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Posição na ocupação, tempo de trabalho e renda na agricultura brasileira em 1980

Position in occupation, working time and income in Brazilian agriculture in 1980

RESUMO

Analisa-se distribuição de tamanho da renda no setor agropecuário, no Brasil, considerando a jornada semanal de trabalho de cada pessoa economicamente ativa e sua classificação como empregado, empregador ou autônomo. A base de dados é o Censo Demográfico de 1980. Os resultados mostram a importância dessa classificação na determinação da desigualdade geral da distribuição de renda no setor agrícola.

PALAVRAS-CHAVE:
Agricultura; distribuição de renda; desigualdade; tempo de trabalho

ABSTRACT

The size distribution of income within the agricultural sector, in Brazil, is analised, considering the weekly working time of each economically active person and his classification as employee, employer, or autonomous worker. The data basis is the 1980 Demographic Census. The results show the importance of that classification in the determination of the overall inequality of the income distribution in the agricultural sector.

KEYWORDS:
Agriculture; income distribution; inequality; time allocation

O estudo das condições da distribuição do produto nacional no processo de crescimento econômico foi uma tradição da economia clássica. David Ricardo afirma que a principal questão da Economia Política é determinar as leis que regulam a distribuição do produto entre três classes da sociedade: os proprietários da terra, os donos do capital e os trabalhadores. Já a partir da fisiocracia, na verdade, a questão distributiva, vista da ótica das classes sociais, constituía-se preocupação central dos economistas. A economia marxista, embora essencialmente voltada para o estudo do funcionamento geral do sistema capitalista a partir das condições da produção, também enfatiza os aspectos distributivos com base em uma teoria da exploração do trabalho.

Com a disseminação do paradigma neoclássico, porém, a posição de classe como determinante fundamental da forma de apropriação do produto sai de cena, na medida em que os fatores de produção - a serem remunerados de acordo com suas produtividades marginais - tomam o lugar, na análise econômica, dos verdadeiros agentes e respectivas relações sociais envolvidos no processo de produção e circulação das mercadorias. Paralelamente, uma entidade neutra e superior, o mercado, encarrega-se de estabelecer de forma adequada a remuneração dos fatores, substituindo convenientemente, na teoria, as relações antagônicas e a luta de classes. Desse ponto de vista, desenvolve-se uma tradição de estudos da distribuição pessoal da renda - nas economias clássica e marxista tratava-se da distribuição funcional -, atribuindo suas mazelas, como a desigualdade e a pobreza, a elementos externos à condição social básica no capitalismo, ou seja, à posse ou não dos meios de produção. Entre esses elementos podem-se citar a qualificação profissional, a educação, a idade e outros atributos de ordem eminentemente pessoal.

O presente trabalho propõe-se a investigar a importância da posição na ocupação na distribuição pessoal da renda na agricultura brasileira, confrontando-a com a influência do tempo trabalhado e com o componente regional, dada a heterogeneidade espacial do grau de desenvolvimento da agricultura capitalista no país.

Os dados foram obtidos a partir de tabulações especiais preparadas pela FIBGE com base nos questionários do Centro Demográfico de 1980. Esses dados mostram a distribuição das pessoas (de 10 anos e mais) economicamente ativas (PEA) na agropecuária por 11 estratos de renda proveniente de todas as ocupações, de acordo com o número de horas habitualmente trabalhadas por semana em todas as ocupações e a posição na ocupação principal. Embora a classificação original forneça quatro posições na ocupação (empregado, empregador, autônomo e não remunerado), consideramos apenas as três primeiras, admitindo que os não remunerados economicamente ativos devem constituir, em sua maioria, membros de unidades familiares cujo chefe declara a renda global obtida em seu próprio nome. Por coerência, eliminou-se também o estrato dos sem rendimento, que basicamente corresponde à categoria dos não remunerados.

Além do estrato dos sem rendimento, há mais 10 estratos cujos limites inferiores são 0, 0,25, 0,5, l, 1,5, 2, 3, 5, 10 e 20 salários-mínimos (SM). Para calcular as medidas de tendência central e desigualdade da distribuição da renda, o valor médio nos seis primeiros estratos foi fixado em 0,16, 0,41, 0,80, 1,25, 1,75 e 2,5 salários-mínimos. Note-se que o valor médio adotado está acima do ponto central nos três estratos de rendimento mais baixo, e coincide com o ponto central nos três estratos seguintes. Para estimar a desigualdade e interpolar percentis admitiu-se que dentro de cada um desses seis estratos a distribuição tivesse função de densidade linear. Nos quatro últimos estratos, acima de 3 salários-mínimos, o rendimento médio foi estimado através da distribuição de Pareto truncada em 200 salários-mínimos.1 1 Uma descrição do método utilizado é apresentada em Hoffmann (1986). Em uma versão anterior do presente trabalho, apresentada no VII Encontro Brasileiro de Econometria, em Vitória, em dezembro de 1985, o cálculo das medidas de desigualdade foi feito fixando-se, previamente, o rendimento médio dos 10 estratos. Em particular, o rendimento médio do último estrato (acima de 20 SM) havia sido fixado em 40 salários-mínimos. Dessa maneira, certamente estávamos subestimando a desigualdade entre as posições na ocupação pois os empregadores que ganham mais de 20 SM certamente têm um rendimento médio maior do que o dos empregados no mesmo estrato. Com o novo método, que permite estimar o rendimento médio do último estrato a partir dos próprios dados, os valores desse rendimento médio para empregadores foram sempre maiores do que para empregados ou autônomos. A mesma distribuição foi utilizada para estimar a desigualdade dentro de cada estrato e na interpolação de percentis.

De acordo com as definições do Censo Demográfico, a PEA foi classificada quanto à posição na ocupação exercida em:

  • Empregado: pessoa que tem um trabalho, prestando um serviço a um empregador, remunerada em dinheiro ou em dinheiro e mercadoria. Foram também considerados empregados os aprendizes e estagiários, remunerados ou não, e os empregados domésticos que recebem somente em benefícios;

  • Autônomo: pessoa que exerce uma atividade individualmente ou com ajuda de pessoa moradora no domicílio;

  • Empregador: pessoa que explora uma atividade econômica com auxílio de um ou mais empregados. Não se considerou empregador a pessoa que só tinha empregado doméstico.

  • Não remunerado: pessoa que exerce uma atividade econômica sem remuneração, trabalhando pelo menos 15 horas por semana, em ajuda a membro do domicílio ou, ainda, em ajuda a instituição religiosa, de caridade ou beneficente.

Reconhecidamente essas categorias não podem ser tomadas como expressão precisa das posições de classe. Na agricultura a multiplicidade de posições na ocupação é um fato frequente (por exemplo, é relativamente comum um pequeno produtor trabalhar como empregado em determinadas épocas e eventualmente contratar trabalhadores para complementar a mão-de-obra familiar) e na categoria de empregados incluem-se agregados, moradores, parceiros subordinados e assalariados puros.

Mesmo assim, o fato de uma pessoa ter como posição na ocupação principal a de empregado distingue-se efetivamente de uma outra que é (principalmente) empregador, sendo tal distinção decorrente, em sua essência, da posse ou não de meios de produção. Também os autônomos, que se acredita representarem em grande parte a produção familiar que só se torna empregadora esporadicamente (e não como posição principal), tendem a ser representativos do segmento social que não é tipicamente capitalista nem assalariado, como os camponeses.

Assim, embora como aproximação grossura das classes sociais no campo (sem destacar, inclusive, a dos proprietários fundiários rentistas), a classificação da FIBGE permite analisar, de forma razoável, a distribuição pessoal da renda a partir da ótica das relações sociais de produção.2 2 Nos setores urbanos a classificação das pessoas conforme a sua posição na ocupação principal, torna-se ainda menos representativa das posições de classe porque os executivos de grandes empresas, que são agentes do capital, certamente são classificados como empregados.

TEMPO DE TRABALHO E DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

Considerando o número de horas habitualmente trabalhadas por semana, as Tabelas 1 e 2 mostram alguns indicadores da distribuição da renda.

Tabela 1
Renda média mensal (µ), indice de Gini (G) e porcentagem de pobres* (H) para a PEA agropecuária, exclusive os sem rendimento. considerando os rendimentos de todas as ocupações, de acordo com o número de horas semanais trabalhadas. BRASIL, 1980.

Tabela 2
Decomposição da redundância entre e dentro de cinco contratos de horas semanais trabalhadas para a distribuição da renda entre a PEA agropecuária. BRASIL, 1980.

Em princípio, se as rendas pessoais fossem proporcionais à contribuição dos indivíduos para a geração do produto, medida exclusivamente pelo tempo de ocupação dedicado às respectivas atividades, dever-se-ia esperar uma associação positiva· entre tempo trabalhado (mesmo como gerenciamento e direção) e nível médio de remuneração. Não é isto que ocorre, porém, como se pode observar na primeira coluna da Tabela 1. Verifica-se que, entre os cinco estratos de horas trabalhadas, o rendimento médio é nitidamente maior para os que trabalham menos de 15 horas por semana, indicando que no sistema econômico vigente não é o esforço ou tempo de trabalho do indivíduo que determina seu rendimento. Note-se que nos três primeiros estratos a renda média é decrescente, sugerindo quase que uma associação negativa entre o tempo de ocupação e renda. A decomposição da redundância da distribuição da renda, considerando os cinco estratos de horas trabalhadas, mostrou que seu valor total (0,792) apenas 3,2% se devem à desigualdade entre os estratos, enquanto os 96,8% restantes são explicados pela desigualdade dentro dos próprios estratos.3 3 Quando se dispõe das rendas individuais a redundância da distribuição de renda é dada por R=Σyilognyi onde n é o número de pessoas e y 1 é a participação do i-ésimo indivíduo na renda global. Uma apresentação didática do conceito pode ser encontrada em Hoffmann (1980) e o método de cálculo a partir de dados agrupado em estratos de renda é apresentado em Hoffmann (1984).

Os valores do índice de Gini revelam que a desigualdade nos dois primeiros estratos (menos de 15 e de 15 a 29 horas semanais trabalhadas) é maior, indicando que nesses grupos encontram-se tanto pessoas pobres (porque subempregadas ou quase desempregadas) como pessoas muito ricas (que trabalham poucas horas porque efetivamente não necessitam). Nos estratos de 40 a 48 e de 49 ou mais horas trabalhadas e desigualdade é menor, refletindo a maior homogeneidade das fontes de renda dos indivíduos aí classificados.

A presença de pessoas subempregadas nos dois primeiros estratos reflete-se também na proporção de pobres, que aí alcança valores relativamente altos (62,8% e 78,3%) em comparação com a média geral (61,0%). A menor proporção de pobres, que aparece no último estrato, revela a necessidade de um sobre-esforço, por parte de fração considerável da PEA agropecuária (cerca de um terço trabalha 49 horas ou mais por semana) para alcançar uma renda mensal superior a 1 salário-mínimo.

Considerando o conjunto da PEA com renda mensal menor ou igual a 1 salário-mínimo por mês, verifica-se que 84,2% das pessoas trabalham 40 ou mais horas por semana, indicando claramente que uma jornada legal e mesmo excessiva de trabalho não é condição suficiente para eliminar sua condição de pobreza.

Cabe observar que as conclusões anteriores não se modificam, em seu sentido geral, quando se inclui na distribuição a PEA sem rendimentos. A alteração mais sensível ocorre na renda média dos estratos de 15 a 29 e de 30 a 39 horas semanais trabalhadas, que se mostram proporcionalmente menores, provavelmente devido à inclusão dos membros não remunerados das explorações familiares.

Na Tabela 2 são apresentados os resultados da decomposição da redundância da distribuição considerando, em cada região, a divisão em cinco estratos de horas semanais trabalhadas. Nas seis regiões pode-se verificar que o efeito da desigualdade devido às diferenças de renda entre esses cinco estratos é desprezível, atingindo, no máximo, 2,5%, na região Norte.

É importante sublinhar que nas regiões de agricultura mais modernizada a proporção da PEA agropecuária com jornada de trabalho acima de 48 horas semanais é bem maior que nas regiões Norte e Nordeste. Em São Paulo essa proporção é igual a 46,0% da PEA agropecuária e na região Sul ela atinge 54,7% da PEA, enquanto no Norte e Nordeste corresponde a 25,1% e 18,0%, respectivamente.

No entanto, apesar dessas diferenças regionais de composição da PEA, vê-se pelos dados da Tabela 2 que o componente entre estratos de tempo trabalhado pouco tem a ver com as desigualdades da renda nas diferentes regiões.

POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

Considerando três categorias quanto à posição na ocupação principal (empregados, empregadores e autônomos), verifica-se pela Tabela 3 que a renda média dos empregadores é significativamente superior à das demais categorias (9,48 salários-mínimos mensais contra 0,99 e 1,58 salários-mínimos para empregados e autônomos, respectivamente). A proporção de pobres entre os empregadores, admitindo uma linha de pobreza de 1 salário-mínimo mensal, mostra-se também nitidamente inferior à das duas outras categorias, embora seja aparentemente difícil aceitar que 13,5%% dos empregadores agrícolas se encontrem na condição de pobreza. Deve-se lembrar, no entanto, que essa categoria pode incluir, além dos empresários agrícolas propriamente ditos, pequenos produtores que apesar de contratarem assalariados em caráter eventual ou complementar declararam ser esta sua posição na ocupação principal. Note-se, também, que na categoria dos empregadores encontra-se fração mínima da PEA que está abaixo da linha de pobreza (0,7%), em proporção bastante inferior à fração da PEA total nessa posição (3,1%).

Tabela 3
Renda média mensal (µ), índice de Gini (g) e porcentagem de pobres* (H) para a PEA agropecuária, exclusive os sem rendimento, de todas as ocupações, de acordo com a posição na ocupação principal. Brasil, 1980.

A presença de empregadores bastante pobres ao lado de grandes empresários capitalistas na mesma categoria reflete-se no maior grau de desigualdade da distribuição da renda (G=0,663) em comparação com os empregados, que ostentam a maior homogeneidade de nível de rendimentos (G=0,349), e com os autônomos (G=0,534). Mas, apesar da forte desigualdade dentro da categoria dos empregadores, a decomposição da redundância mostra que a desigualdade entre categorias explica 26,8% da desigualdade total (R=0,811). Em comparação com a importância da redundância entre estratos de horas trabalhadas, referida anteriormente, fica patente que o fundamental na explicação do grau de desigualdade da renda na agricultura é a posição ocupacional do indivíduo e não o tempo de trabalho por ele despendido.4 4 A importância da posição na ocupação na explicação do grau de desigualdade da distribuição da renda na agropecuária do Brasil em 1960 e 1970 foi assinalada por Fishlow (1973).

Mais uma vez, cabe sublinhar que a inclusão da PEA sem rendimentos na distribuição praticamente não altera esses resultados: as rendas médias passam, respectivamente, a 0,99 SM (empregados), 9,37 SM (empregadores) e 1,53 SM (autônomos); os valores do índice de Gini crescem ligeiramente (0,350, 0,667 e 0,550) e a contribuição da redundância entre categorias cai para 26,0% do total. Note-se que a diferença mais perceptível ocorre no valor do índice de Gini dos autônomos, porque a maior parcela dos sem rendimento está incluída nessa categoria.

A importância da posição na ocupação como determinante do nível pessoal de renda e como elemento explicativo de parcela considerável da desigualdade da distribuição de renda revela-se em todas as regiões do país, como indicam as Tabelas 4 e 5.

Tabela 4
Renda média mensal (µ), índice de Gini (G) e porcentagem de pobres* (H) para a PEA agropecuária, exclusive os sem rendimento, considerando os rendimentos de todas as ocupações, de acordo com a posição na ocupação principal, em seis regiões do Brasil, em 1980.

Tabela 5
Decomposição da redundância entre e dentro de três categorias ocupacionais para a distribuição da renda entre a PEA agropecuária no Brasil e em seis regiões, em 1980.

Em todas as regiões os empregados apresentam os menores valores para a renda média e nessa categoria observam-se os mínimos graus de desigualdade da distribuição. No outro extremo, a categoria dos empregadores mostra os máximos níveis de renda per capita e aí ocorrem os maiores valores para o índice de Gini. Quanto à pobreza absoluta, sua extensão é maior na categoria dos empregados, mostrando-se bastante atenuada entre os empregadores, a não ser no Nordeste, em que a proporção de pobres atinge mais de 30% nesta última categoria. Os autônomos aparecem sempre em posição intermediária quanto aos três indicadores considerados.

Apesar da uniformidade dessas tendências nas seis regiões, os resultados refletem grandes disparidades dos níveis de renda e do grau de pobreza na agricultura em termos regionais. Assim, por exemplo, as rendas médias de todas as categorias são mais elevadas em São Paulo, em contraste com os valores extremamente baixos observados no Nordeste. A renda média dos empregadores agrícolas nesta região (5,32 SM) não é muito maior do que a dos autônomos em São Paulo (3,50 SM), enquanto a renda média dos autônomos no Nordeste (0,93 SM) é inferior à dos empregados na agricultura paulista (1,27 SM). Tais disparidades refletem o grau de desenvolvimento geral da região e as heterogeneidades do processo de modernização da agricultura e do nível de organização das categorias sociais envolvidas. O próprio peso relativo dos empregados agrícolas em São Paulo (76,1% da PEA agropecuária) mostra a extensão da agricultura capitalista nesse estado, assim como constitui uma base mais ampla para a organização política da categoria, que pode se refletir em maior poder de barganha nas disputas pela apropriação do excedente.

É interessante observar que, embora São Paulo apresente níveis de renda per capita maiores que os da região Sul em cada uma das três categorias consideradas, a média geral é a mesma nas duas regiões (2,25 SM). Isto decorre das diferentes composições da PEA agropecuária nas duas regiões: em São Paulo, a maior parcela da PEA é composta pela categoria de renda mais baixa (76,1% de empregados), enquanto na região Sul 60% da PEA são da categoria de autônomos, que têm renda superior à média geral da região.

Deve-se mencionar que o valor da renda média dos autônomos é particularmente afetado por certas limitações dos dados censitários. Na medida em que os não remunerados são membros da família de pequenos agricultores classificados como autônomos, a renda média por pessoa ativa, nessas famílias, é menor do que o valor apresentado, em cujo cálculo não foram considerados os não remunerados. Por outro lado, como os dados sobre renda no censo não incluem a produção para autoconsumo (nem o valor da residência própria), a renda real dos pequenos agricultores tende a ser bastante subestimada. Embora seja difícil estabelecer o valor das correções que deveriam ser feitas nos valores apresentados, é certo que a renda média dos autônomos permaneceria substancialmente maior do que a renda média dos empregados.

A importância relativa do componente da redundância devido à desigualdade entre categorias ocupacionais mostra-se tanto maior quanto mais desenvolvida a agricultura regional em termos das relações de produção capitalistas, como mostra a Tabela 5.

Nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e no Estado de São Paulo a redundância entre grupos explica 30% ou mais da desigualdade total, destacando-se São Paulo, onde cerca de 40% da desigualdade total devem-se componente entre. Nas regiões Norte e Nordeste essas parcelas são bem menores (12% e 19%, respectivamente), refletindo a menor diferenciação social dos agentes produtivos. Na medida em que o processo de modernização capitalista da agricultura avança, tende a impor mais rapidamente a diferenciação social e tornar mais aparente a polarização entre a classe detentora dos meios de produção e os trabalhadores despossuídos.

Finalmente, cabe registrar que as disparidades inter-regionais constituem componente relativamente pequeno da desigualdade da distribuição da renda no país. Da desigualdade total medida pela redundância apenas 8,7% são explicados pela desigualdade entre as seis regiões consideradas.

TEMPO DE TRABALHO, POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO E RENDA

O papel determinante da posição na ocupação nas características da distribuição da renda pode ser mais claramente evidenciado a partir da distribuição em cada categoria ocupacional segundo o tempo trabalhado (ver Tabela 6).

Tabela 6
Renda média mensal (1,1), índice de Gini (G) e porcentagem de pobres* (H) para a PEA agropecuária, exclusive os sem rendimento, considerando os rendimentos de todas as ocupações, de acordo com a posição na ocupaçãoprincipal e o número de horas semanais trabalhadas. Brasil, 1980.

Qualquer que seja a jornada de trabalho dos empregados agrícolas suas rendas médias são sempre inferiores às das demais categorias, ocorrendo o inverso com os empregadores, cujos rendimentos superam, em qualquer estrato de tempo de ocupação, os das outras categorias.

Além disso, enquanto os maiores valores de renda per capita dos empregados aparecem no estrato de 49 horas ou mais de trabalho por semana, para os empregadores a maior renda média (quase 12 SM) corresponde aos que se ocupam menos de 15 horas semanais, decrescendo até o penúltimo estrato, de 40 a 48 horas semanais. Essas características dão a entender que os não detentores de meios de produção (empregados) são obrigados a estender as jornadas de trabalho às vezes acima dos limites usuais para conseguir acréscimos geralmente insignificantes em seus níveis de remuneração. O fato de ser a renda dos empregadores inversamente proporcional ao tempo de ocupação (até o penúltimo estrato) reflete a presença simultânea de grandes empresários capitalistas, que contam com administradores, fiscais etc., podendo, portanto, minimizar seu tempo de ocupação no gerenciamento da produção, e de pequenos capitalistas ou produtores familiares que contratam poucos empregados, exigindo maior dedicação pessoal às atividades produtivas. Em outras palavras, os empregadores que não precisam trabalhar são os que, por possuírem mais capital, auferem maiores rendas. Isto se reflete na menor proporção de pobres nos estratos de menor tempo de ocupação no caso dos empregadores.

Em duas categorias consideradas, as pessoas com renda inferior ou igual a 1 salário-mínimo e com longas jornadas de trabalho representam frações consideráveis da PEA: 60% dos empregados e 46% dos autônomos trabalham 40 horas ou mais por semana e encontram-se abaixo da linha de pobreza absoluta. Na categoria dos empregadores essa proporção é de quase 12% e, embora muito menor que as anteriores, é expressiva dada a conceituação adotada para a categoria.

Quanto aos índices de Gini, reafirma-se a menor desigualdade no grupo dos empregados, qualquer que seja o estrato de tempo trabalhado, indicando que a influência da natureza do rendimento é mais importante na redução da desigualdade do que a influência do tempo de trabalho.

A Tabela 7 reforça a argumentação, mostrando que, nas três categorias, o efeito do tempo de trabalho na determinação das desigualdades na distribuição da renda é desprezível. Da desigualdade total em cada categoria, medida pela redundância, menos de 5% podem ser explicados pela desigualdade entre estratos de horas trabalhadas. Destaca-se o grupo dos empregadores, em que o componente entre explica apenas 1,8% da redundância total.

Tabela 7
Decomposição da redundância entre e dentro de cinco estratos de horas semanais trabalhadas para a distribuição da renda entre a PEA agropecuária de acordo com a posição na ocupação principal. Brasil, 1980.

CONCLUSÕES

A análise de alguns indicadores do nível e desigualdade da renda pessoal na agricultura brasileira, a partir dos dados do Censo Demográfico de 1980, revelou a importância primordial da posição na ocupação na determinação daquelas características.

Na medida em que a posição na ocupação possa refletir, mesmo que grosso modo, a posição de classe dos agentes sociais, os resultados conduzem à valorização desse elemento enquanto determinante fundamental dos aspectos distributivos no sistema capitalista.

As desigualdades regionais da agricultura e a diversidade de tempos de ocupação (indo desde situações típicas de subemprego até as de prolongamento excessivo da jornada de trabalho), ainda que possam ser consideradas extremamente fortes na agricultura brasileira, têm sua influência minimizada na determinação da renda e da desigualdade quando confrontadas com o fator posição na ocupação. Este, por sua vez, mostra-se tão mais importante na explicação das desigualdades da distribuição da renda quanto mais diferenciadas estejam as duas classes sociais básicas do sistema capitalista, na agricultura regional.

Se, de outro lado, levamos em conta a categoria intermediária (nem empregada nem tipicamente capitalista) representada pelos autônomos, aos quais deve corresponder a maior parte da pequena produção familiar, podemos verificar que em todas as regiões do país ela detém níveis médios de renda maiores do que o dos empregados e menor proporção de pobres que esta última categoria, ainda que com grau de desigualdade maior. Se a diferença fundamental entre os empregados e os autônomos reside no acesso, ainda que em pequena escala, à posse de meios de produção, dos quais a terra seria o básico, deduz-se que a reforma agrária é um instrumento privilegiado de fortalecimento dessa categoria intermediária, no sentido de atenuar a pobreza e a desigualdade social no campo. Na medida em que o programa de reforma agrária reforçar simultaneamente as formas de organização sindical dos assalariados rurais, ampliam-se as possibilidades de redução da pobreza no campo e, diretamente, de contenção do êxodo rural e de diminuição da marginalidade urbana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Fishlow, Albert. (1973) “Distribuição de renda no Brasil - Um novo exame”, Dados 11: 10-80 (publicação do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).
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  • Hoffmann, Rodolfo. (1984) “Estimation of inequality and concentration measures from grouped observations”, Revista de Econometria 4(1): 5-21.
  • Hoffmann, Rodolfo. (1986) “Utilização da curva de Pareto truncada para estimar a renda total de estratos”, trabalho apresentado no V Encontro da Econometria da Região Sudeste, Piracicaba, SP, maio.
  • Hoffmann, Rodolfo e Ângela Kageyama. (1984) “Distribuição da renda no Brasil, entre famílias e entre pessoas, em 1970 e 1980”, trabalho apresentado no XII Encontro Nacional de Economia (Reunião da ANPEC), São Paulo.
  • Ricardo, David. (1982) Princípios de economia política e tributação, São Paulo, Abril Cultural.
  • 1
    Uma descrição do método utilizado é apresentada em Hoffmann (1986Hoffmann, Rodolfo. (1986) “Utilização da curva de Pareto truncada para estimar a renda total de estratos”, trabalho apresentado no V Encontro da Econometria da Região Sudeste, Piracicaba, SP, maio.). Em uma versão anterior do presente trabalho, apresentada no VII Encontro Brasileiro de Econometria, em Vitória, em dezembro de 1985, o cálculo das medidas de desigualdade foi feito fixando-se, previamente, o rendimento médio dos 10 estratos. Em particular, o rendimento médio do último estrato (acima de 20 SM) havia sido fixado em 40 salários-mínimos. Dessa maneira, certamente estávamos subestimando a desigualdade entre as posições na ocupação pois os empregadores que ganham mais de 20 SM certamente têm um rendimento médio maior do que o dos empregados no mesmo estrato. Com o novo método, que permite estimar o rendimento médio do último estrato a partir dos próprios dados, os valores desse rendimento médio para empregadores foram sempre maiores do que para empregados ou autônomos.
  • 2
    Nos setores urbanos a classificação das pessoas conforme a sua posição na ocupação principal, torna-se ainda menos representativa das posições de classe porque os executivos de grandes empresas, que são agentes do capital, certamente são classificados como empregados.
  • 3
    Quando se dispõe das rendas individuais a redundância da distribuição de renda é dada por R=Σyilognyi onde n é o número de pessoas e y 1 é a participação do i-ésimo indivíduo na renda global. Uma apresentação didática do conceito pode ser encontrada em Hoffmann (1980Hoffmann, Rodolfo. (1980) Estatística para economistas, São Paulo, Pioneira.) e o método de cálculo a partir de dados agrupado em estratos de renda é apresentado em Hoffmann (1984Hoffmann, Rodolfo. (1984) “Estimation of inequality and concentration measures from grouped observations”, Revista de Econometria 4(1): 5-21.).
  • 4
    A importância da posição na ocupação na explicação do grau de desigualdade da distribuição da renda na agropecuária do Brasil em 1960 e 1970 foi assinalada por Fishlow (1973Fishlow, Albert. (1973) “Distribuição de renda no Brasil - Um novo exame”, Dados 11: 10-80 (publicação do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).).
  • 5
    JEL Classification: J22; J21; J31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1986
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