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Problemas do controle monetário no Brasil

Problems of monetary control in Brazil

RESUMO

O controle dos agregados monetários no Brasil enfrenta três grandes problemas: 1) alto déficit orçamentário do governo; 2) a ineficácia da taxa de juros como instrumento de política em um ambiente de alta inflação; 3) inovação financeira imprevisível. Os dois primeiros problemas são especialmente importantes quando se tenta projetar programas de estabilização. Depois que a inflação atinge um certo nível, as políticas monetárias padrão tornam-se impotentes. O controle do déficit orçamentário (ou seja, a limitação do uso do imposto inflacionário) torna-se uma condição necessária para a estabilização.

PALAVRAS-CHAVE:
Política monetária; inflação; estabilização

ABSTRACT

The control of monetary aggregates in Brazil has to face three large problems: 1) high government budget deficit, 2) the ineffectiveness of the interest rate as a policy instrument in a high inflation environment; 3) unpredictable financial innovation. The first two problems are especially important when one is trying to design stabilization programs. After inflation reaches a certain level, standard monetary policies become powerless. Control of the budget deficit (i.e. a limitation on the use of the inflation tax) becomes a necessary condition for stabilization.

KEYWORDS:
Monetary policy; inflation; stabilisation

A consolidação dos sistemas monetários foi dos grandes desenvolvimentos econômicos dos últimos 150 anos. Ainda assim, não há consenso quanto aos principais objetivos e funções da política monetária. O Federal Reserve System norte-americano, por exemplo, declara que:

“A meta básica da política monetária ( ... ) é garantir que, ao longo do tempo, a expansão da moeda e do crédito seja adequada às necessidades de longo prazo de uma economia em crescimento com razoável estabilidade de preços. No curto prazo, a política monetária é também conduzida de forma a combater pressões inflacionárias ou deflacionárias de natureza cíclica” (FRS, Purposes & Functions, 1985Federal Reserve System, The (1984) Purposes and Functions. , p. 13).

Trata-se de uma posição eclética - nem monetarista nem keynesiana, o Banco Central deve buscar a estabilidade de preços, sem, contudo, deixar de lado as flutuações cíclicas da economia.

Esta não é, porém, uma meta operacional. A nível prático, é necessário definir que agregado monetário ou variável macroeconômica se quer estabilizar, e como fazê-lo. Em particular, a distinção entre alvos e instrumentos (de política) deve ser tal que permita o cumprimento de objetivos mais gerais de política econômica.

Existem vários alvos alternativos para a condução da política monetária. Uma visão monetarista, na linha proposta por Milton Friedman, requer a busca da própria estabilidade da moeda e, indiretamente, do nível de preços. Admite-se algum espaço para políticas anticíclicas, mas argumenta-se que, em geral, o governo por ignorância ou incompetência acaba desestabilizando mais do que estabilizando. No outro extremo, a visão keynesiana de livro texto vê na política monetária um poderoso instrumento de controle de demanda agregada. A visão intermediária, mais aceita atualmente, atribui à política monetária um papel apenas anticíclico, sem, contudo, aderir ao ceticismo friedmaniano quanto à capacidade da autoridade monetária. Nesta linha, o alvo é, via de regra, a estabilidade de alguma medida do nível de atividade de economia.

Escolhido o alvo, é necessário implementar através dos instrumentos disponíveis a política monetária desejada. Aqui a questão passa pelo desenho de um sistema monetário eficiente, que permita o controle do agregado monetário relevante (às vezes classificado como um alvo intermediário). Tomemos por exemplo o agregado mais utilizado, o estoque de moeda Ml (papel moeda em poder do público mais depósitos a vista nos bancos comerciais). O Banco Central não controla diretamente o estoque de moeda, mas sim indiretamente, através do controle do nível de reservas bancárias ou da taxa de juros (os instrumentos). A condução da política monetária é, portanto, bastante complexa, envolvendo inúmeras etapas e possibilidades de desvios. Este trabalho visa discutir algumas das características básicas do sistema monetário brasileiro, tentando salientar os principais problemas de controle existentes.

ALVOS E INSTRUMENTOS

Podemos definir diferentes categorias de alvos e instrumentos, de acordo com o maior ou menor controle (direto ou indireto) exercido pelo Banco Central. Num extremo encontram-se os alvos finais, que são variáveis macroeconômicas como o nível de atividade e a taxa de inflação. Estes alvos são em geral influenciados por variações nos diversos agregados monetários e nas taxas de juros, que por sua vez podem ser classificados como alvos intermediários.1 1 Ver Wallich (1984) para discussão sobre o controle monetário nos EUA e uma classificação dos diversos níveis de alvos.

As relações entre os alvos finais de política e os alvos intermediários envolvem tempo e incerteza e nem sempre se apresentam de forma transparente para os condutores de política. A principal relação utilizada na condução de política monetária é a demanda por moeda (definida usualmente como meios de pagamento). Como é bem conhecido, esta demanda depende do nível de atividade da economia e do patamar de taxas de juros nominais, que embutem uma expectativa de inflação. A política monetária segue então um dos dois alvos intermediários. Mas não os dois, visto que a relação entre juros e moeda implícita na demanda por moeda não permite o controle simultâneo de ambas as variáveis. Formalmente tem-se:

M P = L y , i (1)

onde M é a oferta nominal de moeda, P o nível de preços, y a renda real e i a taxa de juros nominal de curto prazo. M/P é a oferta real de moeda, e L(.) sua demanda.

Se a função L(.) é estável, pode-se inserir a relação 1 em um modelo macroeconômico completo e estabelecer metas para a política monetária compatíveis com os alvos escolhidos. O controle monetário pode então ser exercido diretamente sobre a moeda, através de metas para a base monetária e para as reservas; ou indiretamente, através da fixação de taxas do overnight e do redesconto compatíveis com o equilíbrio monetário desejado. Fica assim completa a nossa classificação: a base monetária e o overnight são alvos instrumentais e as reservas bancárias e a taxa de redesconto são instrumentos. A Tabela 1 resume a discussão.

Os instrumentos e os alvos instrumentais são controlados pelas autoridades monetárias, que agem com o objetivo último de atingir metas intermediárias e finais.

Tabela 1:
Alvos e instrumentos da política monetária

PROBLEMAS NO BRASIL

A estrutura discutida acima se aplica, em princípio, a qualquer sistema monetário. Existem, porém, algumas peculiaridades do sistema brasileiro que merecem ser discutidas em maior detalhe. Abordaremos a seguir a oferta de moeda e as características institucionais brasileiras, o sistema de reservas defasadas e suas implicações para a condução de política monetária e, finalmente, o processo de inovações financeiras e a instabilidade de função da demanda por moeda.

A equação do mercado monetário no Brasil

A oferta da moeda é o produto conjunto das políticas monetária e fiscal do governo. Quanto maior o déficit público, maior será, ceteris paribus, a oferta monetária. Quanto maior a colocação de títulos públicos menor será a oferta monetária. Formalmente, podemos estruturar a discussão examinando a restrição orçamentária do governo. Esta restrição determina que volume de recursos deverá ser dividido entre a emissão de moeda e a venda de títulos. Formalmente temos:

G t + i t - 1 D t - 1 = D t - D t - 1 + H t - H t - 1 (2)

onde:

  • G - déficit público não financeiro

  • D - estoque da dívida em poder do público

  • i - taxa de juros nominal

  • H - base monetária

  • t - índice de tempo.

O lado esquerdo da equação 2 nos fornece o déficit público nominal. Em termos reais temos (dividindo ambos os lados pelo nível de preços no período t).

g t + r t - 1 1 + p t d t - 1 = d t - d t - 1 + u t h t - 1 1 + p t (3)

onde as letras minúsculas indicam variáveis reais e,

  • r - taxa de juros real

  • p - inflação

  • u - taxa de crescimento de base monetária.

Vemos claramente que o déficit público determina o tamanho do bolo que deve ser dividido entre moeda e títulos. Portanto, as políticas fiscal e monetária são inseparáveis.

Esta interdependência se acentua por conta das características especiais do processo fiscal brasileiro. Mais especificamente, a existência de três orçamentos (monetário, das estatais e do Tesouro) implica grandes dificuldades na separação entre as políticas monetária e fiscal. O orçamento monetário é o principal foco de problemas. Lá o Banco Central fornece recursos para gastos e subsídios ligados a programas em geral implementados pelo Banco do Brasil, que tem, portanto, acesso à emissão monetária. Em decorrência desta estrutura foi extremamente difícil para o governo impedir a acomodação da oferta monetária a choques inflacionários nos últimos anos. Este é sem dúvida um ponto central para a explicação da aceleração inflacionária iniciada a partir de 1979.

O arcabouço acima pode ser ampliado de forma a considerar explicitamente os elementos internacionais do processo de acomodação monetária. Para tanto, basta incluir a dívida externa do setor público na equação 2 (ver Fraga e Lara Resende (1985Fraga Neto, Arminio e André Lara Resende, (1985) “Déficit, Dívida e Ajustamento: Uma Nota Sobre o Caso Brasileiro”, Revista de Economia Política, outubro-dezembro, pp; 57-66. ) para uma análise do tópico que resumimos a seguir). Neste caso passamos a incorporar do lado esquerdo os juros sobre a dívida externa pública e do lado direito aumentos nesta dívida.

Até 1982 foi possível financiar o pagamento dos juros internacionais através de novos empréstimos externos ao governo. Dessa forma evitava-se pressionar o mercado monetário interno. Com a crise externa no segundo semestre, o governo viu cortado o seu acesso a novos empréstimos internacionais. Diante da impossibilidade prática (ou do desejo de) reduzir seu déficit, o setor público passou simultaneamente a aumentar o ritmo de seu endividamento interno e a emitir mais moeda.

O aumento da oferta monetária não veio logo em 1983, porém. Num esforço voltado para a contenção da aceleração inflacionária que se deflagrou em paralelo à crise do balanço de pagamentos brasileiro, a oferta monetária cresceu neste ano a um ritmo sensivelmente inferior à inflação. O resultado foi a maior recessão da história recente, completando um período de três anos em que o PIB per capita declinou cerca de 12%. Percebendo que a política de aperto de liquidez trazia poucos frutos no front inflacionário, o governo optou a partir de 1984 por voltar a deixar a oferta monetária acompanhar quase que passivamente o ritmo da inflação.

A nível conceitual, podemos concluir que a decisão de acomodar monetariamente os diversos choques inflacionários foi correta dada a rigidez imposta à inflação pelo sistema generalizado de indexação. Posto de outra forma, a indexação da economia foi a responsável indireta pela “perda de controle” monetário ao longo dos últimos sete anos, na medida em que tornou pouco produtivas e pouco atraentes quaisquer tentativas de controle.

O sistema de reservas defasadas

A equação orçamentária do governo nos fornece o volume de recursos a ser dividido entre a emissão de moeda e a colocação de títulos da dívida. A divisão entre estas duas alternativas é determinada pela política monetária. No curto prazo, porém, a autoridade monetária não possui autonomia total na determinação do crescimento de oferta de moeda. Para entender por que isto ocorre é necessário examinar o funcionamento do sistema de reservas bancárias defasadas.

A base monetária (o passivo das autoridades monetárias) é constituída do papel-moeda em poder do público e das reservas bancárias, livres e compulsórias. As reservas compulsórias a serem depositadas pelos bancos comerciais no Banco Central são determinadas por uma fração do saldo médio dos depósitos bancários num período encerrado antes do prazo de recolhimento. Daí o termo reservas defasadas.

No jargão da econometria as reservas são predeterminadas, isto é, são dadas a cada instante por eventos já ocorridos. Como no Brasil as reservas livres são praticamente nulas (por opção dos bancos), e como pouco se pode fazer para influenciar o volume de papel-moeda em poder do público, tem-se que a base monetária é também predeterminada a cada momento. Assim sendo, a divisão entre dívida e moeda discutida acima independe, no curto prazo, do comportamento da autoridade monetária.

Apesar desta característica do sistema de reservas defasadas, sabe-se que é possível conduzir a oferta monetária de acordo com os alvos finais e intermediários desejados. Basta entender que os instrumentos neste sistema são preços e não quantidades, isto é, são as taxas de juros do overnight e do redesconto. A base monetária é predeterminada, mas não é exógena, sendo estabelecida de forma dinâmica pela interação entre a demanda por moeda e a política monetária.

Antes porém de discutirmos os detalhes institucionais brasileiros, vale examinar brevemente o funcionamento de um sistema tradicional, que permite a fixação do nível de reservas bancárias a cada passo. Neste caso, o uso das reservas como instrumento introduz um interessante automatismo, conforme descreve Wallich (1984Wallich, Henry C., (1984) “Recent Techniques of Monetary Policy”, Federal Reserve System, mimeo. , p. 10):

“O uso das reservas como alvo introduz um certo grau de automatismo. Um desvio dos agregados monetários do alvo de política altera as reservas compulsórias. Dada uma oferta constante de reservas, o desvio altera a demanda por recursos no redesconto e tende a alterar as taxas de juros de curto prazo. Estas variações nas taxas - para baixo quando os agregados estão acima das metas e para cima quando estão abaixo - tendem, ao longo do tempo, a pressionar a oferta de moeda em direção às metas”.

O controle direto das reservas totais através de operações de mercado aberto é difícil, posto que as instituições podem recorrer ao redesconto de liquidez, mas pode ser efetivado. Caso o sistema não se ajuste rapidamente ao nível de reservas ofertadas, generaliza-se o uso do redesconto e aciona-se o mecanismo de equilíbrio automático destacado por Wallich. Como o papel-moeda em poder do público é praticamente um dado no curto prazo, controla-se a base monetária através do controle das reservas.

Esquematicamente podemos caracterizar o processo de controle monetário examinando cada componente da base monetária.

H = R L + R C + P M P P (4)

onde:

  • H = base monetária

  • RL = reservas livres

  • RC = reservas compulsórias

  • PMPP = papel-moeda em poder do público.

O total de reservas demandado pelo sistema a cada instante (RL + RC) é idêntico à soma das reservas fornecidas pelo Banco Central (através das operações de mercado aberto) mais as reservas obtidas através do redesconto.

Para facilitar a análise vamos a partir deste ponto supor que as reservas livres são nulas. Vamos também ignorar os efeitos da média móvel do compulsório. A equação de oferta e demanda por reservas é dada então por:

R C = R O + R D (5)

onde:

  • RO = reservas ofertadas.

  • RD = reservas obtidas através do redesconto.

As reservas compulsórias no Brasil são proporcionais aos depósitos à vista nos bancos comerciais durante o período passado. Estes depósitos, por sua vez, comportam-se de acordo com a demanda por moeda discutida acima (ver equação 1).

A autoridade monetária pode operar de duas formas:

  • 1. escolhendo o nível de reservas ofertadas e aceitando a taxa de juros resultante;

  • 2. fixando a taxa de juros e fornecendo o nível de reservas demandado pelo mercado.

Em ambos os casos o redesconto pode ser utilizado de forma passiva (cobrando a taxa de mercado) ou ativa (penalizando o tomador).

Graficamente temos:

Gráfico 1:
Determinação da taxa de juros dado ao nível de reservas

Gráfico 2:
Determinação das reservas dada a taxa de juros

No Gráfico 1 a autoridade monetária escolhe um determinado nível de reservas que, ao interagir com a demanda, determina a taxa de juros. No Gráfico 2 escolhe-se a taxa de juros, deixando que a demanda determine o nível de reservas.

Aqui fica clara a distinção entre instrumento e alvo instrumental. Por exemplo, um alvo instrumental caracterizado por um determinado nível de reservas pode ser implementado diretamente (reservas como instrumentos). O uso da taxa de juros como instrumento não implica o abandono de metas monetárias. Basta escolher a taxa adequada ao nível de reservas desejado, respeitando a demanda por moeda e a relação do multiplicador dos meios de pagamento.

No caso brasileiro, como a demanda por reservas é predeterminada (reservas defasadas), não resta à autoridade monetária outra alternativa que não acomodar à demanda, sob pena de, em caso contrário, provocar flutuações violentas nas taxas de juros. Em outras palavras, dada a demanda por reservas, a diferença entre esta demanda e as reservas ofertadas deverá ser obrigatoriamente suprida pelo redesconto ou por outras fontes similares. Em particular, como os limites do redesconto encontram-se defasados, o Banco Central é forçado a “zerar” as instituições necessitadas através de operações complementares de mercado aberto.

No curto prazo, portanto, as reservas e, consequentemente, a base monetária, são dadas e o Banco Central pode apenas fixar a taxa de juros. Porém, num prazo mais longo a fixação de uma taxa de juros incompatível com o equilíbrio leva à perda de controle monetário. Por exemplo, a tentativa de fixar uma taxa de juros muito baixa implicaria um aumento contínuo da demanda por moeda e, por conseguinte, do estoque de moeda.

Para estabelecer o controle monetário, o Banco Central pode optar por fixar o nível de reservas ofertadas e a taxa punitiva do redesconto (ou das operações de mercado aberto efetuadas para “zerar” posições); ou por fixar simplesmente a taxa de juros (no caso a do overnight) que gere o nível de demanda por reservas desejado. No Brasil o Banco Central utiliza a taxa do overnight como instrumento, não sendo claro se esta própria taxa é ou não alvo instrumental.

O uso da taxa de juros como instrumento em um ambiente de altas taxas de inflação provoca sérios problemas para o controle monetário. A taxa de juros relevante para a demanda por moeda é nominal, que incorpora uma expectativa de inflação. A partir de um certo nível de inflação, a demanda por moeda torna-se menos elástica com relação à taxa de juros. Isso ocorre porque na medida em que a inflação se acelera os agentes econômicos rapidamente esgotam as possibilidades de economizar no uso da moeda. Consequentemente, maiores movimentos de juros se fazem necessários para a obtenção de uma determinada variação na oferta monetária.

O problema da impotência do instrumento taxa de juros no Brasil tem sido discutido no período recente. Podemos salientar aqui duas questões distintas, mas igualmente relevantes.

A primeira pergunta é porque não voltar a atuação do Banco Central para a redução dos juros. Como (pelo menos no curto prazo) a oferta de moeda independe dos juros, esta seria a política correta, pois estimularia o investimento e a economia em geral. A resposta hoje envolve duas considerações. Em primeiro lugar, o efeito expansionista de queda dos juros é indesejável do ponto de vista do equilíbrio macroeconômico. A inflação recente possui claros elementos de excesso de demanda que, não devem ser exacerbadas por uma queda brusca dos juros. Além disso, sabe-se que embora no curto prazo a política monetária determine a taxa de juros, após certo tempo taxas de juros reais acima (abaixo) do nível de equilíbrio trazem consigo movimentos deflacionários (inflacionários), que impedem a sua manutenção. Posto de outra forma, as carteiras dos investidores finais se desequilibram e provocam mudanças nos padrões de demanda por títulos públicos que inviabilizam políticas monetárias que tentam fixar a taxa de juros real fora de seu valor de equilíbrio por muito tempo.

A segunda questão discutida no contexto da eficácia da taxa de juros como instrumento trata do outro lado da medalha exposta acima. Já que pequenos aumentos das taxas de juros trazem pouco resultado, por que não elevar violentamente os juros por um período curto de tempo? Este período seria suficiente para quebrar o ritmo inflacionário, permitindo a posterior recuperação do controle monetário. Aqui também podemos dividir a resposta.

Primeiramente, a elevação brusca das taxas de juros do overnight traria drásticas consequências para o equilíbrio financeiro da economia. Dependendo da duração e da violência da elevação dos juros, a rede de instituições que carregam a dívida pública poderia entrar em crise com os prejuízos decorrentes. Além disso, as taxas de mais longo prazo acompanhariam o aumento das de curto prazo, onerando, desnecessariamente o lado produtivo da economia. Cabe aqui mencionar uma importante inovação monetária desenvolvida aqui no Brasil: a Letra do Banco Central (LBC). Este instrumento rende a seu detentor a taxa média do overnight capitalizada diariamente. Com a LBC desapareceu o risco para o sistema de aumentos nas taxas de juros e, consequentemente, aumentou sensivelmente o espaço de manobra da atividade monetária.

Em segundo lugar, mesmo que um choque monetário fosse factível, seu efeito sobre a taxa de inflação em uma economia indexada como a brasileira seria provavelmente pequeno, fazendo com que num segundo momento o controle monetário voltasse a ser inviável. Portanto, a contração monetária de cunho ortodoxo só faria sentido se fosse acompanhada de medidas mais amplas de combate à inflação.

Podemos agora resumir a discussão desta seção. O sistema de reservas defasadas força o uso da taxa de juros como instrumento principal de política monetária. Em um ambiente de altas taxas de inflação o emprego de taxa de juros envolve inúmeros problemas que dificultam a condução da política monetária e indicam que a recuperação do controle monetário seria facilitada pela adoção simultânea de um conjunto mais amplo de medidas destinadas a combater a inflação.

Inovações financeiras e a demanda por moeda

A discussão até aqui pressupôs um sistema financeiro estável. Em particular, a função de demanda por moeda foi sempre um dado da análise, mantendo-se invariável mesmo diante de mudanças na política de oferta monetária e na taxa de inflação. Ocorre, porém, que no setor financeiro-monetário, como nos demais setores da economia, dá-se uma busca constante de maior eficiência e de economia de recursos.

No caso específico da moeda, a concorrência entre os bancos e outros intermediários para reduzir o custo associado à manutenção de encaixes monetários elevados faz com que ao longo do tempo a quantidade de moeda necessária para um mesmo circuito econômico se reduza. Essa economia no uso de moeda é o resultado de inúmeros processos que se desenvolvem em paralelo. A nível das empresas, podemos destacar uma gradual melhoria na gerência de caixa, impulsionada por desenvolvimentos recentes na informática. Muitas das grandes empresas no Brasil, e praticamente todas nos EUA, já se beneficiaram das possibilidades apresentadas pelos sistemas de informação modernos, operando com um sistema de caixa único a nível regional e até mesmo nacional. Neste caso, a rede bancária consolida a totalidade dos caixas locais, permitindo que os excessos de uns cubram as deficiências de outros. Desta forma, torna-se possível operar com um nível médio de caixa mais baixo do que no passado, sem prejuízo de eficiência para a empresa. Os indivíduos também têm tido oportunidades de reduzir sua demanda por moeda. Assim no caso das empresas, esta economia tem sido o resultado de um melhor planejamento financeiro, auxiliado pelo uso de cartões de crédito e de contas especiais.

Tanto no caso das empresas quanto dos indivíduos, grande parte das respectivas reduções no uso da moeda se deu graças ao desenvolvimento do mercado de overnight, isto é, das aplicações financeiras por um dia lastreadas com títulos públicos ou privados. Estas aplicações facilitaram imensamente a redução das necessidades de caixa dos agentes, praticamente eliminando o uso de reservas para contingências.

Na esfera macroeconômica, os desenvolvimentos discutidos acima fazem com que a demanda por moeda diminua, ceteris paribus. Caso o deslocamento da demanda seja conhecido, é possível calibrar a oferta monetária de forma a atingir os alvos mais amplos da política econômica. Por exemplo, diante de um processo constante de inovações financeiras, a oferta de moeda deve crescer a um ritmo inferior à inflação, para não provocar alterações nos juros e nas demais variáveis econômicas. Em geral, porém, é difícil acompanhar com precisão o deslocamento da demanda por moeda. Torna-se então essencial balizar de alguma forma a condução da política monetária. Surgem aqui duas perguntas:

  • 1) qual é o agregado monetário relevante quando se sabe que a demanda por meios de pagamento definidos tradicionalmente é instável?

  • 2) como se comporta a demanda pelo agregado escolhido?

A escolha do agregado relevante é um ponto de discussão antigo. Tomando como base objetivos para a política monetária semelhantes aos expostos pelo FED, deve-se buscar aquele agregado que mais influencia a taxa de inflação e o nível de atividade da economia. Num ambiente em que as inovações financeiras são uma constante, o agregado Ml deixa de manter uma relação estável com os alvos finais da política, especialmente com a inflação.

Uma solução para este problema simplesmente define um novo agregado, que adiciona ao antigo os ativos mais líquidos como as aplicações por um dia. Esta adaptação pode ser útil na condução da política de curto prazo, e deveria ser levada em conta no Brasil.

Uma alternativa à redefinição do conceito de moeda é o acompanhamento de variáveis de crédito. Um estudo recente indica que o volume de crédito na economia brasileira pode ser um bom indicador para as autoridades monetárias.2 2 Ver Carneiro e Fraga (1984). O crédito nada mais é do que o outro lado do balanço dos intermediários financeiros. Aproxima-se, portanto, das definições mais amplas da moeda, que abrangem itens do passivo.

De modo geral, porém, o ideal é continuar com uma medida dos meios de transação. O melhor a fazer é mesmo tentar obter uma boa estimativa da demanda por moeda e seus deslocamentos,3 3 Ver Cysne (1985) para uma primeira tentativa, e Judd e Scadding (1982) para uma resenha de literatura norte-americana. recorrendo às alternativas discutidas acima apenas durante períodos de transição.

CONCLUSÃO

A condução da política monetária no Brasil enfrenta três grandes problemas, a saber: 1) o descontrole orçamentário, do governo; 2) a impotência do instrumento taxa de juros num ambiente de altas taxas de inflação; 3) as incertezas geradas por inovações financeiras.

Os dois primeiros problemas são especialmente importantes quando se considera o desenho de programas de combate à inflação. A partir de certo nível de inflação a taxa de juros deixa de ser um instrumento eficaz, inviabilizando políticas tradicionais de controle da demanda. Neste contexto, a recuperação do controle monetário deve ser vista como um elemento de um programa de estabilização completo, que inclui obrigatoriamente a imposição de limites sobre o uso do imposto inflacionário, isto é, sobre o déficit público.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Carneiro, Dionísio D. e Arminio Fraga Neto, (1984) “Variáveis de Crédito e Endogeneidade dos Agregados Monetários: Nota Sobre a Evidência Empírica nos Anos 70”, Pesquisa e Planejamento Econômico, abril, pp. 175-196.
  • Cysne, Rubens P., (1985) “Moeda Indexada”, Revista Brasileira de Economia, janeiro-março, pp. 55-74.
  • Federal Reserve System, The (1984) Purposes and Functions.
  • Fraga Neto, Arminio e André Lara Resende, (1985) “Déficit, Dívida e Ajustamento: Uma Nota Sobre o Caso Brasileiro”, Revista de Economia Política, outubro-dezembro, pp; 57-66.
  • Judd, John P. e John L. Scadding, (1982) “The Search for a Stable Money Demand Function”, Journal of Economic Literature, setembro, pp. 993-1023.
  • Wallich, Henry C., (1984) “Recent Techniques of Monetary Policy”, Federal Reserve System, mimeo.
  • 1
    Ver Wallich (1984Wallich, Henry C., (1984) “Recent Techniques of Monetary Policy”, Federal Reserve System, mimeo. ) para discussão sobre o controle monetário nos EUA e uma classificação dos diversos níveis de alvos.
  • 2
    Ver Carneiro e Fraga (1984Carneiro, Dionísio D. e Arminio Fraga Neto, (1984) “Variáveis de Crédito e Endogeneidade dos Agregados Monetários: Nota Sobre a Evidência Empírica nos Anos 70”, Pesquisa e Planejamento Econômico, abril, pp. 175-196. ).
  • 3
    Ver Cysne (1985Cysne, Rubens P., (1985) “Moeda Indexada”, Revista Brasileira de Economia, janeiro-março, pp. 55-74. ) para uma primeira tentativa, e Judd e Scadding (1982Judd, John P. e John L. Scadding, (1982) “The Search for a Stable Money Demand Function”, Journal of Economic Literature, setembro, pp. 993-1023. ) para uma resenha de literatura norte-americana.
  • 4
    JEL Classification: E31; E52.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1988
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