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Agroindústria, políticas públicas e estruturas sociais rurais: análises recentes sobre a agricultura brasileira* * Este trabalho apresenta em forma limitada e aplicada ao caso brasileiro o marco analitico desenvolvido pelos autores em From Farming to Biotechnologies, Oxford, Blackwell, no prelo. * * Traduzido por Irene Portela.

Agroindustry, public policies and rural social structures: recent analyzes of Brazilian agriculture

RESUMO

Este artigo apresenta uma revisão da literatura atual e dos debates sobre a agricultura brasileira, identificando três abordagens básicas - a visão da articulação, a interpretação clássica da proletarização e análises que tomam como ponto de partida o conceito de complexo agroindustrial. Seguem-se os esboços de uma crítica geral de cada abordagem, juntamente com um quadro alternativo para analisar as estruturas rurais. Na seção final, procura-se sintetizar as principais tendências que reestruturam a agricultura brasileira tanto regionalmente quanto em termos de uma tipologia das principais formas de produção. Agroindústria, políticas públicas e estruturas sociais rurais: análises recentes sobre a agricultura brasileira.

PALAVRAS-CHAVE:
Desenvolvimento agrícola; distribuição de terras; propriedade da terra

ABSTRACT

This article presents a review of current literature and debates on Brazilian agriculture, identifying three basic approaches - the articulation view, the classical proletarianisation interpretation, and analyses which take as their starting point the concept of the agro-industrial complex. There follow the outlines of a general critique of each approach together with an alternative framework for analysing rural structures. In the final section, an attempt is made to synthetise the principal tendencies restructuring Brazilian agriculture both regionally and in terms of a typology of the principal forms of production.

KEYWORDS:
Agricultural development; land distribution; land ownership

A profunda transformação ocorrida nas estruturas sociais rurais no Brasil nas últimas duas décadas induziu igualmente mudanças significativas no debate sobre a questão agrária. Podemos distinguir basicamente três formulações a respeito das estruturas agrárias e de sua integração com o capitalismo industrial. São estas o modelo articulador, o processo de proletarização interno clássico da “via prussiana” e formulações que postulam a subordinação da produção familiar ao “complexo” agroindustrial. Nenhuma destas perspectivas desapareceu inteiramente, apesar da rápida mudança no campo de debates sobre a “tendência dominante” na divisão social do trabalho na agricultura brasileira.

UMA REVISÃO DOS DEBATES SOBRE A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA

A nossa revisão concentra-se nas formulações recentes que consideram as políticas de modernização subsidiadas pelo Estado e o crescimento da agroindústria como, determinantes básicos de mudança nas estruturas sociais agrárias nos anos 70. Essas políticas, segundo esta interpretação, promoveram a capitalização dos processos de trabalho rurais e a mercantilização crescente da agricultura de pequena escala, acelerando a taxa de proletarização rural. Essas recentes tendências são encaradas como prova de uma rearticulação fundamental nas relações rural-urbano, caracterizando-se pela integração direta da agricultura à reprodução dos capitais industriais. Esta, por assim dizer, “industrialização” da agricultura é apresentada como definidora de um novo modelo de acumulação, o que implica um afastamento radical do modelo articulador proposto anteriormente por Oliveira (1972OLIVEIRA, F. de, (1972) “A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista”, Estudos CEBRAP , n. 2, pp. 5-82. ) e por Sá (1973SA JR, F., (1973) “O Desenvolvimento da Agricultura Nordestina e a Função das Atividades de Subsistência”, Estudos CEBRAP , n. 3, pp. 87-147. ). Uma vez que as contribuições originais destes dois últimos autores se constituem no ponto de partida para as formulações atuais, parece-nos importante refletir, ainda que rapidamente, a respeito.1 1 Para uma discussão aprofundada a respeito, ver Goodman (1977).

Oliveira tentou demonstrar, em oposição aos prognósticos dualistas, que a persistência de estruturas agrárias “atrasadas” não havia impedido uma rápida industrialização no pós-guerra, quer pela impossibilidade de aí se mobilizar o excedente agrícola como de se constituir num “mercado doméstico” para a indústria capitalista. Oliveira afirma que a ocupação extensiva de novas fronteiras agrícolas por uma agricultura “primitiva” teve uma importância fundamental na consolidação de um padrão urbano, industrial, de acumulação e de crescimento. A oferta de excedentes para consumo interno e para exportação foi obtida através da incorporação de fronteiras, baseada na reprodução de relações “arcaicas”, não-capitalistas, de exploração do trabalho, embutidas no “complexo latifúndio-minifúndio”. Este processo histórico de expansão da fronteira ou “crescimento através da elaboração de periferias” é visto por Oliveira como uma acumulação primitiva continua.2 2 Este conceito; que ocupa um lugar significativo nos textos de Rosa Luxemburgo, foi recentemente recolocado e ampliado por Foweraker (1981) na sua análise da colonização da fronteira no Paraná, na zona Sul de Mato Grosso e na zona Sul do Pará. As condições para a apropriação· do excedente através de meios extraeconômicos eram criadas e reproduzidas através da transitoriedade do acesso da mão-de-obra rural à terra. Estas condições são encontradas tanto na “fronteira externa” dos estabelecimentos agrícolas recentes como via rotação de terras não cultivadas, na ‘’fronteira interna” dos latifúndios em regiões há muito ocupadas, tais como o Nordeste.

A incorporação de fronteiras por formas não-capitalistas de produção permitiu à agricultura brasileira responder adequadamente às exigências de um rápido crescimento industrial, liberando bens e fluxos de recursos financeiros sem gerar nenhum movimento significativo nas condições internas de troca desfavorável à Indústria.3 3 Oliveira goza de um grande consenso quanto a este ponto de vista. Para maiores detalhes, ver Goodman e Redclift (1981: 13.S-139). No modelo de Oliveira de articulação intersetorial, a agricultura “primitiva” fornece uma contribuição direta à acumulação de capital urbano ao reduzir o custo de reprodução da mão-de-obra empregada em setores capitalistas urbanos e na agricultura comercial. Os bens produzidos pelas formas não-capitalistas de produção subsidiam a acumulação de capital urbano através do achatamento dos salários rurais e do preço real dos alimentos - o principal bem primário de consumo urbano.4 4 Oliveira afirmou que “a maioria das culturas de vegetais para alimentação (tais corno arroz, feijão e cereais) que supriam os grandes mercados urbanos provinham de zonas de colonização recente” (Oliveira, 1972: 16-17). Estes mecanismos baseavam-se na existência de um excedente populacional e na expansão das fronteiras agrícolas, o que criava condições para uma acumulação primitiva permanente.

No seu ataque ao que concebe como modelos dualistas primários na controvérsia “feudalismo x capitalismo” no Brasil, Oliveira enfatiza então que a reprodução de formas não-capitalistas de produção rural era funcional, e não contrária, à acumulação de capital industrial. Além disso, o surgimento de fortes tendências à concentração e a criação de um mercado de classe média urbana, que caracterizaram o programa de substituição de importações de desenvolvimento industrial no Brasil, reduziram o significado estratégico do setor rural como um “mercado interno” para os bens manufaturados. A articulação entre o modo de produção capitalista e as formas não-capitalistas de produção rural forneceu condições favoráveis à formação de capital urbano, consolidando o “pacto estrutural” entre a burguesia urbana e as classes rurais proprietárias de terra. Apesar do deslocamento estrutural no locus de acumulação do setor primário exportador para a indústria, este modelo de articulação “permitiu ao sistema deixar intactas as bases de produção agrária, passando por cima dos problemas de distribuição da propriedade da terra, que pareciam cruciais no final dos anos 50” (Oliveira, 1972OLIVEIRA, F. de, (1972) “A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista”, Estudos CEBRAP , n. 2, pp. 5-82. : 18).

Após o golpe de 1964, o Estado autoritário manteve o pacto entre o capital urbano e a propriedade rural da terra. Os movimentos dos trabalhadores rurais foram reprimidos e as pretensões de reforma e de distribuição foram abandonadas, apesar da sua recorrência na retórica política. Embora a manutenção das condições necessárias à reprodução ampliada de capital industrial urbano haja colaborado claramente para uma continuidade essencial nas políticas brasileiras de desenvolvimento agrícola do pós-guerra5 5 Este ponto de vista é defendido por Goodman e Redclift (1981: 128-150). o foco desta estratégia, no final dos anos 60, deslocou-se gradual mas incisivamente da ocupação de fronteiras para a capitaliza­ção do processo de produção rural, via políticas de investimento subsidiadas pelo Estado, principalmente através de programas de crédito rural. O incentivo à invocação tecnológica e ao aumento da produtividade dentro do quadro anterior de forte concentração da propriedade da terra foi adequadamente descrito como “modernização conservadora”, uma vez que o seu objetivo foi transformar o latifúndio, símbolo da agricultura “primitiva”, “feudal”, numa grande e moderna empresa agrícola. Esta reorientação na estratégia de desenvolvimento rural, sustentada pela realocação, em grande escala, de recursos, é vista por muitos autores como constituindo um estágio radicalmente novo de penetração capitalista nas estruturas sociais rurais. O modelo articulador anterior, no qual o interesse teórico se detém nas relações de exploração dentro das formas de produção não-capitalistas, é substituído, na literatura sobre o assunto, por análises sobre a extensão das relações sociais capitalistas no campo sob a égide das políticas modernizadoras do Estado.

Podemos distinguir dois momentos nas análises sobre o papel do Estado na transformação das estruturas sociais rurais “primitivas”. Inicialmente, a onda de proletarização que acompanhou intervenções do Estado, tais como o programa de erradicação de cafezais e a legislação previdenciária e trabalhista rural, é vista como sendo uma resposta dos proprietários de latifúndios a políticas discriminatórias, embora isoladas. Culturas que exigem emprego intensivo de mão-de-obra, tais como o café, são substituídas por outras de ciclos mais curtos ou por pastagens, e os trabalhadores residentes (colonos, agregados, moradores) são expulsos em favor de mão-de-obra assalariada temporária (volantes), contratados ocasionalmente, de modo a ludibriar a legislação trabalhista rural.

Posteriormente, no entanto, o Estado passa a ser encarado como agente de uma estratégia deliberada e coerente no sentido de transformar a base produtiva da agricultura via sua integração ao complexo agroindustrial. A “modernização conservadora” é vista como uma alternativa para a reforma agrária, e o interesse teórico volta-se para a transformação do processo de trabalho nas grandes propriedades onde se processaria a “purificação” das relações salariais até aí “disfarçadas” em formas não-monetárias de remuneração. Os sistemas “mistos” de controle da mão-de-obra característicos de grandes fazendas, particularmente nas plantações de café e de cana-de-açúcar, recebem o golpe de misericórdia da legislação trabalhista rural e dos subsídios aos insumos industriais. O colapso final destes sistemas moribundos e o proletariado rural emergente foram aclamados como a expressão acabada de relações sociais capitalistas na agricultura. Nesta fase do debate no Brasil, as clássicas análises marxistas de diferenciação social, de Lenin e Kautsky sobretudo, desfrutaram um notório reflorescimento.

D’Incao e Mello apresenta um tratamento original da tese da “via prussiana” no seu trabalho sobre a mudança das estruturas sociais na região da Alta Sorocabana, Estado de São Paulo. Ela afirma que o avanço do capitalismo, que se caracterizou pela concentração da propriedade da terra, pela especulação imobiliária de terras e pelo aumento do emprego intensivo de capital nos processos de trabalho rural, difundiu a relação salarial na agricultura. A exclusão dos trabalhadores rurais do acesso ao processo produtivo contribuiu para o achatamento dos salários nos mercados rural e urbano, levando à constituição do novo contingente de força de trabalho de reserva, tal como o definiu Marx, ‘’tanto em termos de suas causas estruturais como no modo peculiar de participação nos diferentes processos de produção da economia rural regional” (D’Incao e Mello, 1975D’INCAO e MELLO, M. C., (1975) O “Boia-fria”: Acumulação e Miséria, Petrópolis, Vozes. : 31). A eliminação dos “trabalhadores assalariados disfarçados” meeiros, arrendatários ou trabalhadores residentes, e sua proletarização, na transformação em mão-de-obra assalariada casual, não-residente, popularmente chamados de boias-frias, é vista como a “afirmação histórica” do modo capitalista de produção na agricultura.

Brant (1977BRANT, V. G., (1977) “Do Colono ao Boia-fria”, Estudos CEBRAP, n. 19, pp. 39-91. ) amplia essa formulação, que aplica no seu estudo de caso do Sudoeste de São Paulo, afirmando que as mudanças no uso da terra, os plantios mistos e a modernização dos processos de trabalho rurais criaram um excedente relativo de população, eliminando, portanto, as vantagens de se manter uma força de trabalho residente, fixa, e abrindo assim caminho para o surgimento de um mercado de trabalho capitalista. A importância relativa crescente de mão-de-obra assalariada temporária marca “a transformação da agricultura em indústria bem como a transformação de um contingente de reserva para a indústria (1977: 81). Para Brant, o boia-fria expressa a aproximação de uma unificação entre os mercados de trabalho rural e urbano, ao nivelar as condições de acumulação, o que liberará as forças capitalistas de produção para uma “industrialização” da agricultura.

Deste ponto de vista, o Estado com sua estratégia de “modernização conservadora” torna-se o arquiteto de um novo modelo de acumulação, que se expressa na expansão e diversificação do complexo agroindustrial e na rápida penetração das relações capitalistas de produção na agricultura. Os sistemas anteriores de controle do trabalho nas grandes propriedades, baseados na escassez de mão-de-obra, cedem lugar a um crescimento da massa de trabalhadores sem terra disponível para ser empregada ocasionalmente. A velha estrutura do latifúndio, com seus trabalhadores residentes e com seus “minifúndios internos” de meeiros e arrendatários, é substituída pela empresa capitalizada, que utiliza mão-de-obra assalariada temporária, como o novo paradigma da agricultura brasileira. O trabalho de D’Incao e Mello e de Brant deu origem a um sem-número de estudos de caso do fenômeno dos boias-frias e de suas manifestações regionais, o qual é tomado como prova da consolidação das relações capitalistas de produção.6 6 Vide a coleção de artigos de conferência anual que vêm sendo publicados pelo Departamento de Economia Rural de Botucatu, São Paulo, desde 1975. Podem-se encontrar artigos escolhidos destas reuniões em CNPq/UNESP (1982). A literatura. a respeito do boia-fria foi revista por Goodman e Redclift (1977) e por Saint (1980).

Devemos mencionar aqui a contribuição de Graziano da Silva (1981GRAZIANO DA SILVA, J., (1981) Progresso Técnico e Relações de Trabalho na Agricultura, São Paulo, HUCITEC. ), uma vez que ele combina elementos dos diferentes estágios do debate. Assim, para ele as estruturas rurais, particularmente o latifúndio, permanecem ainda como ponto central das análises sobre as políticas modernizadoras do Estado. Estas são encaradas como uma alternativa para a reforma agrária num contexto de rápido aumento da demanda urbana e internacional por produtos agrícolas. Graziano enfatiza, no entanto, a natureza peculiar do novo proletariado rural. Ao invés de vê-lo como a expressão mais acabada de relações capitalistas, ele sugere que denota o caráter limitado da penetração capitalista, sobretudo no que se refere às atividades de colheita. Graziano da Silva também salienta a crescente identificação de interesses entre os capitais agroindustriais e o Estado em expandir os processos de modernização. Nesse ponto ele pode ser encarado como um precursor das perspectivas atuais.

No presente estágio, o terceiro do debate, as estruturas rurais deixam de estar no centro da discussão teórica. O objeto de análise passa agora a estar nitidamente centrado na importância estratégica assumida pelos capitais agroindustriais na determinação das relações sociais rurais. A expansão destes capitais é encarada como parte integral do processo de industrialização pós-64 e da concomitante internacionalização da economia brasileira. Podemos distinguir três perspectivas básicas sobre as estruturas sociais rurais dentro deste quadro geral.

A primeira formulação, que pouco se detém nas relações sociais agrárias, tende a identificar capitalismo com modernização técnica no trabalho. No trabalho de Geraldo Muller (1982MULLER, G., (1982) “Agricultura e Industrialização do Campo no Brasil”, Revista de Economia Política , vol. 2, n. 6, pp. 47-77. ), por exemplo, o sítio familiar modernizado torna-se uma pequena empresa capitalista. Muller defende a ideia de que a tendência dominante na agricultura brasileira é no sentido de um processo generalizado de modernização ou de penetração capitalista, tanto nas diferentes regiões como em diferentes tipos de propriedades. Essa perspectiva também é colocada por Sandroni (1980SANDRONI, P., (1980) Questão Agrária e Campesinato, São Paulo, Pólis . ), para quem o camponês modernizado é essencialmente burguês, e para quem as estruturas sociais rurais podem ser reduzidas à dicotomia capitalista-proletário.

Uma segunda linha, encontrável no trabalho de Wanderley (1979WANDERLEY, M. de N. B., (1979) “O Camponês: Um Trabalhador para o Capital”, Campinas, IFCH , 1979, ms. ) mostra-se marcada pelos aportes franceses recentes.7 7 Marcadamente Faure (1978) e Vergopoulos (1974, 1978). Ao afirmar a dominância estratégica da agroindústria na dinâmica das estruturas sociais rurais, Wanderley afasta a tese clássica da diferenciação social em favor de uma conceitualização do sítio familiar modernizada como forma específica de relação trabalhador-capitalista.8 8 O leitor mais atento deve ter encontrado aqui uma repetição de discussões européias nessa perspectiva. Vide, por exemplo, o trabalho de Banaji (1977) e o de Bernstein (1977). Essa noção de subordinação também é sustentada por Graziano da Silva (1982GRAZIANO DA SILVA, J., (1982) A Modernização Dolorosa. Estrutura Agrária, Fronteira Agrícola e Trabalhadores Rurais no Brasil, Rio de Janeiro, Zahar . ), que aceita a caracterização de Wanderley do “novo camponês” como um “trabalhador para o capital’’. A dificuldade em perceber que o camponês participa do processo de reprodução ampliada do capital é produto da adoção de um conceito restritivo e desnecessário de proletarização, na opinião de Graziano da Silva (1982GRAZIANO DA SILVA, J., (1982) A Modernização Dolorosa. Estrutura Agrária, Fronteira Agrícola e Trabalhadores Rurais no Brasil, Rio de Janeiro, Zahar . : 130-132).

Contrariamente a essas posições, podemos identificar uma terceira, originalmente ligada a Kautzky, recentemente restabelecida por Dickinson e Mann (1976DICKINSON, J. M. e MANN, S. A., (1978) “Obstacles to the Development of a Capitalist Agriculture”, The Journal of Peasant Studies, vol. 5, n. 4, pp. 466-481. ), a respeito da singularidade do processo de produção na agricultura. Nesta perspectiva, a nítida diferença existente entre o tempo de trabalho e o tempo de produção limita a velocidade de circulação e rotação do capital, achatando a taxa de lucro em muitos setores da atividade rural, o que efetivamente impede o ingresso maciço de grandes empresas capitalistas. Esta abordagem conduziu vários de seus proponentes a caracterizar o sítio familiar modernizado como parceiro privilegiado dos capitais agroindustriais (Aidar e Perosa Júnior, 1981AIDAR, A. C. K. e PEROSA JÚNIOR, R. M., (1981) “Espaços e Limites da Empresa Capitalista na Agricultura”, Revista de Economia Política, vol. 1, n. 2, 1981, pp. 17-39. ). Uma variante desta posição, que também parte da hipótese da taxa de lucro, sustenta que as condições para o desenvolvimento de uma agricultura capitalista foram enfraquecidas pelo caráter oligopólico dos capitais agroindustriais9 9 Esta abordagem tende a ignorar a questão fundamental da natureza do processo de trabalho na agricultura; em benefício do emprego de algumas categorias econômicas limitadas. Foge, portanto, da questão de porque não ocorreu uma oligopolização na agricultura. (Nakano, 1981NAKANO, Y., (1981) “A Destruição da Renda da Terra e da Taxa de Lucro na Agricultura”, Revista de Economia Política , vol. l, n. 3, pp. 3 e segs. ).

Esta breve exposição mostra como o debate no Brasil evoluiu do modelo articulador para perspectivas que enfatizam a generalização das relações capitalistas de produção e o papel instrumental assumido pelo Estado e pelos capitais agroindustriais. A agroindústria constitui agora o ponto de partida para uma análise da dinâmica das relações sociais rurais no Brasil.

CRÍTICA DE TESES ATUAIS SOBRE PROLETARIZAÇÃO

Embora concordemos na centralidade da agroindústria na identificação das principais tendências atuando sobre a agricultura no Brasil, a literatura atual contém algumas sérias limitações. Afirmaríamos que entre estas estão: 1) uma conceitualização errônea do “complexo agroindustrial”; 2) uma caracterização incorreta dos processos de trabalho rural nas propriedades modernizadas como constituindo processos específicos de trabalho capitalista; 3) a identificação de estruturas agrárias, tanto do “trabalhador para o capital” como a empresa familiar modernizada, como aliada privilegiada da agroindústria. Isto supõe a existência de uma relação funcional e essencialista entre o desenvolvimento da agroindústria e a consolidação de estruturas sociais rurais apropriadas.10 10 Uma exposição completa da nossa posição está em From Farming to Biotechnology: The Industrial Appropriation of Agriculture, Forthcoming, Blackwells, 1986.

Estas limitações não são, no entanto, apenas da literatura brasileira. Na verdade, como se pode supor a partir do resumo anterior, a integração subordinada da agricultura brasileira ao circuito dos capitais agroindustriais foi acompanhada por uma crescente aproximação entre os debates no Brasil e aqueles atualmente em curso na Europa e nos Estados Unidos. Esta integração intelectual não é meramente fruto de uma imitação, senão antes reflete a crescente semelhança nas pressões e forças às quais vem sendo submetida a agricultura brasileira. A nossa critica ultrapassa, portanto, a literatura brasileira e pode ser encarada como uma contribuição ao debate mais geral atualmente em curso em nível internacional. Neste artigo, limitaremos nossas considerações àquelas pertinentes à discussão dos principais modelos que caracterizam o desenvolvimento das estruturas sociais rurais no Brasil.

Existe a hipótese de uma dupla aliança subjacente a todas as formulações atuais no debate brasileiro: uma aliança entre capitais agroindustriais, tal como expressa na noção de “complexo” agroindustrial, e entre esse “complexo” e a estrutura agrária, aliança esta que determinaria um processo de “industrialização” da agricultura. Opondo-nos à noção de “complexo” agroindustrial, que contém implícita a suposição da existência de capitais homogêneos e não-contraditórios, diríamos que, tanto na sua origem como no seu posterior desenvolvimento, os capitais agroindustriais são essencialmente autônomos e o grau de sua integração mútua é limitado. A ideia de “complexo” provém de uma tentativa equivocada de generalizar a consolidação de um modelo que é conjuntural e particular baseado no trator/monocultura/sementes híbridas/fertilizantes/herbicidas. Ocorre, porém, que diferentes ramos agroindustriais fazem incidir exigências diferenciais sobre o setor agrícola, e frações especificas de capital mostram probabilidades de crescimento bastante distintas. Considerem-se, a título de exemplo, a atual crise da indústria de tratores, as vias alternativas de crescimento abertas aos setores de insumos vs. setores de processamento, ou aquelas abertas para os capitais agroquímicos através das possibilidades de fixação do nitrogênio com base em processos biológicos.

As políticas do Estado não podem, portanto, ser encaradas como representando ou fomentando uniformemente o “complexo” agroindustrial. Pelo contrário, capitais agroindustriais específicos podem ter, claramente, estratégias conflitantes de acumulação e crescimento, como é o caso dos setores de processamento e da indústria de alimentos, com seu crescente recurso a aditivos, componentes sintéticos e fontes alternativas de proteína. A emergência e a unificação conjuntural de diferentes capitais agroindustriais é um processo irregular e está sempre se redefinindo, dependendo do ritmo dos avanços científicos e das inovações tecnológicas. É um grande erro tentar expressar esse processo em termos de formação de um “complexo” consolidado e estático. Fazê-lo é analisar equivocadamente tanto a dinâmica dos capitais industriais como a da sua integração com as estruturas sociais rurais.

Uma segunda limitação do conceito de “complexo” agroindustrial reside no fato de ele supor a existência de um processo unificado de produção. Este pressuposto fica claro na conceitualização de camponês, ou do produtor familiar moderno, como um “trabalhador para o capital”, melhor dizendo, para o capital agroindustrial. Contra este ponto de vista, diríamos que a emergência destes capitais demonstra exatamente a impossibilidade de se estabelecer um processo unificado de trabalho capitalista na esfera da produção rural. Na falta destas condições, frações de capital agroindustrial assumem a apropriação sucessiva, mas apenas parcial, de aspectos do processo de produção rural. Ao produtor rural direto cabe, então, precisamente unir em si aqueles elementos que não foram ainda incorporados à produção industrial. Ou seja, ele deve coordenar ou “gerir” séries de apropriações industriais parciais, representadas pelos insumos agrícolas: equipamentos, fertilizantes etc. Uma prova dramática de falta de uma responsabilização integral pelo processo de trabalho rural é-nos dada pela progressiva destruição de seu principal meio de produção, a terra. Esse modelo anárquico de apropriações aponta para a ausência de um processo unificado de trabalho capitalista. É o corolário da lógica predatória de frações do capital agroindustrial, que encara o setor rural como um mero mercado para seus produtos.

O conceito de “complexo” agroindustrial também traduz a noção de uma divisão estática entre “agricultura” e “indústria”. A agroindústria constitui-se na apropriação daqueles aspectos do processo do trabalho agrícola que são especificamente industriais. Pelo contrário, a agroindústria abarca uma amálgama de capitais em constante mudança e expressa um esforço contínuo no sentido de transformar a agricultura num processo industrial. Como tal, não existem limites estáticos nem preestabelecidos: a sua área de alcance é determinada pelo progresso e inovações tecnológicas. Neste aspecto, o “complexo” agroindustrial representa uma fase de transição, na apropriação industrial da agricultura.

Como corolário desta dinâmica do crescimento capitalista, não há meios para que se estabeleça uma relação privilegiada entre estruturas agrárias e capitais agroindustriais. Tal noção falseia completamente o movimento de tais capitais. Estes estão constantemente enfraquecendo as condições da produção rural, apropriando sucessivamente mais e mais elementos do processo de trabalho à medida que os avanços na ciência e na tecnologia permitem a industrialização das atividades até aí “rurais” ou “naturais”. Tampouco pode este desenvolvimento ser visto a partir de um prisma unilinear, uma vez que uma inovação radical numa área da ciência e da tecnologia pode romper com os padrões existentes de apropriação e criar novas tendências para a expansão da agroindústria.

É, portanto, apenas num sentido negativo que a agroindústria pode ser encarada como consolidando formas de produção rural específicas e privilegiadas. A progressiva apropriação dos processos de produção rural pelos capitais industriais inviabiliza o desenvolvimento em larga escala de operações baseadas em mão-de-obra assalariada, como paradigma para a agricultura. A existência de capitais agroindustriais, em si mesmos produtos da ausência de um processo unificado de trabalho capitalista, por sua vez opõe-se à sua realização sob forma de grandes empresas agrícolas. A moderna unidade de trabalho familiar pode ser encarada como a estrutura de produção rural mais compatível com o processo de apropriação industrial. Mas isso apenas na medida que os capitais industriais se revelam incapazes de eliminar completamente terra e “natureza” como a base da produção rural.

Neste contexto torna-se importante enfatizar que não é a renda da terra a barreira para o ingresso na agricultura do capital. A renda é apenas a expressão social da dominação do processo de produção agrícola pela terra como “natureza”. O sítio que emprega mão-de-obra familiar não é, portanto, um aliado do capital, como sugeriu Vergopoulos (1978VERGOPOULOS, K., (1978) “Capitalism and Peasant Productivity”, The Journal of Peasant Studies , vol. 5, n. 4, pp. 446-465. ), afirmando que permite aos capitais industriais se apropriarem da renda. Pelo contrário, diríamos que a predominância da unidade familiar é o resultado da erosão progressiva das condições para a geração de renda, fruto da apropriação e da transformação das atividades agrícolas em processos de produção industriais.

Em resumo, a discussão brasileira está sujeita a uma visão estática e homogeneizadora dos capitais agroindustriais, o que, por sua vez, acarreta numa análise estática das relações entre a agroindústria e as estruturas sociais rurais. Enquanto uma formulação reduz o sítio familiar modernizado a uma pequena empresa capitalista, transitória, numa versão recomendada de ortodoxia leninista, a análise que fala em “trabalhador para o capital” supõe, equivocadamente, a existência de um processo unificado de trabalho capitalista e é, assim, incapaz de perceber as formas de representação e de conflito - que são peculiares à produção familiar moderna. Em vez de ser a expressão acabada e a forma definitiva da presença do capitalismo na agricultura, os capitais agroindustriais são os protagonistas de uma aliança instável e constantemente redefinida entre processos rurais, baseados na terra ou na “natureza”, e processos de produção industrial capitalista, onde o primeiro vem sendo enfraquecido e apropriado pelo segundo. Não pode, assim, existir nenhuma aliança privilegiada permanente entre a agroindústria e a agricultura. A produção rural dominada pela terra ou pela “natureza” é intrinsecamente contrária ao processo de trabalho industrial capitalista, e o avanço da agroindústria dá-se, portanto, necessariamente às custas da produção rural, e apenas reforça algumas estruturas sociais em caráter conjuntural.

AGROINDÚSTRIA E ESTRUTURAS RURAIS BRASILEIRAS

Nesta parte apresentamos uma reinterpretação das principais tendências em jogo na agricultura brasileira, bem como tentaremos uma regionalização esquemática das estruturas sociais rurais. Começamos, no entanto, por fazer algumas observações adicionais a respeito do desenvolvimento da agroindústria no Brasil. Antes dos anos 60 os capitais agroindustriais concentravam-se principalmente no processamento e comercialização da produção, as importações sendo a principal fonte de insumos modernos e de equipamentos agrícolas. Esta estrutura industrial transformou-se radicalmente através de uma série de vigorosas intervenções governamentais no final dos anos 60 e nos anos 70, o que incluiu programas de substituição de importações para os insumos modernos, investimentos na infraestrutura rural, reorganização da extensão de serviços e pesquisas agrícolas e, acima de tudo, créditos altamente subsidiados para investimento com equipamentos de capital e para aquisição de insumos modernos. O crédito rural aumentou cinco vezes em termos reais no decênio de 1968-1978, e o subsídio da taxa de juros correspondia a aproximadamente 30% do valor líquido da produção agrícola em 1978 (IBRD, 1979International Bank for Reconstruction and Development - IBRD, (1979) Capital Markets Study, D. C, mimeo. ). Através de um complexo leque de programas oficiais de crédito cobrindo as atividades de produção, comercialização e investimento, o Estado funcionou como mediador das relações insumo-produto entre setores agrícolas em modernização e capitais agroindustriais, subsidiando mercados e acelerando a diversificação da agroindústria. Esta estratégia também marca a diferença existente entre o Brasil e casos de incorporação de setores agrícolas específicos por transnacionais agroindustriais no sentido de estabelecerem enclaves para exportação. Em contraste com isso, a agricultura brasileira como um todo foi objeto da modernização, embora as medidas políticas tenham sido altamente seletivas, de acordo com o tamanho das propriedades, tipos de produção e região. Em consequência disso, a agroindústria no Brasil desenvolveu-se como uma extensão orgânica da estrutura industrial, e a sua dominação por corporações transnacionais, como aliás em outros setores-chaves da economia, baseou-se essencialmente na expansão do mercado interno.11 11 Análises sobre políticas recentes de modernização agrícola estão contidas em CPDA (1979), IBRD (1979), Sorj (1980), Goodman e Redclift (1981) e Graziano da Silva (1981).

Diríamos também que o fomento deliberado por parte do Estado à agroindústria, como estratégia para solucionar a questão agrícola no Brasil sem afetar a estrutura agrária dominada pelo latifúndio, não implica que estes dois atores sejam aliados privilegiados. Na verdade, uma vez que o crescimento da agroindústria significa a apropriação crescente do processo de produção rural, seria menos provável a priori que as grandes empresas que utilizam mão-de-obra assalariada fornecessem condições para a sua consolidação do que unidades familiares operadas por seus proprietários, como defendemos na discussão acima. Esta afirmação genérica, porém, não dá conta tanto das relações sociais rurais estabelecidas antes da expansão agroindustrial em diferentes formações sociais como também, mais especificamente, não dá conta do grau no qual estas relações foram preservadas no nível das políticas estatais. O acesso a financiamentos do Estado pode bem compensar o efeito corrosivo da agroindústria na apropriação crescente do excedente. Nestes casos, e preeminentemente no Brasil, a expansão agroindustrial é compatível com a manutenção de uma diversidade de estruturas sociais rurais. Em oposição a várias das formulações anteriormente resumidas, a agroindustrialização no Brasil não mostrou tendências no sentido de impor um padrão homogêneo à divisão social do trabalho. Em vez disso, as políticas governamentais que visaram defender as estruturas agrárias existentes reforçaram a heterogeneidade das relações sociais na agricultura brasileira.

Sob esse aspecto, podemos distinguir quatro estruturas básicas as quais coincidem nos seus traços gerais com a regionalização da agricultura brasileira. A análise que se segue é altamente esquemática, uma vez que estas relações sociais se dão dentro de cada “região”. Todavia, uma estrutura específica tende a predominar em cada uma delas, conferindo um caráter “regional” particular a formas de representação e de conflito.

Agroindústria e grandes propriedades: o Centro-Sul

Com base nas análises de D’Incao e Mello (1975D’INCAO e MELLO, M. C., (1975) O “Boia-fria”: Acumulação e Miséria, Petrópolis, Vozes. ), Brant (1977BRANT, V. G., (1977) “Do Colono ao Boia-fria”, Estudos CEBRAP, n. 19, pp. 39-91. ) e Graziano da Silva (1981GRAZIANO DA SILVA, J., (1981) Progresso Técnico e Relações de Trabalho na Agricultura, São Paulo, HUCITEC. ) podemos resumir o processo de modernização em grandes propriedades dentro da linha que se segue. Os subsídios governamentais para insumos mecânicos e químicos transformaram progressivamente o sistema de produção de emprego intensivo de mão-de-obra, baseado inicialmente em trabalhadores residentes permanentes e arrendatários “internos”, complementado por trabalhadores assalariados ocasionais recrutados nos mini-latifúndios próximos e por migrantes sazonais. Essa divisão social do trabalho foi superada por processos de produção cada vez mais mecanizados e mais dependentes de insumos industrializados, onde, simultaneamente, a mão-de-obra permanente foi substituída pela temporária, e, dentro da força de trabalho permanente, os trabalhadores não especializados foram substituídos por trabalhadores semi-especializados na operação da maquinaria. Estas tendências agravaram-se com a alta concentração na propriedade da terra e com as alterações no uso da terra, sobretudo com o processo de pecuarização, o qual implica a substituição de lavouras anuais por pastagens permanentes, privando os sítios familiares “externos” das possibilidades de renda conseguida nos arrendamentos por períodos curtos.

O caráter da força de trabalho rural temporária mudou, portanto, radicalmente, tornando-se cada vez mais ligado ao urbano, no sentido de os custos de sua reprodução passarem a derivar agora inteiramente da mão-de-obra assalariada. A falta do acesso do volante ou boia-fria à terra prenuncia a unificação dos mercados de trabalho rural e urbano. No entanto, embora esse processo de proletarização no interior das grandes propriedades consolide um contingente permanente de força do trabalho de reserva, simultaneamente elimina a produção de valores de uso por parte das famílias camponesas, até aí a base dos baixos custos de reprodução do trabalho rural. Ou seja, suspende parte das vantagens dos processos de trabalho modernizados.

De acordo com esta posição, o proletariado rural volante, temporário, ligado ao meio urbano, é característico da intensificação das relações capitalistas no campo. Diríamos, no entanto, que o traço mais característico da modernização dessas grandes propriedades não reside nessa grande e empobrecida massa de proletariado rural, senão antes no número relativamente pequeno de operadores de maquinaria semiespecializados, permanentes. O proletariado volante, embora fruto da modernização, existe apenas na medida que esta é ainda incompleta. A principal necessidade de mão-de-obra rural temporária ocorre na época da colheita, mas inovações recentes sugerem que não existem barreiras tecnológicas insuperáveis para uma mecanização das atividades da colheita. A manutenção da colheita manual para culturas, como café, cana-de-açúcar, algodão e laranjas, tradicionalmente aquelas que são produzidas em grandes propriedades, parece ser, portanto, um fenômeno conjuntural, determinado pela existência de um excedente de mão-de-obra rural e de relações de trabalho altamente repressoras.

Outros fatores também lançam dúvidas quanto à permanência estrutural dessa grande massa de proletariado rural. Primeiro, a crescente especialização na monocultura, sobretudo de cana-de-açúcar, estimulada pelo Programa Brasileiro do Álcool (PROÁLCOOL), a qual reduz as oportunidades para obtenção de empregos ao longo do ano em atividades rurais.12 12 Oportunidades de emprego rural para os trabalhadores volantes envolveriam níveis muito elevados de desemprego, se calculadas em bases anuais. Sobre este ponto, ver CNPq-UNESP (1982). O emprego casual em setores urbanos também fornece uma alternativa para o trabalhador rural assalariado. Para além disto o trabalhador volante vem aumentando gradualmente a sua organização e ganhando o apoio das lideranças do movimento de trabalhadores rurais (CONTAG), muito embora o ponto alto de organização e luta dos trabalhadores rurais temporários não esteja no Centro-Sul mas na zona da cana-de-açúcar de Pernambuco13 13 A mobilização do trabalhador volante ocasional e a sua prioridade numa estratégia global de organização dos trabalhadores rurais vêm sendo um tema recorrente no congresso anual da Confederação Nacional de Trabalhadores Agrícolas (CONTAG), desde 1979. Este é um assunto espinhoso, dada a heterogeneidade dos associados da CONTAG, entre os quais se incluem pequenos proprietários, arrendatários, meeiros e trabalhadores em terras. (Sigaud, 1980SIGAUD, L., (1980) Greve nos Engenhos, Rio de Janeiro, Paz e Terra. ). Níveis mais elevados de organização dos trabalhadores e o clima mais favorável da abertura política também conduziram a progressos quanto à regulamentação das condições do emprego rural temporário, nos últimos anos. Uma acentuação mais marcada dessas tendências, aliada a uma recuperação sustentada do emprego urbano e dos salários reais, poderia acelerar significativamente a mecanização das atividades da colheita, as principais responsáveis pelo caráter massivo do emprego de mão-de-obra assalariada volante.

Uma avaliação detalhada dessas tendências no sentido de uma consolidação ou de uma dissolução da massa de proletariado rural ocasional permanece sendo um ponto crucial para uma análise da dinâmica das relações sociais e do caráter dos conflitos rurais. Todavia é fundamental reconhecer que o boia-fria não é uma variante da mão-de-obra assalariada urbana, cujas condições se consolidarão com o desenvolvimento das relações capitalistas no campo. A expressão mais comum da modernização em grandes propriedades é a substituição do grande número de trabalhadores não-especializados por uma pequena quantidade de mão-de-obra semi­especializada. Como apontamos, a mecanização da colheita poderá virtualmente eliminar a mão-de-obra volante ou boia-fria como um fenômeno de massa. A produção em larga escala não está imutavelmente associada com o emprego em larga escala de mão-de-obra assalariada. O proletariado rural, na forma do volante ou boia-fria, não pode, portanto, ser encarado como um traço necessariamente permanente das relações sociais rurais. Tal ponto tem implicações importantes para o movimento dos trabalhadores e pressagia alterações na estrutura da produção agrícola na região Centro-Sul. Em resumo, a ação mais efetiva de organização dos boias-frias, aumentando significativamente o seu poder de barganha e a sua inclusão sob a legislação oficial trabalhista e previdenciária, poderá conduzir a esforços redobrados no sentido de se mecanizarem as fases ainda restantes do ciclo agrícola. Isto produziria um rápido e dramático declínio no tamanho absoluto do proletariado rural. Por outro lado, a consolidação de processos de trabalho altamente mecanizados, que empregam capital intensivo, dependeria do grau no qual o Estado se mostre capaz de manter o tradicional tratamento privilegiado às grandes propriedades modernizadas. Nas atuais circunstâncias, as previsões são particularmente arriscadas. A profunda crise econômica brasileira pode contribuir com uma drástica redução nos níveis de subsídio para o setor rural como também acentuar as prioridades para o programa do PROÁLCOOL.

O SÍTIO FAMILIAR MODERNIZADO: O SUL

A modernização do sítio familiar em larga escala ocorreu inicialmente no final dos anos 50 e nos anos 60 no setor de comercialização de hortigranjeiros, que se desenvolveu no “cinturão verde”, em torno da região metropolitana de São Paulo. Este fenômeno foi analisado por Lopes (1978LOPES, J. R. B (1977) “Empresas e Pequenos Produtores no Desenvolvimento do Capitalismo Agrário em São Paulo (1940-1970)”, Estudos CEBRAP , n. 22, pp. 43-110. ) em artigo pioneiro, e posteriormente por Graziano da Silva (1982GRAZIANO DA SILVA, J., (1982) A Modernização Dolorosa. Estrutura Agrária, Fronteira Agrícola e Trabalhadores Rurais no Brasil, Rio de Janeiro, Zahar . ). Ambos explicam esse desenvolvimento em termos de uma divisão do trabalho entre setores capitalistas e sítios familiares, na qual os últimos sobrevivem através de uma especialização em culturas que. exigem grandes e continuados insumos em termos de mão-de-obra. A particularidade do processo de trabalho em culturas específicas poderá, portanto, fornecer um nicho especial para a reprodução das unidades familiares modernizados, permitindo a sua coexistência com fazendas capitalistas.14 14 Esta formulação lembra a de Servolin (1972) para o caso francês.

No entanto, essa análise é claramente inaceitável quando consideramos a predominância alcançada pela produção familiar modernizada nos anos 60 e 70, no setor mais dinâmico e mais altamente mecanizado da agricultura brasileira, o da produção de soja, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Em Ijuí, por exemplo, a maior região produtora de soja do Rio Grande do Sul, 70% da área cultivada estão em propriedades de menos de 100 hectares, e a mão-de-obra assalariada permanente e temporária, tomadas em conjunto, constituem apenas 5% do total da força de trabalho empregada (Coradini, 1981CORADINI, O. L., (1981) Produtores, Cooperativismo Empresarial e Multinacionais: O Caso de Trigo e Soja, Rio de Janeiro, Zahar. ). Essa modernização de pequenas propriedades familiares pode ser atribuída, em parte, ao quadro institucional encontrável no Sul, o qual inclui uma estrutura agroindustrial relativamente bem desenvolvida de empresas fornecedoras de insumos e processadores, bem como uma rede de agências estatais e de cooperativas anteriormente estabelecidas para fomentar a produção de trigo. A explosão dos preços da soja no mercado mundial no começo dos anos 70 consolidou as cooperativas como instrumento preferido das políticas de modernização do Estado, servindo de mediadoras entre os capitais agroindustriais e seus heterogêneos associados. As tradições camponesas herdadas dos imigrantes europeus que se estabeleceram no Sul também podem contribuir para explicar a capacidade das pequenas empresas familiares em responder às novas exigências colocadas pelos capitais agroindustriais e pela integração com os mercados mundiais.

Na nossa discussão anterior a respeito das análises sobre a agroindústria, colocamos algumas razões para recusar a tese do “novo camponês - trabalhador para o capital”. Contudo, a formulação alternativa de Muller (1982MULLER, G., (1982) “Agricultura e Industrialização do Campo no Brasil”, Revista de Economia Política , vol. 2, n. 6, pp. 47-77. ), a qual encara o sítio familiar modernizado como uma variante da empresa capitalista, também se mostra inadequada. Primeiramente, o processo de modernização não corresponde a um processo de acumulação interna. Ao invés disto, este processo é imposto de fora, pelos capitais agroindustriais sustentados, no caso brasileiro, pelo capital financeiro institucional. Para as unidades familiares individuais, a utilização de equipamento mecanizado, de sementes selecionadas, de fertilizantes, de pesticidas e de herbicidas define um “patamar” tecnológico que deve ser alcançado caso se vise sua incorporação ao processo de produção agro-industrializado e se pretenda atingir níveis de produtividade competitivos. Além disto, o acesso a esse processo exige o recurso sistemático ao crédito, o que implica o risco de se aumentar cumulativamente o endividamento bem como as possibilidades de falência.15 15 O locus classicus onde se estabelece a afinidade entre “tecnificação” e endividamento é Vergopoulos (1974). A “tecnificação “ ou “capitalização” do processo de trabalho nas empresas familiares modernizadas significa uma acumulação dos meios de produção e não uma acumulação de capital. O valor excedente é apropriado pelos diferentes capitais agroindustriais e financeiros que mediam o processo de “tecnificação”.16 16 Para uma avaliação recente deste processo, ver Moreira (1981).

Na medida que a “tecnificação” se processa, os conhecimentos e práticas tradicionais são desvalorizados, uma vez que o controle sobre o processo de produção é crescentemente ditado pelas normas· dos capitais agroindustriais. Estas normas foram reforçadas, no caso brasileiro, pelo fato de o acesso ao sistema oficial de crédito estar condicionado a critérios técnicos e agronômicos que ditam a respeito da preparação da terra, do uso de insumos modernos, e de outras práticas afins. Além disso esses critérios caminham com as modificações técnicas, e até com condições econômicas conjunturais, provenientes do crescimento dos diferentes capitais agroindustriais.

A integração ao circuito dos capitais agroindustriais também supõe uma luta contínua para manter-se no patamar tecnológico mínimo, o qual está constantemente sendo redefinido e ampliado, do ponto de vista dos recursos fixos e da área de terra necessários para se permanecer competitivo. Os sítios familiares incapazes de acompanhar estas transformações tecnológicas são progressivamente marginalizados do processo contínuo de “tecnificação” ou modernização, passando a constituir-se num excedente relativo de população agrária. Estas unidades empobrecidas ou marginalizadas provêm da contínua redefinição de relações entre o sítio familiar modernizado e a agroindústria. No Sul foi este estrato que forneceu os colonos para o estabelecimento das novas fronteiras agrícolas no Mato Grosso e em Rondônia nos anos 70 e final dos anos 80.

A integração com capitais agroindustriais e com instituições do Estado acarreta mudanças radicais no caráter da representação social e do conflito. Há também uma crescente divergência de interesses entre os proprietários de empresas familiares modernizadas e “integradas” e os produtores familiares marginalizados. O locus privilegiado de inserção das empresas familiares modernizadas é o movimento cooperativo, o qual foi reforçado no período pós-64 como o principal elemento da racionalização por parte do Estado da sua estratégia de modernização. As cooperativas facilitaram a centralização do crédito e dos serviços de crédito e de infraestrutura, fornecendo assim um mecanismo eficaz para a reconstrução dos padrões de dominação enfraquecidos pelas mobilizações rurais dos anos 50 e começo dos anos 60. Tal incorporação fomentou tanto uma expressão corporativista de interesses como também estruturou as exigências dentro de novos parâmetros.

Essas exigências não são mais basicamente definidas em termos de interesses rurais antagônicos a respeito da terra como centro do conflito. Em vez disso, as questões centrais passam a vir da sua integração subordinada nas estruturas de modernização e dizem respeito a crédito, custos dos insumos, preços e acesso a mecanismos institucionais. O modelo típico de mobilização de proprietários de sítios familiares modernizados, tal como a passeata de tratores pela capital do estado ou pelo centro regional estratégico, ilustra graficamente essa mudança na definição das relações de poder do rural para o urbano. Representa um nítido contraste com os acampamentos rurais, dos quais Ronda Alta foi um exemplo marcante, que caracterizam as mobilizações dos camponeses marginalizados no Sul, cuja luta continua a deter-se na clássica exigência de terra.17 17 O Movimento dos Sem Terra visa lançar uma ponte sobre este abismo existente entre os proprietários familiares modernizados e aqueles marginalizados. Os membros destes últimos incluem filhos de proprietários de sítios modernizados para quem a divisão da propriedade familiar foi incapaz de criar sítios economicamente viáveis. Sobre o significado de Ronda Alta no contexto das mobilizações rurais recentes na zona Sul do Brasil, ver Grzybowski (1982).

Não estamos com isso querendo subestimar a capacidade dos proprietários de empresas modernizadas de se organizar, nem querendo negar que sua militância pode alcançar níveis elevados, como foi o caso dos recentes movimentos de protesto contra os baixos preços do porco e contra a taxação fiscal arrecadada sobre os lucros com a exportação da soja. No entanto, as principais exigências desta categoria vêm perdendo o seu conteúdo clássico (reforma agrária) para assumir um caráter mais específico e mais claramente corporativista. É óbvio que a terra permanece uma questão crítica, sobretudo porque a modernização continuamente faz crescer o tamanho mínimo de propriedade rural eficiente. Porém, com um mercado de terras mais desenvolvido e com mecanismos institucionais que facilitam a sua compra, o acesso à terra tenderá cada vez mais a ser encarado como uma questão individual, e menos como um objeto de luta coletiva.

O NORDESTE

A continuada heterogeneidade das estruturas sociais rurais no Nordeste deve-se menos a qualquer diferença marcante no compasso da modernização ou na intervenção do Estado do que à desigualdade de sua incidência espacial. Esta irregularidade é consequência direta do clima semiárido da região e da pobreza de seus recursos naturais como base para uma agricultura produtiva que dependa dos ciclos da chuva. O desenvolvimento mais lento de uma produção de bens e das forças produtivas inibiu, por sua vez, a expansão de mercados para os insumos modernos e para as redes institucionais correlatas que sustentassem um setor industrial diversificado. Tais aspectos, mais do que qualquer atraso intrínseco por parte dos grandes proprietários de terras, explicam a predominância da pecuarização como linha geral da modernização do latifúndio nas áreas do agreste semiárido e do sertão. Podemos também encontrar outras formas modernizadas de produção, muito embora estas se constituam em enclaves, de um ponto de vista regional. Esta caracterização pode ser igualmente estendida de modo a nela se incluir a zona de plantação agroindustrializada de cana-de-açúcar, bem como as grandes propriedades modernizadas em áreas recentemente ocupadas, como a das plantações de café recentemente instaladas no Oeste da Bahia.

Não obstante, existem paralelos estreitos com o restante do Brasil e nenhum tão claro como o do setor de plantação da cana-de-açúcar na úmida Zona da Mata, onde a purificação das “relações salariais disfarçadas” vem-se verificando desde meados dos anos 40 (Correia de Andrade, 1964CORREIA DE ANDRADE, M., (1964) A Terra e o Homem no Nordeste, São Paulo, Brasiliense. ). A expulsão dos moradores, trabalhadores com direitos de acesso à terra dentro da plantação, e o recrutamento de mão-de-obra assalariada sem terra, intensificaram-se no final dos anos 60 e nos anos 70. A aceleração deste processo manifesto de proletarização foi atribuído à introdução da legislação rural trabalhista, ao acesso mais facilitado dos proprietários das plantações a operações subsidiadas de capital e, mais recentemente, à expansão do cultivo da cana-de-açúcar sob o programa do PROÁLCOOL (CPDA-NE, 1978CPDA, (1978) Evolução Recente e Situação Atual da Agricultura Brasileira, 1930-1975: Região Nordeste, Rio de Janeiro, EIAP/CPDA/FGV. ; Palmeira, 1979PALMEIRA, M., (1979) “Desmobilização e Conflito: Relações entre Trabalhadores e Patrões na Agroindústria Pernambucana”, Revista de Cultura e Política, ano 1, n. 1. ).

Como em outras regiões, a grande disponibilidade de créditos institucionais subsidiados, reforçada pelo acesso privilegiado dos grandes proprietários a linhas de créditos para investimento, aumentou grandemente o valor da terra e encorajou a especulação imobiliária. Na zona de transição climática do agreste, a pecuarização emergiu como um dos meios básicos de se obter um controle centralizado sobre os processos de produção, em propriedades mistas de cultivo e pecuária. Esta forma de “modernização conservadora” desferiu um golpe decisivo na reprodução articulada do “complexo latifúndio-minifúndio”. Com a substituição por pastagens artificiais permanentes de sistemas agrícolas mistos - sobretudo o de algodão-gado - o campesinato “interno” vê-se privado do acesso aos meios de produção. Esses pequenos arrendatários, cuja reprodução combina tradicionalmente a comercialização de suas parcelas do plantio e a produção de valores de uso, não são mais precisos como fonte subsidiada de trabalho na grande propriedade.

A economia dos produtores familiares “externos” é também enfraquecida pelo declínio correspondente no emprego salarial sazonal e na disponibilidade de terras cultiváveis de pequenas dimensões para arrendamento anual. Esta diminuição nas oportunidades de emprego proveniente das alterações no uso da terra nas grandes propriedades refortalece o processo secular de pressão demográfica e de fragmentação em áreas de minifúndios, acelerando a migração para fora e a consequente reconcentração dos meios de produção. A pecuarização, ao reduzir muito as necessidades de emprego do latifúndio, anteriormente supridas pelos minifúndios internos e externos, pôs fim à base de reprodução simbiótica destas formas de produção. “A proletarização, neste caso específico, assume a forma de um êxodo rural, uma vez que é impossível para o pequeno proprietário sobreviver com o produto de sua terra.” (CPDA-NE, 1978CPDA, (1978) Evolução Recente e Situação Atual da Agricultura Brasileira, 1930-1975: Região Nordeste, Rio de Janeiro, EIAP/CPDA/FGV. : 109)

A erosão das condições de existência destes minifúndios vem acelerando a pauperização dos pequenos produtores familiares. Essa tendência é-nos comprovada empiricamente pelos dados do Censo Agrícola de 1975, os quais mostram que o valor da produção em 70% dos estabelecimentos rurais do Nordeste caiu abaixo do nível de um salário-mínimo (Silva, 1982SILVA, S., (1982) “Sobre a Estrutura de Produção no Campo - II”, Campinas, IFCH, novembro, 1982, ms. ). De fato, esses estabelecimentos, que eram em número de um milhão e seiscentos e trinta e seis mil e trezentos em 1975, são essencialmente unidades de consumo, contribuindo apenas marginalmente, se em alguma percentagem, para o excedente líquido comercializado de bens agrícolas.18 18 Na verdade, o valor médio da produção em estabelecimentos incluídos nesta categoria era inferior à metade de um salário-mínimo. Além disso, dados os efeitos adversos da modernização sobre as oportunidades de emprego, os minifúndios têm apenas um papel residual, e que se encontra em declínio, como mão-de-obra rural de reserva. Essa massa de campesinato empobrecido permanece como contingente de reserva potencial de mão-de-obra, mas qualquer significação “regional” particular que seja conferida ao Nordeste é refutada pelas tendências que se encontram em curso em toda a agricultura brasileira.19 19 A “função” da mão-de-obra do Nordeste é enfatizada nas formulações de Oliveira (1972), a respeito do modelo articulador, e nas de Lopes (1973).

Os níveis extremamente baixos do produto bruto e do produto por hectare encontráveis na grande maioria das propriedades rurais do Nordeste enfatizam o caráter de enclave da modernização. Essa noção é particularmente adequada à produção de culturas de alto valor, tais como frutas cítricas e uvas de mesa, nos programas de irrigação e capital-intensivos conduzidos pela Comissão do Vale do Rio São Francisco (CODEVASF) e pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). As empresas agroindustriais isoladas, atraídas por subsídios de crédito regional e por incentivos fiscais, também criaram enclaves de empresas modernizadas que empregam o trabalho familiar, como é o caso dos projetos de processamento de frutas e de tomates da Maguary e da CICA. Estes casos isolados de estabelecimentos familiares “tecnificados” envolvem formas de produção por contrato, nos quais os produtores diretos tipicamente detêm a propriedade da terra, mas exercem apenas um controle parcial sobre as bases técnicas da produção e comercialização. As circunstâncias específicas de subordinação aos capitais institucionais e agroindustriais emprestam características particulares à mobilização camponesa. Estas lutas detêm-se sobretudo nos termos da incorporação dos planos de irrigação pública, no controle dos processos de trabalho imediatos, nos custos dos insumos e na exclusividade de compra das instituições de comercialização.20 20 Existem paralelos com determinadas categorias de pequenos produtores familiares encontráveis no Sul e com suas lutas com os capitais transnacionais envolvidos no processamento do porco e na produção de vinhos e tabacos.

Este modelo de enclave aplica-se também à estratégia de “desenvolvimento rural integrado” introduzida em meados dos anos 70. Programas como o POLONORDESTE e como o Projeto Sertanejo visam intensificar as relações de bens primários em áreas escolhidas de agricultura de pequena escala, bem como promover tendências ainda incipientes no sentido de uma especialização da produção. A estratégia supõe essencialmente a incorporação dos pequenos produtores familiares à rede de créditos institucionais subsidiados, desta maneira integrando decididamente os insumos industriais e modernos ao processo de trabalho e subordinando assim os produtores às normas técnicas de produção estabelecidas pelas agências do Estado e pelos capitais agroindustriais (Wilkinson, 1985WILKINSON, J., (1985) Estado, Agroindústria e Pequena Produção, São Paulo, HUCITEC . ). A pressão exercida através da concorrência sobre as unidades de menor eficiência pelos produtores modernizados que obtêm rendimentos mais elevados e o aumento dos valores da terra são acentuados pelos programas correlatos do Estado, tais como o melhoramento de estradas, outras instalações ao nível da infraestrutura, e ainda linhas de crédito especiais para investimento na capacidade de processamento da agroindústria.21 21 As pressões da concorrência à qual estão expostos os produtores familiares não se limitam aos efeitos no nível da oferta, ao produto mais elevado nem aos maiores custos estruturais associados com os sítios “tecnificados”, mas podem também ser intensificadas através das politicas de preço mínimo e de outros instrumentos correlatos.

Embora o processo se mostre mais adiantado no Sul, a diferenciação da produção camponesa no Nordeste vem, cada vez mais, criando um estreito estrato de produtores familiares “tecnificados” intimamente integrados ao circuito dos capitais agroindustriais. A contrapartida estrutural, mais marcante em termos absolutos, é um imenso contingente de produtores empobrecidos que empregam a mão-de-obra familiar em minifúndios, cuja proletarização se manifesta sob a forma de um contínuo êxodo rural ou de uma migração sazonal permanente.

Apesar das especificidades da modernização no Nordeste, existem grandes paralelos com o restante do Brasil quanto à mobilização da mão-de-obra assalariada e quanto às lutas camponesas. De fato, a organização e a militância dos trabalhadores da cana-de-açúcar em Pernambuco e, mais recentemente, na Paraíba, colocam-se na vanguarda do movimento de trabalhadores rurais. Assim é que a Federação Estadual dos Trabalhadores Agrícolas de Pernambuco (FETAPE) levou a cabo no estado, desde 1979, várias campanhas vitoriosas por maiores salários, por uma melhoria nas condições de trabalho e por uma observância mais rigorosa das disposições da legislação trabalhista. Além disso, após a greve parcial de 1979 e da greve geral de 1980, os empregadores concederam aos trabalhadores da cana o direito legal de terem acesso a lotes de subsistência (sítios) de até dois hectares na plantação (Sigaud, 1983SIGAUD, L., (1983) “Luta Política e Luta Pela Terra no Nordeste”, DADOS - Revista de Ciências Sociais, vol. 26, n. 1, pp. 77-95. ). Algumas lutas notórias, embora isoladas, provieram da expulsão das famílias de arrendadores há muito estabelecidas, tanto de meeiros como de arrendatários e posseiros. Essas mobilizações giram em torno da questão da terra e da defesa daquilo que é percebido como pertinente, enquanto camponeses, ao seu estatuto como proprietários ou lavradores, dando-se em termos operacionais a luta no sentido de garantir a posse e outros direitos legais conferidos pela Lei da Terra e pela legislação trabalhista. O caso famoso do rancho Algamar, na Paraíba, onde o Estado interveio para expropriar e redistribuir a terra, é um exemplo de mobilização bem-sucedida de pequenos arrendatários. De modo inverso, existem casos incontáveis de expulsão de posseiros e outros arrendatários sem que seja dada qualquer compensação legal devida, através do recurso a práticas fraudulentas (grilagem), à intimidação e à violência. O advento do PROÁLCOOL e a expansão da produção de cana-de-açúcar em áreas anteriormente voltadas para a agricultura mista deram um novo ímpeto para a proletarização de sítios familiares de arrendatários, reforçando a militância do campesinato e aumentando o número de conflitos violentos por terra.

AMAZÔNIA

Como vimos anteriormente, o crescimento através da “elaboração de periferias” e a acumulação primitiva, excluindo a mão-de-obra do acesso permanente à terra, são pontos centrais na análise de Oliveira da reprodução do latifúndio em sucessivas fronteiras agrícolas. De uma outra perspectiva, a colonização espontânea de fronteiras pelos posseiros migrantes tem sido encarada como um processo histórico, no qual sucessivamente se reconstituem as condições de existência da “economia camponesa”. Velho (1976VELHO, O. G., (1976) Capitalismo Autoritário e Campesinato, São Paulo, DIFEL. ), por exemplo, caracteriza a expansão da fronteira como uma reprodução de um modo de produção “camponês” subordinado. A fronteira atrasou o avanço das relações capitalistas na agricultura e manteve um campesinato relativamente homogêneo, o qual, sendo-lhe negada a propriedade dos meios de produção, é subordinado ao modo capitalista num processo permanente de apropriação do excedente. Essa forma “fechada” de ocupação da fronteira, em contraste com a via burguesa americana, cria um campesinato instável em vez dos farmers pioneiros, proprietários de terras. Este tipo de estrutura social de fronteira é atribuído por Velho aos antecedentes autoritários e ao caráter atual do Estado e do capitalismo no Brasil.

Uma das principais dificuldades dessa formulação é que o desenvolvimento histórico das relações sociais e das forças produtivas, sob o capitalismo, não é integrado à análise como principal determinante da mudança nas formas de estabelecimento da fronteira e de sua periodização. No caso da Amazônia, a análise de Velho (1976VELHO, O. G., (1976) Capitalismo Autoritário e Campesinato, São Paulo, DIFEL. ) supõe, portanto, que o processo de colonização siga os padrões convencionais, mantendo-se a articulação entre uma agricultura extensiva e o desenvolvimento industrial. Ou seja, a ocupação da fronteira continuará a ser caracterizada principalmente pela expansão da agricultura “primitiva” dos colonos camponeses, cujo produto representará uma fonte importante de alimentos baratos para o proletariado urbano.

A constância da dinâmica interna da colonização da fronteira e os seus determinantes econômicos é também defendida por Foweraker (1981FOWERAKER, J., (1981) The Strugglefor Land. A Polítical Economy of the Pioneer Frontier in Brasil from 1930 to the Present Day, Cambridge, Cambridge University Press. ). Muito embora possam emergir formas capitalistas de produção em pequena escala, como em certas partes da Amazônia hoje, a ocupação dessas áreas novas tende mais a caracterizar-se pela expansão de “ambientes econômicos sub-capitalistas”. A reprodução de relações sociais não-capitalistas na fronteira pioneira é explicada pela continuidade da acumulação primitiva, e pela relevância deste processo na concomitante transferência do excedente como suporte da acumulação capitalista no centro. No caso brasileiro, o ciclo de desenvolvimento da fronteira e o seu processo característico de acumulação é reproduzido em fronteiras sucessivas, de modo que a acumulação capitalista deixa de ser um estágio histórico do desenvolvimento capitalista para tornar-se um “modo híbrido de acumulação” subordinado ao capitalismo.

Foweraker (1981FOWERAKER, J., (1981) The Strugglefor Land. A Polítical Economy of the Pioneer Frontier in Brasil from 1930 to the Present Day, Cambridge, Cambridge University Press. ) coloca ainda que o ciclo da fronteira, marcado pela transição de estruturas sociais não-capitalistas para capitalistas, é central para a reprodução das condições de acumulação da agricultura brasileira. Essa transição, mediada pela violência, pelo sistema legal e pelo aparato do Estado, culmina com a expulsão das famílias de posseiros e com o estabelecimento da propriedade privada na terra. Havendo terminado o ciclo da acumulação primitiva, voltam a consolidar-se a estrutura monopolista de propriedade da terra e as relações sociais rurais preponderantes.

Embora reconheçam os méritos do quadro traçado por Foweraker ao analisar a articulação existente entre a acumulação de capital agrícola e industrial antes dos anos 60, Sorj e Pompermayer (1982SORJ, B., POMPERMAYER, M. J. (1980) “Sociedade e Política(s) na Fronteira Amazônica: Interpretações e Argumentos”, Cadernos do DCP, n. 6, 196. ) questionam a sua extensibilidade a um período mais atual e sobretudo ao caso específico da Amazônia. Esses autores rejeitam a afirmação de Foweraker de que os excedentes mobilizados pelos pequenos produtores na fronteira pioneira e apropriados pelos capitais comerciais ainda sejam de importância decisiva para o suprimento de alimentação urbana. Essa visão dá conta do impacto das recentes estratégias de modernização na elevação dos níveis de produção e de produtividade em grandes propriedades rurais e em sítios familiares capitalizados, em áreas há muito ocupadas. Com a consolidação da agroindústria e com a concomitante modernização do processo de trabalho rural, as fontes intensivas de crescimento do produto agregado estão deslocando rapidamente os padrões extensivos anteriores baseados na incorporação de novas fronteiras agrícolas. Essa rearticulação das relações intersetoriais rurais-urbanas relegou, por sua vez, a acumulação primitiva para um papel secundário e inferior no processo de acumulação capitalista no Brasil. Por esse motivo, a caracterização de Foweraker das estruturas sociais rurais em termos do binário complexo latifúndio-minifúndio, tal como ele as situa, também está mal colocada. Essa caracterização não dá conta das relações sociais heterogêneas que emergem dos processos diferenciais de subordinação associados com a expansão agroindustrial.

Além disso, Sorj e Pompermayer (1982SORJ, B., POMPERMAYER, M. J. (1980) “Sociedade e Política(s) na Fronteira Amazônica: Interpretações e Argumentos”, Cadernos do DCP, n. 6, 196. ) sugerem que o assentamento da fronteira é cada vez mais determinado pela dinâmica da acumulação agroindustrial, e não pelos capitais comerciais, o que implica novas características para esse processo. Através da mediação do Estado, o modo privilegiado de assentamento supõe o estabelecimento direto de grandes empresas capitalistas, ultrapassando-se desse modo o estágio anterior de ocupação da fronteira por posseiros e pequenos produtores de bens primários. Para Pompermayer (1982POMPERMAYER, M. J., (1982) “Estratégia do Grande Capital na Fronteira Amazônica Brasileira”, Estudos CEBRAP , vol. 1, n. 3, pp. 1-44. ), os incentivos fiscais introduzidos em meados dos anos 60, reforçados por programas de desenvolvimento regional e por projetos de infraestrutura de integração nacional ao longo dos anos 70,22 22 Incluem-se aí a rodovia Transamazônica e outras estradas de penetração a longa distância, projetos de fornecimento de energia elétrica e diversos programas de desenvolvimento regional, tais como o PRODOESTE, o POLOCENTRO, e o POLAMAZÔNIA, implementados entre 1972 e 1979. deram um “novo ritmo e uma nova especificidade aos grandes empreendimentos na Amazônia,” ao atraírem frações do moderno capital industrial e agroindustrial.

Esses capitais de grandes corporações, nacionais e multinacionais, têm utilizado créditos de investimentos subsidiados para adquirirem grandes extensões de terras públicas, frequentemente vendidas diretamente ou leiloadas a preços puramente nominais, para criação de gado, para esquemas privados de colonização e para especulação.23 23 Embora a aquisição de terras para fins especulativos por parte das multinacionais não deva ser minimizada, isso está longe de se constituir na forma mais significativa de penetração estrangeira na agricultura brasileira. Assim é que os dados do Banco Central indicam, para os anos de 1975 a 1979, que o investimento estrangeiro anual direto, incluindo o reinvestimento, na agricultura, andou em torno de 50,2 milhões de dólares, em comparação com os 543,5 milhões de dólares aplicados apenas na área de processamento de alimentos. A presença dos posseiros tornou-se assim urna complicação desnecessária, ao invés de uma vantagem para tais capitais, sobretudo em função da disponibilidade de equipamento pesado para abertura de terras e formação de pastagens. Em outras palavras, a acumulação primitiva baseada na violência e nos estratagemas fraudulentos de tomada da terra por parte do grileiro para obtenção de títulos legais, corresponde mais claramente, embora não exclusivamente, aos imperativos dos capitais comerciais tradicionais. Em contraste com esse padrão tradicional, os modernos capitais das grandes corporações, acumuladas no Centro-sul, com o acesso a fundos subsidiados pelo Estado para a compra de terras, inclusive com o cercamento antecipado de terras até então não colonizadas, não têm na acumulação primitiva o seu modus operandi.

A ocupação da Amazônia deve ser ainda analisada dentro de um processo de acumulação capitalista, mas essa relação não é mais integralmente dada pela acumulação primitiva permanente, como extensão do ‘’ambiente econômico subcapitalista” e como reprodução da estrutura social do latifúndio-minifúndio. De acordo com Pompermayer (1982POMPERMAYER, M. J., (1982) “Estratégia do Grande Capital na Fronteira Amazônica Brasileira”, Estudos CEBRAP , vol. 1, n. 3, pp. 1-44. ), os padrões anteriores de colonização “horizontais” e extensivos estão sendo substituídos por um processo simultâneo de colonização da fronteira e de “expansão vertical”. Com a entrada dos grandes capitais modernos mediada pelo Estado, a colonização da fronteira passou a estar diretamente integrada à reprodução ampliada da agroindústria, como fonte de suprimento de recursos para fábricas de carne industrializada e de processamento de alimentos e constituindo-se em mercado para equipamentos agrícolas e para insumos modernos.

As estruturas sociais que caracterizam a tradicional fronteira “pioneira” e a subordinação a capitais comerciais estão também sendo transformadas à medida que capitais modernos assumem o controle do processo de colonização. Quanto a este aspecto, as principais companhias de colonização, tais como a INDECO e a SINOP na zona Norte de Mato Grosso, introduziram recentemente arranjos de produção por contrato com colonos como parte de uma estratégia de integração vertical interna para suprir as suas fábricas de processamento (Pompermayer, 1982POMPERMAYER, M. J., (1982) “Estratégia do Grande Capital na Fronteira Amazônica Brasileira”, Estudos CEBRAP , vol. 1, n. 3, pp. 1-44. ).

A subordinação do processo de trabalho rural ao capital financeiro institucional e aos seus critérios técnico-agronômicos também é característico de programas públicos de colonização, como aquele ocorrido em Rondônia. Uma especialização maior na produção, com a passagem para um nível de importância secundária dos gêneros alimentícios em termos do seu interesse comercial, é ativamente encorajada por programas de crédito que beneficiam produtos específicos, os quais incluem o cacau (CEPLAC), a mandioca (PROÁLCOOL) e a borracha (PRO-BORRACHA).

A “expansão vertical” associada com a participação direta dos capitais industriais, agroindustriais e financeiros no processo de colonização implicará alterações nas formas de representação e de luta dos trabalhadores rurais. Por exemplo, a recente mobilização de produtores familiares capitalizadas de arroz na zona Norte de Mato Grosso, que incluiu um acampamento em Brasília para pressionar as autoridades federais e o Congresso a aceitarem as suas exigências, foi travada pelas relações desfavoráveis entre custos de produção, condições de crédito para insumos modernos e preços mínimos oficiais. Atualmente, no entanto, os conflitos rurais detêm-se predominantemente na luta dos posseiros pelo acesso permanente à terra, condição fundamental para a sua reprodução.24 24 Para uma discussão atual a respeito desses conflitos, incluindo aqueles com populações indígenas, com posseiros e com tomadores de terras (grileiros), ver Souza Martins (1980-1981). Marginalizadas nas suas regiões de origem, estas famílias de migrantes lutam desesperadamente para evitar um destino semelhante na Amazônia, caso faltem canais de representação e de participação. Embora sua causa haja sido encampada por setores progressistas da Igreja, a organização dos posseiros e de outros trabalhadores rurais permanece incipiente, localizada e esporádica. Essa situação vê-se acentuada pela extensão e excepcionalidade dos poderes para intervir nos conflitos de terras que o Estado detém e que lhe foram conferidos pela Lei de Segurança Nacional,25 25 Tais poderes vêm atualmente sendo utilizados nas grandes áreas da Amazônia, em sequência à criação, pelo governo federal, em 1980, de dois Grupos Executivos, sob controle do Serviço Nacional de Informações, para lidar com os conflitos na região do Araguaia-Tocantins (GET AT) e da bacia do Baixo Amazonas (GEBAM). Esses organismos serão atualmente subordinados ao Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários, criado em 1982, o qual tem amplo poder de decisão sobre questões de posse da terra e o qual é por sua vez parte integrante do sistema de segurança nacional. Sobre estas recentes mudanças institucionais nas atividades do Estado, ver Almeida (1982) e a Comissão Pastoral da Terra. e pela representação poderosa da corporação de grandes capitais obtida na Associação dos Empresários da Amazônia.26 26 A organização e a estratégia dessa Associação são discutidas em Pompermayer (1982).

CONCLUSÃO

Neste artigo apresentamos um breve resumo da literatura recente sobre a “questão agrícola” no Brasil. A nossa discussão foi seletiva e concentramo-nos nas políticas de modernização do Estado e na expansão agroindustrial como motores principais na redefinição do papel da agricultura na acumulação capitalista. Em vez de estabelecerem qualquer tipo de “tendência dominante”, estas políticas recentes e a apropriação agroindustrial mantiveram e até acentuaram a diversidade das relações sociais rurais. A nossa crítica às diferentes formulações que falam de uma “via prussiana” de proletarização ou que enfocam a produção familiar modernizada decorre de uma conceitualização alternativa do desenvolvimento agroindustrial: a progressiva apropriação do processo de trabalho rural pelos capitais industriais. A dinâmica desses capitais num contexto de avanços científicos e tecnológicos impede que se estabeleça uma relação privilegiada com qualquer estrutura social rural específica.

Conquanto, no limite o desenvolvimento agroindustrial tende a eliminar a produção rural, as empresas que empregam mão-de-obra familiar têm demonstrado secularmente uma flexibilidade maior do que as grandes propriedades face à apropriação industrial. No entanto, e mais particularmente no caso brasileiro de “modernização conservadora”, a intervenção do Estado pode criar condições favoráveis para uma integração das grandes propriedades rurais com a agroindústria. Conjunturalmente essa intervenção reforça a heterogeneidade das relações sociais rurais; apesar disso, sugerimos que a tendência intrínseca da apropriação agroindustrial é no sentido de reconstituir a produção rural como indústria. A recente agroindustrialização da população avícola no Brasil é particularmente eluci­dativa nesse aspecto.27 27 Vide o estudo dos casos da transformação deste setor em Sorj, Pompermayer e Coradini (1982). Previne-nos contra concepções essencialistas, nas quais certas formas de produção e certas relações de exploração do trabalho são vistas como parceiros privilegiados dos capitais agroindustriais.

A contrapartida da integração cada vez mais complexa da agricultura brasileira com capitais financeiros institucionais e agroindustriais está nas diferentes formas de representação e de luta presentes entre os produtores rurais diretos. Aqueles processos de integração vêm diferenciando rapidamente as percepções e as exigências dos trabalhadores rurais, opondo-se, assim, a uma unificação da luta da classe. É, portanto, improvável que um único ponto fundamental, tal como o acesso à terra e a reforma agrária, unifique e domine a mobilização futura dos trabalhadores rurais. Ao longo da última década mais ou menos, têm sido aqueles trabalhadores sobre os quais incide a maior exclusão do processo de modernização, como os trabalhadores volantes e os posseiros da Amazônia, os que vêm estando na vanguarda dos movimentos de trabalhadores rurais. No entanto, embora as condições de reprodução desses grupos marginalizados se tornem progressivamente mais precárias, as suas formas de representação e de mobilização assumirão provavelmente um papel menos proeminente na organização dos trabalhos rurais, com o aumento da agroindustrialização do processo de produção rural e com o “fechamento” da fronteira.

O ponto crucial para se iniciar uma análise dos padrões futuros das lutas rurais é dado pelos termos e pelas condições de integração com a agroindústria e pelas contradições de seu desenvolvimento atual e futuro. Em resumo, a mobilização e a representação assumirão cada vez mais um caráter corporativista, com o contexto de lutas passando a ser definido a partir do ponto de vista da integração à lógica da acumulação do capital financeiro e agroindustrial. A nossa avaliação da importância estratégica da agroindústria na determinação das relações sociais rurais aponta para que as lutas rurais deverão deter-se mais em questões tais como preços, financiamento, custos de produção e políticas agrícolas do Estado, do que em exigências de caráter global de amplas reformas sociais e institucionais. O volante, o boia-fria e o posseiro, embora possam vir a ocupar um espaço na conjuntura política atual, não representam as relações sociais futuras da agricultura brasileira, constituindo muito mais expressões da dolorosa transição no sentido de um processo de trabalho rural capitalizado, subordinado à acumulação agroindustrial.

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  • WILKINSON, J., (1985) Estado, Agroindústria e Pequena Produção, São Paulo, HUCITEC .
  • 1
    Para uma discussão aprofundada a respeito, ver Goodman (1977GOODMAN, D. E., (1977) “Rural Structure, Surplus Mobilisation, and Modes of Production in a Peripheral Region: The Brazilian North-East”, The Journal of Peasant Studies , vol. 5, n. 1, pp. 3-32. ).
  • 2
    Este conceito; que ocupa um lugar significativo nos textos de Rosa Luxemburgo, foi recentemente recolocado e ampliado por Foweraker (1981FOWERAKER, J., (1981) The Strugglefor Land. A Polítical Economy of the Pioneer Frontier in Brasil from 1930 to the Present Day, Cambridge, Cambridge University Press. ) na sua análise da colonização da fronteira no Paraná, na zona Sul de Mato Grosso e na zona Sul do Pará.
  • 3
    Oliveira goza de um grande consenso quanto a este ponto de vista. Para maiores detalhes, ver Goodman e Redclift (1981GOODMAN, D. E. e REDCLIFT, M. R., (1981) From Peasant to Proletarian. Capitalist Development and Agrarian Transitions, Oxford, Basil Blackwell. : 13.S-139).
  • 4
    Oliveira afirmou que “a maioria das culturas de vegetais para alimentação (tais corno arroz, feijão e cereais) que supriam os grandes mercados urbanos provinham de zonas de colonização recente” (Oliveira, 1972OLIVEIRA, F. de, (1972) “A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista”, Estudos CEBRAP , n. 2, pp. 5-82. : 16-17).
  • 5
    Este ponto de vista é defendido por Goodman e Redclift (1981GOODMAN, D. E. e REDCLIFT, M. R., (1981) From Peasant to Proletarian. Capitalist Development and Agrarian Transitions, Oxford, Basil Blackwell. : 128-150).
  • 6
    Vide a coleção de artigos de conferência anual que vêm sendo publicados pelo Departamento de Economia Rural de Botucatu, São Paulo, desde 1975. Podem-se encontrar artigos escolhidos destas reuniões em CNPq/UNESP (1982CNPq/UNESP, (1982) A Mão-de-Obra Volante na Agricultura, São Paulo, Pólis. ). A literatura. a respeito do boia-fria foi revista por Goodman e Redclift (1977GOODMAN, D. E. e REDCLIFT, M. R., (1977) “The ‘Boias-Frias’: Rural Proletarianisation and Urban Marginality in Brazil”, International Journal of Urban and Regional Research, vol. 1, n. 2, pp. 348-364. ) e por Saint (1980SAINT, W. S., “The Wages of Modernisation: A Review of the Literature on Temporary Labour Arrangements in Brazilian Agriculture”, Latin American Research Review, n. 198, pp. 91-110. ).
  • 7
    Marcadamente Faure (1978FAURE, C., (1978) Agriculture et Capitalisme, Paris, Anthropos. ) e Vergopoulos (1974VERGOPOULOS, K., (1974) La Question Paysanne et le Capitalisme, Paris, Anthropos ,, 1978).
  • 8
    O leitor mais atento deve ter encontrado aqui uma repetição de discussões européias nessa perspectiva. Vide, por exemplo, o trabalho de Banaji (1977) e o de Bernstein (1977).
  • 9
    Esta abordagem tende a ignorar a questão fundamental da natureza do processo de trabalho na agricultura; em benefício do emprego de algumas categorias econômicas limitadas. Foge, portanto, da questão de porque não ocorreu uma oligopolização na agricultura.
  • 10
    Uma exposição completa da nossa posição está em From Farming to Biotechnology: The Industrial Appropriation of Agriculture, Forthcoming, Blackwells, 1986.
  • 11
    Análises sobre políticas recentes de modernização agrícola estão contidas em CPDA (1979CPDA, (1979) Evolução Recente e Situação Atual da Agricultura Brasileira, Brasília, BUNAGRI. ), IBRD (1979International Bank for Reconstruction and Development - IBRD, (1979) Capital Markets Study, D. C, mimeo. ), Sorj (1980SORJ, B., (1980) Estado e Classes Sociais na Agricultura Brasileira, Rio de Janeiro, Zahar ), Goodman e Redclift (1981GOODMAN, D. E. e REDCLIFT, M. R., (1981) From Peasant to Proletarian. Capitalist Development and Agrarian Transitions, Oxford, Basil Blackwell. ) e Graziano da Silva (1981GRAZIANO DA SILVA, J., (1981) Progresso Técnico e Relações de Trabalho na Agricultura, São Paulo, HUCITEC. ).
  • 12
    Oportunidades de emprego rural para os trabalhadores volantes envolveriam níveis muito elevados de desemprego, se calculadas em bases anuais. Sobre este ponto, ver CNPq-UNESP (1982CNPq/UNESP, (1982) A Mão-de-Obra Volante na Agricultura, São Paulo, Pólis. ).
  • 13
    A mobilização do trabalhador volante ocasional e a sua prioridade numa estratégia global de organização dos trabalhadores rurais vêm sendo um tema recorrente no congresso anual da Confederação Nacional de Trabalhadores Agrícolas (CONTAG), desde 1979. Este é um assunto espinhoso, dada a heterogeneidade dos associados da CONTAG, entre os quais se incluem pequenos proprietários, arrendatários, meeiros e trabalhadores em terras.
  • 14
    Esta formulação lembra a de Servolin (1972SERVOLIN, C., )1082_ “L’ Absorption de l’ Agriculture dans le Mode de Production Capitaliste”, Cahiers de la Fondation Nacionale des Sciences Politiques, 198: L’univers Politique des Paysans, Paris, A. Colin. ) para o caso francês.
  • 15
    O locus classicus onde se estabelece a afinidade entre “tecnificação” e endividamento é Vergopoulos (1974VERGOPOULOS, K., (1974) La Question Paysanne et le Capitalisme, Paris, Anthropos ,).
  • 16
    Para uma avaliação recente deste processo, ver Moreira (1981MOREIRA, R. J., (1981) “A Pequena Produção e a Composição Orgânica do Capital”, Revista de Economia Política , vol. 1, n. 3, pp. 41-45. ).
  • 17
    O Movimento dos Sem Terra visa lançar uma ponte sobre este abismo existente entre os proprietários familiares modernizados e aqueles marginalizados. Os membros destes últimos incluem filhos de proprietários de sítios modernizados para quem a divisão da propriedade familiar foi incapaz de criar sítios economicamente viáveis. Sobre o significado de Ronda Alta no contexto das mobilizações rurais recentes na zona Sul do Brasil, ver Grzybowski (1982GRZYBOWSKI, C., (1982) “Os Colonos Sem Terra de Ronda Alta”, Cadernos do CEAS, n. 82, pp. 51-59. ).
  • 18
    Na verdade, o valor médio da produção em estabelecimentos incluídos nesta categoria era inferior à metade de um salário-mínimo.
  • 19
    A “função” da mão-de-obra do Nordeste é enfatizada nas formulações de Oliveira (1972OLIVEIRA, F. de, (1972) “A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista”, Estudos CEBRAP , n. 2, pp. 5-82. ), a respeito do modelo articulador, e nas de Lopes (1973LOPES, J. R. B., “Desenvolvimento e Migrações: Uma Abordagem Histórico-Estrutural”, Estudos CEBRAP , n. 6, pp. 127-142. ).
  • 20
    Existem paralelos com determinadas categorias de pequenos produtores familiares encontráveis no Sul e com suas lutas com os capitais transnacionais envolvidos no processamento do porco e na produção de vinhos e tabacos.
  • 21
    As pressões da concorrência à qual estão expostos os produtores familiares não se limitam aos efeitos no nível da oferta, ao produto mais elevado nem aos maiores custos estruturais associados com os sítios “tecnificados”, mas podem também ser intensificadas através das politicas de preço mínimo e de outros instrumentos correlatos.
  • 22
    Incluem-se aí a rodovia Transamazônica e outras estradas de penetração a longa distância, projetos de fornecimento de energia elétrica e diversos programas de desenvolvimento regional, tais como o PRODOESTE, o POLOCENTRO, e o POLAMAZÔNIA, implementados entre 1972 e 1979.
  • 23
    Embora a aquisição de terras para fins especulativos por parte das multinacionais não deva ser minimizada, isso está longe de se constituir na forma mais significativa de penetração estrangeira na agricultura brasileira. Assim é que os dados do Banco Central indicam, para os anos de 1975 a 1979, que o investimento estrangeiro anual direto, incluindo o reinvestimento, na agricultura, andou em torno de 50,2 milhões de dólares, em comparação com os 543,5 milhões de dólares aplicados apenas na área de processamento de alimentos.
  • 24
    Para uma discussão atual a respeito desses conflitos, incluindo aqueles com populações indígenas, com posseiros e com tomadores de terras (grileiros), ver Souza Martins (1980MARTINS, J. de Souza, (1980) Expropriação e Violência: A Questão Política no Campo, São Paulo, HUCITEC . -1981MARTINS, J. de Souza, (1981) Os Camponeses e a Política no Brasil, Petrópolis, Vozes . ).
  • 25
    Tais poderes vêm atualmente sendo utilizados nas grandes áreas da Amazônia, em sequência à criação, pelo governo federal, em 1980, de dois Grupos Executivos, sob controle do Serviço Nacional de Informações, para lidar com os conflitos na região do Araguaia-Tocantins (GET AT) e da bacia do Baixo Amazonas (GEBAM). Esses organismos serão atualmente subordinados ao Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários, criado em 1982, o qual tem amplo poder de decisão sobre questões de posse da terra e o qual é por sua vez parte integrante do sistema de segurança nacional. Sobre estas recentes mudanças institucionais nas atividades do Estado, ver Almeida (1982ALMEIDA, A. W. B. de, (1982) “A Reforma Agrária Localizada e a Política Regional”, Reforma Agrária, vol. 12, n. 1, pp. 22-34. ) e a Comissão Pastoral da TerraCOMISSÃO PASTORAL DA TERRA, Denúncia: Caso Araguaia-Tocantins, Goiânia, CPT, s.d. .
  • 26
    A organização e a estratégia dessa Associação são discutidas em Pompermayer (1982POMPERMAYER, M. J., (1982) “Estratégia do Grande Capital na Fronteira Amazônica Brasileira”, Estudos CEBRAP , vol. 1, n. 3, pp. 1-44. ).
  • 27
    Vide o estudo dos casos da transformação deste setor em Sorj, Pompermayer e Coradini (1982SORJ, B., POMPERMAYER, M. J. e CORADINI, O. L., (1982) Camponeses e Agroindústria: Transformação Social e Representação Política na Agricultura Brasileira, Rio de Janeiro, Zahar . ).
  • *
    Este trabalho apresenta em forma limitada e aplicada ao caso brasileiro o marco analitico desenvolvido pelos autores em From Farming to Biotechnologies, Oxford, Blackwell, no prelo.
  • JEL Classification: Q15; Q10; Q18.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1985
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