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Salários: uma possível alternativa de compromisso (comentários)* * Escrito em junho/84. Os autores agradecem as sugestões de Claudio Salm.

Wages: a possible compromise alternative (comments)

RESUMO

Este comentário é uma resposta à proposta de política salarial promulgada por Paulo Renato Souza no vol 4, n. Número 2/1984 da Revista Brasileira de Economia Política. Nosso ponto principal é o desafio de decidir o nível correto de salário médio a ser preservado num contexto de inflação elevada.

PALAVRAS-CHAVE:
Salários; política salarial; inflação

ABSTRACT

This comment is a response to the wage policy proposal enacted by Paulo Renato Souza in the vol 4, n. 2/1984 issue of the Brazilian Journal of Political Economy. Our main point is the challenge of deciding the correct level of average wage to be preserved in a high inflation context.

KEYWORDS:
Wages; wage policy; inflation

Este comentário visa contribuir para o debate sobre a questão salarial, cujo vigor tem sido crescente desde o início de 1983, momento em que a política salarial passou a ser um instrumento da política econômica recessiva imposta pelo Fundo Monetário Internacional.

Paulo Renato Souza1 1 Revista de Economia Política, vol. 4, n. 2, abril-junho/1984. apresentou, recentemente, uma proposta de política salarial alternativa, à qual nos dirigimos aqui. Como é de costume em curtos comentários como este, nos deteremos mais na apresentação de observações críticas, não obstante a qualidade e os acertos evidentes da proposta do autor.

A proposta de Política Salarial apresentada por Paulo Renato consiste numa sistemática de reajustes salariais automáticos, cuja periodicidade é determinada pelo comportamento das taxas de inflação. Seu objetivo explícito é garantir, pelo menos, a manutenção do poder de compra dos salários, ou seja, preservar o salário real médio do período entre reajustes. Com esta preocupação de impedir a continuidade do processo de rebaixamento salarial provocado, principalmente, por uma política salarial perversa e pela aceleração inflacionária dos últimos anos, o autor despreza, no entanto, o já avançado estágio em que se encontra este processo e os baixíssimos níveis de salários reais que, por consequência, a maior parte da classe trabalhadora possui. E propõe a manutenção deste salário real médio, já aviltado por sucessivos Decretos-leis, pelo recrudescimento da inflação, pela recessão. e pelos expurgos do INPC. Este é o ponto central de nossa crítica e que sugere a seguinte questão: qual o nível do salário real médio a ser preservado por uma nova política de reajustes salariais? O atual ou um nível mais alto de salários que recuperasse, pelo menos, parte do poder aquisitivo perdido durante estes anos de crise?

Embora reconheçamos que, para o conjunto dos trabalhadores, a garantia de manutenção do poder aquisitivo médio atual dos salários já represente, numa conjuntura econômica adversa como esta, uma medida favorável, uma análise da situação salarial do pessoal de baixa remuneração sugere que a adoção de uma nova política salarial deve dar mais atenção à precariedade do nível de vida atual desta parcela significativa da população brasileira.

Segundo os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) para os anos de 1980, 1981 e 1982, mais de 50% dos trabalhadores empregados na indústria de transformação do Estado de São Paulo recebiam uma remuneração de até 3 salários-mínimos. Considerando o agravamento da situação econômica do país e as mudanças sofridas pela política salarial durante o ano de 1983, é de supor que o percentual de assalariados nesta faixa tenha se elevado ou na melhor das hipóteses se mantido. Sendo assim, ao levarmos em conta que o salário-mínimo calculado pelo DIEESE “capaz de satisfazer as necessidades normais do trabalhador e as de sua família”, segundo a Constituição Brasileira, já era de Cr$ 337.459,52 em março deste ano, concluímos que mais da metade da força de trabalho industrial do estado mais desenvolvido da nação não obtém a remuneração mínima prevista em lei.

Não precisamos nos alongar nesta questão para termos uma ideia da péssima condição de vida da população de baixa renda. A leitura diária dos jornais noticia largamente a situação de desespero que se encontram as famílias mais pobres. Neste sentido, consideramos que uma possível alternativa de política salarial deve necessariamente reconhecer a urgência de uma elevação dos níveis salariais deste pessoal mais desfavorecidos. Consistindo numa medida positiva, não apenas do ponto de vista econômico, mas sobretudo social, apresentamos uma possível alteração à proposta de Paulo Renato Souza:

  • - para os trabalhadores de remuneração até 3 salários-mínimos, os reajustes salariais seriam, na fase de transição, iguais a 100% do INPC. A partir daí, estes seriam automáticos sempre que o INPC acumulado atingisse 30%. Esta proposta está ilustrada no Gráfico 1.

  • - para os demais trabalhadores, seria adotada a proposta do autor, ou seja, na fase de transição, os reajustes salariais seriam de aproximadamente 50% do INPC, a fim de recompor o salário real médio do semestre anterior, sobre o qual incidiria ainda um percentual próximo de 15% correspondente (grosso modo) à metade da inflação (30%) que definiria a periodicidade dos reajustes. Sempre que o INPC alcançasse este nível, os salários seriam, então, reajustados pelo mesmo percentual, como se observa no Gráfico 2.

Gráfico 1

Gráfico 2

Como se pode verificar, a adoção desta nova alternativa de política salarial implicaria uma elevação de aproximadamente 15% no salário médio dos trabalhadores de remuneração abaixo de 3 salários-mínimos, que, a nosso ver, ainda seria pouco favorável a estes assalariados, dado o seu baixíssimo nível de poder aquisitivo. Uma vez que, ainda de acordo com a RAIS, a participação dos salários deste pessoal era de 22% da massa total de salários da indústria de transformação paulista em 1982, a nossa proposta significaria sobre ela um aumento em torno de 3,3% e, por consequência, uma correspondente elevação no salário real médio do conjunto dos trabalhadores.

As críticas mais correntes a uma política salarial mais favorável para os assalariados são, basicamente, duas: referem-se a possíveis efeitos inflacionários e a prováveis pressões sobre a pauta de importações.

Não se pode negar que esta elevação real da massa de salários impactará diferenciadamente sobre as estruturas de custo dos vários setores da economia, podendo reforçar as pressões inflacionárias existentes. Daí, a importância de uma reforma financeira que reduzisse a participação desse encargo nos gastos das empresas e permitisse, portanto, que estas absorvessem a elevação real das suas folhas de salários sem repassá-la aos preços de seus produtos. Complementarmente, uma reforma tributária que contemplasse as empresas mais débeis permitiria a absorção do aumento dos gastos salariais sem comprometer a sua rentabilidade.

Cabe, contudo, relembrar (como já está colocado no artigo a que nos referimos) que a fase de transição entre as políticas salariais poderá contribuir para a reversão da tendência ascendente da inflação, na medida em que os reajustes semestrais, neste primeiro momento, seriam inferiores, em média, àqueles proclamados pelo Decreto-lei 2.065.

Quanto a possíveis pressões sobre a pauta de importações decorrentes de um aumento do consumo propiciado pelo aumento real dos salários, julgamos necessárias algumas observações:

  • - em primeiro lugar, este aumento de consumo implicaria, em grande medida, simples ocupação da capacidade ociosa existente na economia;

  • - as informações disponíveis não permitem a construção de indicadores capazes de avaliar o impacto que uma elevação de consumo geraria sobre as importações;

  • - além disso, mesmo que haja uma pressão sobre elas, sabe-se que o governo tem aí um total controle, podendo implementar uma política seletiva de importação compatível com as novas necessidades.

Cabe também destacar que, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, uma política salarial de elevação dos salários dos trabalhadores de baixa renda certamente gerará efeitos positivos sobre o conjunto da atividade econômica, estimulando um aumento da produção, do emprego e da renda. A partir deste momento, esta sistemática de reajustes salariais, se conjugada com outras medidas econômicas, poderá viabilizar uma nova fase de crescimento, permitindo a adoção de uma política salarial de longo prazo que eleve de forma significativa o conjunto dos salários.

Finalizando, reafirmamos que a adoção de uma nova política salarial se constitui numa medida urgente, de cunho social, sem a qual um novo pacto político poderá ser inviabilizado, dadas as tensões sociais existentes. Sob esta ótica, acreditamos que a alteração que sugerimos na proposta de Paulo Renato Souza também consiste numa possível alternativa de política salarial, igualmente viável do ponto de vista econômico e socialmente mais justa.

  • 1
    Revista de Economia Política, vol. 4, n. 2, abril-junho/1984.
  • JEL Classification: E31; J38; J31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1985
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