalho é a de que a repetição nos anos 80, das taxas de crescimento das exportações, mais ou menos nos termos mostrados na Tabela 7, dependerá de uma rápida retomada da atividade econômica nos países da OECD, de modo a, pelo menos, gerar, no restante desta década, taxas de crescimento do produto semelhantes às dos anos 70. Uma segunda conclusão é a de que, no conjunto de produtos analisados, existiu, no período de 1970/81, um subconjunto, por nós denominado de “complexo carnes” (produtos e insumos), cujos componentes apresentaram as mais elevadas taxas de crescimento das exportações mundiais e, na maioria, elevações de preços reais. Esses seriam os produtos mais dinâmicos no comércio internacional e assim tenderiam a continuar caso, realmente, se efetive a recuperação econômica mundial. A estes, poderíamos, também, acrescentar o óleo de soja, pelas mesmas razões de crescimento das quantidades e preços reais.

Com relação à política cambial brasileira, vamos realizar a nossa análise com base nos dados mostrados na Tabela 8, cobrindo o período janeiro de 1980 a maio de 1984 e que inclui as suas várias etapas. O ponto de partida nessa discussão é a maxidesvalorização do cruzeiro feita em dezembro de 1979, logo após o início do segundo “choque” do petróleo e a consequente deterioração em nossos termos de troca. Presumimos que, com essa medida, o governo pretendesse iniciar o ajustamento da economia brasileira às desfavoráveis circunstâncias provindas do mercado internacional. Essa expectativa, entretanto, não durou muito tempo.

Tabela 8
Evolução da taxa de câmbio de paridade: critérios Cr$/US$ e Cr$/cesta de moedas, diferencial de inflação, 01/1980-04/1984 (01/80: Base) (A)

Com o recrudescimento da inflação brasileira durante o ano de 1980 e a prefixação da correção cambial em 40% nesse mesmo ano, o governo deu início a uma nova etapa de sobrevalorização do cruzeiro. Isto é, pela não aplicação da tradicional regra do mecanismo de minidesvalorizações, onde as variáveis são as taxas interna e externa de inflação - a chamada paridade do poder de compra-, ao final de 1980 e início de 1981 a nossa taxa cambial havia retornado ao nível vigente no início de 1979. Os dados da Tabela 8 mostram essa crescente sobrevalorização do cruzeiro ao longo de 1980 e início de 1981, quando um máximo de 32,3% em relação ao dólar foi alcançado. Em compensação, ao longo desse período de desajuste cambial, foram introduzidas novas restrições às importações - o Imposto sobre Operações Financeiras - e reintroduzidos incentivos às exportações - crédito-prêmio do IPI e financiamento a juros subsidiados.

Como agravante nada desprezível a esse novo processo de desajuste cambial tivemos, já ao final de 1979 para algumas moedas e, mais geralmente, a partir de 1980, o início da valorização do dólar americano. Como não poderia deixar de acontecer, com o cruzeiro “amarrado” ao dólar pelas regras de minidesvalorização, a nossa moeda foi ficando progressivamente sobrevalorizada em relação à cesta de moedas de nossos principais parceiros comerciais, conforme mostrado na segunda coluna da Tabela 8. Assim, em março de 1981, quando o cruzeiro atingiu o nível mais alto (Tabela 8) de sobrevalorização em relação ao dólar americano - 32,3% -, em relação à cesta de moedas a sobrevalorização era de 46,3%. Esta chegou a alcançar 51,0% em junho de 1981. Em outras palavras, a sobrevalorização do cruzeiro passou a ser consideravelmente maior quando medida pela paridade com o conjunto das moedas de nossos principais parceiros comerciais, que quando medida apenas em relação ao dólar americano.

Adicionalmente, o exame cuidadoso da evolução das duas séries - Cr$/US$ e Cr$/Cesta de Moedas - da Tabela 8, revela o procedimento instável aplicado, pelas autoridades econômicas, à política cambial brasileira. Primeiro, nota-se, do início de 1981 ao início de 1982, uma tentativa de compensar a sobrevalorização acumulada em 1980, que foi resultado, como vimos, da prefixação da correção cambial em apenas 40% naquele ano. Em relação ao dólar americano, a sobrevalorização do cruzeiro diminuiu de 32,3% em março de 1981, para 20,9% em fevereiro de 1982. Tivemos, também, uma diminuição, ainda que mais irregular, da sobrevalorização medida pela cesta de moedas. Em segundo lugar, entretanto, ocorreu um novo aumento da sobrevalorização cambial do início até meados de 1982, em termos das duas medidas. Aliás, o nível máximo de sobrevalorização em relação à cesta de moedas foi alcançado em julho de 1982, com a proporção de 57,5% (29,4% em relação ao dólar).

Lembramos que, em 1982, tivemos uma redução de 13,4% em nossas exportações, que retornaram ao nível obtido em 1980. Certamente, a crise econômica mundial, com a consequente redução de preços de “commodities” e dos fluxos de comércio, contribuíram para essa diminuição, mas, em uma listagem mais ampla das variáveis responsáveis, não se pode excluir a nossa instabilidade cambial. Em terceiro lugar e, provavelmente, em resposta ao péssimo desempenho de nossas exportações em 1982, a política cambial tornou-se, novamente, mais agressiva no segundo semestre desse ano. Medida em relação ao dólar, a sobrevalorização diminuiu de 29,6% em junho de 1982 para 17,6% em dezembro do mesmo ano. No mesmo período, em relação à cesta de moedas, a sobrevalorização declinou de 56,4% para 42,7%.

Portanto, uma política cambial mais agressiva já havia sido iniciada quando, ao final de 1982, o Brasil recorreu ao Fundo Monetário Internacional, em termos de empréstimos ampliados. O primeiro dos compromissos assumidos pelo nosso País com o FMI, com relação à política cambial, foi o de uma desvalorização “excedente”, de 1,0% ao mês ou 12,7% no ano de 1983 sobre a inflação, esta medida pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna. Como a regra de desvalorização pela paridade do poder ‘de compra implica descontar-se a inflação externa da interna, o procedimento inicialmente acordado com o FMI provavelmente redundaria, ao final de 1983, na complexa eliminação da sobrevalorização do cruzeiro medida em relação ao dólar.

Esse procedimento, entretanto, foi alterado pela maxidesvalorização de fevereiro de 1983 - 30% em termos de cruzeiros por dólares americanos ou 23,8% em termos de dólares por cruzeiro. De acordo com o adendo à primeira Carta de Intenções, enviada ao FMI após essa maxidesvalorização, o governo se comprometeu a “desvalorizar o cruzeiro em relação ao dólar norte-americano através do sistema de minidesvalorizações a taxas mensais que serão, no mínimo, iguais à taxa de incremento dos preços domésticos em cada trimestre civil. O reajuste recente do cruzeiro e a política cambial assim programada devem ajudar a criar as condições para a redução e eliminação final do subsídio à exportação e do imposto de importação”. O subsídio à exportação mencionado refere-se ao crédito-prêmio do IPI, cujo momento contemplado de extinção é abril de 1985.

Depois de alterações nas subsequentes Cartas de Intenções enviadas ao FMI, a partir de novembro de 1983 a regra que tem validade é a de uma correção cambial não inferior ao índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna ajustada aos fatores acidentais (Coluna 2A, Conjuntura Econômica). Examinando-se a série do diferencial de paridade da Tabela 8, tomando-se março de 1983 como base de comparação, percebemos que, mesmo em relação ao dólar americano, houve alguma perda. Entretanto, devemos lembrar que os cálculos de Conjuntura Econômica que deram origem às duas séries completas da Tabela 8 tomam como indicador de preços internos o índice de Preços por Atacado-Disponibilidade Interna (IPA-DI), enquanto o compromisso com o FMI estipula como indicador de preços o IGP-DI, originalmente não expurgado e, na última carta, o expurgado. Nos últimos doze meses até dezembro de 1983, o IPA-DI havia se elevado 234,0%, contra 211,0% do IGP-DI não expurgado e 175,3% do IGP-DI expurgado. O “choque” de preços agrícolas em 1983 é uma das explicações para a ocorrência desses índices divergentes. A segunda coluna da série Cr$/US$ na Tabela 8, mostrada a partir de fevereiro de 1983 e construída com base no IGP-DI não expurgado, por seu lado, indica que a perda cambial a partir de março de 1983 foi praticamente nula. Em outras palavras, o parâmetro para as desvalorizações cambiais a partir daquela data tem sido o IGP-DI não expurgado.

Em conclusão, podemos dizer que, em 1983 e princípios de 1984, a política cambial foi bem mais favorável que nos anos anteriores. Para o futuro, permanece a regra conhecida e acordada com o FMI, de desvalorizações não inferiores ao IGP-DI ajustado aos fatores acidentais. Ao estipular uma taxa não inferior, essa regra é flexível para incorporar reajustes mais elevados. A partir de novembro de 1983, encerrou-se a correção do IGP-DI aos fatores acidentais, isto é, os dois índices mensais passaram a ser idênticos. Em se continuando desse modo, um certo ganho cambial será realizado pelo não desconto da inflação externa no cálculo da taxa de paridade o que, eventualmente, poderá, antecipadamente, compensar a eliminação do crédito-prêmio do IPI no início de 1985. O maior fator de incerteza, em nosso entendimento, será o comportamento do dólar americano em relação às demais moedas fortes. Uma valorização adicional do dólar poderá exigir das autoridades econômicas, durante 1984 e anos seguintes, a adoção de uma política cambial mais agressiva, o contrário ocorrendo na eventualidade de desvalorizações daquela moeda. Em todo caso, o mínimo que está garantido no acordo com o FMI e as nossas necessidades de grandes saldos comerciais, nos permitem dizer que o país deverá ter uma política cambial mais favorável e estável que a dos anos anteriores, o que é um fator positivo àqueles engajados em atividades exportadoras.

Assim, a conjugação de uma economia internacional em recuperação, caso isso se concretize durante um certo número de anos, operando através do aumento da demanda externa por produtos agrícolas, e de uma política cambial favorável de parte do Brasil, terá como efeito a melhoria da situação do subsetor agricultura de exportação em relação à de mercado interno. Certamente, a atuação dessas duas forças econômicas não traz efeitos apenas sobre a composição da produção no processo de expansão da fronteira agrícola. Elas têm efeitos mais gerais sobre a agricultura brasileira, inclusive nas regiões de ocupação mais antiga, particularmente sobre as regiões Sul e Sudeste. Entretanto, o resultado obtido, de maior demanda externa para os componentes do chamado “complexo carnes”, principalmente carne bovina, soja-grãos e farelo de soja, além do próprio óleo de soja, aliado às melhorias tecnológicas na produção da soja no Brasil-Central, nos fazem concentrar a atenção no padrão de crescimento agrícola dessa região, em termos de composição do produto. Em função do quadro externo, portanto, as atividades soja e pecuária de corte seriam as favorecidas.

Em paralelo, a recuperação já ocorrida nas cotações internacionais de vários produtos agrícolas exportados pelo Brasil atua na mesma direção, isto é, mudando preços relativos a favor das culturas exportáveis relativamente às domésticas. Na primeira semana de maio de 1984 em comparação à mesma de 1983, tínhamos as seguintes variações de preços em dólares19 19 Veja Gazeta Mercantil, 5-7 de maio de 1984, p. 10. : café, +17,7%; soja, +26,3%; farelo de soja, +3,5%; óleo de soja, +73,6%; açúcar, -29,2%; cacau, +39,2%; algodão, +16,1%; suco de laranja, +66,5%. Posteriormente, algumas quedas ocorreram. Nesta mesma direção de mudança de preços relativos, atua a recessão econômica que o país atravessa desde 1980, pelo fato da diminuição da renda “per capita” deprimir a demanda de produtos alimentares domésticos. Entre 1980 e 1983, tivemos uma diminuição de 12,4% no produto “per capita” no Brasil. Apenas no caso de projeções razoavelmente otimistas é que se prevê, para 1990, uma recuperação do produto “per capita” ao nível daquele verificado em 1980. Isso nos dá uma melhor ideia da gravidade da situação dos mercados consumidores internos.

Essas variáveis parecem, portanto, indicar que estamos no caminho de uma significativa alteração de preços relativos de produtos exportáveis - domésticos a favor dos primeiros. Essa mudança tem um certo paralelo com a ocorrida a partir do final da década dos 60,20 20 Veja Homem de Melo, F., O Problema Alimentar no Brasil, São Paulo, Paz e Terra, 1983. com a introdução da política de minidesvalorizações cambiais e o início de um período favorável dos preços internacionais, tanto quanto do desempenho da economia mundial. Entretanto, ao contrário do momento atual, naquela época tivemos a economia brasileira com altas taxas de crescimento, o que favorecia a demanda interna e impedia uma maior mudança de preços relativos. Naquele período, também, as inovações tecnológicas já favoreciam a agricultura de exportação, fato que parece ainda permanecer nos dias de hoje. Uma outra importante diferença, entretanto, é que no momento atual temos, ao contrário de então, o programa do álcool, isto é, a produção, pela agricultura, de um substituto ao petróleo importado. Como vimos no texto, a penetração da cana-de-açúcar no Brasil-Central ainda é relativamente pequena. Isso, entretanto, poderá ser revertido caso ocorra uma decisão governamental de ampliar substancialmente esse programa, principalmente na eventualidade de ele ser reorientado para a substituição do óleo diesel.

COMENTÁRIOS FINAIS

Vejamos, rapidamente, os principais resultados desta análise. Primeiro, a pouca disponibilidade de terras férteis no Brasil-Central provocando uma expansão agrícola com mais investimentos por hectare e tecnologia mais sofisticada. Segundo, a composição do produto agrícola nessa região vem se alterando de modo significativo a favor da soja e em prejuízo principal do arroz. A cana-de-açúcar tem mostrado grande crescimento, mas ainda representa uma área relativamente pequena. Entre as possíveis causas do crescimento e da composição do produto na agricultura do Brasil-Central, analisamos a mudança tecnológica, mostrando um padrão desequilibrado entre produtos de inovações e os programas governamentais Polocentro e Proálcool.

A possibilidade de continuação, no futuro, de uma composição do produto semelhante à do período 1977/84, foi colocada como dependente da retomada e permanência do crescimento da economia mundial, pela demanda dos produtos do “complexo carnes” e óleo de soja, assim como da manutenção da atual política cambial brasileira que, a partir de 1983, passou a ser favorável ao setor de exportáveis. Essa continuação seria, também, facilitada pela recente elevação de preços internacionais de nossos produtos agrícolas, pela recessão econômica interna, pela intensificação do Proálcool e, finalmente, pelo seguimento do padrão recente de inovações tecnológicas.

Desse quadro resulta a nossa conclusão de desvantagem em que está colocada a nossa produção de alimentos para o mercado interno, mesmo nas regiões novas do Brasil-Central. Particularmente importantes nessa conclusão estão dois dos fatores analisados, através do seu caráter mais permanente e com difícil reversão de seus efeitos, a saber, o desequilíbrio entre produtos das inovações tecnológicas e os estímulos à exportação pela política cambial. O primeiro tem sua razão de ser na própria natureza incerta e com frutos demorados da pesquisa agronômica e, o segundo, muito simplesmente, em nosso endividamento externo e necessidade de aumento das exportações. Isso, certamente, dificulta a elaboração de uma política de apoio à expansão de nossa produção de alimentos domésticos.

Nessa mesma linha atuam dois fatores por nós não controlados: as continuidades das recuperações da economia mundial e das cotações internacionais de nossos produtos de exportação no restante dos anos 80. Entre os fatores que poderiam ser, pelo menos até certo ponto, controlados pelo exercício da nossa política econômica estão dois: não expansão das metas de produção de álcool e medidas compensatórias à recessão econômica, através, principalmente, da criação de uma cesta subsidiada de alguns produtos alimentares para as famílias de menores rendas. Ainda para compensar a desvantagem em que se encontra a nossa produção de alimentos domésticos, seria preciso redirecionar os instrumentos disponíveis da política agrícola visando apoiar esse subsetor de nossa agricultura. Entre eles, poderíamos mencionar: magnitudes realistas para os Valores Básicos de Custeio, maiores proporções de financiamento a esses produtos, seguro agrícola amplo, preços mínimos estimulantes, estabilização de preços e renda dos produtores, crédito subsidiado para investimentos na produção de alimentos e, finalmente, isenção de impostos indiretos para os principais alimentos consumidos pelas famílias de menores rendas.

  • 1
    Veja, para maiores detalhes, Dias, G. L. S., Agricultura e Crescimento Extensivo, tese de livre-docência, Departamento de Economia da FEA-USP, 1978.
  • 2
    Dias, G. L. S., op. cit., p. 49.
  • 3
    Veja, também, Vera Filho, F. e H. Tollini, “Progresso Tecnológico e Crescimento Agrícola”, ln: A. Veiga (coord.), Ensaios sobre Política Agrícola Brasileira, São Paulo, Secretaria de Agricultura, 1979, pp. 87-136.
  • 4
    Entre as várias documentações jornalísticas desse processo de substituição, veja Gazeta Mercantil, 4 de maio de 1984.
  • 5
    Comparação com a área total de 1984 em que repetimos a área de batata de 1983.
  • 6
    Veja Homem de Melo, F., “Inovações Tecnológicas e Efeitos Distributivos: O Caso de uma Economia Semi-Aberta”, Revista Brasileira de Economia 36(4): 429-43, 1982.
  • 7
    Para qualificações desse tipo, veja Vera Filho, F. e H. Tollini, “Progresso Tecnológico e Desenvolvimento Agrícola”, op. cit.
  • 8
    Kaster, M. e E. R. Bonato, “Contribuição das Ciências Agrárias para o Desenvolvimento: A Pesquisa em Soja”, Revista de Economia Rural 18 (3): 405-34, 1980.
  • 9
    lbid, p. 432.
  • 10
    Veja, para detalhes, Homem de Melo, F. e E. G. Fonseca, Proálcool, Energia e Transportes, São Paulo, Editora Pioneira, dezembro de 1981.
  • 11
    Veja Homem de Melo, F. e E. R. Pelin, As Soluções Energéticas e a Economia Brasileira, São Paulo, HUCTTEC, fevereiro de 1984.
  • 12
    As nossas reservas estimadas, em fase de medição, correspondem a 160.000 barris-equivalentes dia de petróleo, uma magnitude superior à dada pelo atual programa do álcool. Veja Rodrigues, E. C., “Gases, do Metano aos Residuais”. O Estado de S. Paulo, 15/4/83, p. 44.
  • 13
    São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.
  • 14
    Veja Homem de Melo e Fonseca, Proálcool, Energia e Transportes, op. cit, 15
  • 15
    Veja Revista Senhor, n. 132, 28/9/1983, p. 60.
  • 16
    Em recentes declarações à imprensa, o sr. Olacyr de Morais, o maior produtor individual de soja (em Mato Grosso do Sul) previu, para a região Centro-Oeste, um futuro agrícola baseado na soja, cana-de-açúcar (álcool) e pecuária de corte. Veja O Estado de S. Paulo, 10/1/1984.
  • 17
    Veja San Martin, P. e B. Pelegrini, Cerrados: Uma Ocupação Japonesa no Campo, Rio de Janeiro, Codecri, 1984.
  • 18
    Veja Malan, P. S., “A Questão Externa”, Fórum Gazeta Mercantil, FMI vs. Brasil: A Armadilha da Recessão, São Paulo, 1983, p. 97.
  • 19
    Veja Gazeta Mercantil, 5-7 de maio de 1984, p. 10.
  • 20
    Veja Homem de Melo, F., O Problema Alimentar no Brasil, São Paulo, Paz e Terra, 1983.
  • JEL Classification: Q11; Q13; Q18; R14.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1985
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