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Contexto e estratégia do programa de integração Argentina-Brasil* * Trabalho apresentado no Seminário “La Economía Mundial y el Desarrollo Latinoamericano, Problemas y Perspectivas”, Caracas, de 4 a 8 de maio de 1987. A sistematização das informa­ções reunidas contou com a colaboração das assistentes Maria Luisa Streb e Magdalena Segre.

Context and strategy of the Argentina-Brazil integration program

RESUMO

s relações entre Argentina e Brasil sofreram uma grande mudança desde 1985, com o início de um novo projeto de integração. Embora tenha sido uma iniciativa bilateral, este projeto pode ter grande importância, a longo prazo, para toda a América Latina. Seus objetivos são bastante amplos, envolvendo variáveis econômicas, políticas, estratégicas e culturais. Outro aspecto básico desse projeto é seu compromisso com o processo de redemocratização dos dois países. O sucesso do projeto argentino-brasileiro deve-se ao fato de ser uma iniciativa principalmente dos governos de Alfonsin e Samey. Sua duração, entretanto, depende da estabilidade econômica e política de ambos os países, bem como da participação ativa de seus setores privados.

PALAVRAS-CHAVE:
Integração econômica

ABSTRACT

The relations between Argentina and Brazil suffered a major change since 1985, with the start of a new integration project. Although it has been a bilateral iniciative, this project may have great importance, in the long term, for all Latin America. Its goals are guite broad, involving economic, political, strategic, and cultural variables. Another basic aspect of this project is its commitment with the democratization process of both countries. The successful impact of the Argentine-Brazilian project has been due to the fact that it is mainly an iniciative of Alfonsin’s and Samey’s governments. lts duration however depends on the economic and political stability in both countries, as well as the active participation of their private sectors.

KEYWORDS:
Economic integration

As relações Brasil-Argentina constituem o principal eixo bilateral do equilíbrio de forças econômicas e políticas entre os Estados latino-americanos. A notável intensificação desse relacionamento nos últimos tempos vem adquirindo especial importância no contexto regional. Apesar de, deliberadamente, se limitar a um projeto bilateral, poderão ser significativas suas implicações de médio e longo prazo para toda a América Latina. Entre suas características mais relevantes, está a abrangência de seus objetivos, reunindo propósitos econômicos, políticos, militar-estratégicos e culturais. Outro traço fundamental deste projeto é seu compromisso explícito com os processos de democratização em curso em ambos os países.

A implementação gradual, porém sistemática, do projeto de integração Brasil-Argentina corresponde, em sua totalidade, a um esforço conjunto dos governos Sarney e Alfonsín. A existência de condições favoráveis ao seu desenvolvimento, entretanto, antecede a inauguração das duas administrações. Também é importante frisar que esse projeto, apesar de estar no momento fortemente concentrado nas possibilidades econômicas de uma integração bilateral, expressa, dos dois lados, uma preocupação de caráter estratégico global relativa à inserção de ambos os países, e da própria região latino-americana, no sistema internacional.

PERIODIZAÇÃO

Para compreender melhor a evolução das relações Brasil-Argentina nos últimos anos, enfocando o projeto de integração em curso, pode-se identificar três momentos específicos. Será apresentada de forma bastante breve a descrição de cada um.

1.º período: 1979-1983. O marco fundamental neste caso foi a assinatura do acordo Itaipu-Corpus em outubro de 1979 entre os governos do Brasil, Argentina e Paraguai, após dois anos de árduas negociações diplomáticas entre os governos brasileiro e argentino.

Nessa época foram tomadas várias iniciativas no sentido de incrementar as relações entre os dois países, através de um conjunto de protocolos bilaterais relativos ao intercâmbio comercial, à cooperação econômica, tecnológica e militar. De fato, a partir de 1980, assistiu-se a um significativo aumento da balança comercial entre os dois países, que rapidamente se transformou numa excelente oportunidade de negócios para os industriais brasileiros. A orientação “aberturista” da política econômica argentina na época afetou profundamente a capacidade competitiva da indústria local, criando um espaço inédito para a penetração de produtos manufaturados brasileiros. A partir desse período produz-se um conjunto de desequilíbrios no intercâmbio Brasil-Argentina. Em 1980, 72,5% das exportações brasileiras para o mercado argentino eram de manufaturados, enquanto apenas 31,6% das exportações argentinas para o Brasil se constituíam de produtos industriais. Em 1983 os suprimentos brasileiros representavam 14,8% das importações argentinas, enquanto as exportações provenientes da Argentina representavam apenas 3,7% das importações brasileiras. Para completar esse quadro de assimetrias deve-se mencionar a condição permanentemente deficitária da Argentina no intercâmbio com o Brasil durante esta fase.1 1 Ver Hirst, Monica e Lengyel, Miguel - Las Relaciones Comerciales Argentino-Brasileñas: 1976-1985. FLACSO. Buenos Aires, maio 1986.

Em termos políticos, o componente militar predominou no relacionamento entre os dois países nestes anos. Este aspecto é ainda mais reforçado em 1982 com a deflagração da guerra das Malvinas. Nessa ocasião, novo impulso foi dado à aproximação entre os dois países. A intensa atividade diplomática brasileira, solidária com a Argentina e pautada pela busca de uma solução pacífica para o conflito, ajudou a dissipar antigas desconfianças. É importante também sublinhar o efeito causado pela redefinição das relações Brasil-Estados Unidos levada a cabo durante os anos 70. O fato de que, naquele momento, o governo brasileiro já não tinha uma posição de alinhamento automático a Washington permitiu um entendimento bilateral inédito entre os círculos diplomáticos e militares brasileiros e argentinos.

Um último elemento que vale ser destacado com relação a este período refere-se às diferenças políticas entre os dois países. Apesar de os dois se encontrarem subordinados a regimes militares, havia distinções importantes, que em certa medida dificultavam uma maior aproximação. O projeto de distensão política em curso no Brasil, acompanhado das liberdades correspondentes, contrastava com o fechamento do sistema argentino ainda sujeito à violenta repressão às forças políticas internas. Esse contraste provocava em ambos os governos uma certa reserva que se mantinha implícita, em função do princípio de não interferência.

2.º período: 19-83-1985. Este momento se inicia com a inauguração do governo Alfonsín em dezembro de 1983. Desde o início, esteve presente entre os objetivos da política externa do novo governo argentino a intensificação das relações com o Brasil. Este intento foi marcado numa primeira fase por uma visão bastante idealista, que vislumbrava uma articulação entre os dois países - à qual também se somaria o México - para enfrentar as duras pressões do sistema financeiro internacional. O governo brasileiro, entretanto, deixou claro seu desinteresse em um projeto dessa natureza, mantendo-se fiel ao princípio das negociações individuais.

No campo político, havia ainda uma defasagem - inversa ao que se apresentava no período anterior - em função do “atraso” brasileiro no seu processo de transição democrática. Essa defasagem chegou a converter-se num item sensível da agenda bilateral, em vista da susceptibilidade do regime militar brasileiro frente à decisão do governo Alfonsín de julgar formalmente os crimes políticos cometidos pelas autoridades militares durante o período do Proceso.

Na área das relações econômicas, algumas iniciativas foram tomadas nessa etapa, conseguindo-se ao menos ampliar o espaço da negociação econômica bilateral. O nível de intercâmbio naquele momento era extremamente baixo - em 1983 o volume das transações bilaterais não ultrapassou 900 milhões de dólares -, enquanto os desentendimentos entre setores privados e autoridades econômicas argentinas e brasileiras mostravam-se cada vez mais agudos. As assimetrias das pautas comerciais, somadas às rivalidades burocráticas e às desavenças setoriais, dificultavam o diálogo bilateral.2 2 A escalada de desentendimentos entre os dois países foi ocasionada por um conjunto de conflitos comerciais. Exemplificam esta escalada as atitudes tomadas pelos dois governos no início de 1985, quando o Brasil fixou salvaguardas para as importações argentinas de maçãs, alho fresco e peixe, recebendo como resposta da Argentina a suspensão das importações brasileiras de banana e café, junto a uma série de restrições ao comércio com o Brasil. As iniciativas de reativar a Comissão Especial Brasileiro-Argentina de Coordenação, paralisada desde 1979, e de criar um grupo de trabalho informal para a negociação de um novo acordo no âmbito da ALADI, foram as primeiras medidas para reverter este quadro.

A possibilidade de avançar ainda mais nessa direção, entretanto, foi novamente prejudicada por problemas políticos domésticos. Finalmente, o quadro de indefinições no qual o Brasil se viu submergido pôde ser superado no segundo semestre de 1985, criando-se simultaneamente um conjunto de coincidências entre os governos brasileiro e argentino. A intenção do presidente Sarney de dar prioridade às relações com a América Latina, destacando um entendimento “especial” com a Argentina, junto a uma postura mais realista do governo Alfonsín quanto ao conteúdo de sua política latino-americana - que continuava tendo o Brasil como uma primeira prioridade - permitiram que se abrisse um novo capítulo nas relações Brasil-Argentina.

3.º período: 1985 até hoje. A “intervenção política” junto a iniciativas econômicas bilaterais, reforçada pelos próprios presidentes Sarney e Alfonsín, mostrou-se um traço fundamental desta nova fase. Seu marco inicial foi o encontro presidencial Alfonsín-Sarney realizado em Foz de Iguaçu, em fins de novembro de 1985. Junto ao novo “tom” que adquiriram as relações intergovernamentais, somou-se uma maior participação de setores empresariais e de organismos estatais dos dois países.

Por meio de contatos permanentes entre setores diplomáticos e econômicos brasileiros e argentinos foram encetados os preparativos dos 12 protocolos subscritos por ocasião do novo encontro presidencial em Buenos Aires durante o mês de julho de 1986.3 3 Ver Anexo 1. No decorrer do segundo semestre desse mesmo ano, autoridades de ambos os países desenvolveram uma atividade febril com vistas a dar um conteúdo mais preciso aos protocolos assinados. Esse empenho culminou no terceiro encontro Sarney-Alfonsín, realizado no Brasil em dezembro de 1986. Foram então assinados cinco novos protocolos, e foi elaborado um conjunto de anexos aos protocolos já assinados.4 4 Ver Anexo 1. A essa altura também já eram notórios os resultados positivos da balança comercial entre os dois países, que obteve um salto de 1 milhão de dólares em 1985 para um milhão e 400 mil em 1986.

No campo político explicitou-se um conjunto de interesses comuns relacionados ao contexto interno e externo de ambos os países. Tanto no caso do governo brasileiro como no do argentino percebeu-se a importância dessa aproximação bilateral como um instrumento de fortalecimento dos processos democráticos internos, cujas vulnerabilidades ainda se mostravam bastante evidentes. No plano internacional, a articulação mais estreita de ambas as políticas externas buscava dar maior peso à defesa de seus interesses nacionais bem como da própria opção democrática na América Latina.

A ABRANGÊNCIA DO PROJETO

O programa de integração Brasil-Argentina procurou reproduzir nas negociações bilaterais a mesma abrangência que comporta esse relacionamento ao nível de sua realidade. O conteúdo dos protocolos assinados durante o ano de 1986 evidencia um claro esforço de inserir esse projeto num contexto amplo e diversificado de vinculações bilaterais. Neste sentido dois objetivos foram buscados: por um lado, contemplar formas de cooperação em áreas onde já havia relações, mas que se encontravam atrofiadas ou conflituosas, como as de transportes e trigo; por outro, criar novos espaços de cooperação, como, por exemplo, complementação industrial no setor de bens de capital e estatuto para empresas binacionais.

Concretamente, as relações Brasil-Argentina integram três variáveis fundamentais: uma militar-estratégica, outra política e outra econômica. O caráter interdependente das três pode ser claramente percebido quando se analisa a evolução recente desse relacionamento. Não cabe dúvida de que a dissipação do conflito, essencialmente estratégico, em torno da exploração dos recursos hidroelétricos do rio Paraná foi decisiva para atenuar antigas rivalidades entre os dois países. O mesmo pode ser dito com referência aos efeitos da guerra das Malvinas, que proporcionou para todo o continente latino-americano uma revisão de seus compromissos interamericanos. Essa aproximação, por sua vez, “limpou o terreno” para uma aproximação política, que de seu lado só poderia viabilizar-se com um suporte econômico consistente. Vale aqui rememorar o esforço de aproximação bilateral mais comparável ao que se assiste nos dias de hoje, realizado pelos governos Kubitschek e Frondizi em fins dos anos 50. Naquela ocasião o impulso por uma aproximação esbarrava nas limitações impostas pelos laços de dependência da economia brasileira, que impediam sua inserção num projeto de integração regional.

Atualmente o êxito do projeto de integração Brasil-Argentina depende de sua variável econômica. Esta variável, além de estar sujeita à participação efetiva dos setores econômicos brasileiros e argentinos, não pode atuar isoladamente, devendo contar com um forte apoio político interno nos dois países, com um· importante respaldo diplomático dos dois lados, e com a não aplicação do poder de veto dos setores militares em ambos os casos. A seguir, será analisado cada um dos aspectos mencionados.

Com respeito ao componente militar-estratégico, as iniciativas bilaterais recentes vêm reforçando a possibilidade de um cooperação em bases sólidas. Quatro são os fatores que contribuem nesse sentido: o primeiro é a inexistência, neste momento, tanto em nível bilateral como com terceiros países da região, conflitos territoriais ou disputas por recursos naturais; o segundo é que já não vigora a estreita associação entre os militares brasileiros e norte-americanos, que tantas vezes deu margem, na América Latina, a interpretações de pretensões sub-hegemônicas por parte do governo brasileiro; o terceiro se relaciona ao abandono por parte dos militares argentinos da visão de que sua identificação com a doutrina estratégica norte-americana implicaria um respaldo total às suas iniciativas militar-estratégicas; o quarto se refere à consciência da incapacidade de ambos os países produzirem iniciativas estratégicas em função de sua inclusão numa zona de hegemonia norte-americana. Poderia ser considerado, ainda, um quinto fator - que apesar de não computado deve ser mencionado -, em que se relaciona a sobrevivência de uma visão compartilhada da existência de uma “ameaça comum” à segurança nacional de todos os países latino-americanos. Para alguns especialistas este pode ser um perigoso complicador à cooperação bilateral em bases mais autônomas “porque dificulta a proposição de formulações estratégicas que sustentem o desenvolvimento de uma autonomia relativa do país no contexto da hegemonia dominante. Sua existência é a confirmação de que, em termos militares e confrontadas com o “inimigo ideológico”, as forças armadas latino-americanas não estão “desalinhadas”, pelo contrário, a perspectiva do alinhamento automático ainda continua sendo uma “sombra de natureza estratégica”.5 5 Cavagnani Filho, Geraldo Lesbat - “A questão geo-estratégica - A perspectiva brasileira”. Em Hirst, Monica (ed.), Las Relaciones Argentina-Brasil: Condicionantes internos y externos, Legasa, Buenos Aires (no prelo). Do ponto de vista do atual processo de integração Brasil­Argentina, a “periculosidade” desse fator está nas perspectivas que mantém abertas, seja de retomada de uma política de alinhamento automático com os Estados Unidos, seja de uma articulação bilateral que possa prescindir de ordenamentos democráticos internos.

No que diz respeito à hipótese de conflito bilateral, sempre presente na doutrina militar de ambos os países, alguns avanços vêm sendo logrados desde o final dos anos 70. Contando com um maior entusiasmo da Marinha brasileira e do Exército argentino, os governos atuais vêm obtendo algum êxito no esforço de aprofundar a aproximação entre as forças armadas dos dois países. Passos concretos no campo da cooperação da indústria militar e da energia nuclear e iniciativas no terreno do debate das doutrinas militares nacionais devem ser mencionados aqui.6 6 Destacam-se aqui os acordo entre a EMBRAER e a Fábrica de Aviones Militares de Córdoba, os entendimentos estabelecidos no protocolo N.º 12 e a realização em março de 1987 de um simpósio de estudos estratégicos organizado conjuntamente pelos Estados Maiores das Forças Armadas argentino e brasileiro. Em contrapartida deve-se mencionar as reservas das autoridades brasileiras no final de 1986 em assinar um protocolo referente a cooperação industrial-militar.

Ao mesmo tempo, podem ser delineados três itens sensíveis com respeito à variável militar-estratégica vinculada a temáticas bilaterais, multilaterais e domésticas. No primeiro caso, os temas em questão são os da cooperação nos campos nuclear e da indústria militar. Neste caso, o que se percebe é um avanço quanto à formalização de contatos e à elaboração de projetos específicos de colaboração. Já em 1980 se havia conseguido uma aproximação bilateral no campo nuclear, formalizada primeiramente numa carta de intenção e posteriormente através de um acordo e dois protocolos adicionais. Esses entendimentos, entretanto, não progrediram naquela época, sendo retomados em 1986 no contexto da atual integração bilateral. Além de se buscar aprofundar a cooperação nuclear, pretende-se definir uma política comum de salvaguardas recíprocas e de posicionamento nos foros internacionais.7 7 Ver protocolos N.º 11 e N.º 17. Existem, entretanto, algumas desconfianças recíprocas quanto ao desenvolvimento de políticas sigilosas por ambas as partes no campo nuclear. Este fato, em alguns momentos, foi explorado pelos setores internos pouco interessados na articulação de uma política estratégica comum. Clara demonstração nesse sentido foi a repercussão, entre os militares argentinos, da notícia de que o Programa Nuclear Paralelo desenvolvido por setores militares brasileiros vinha alcançando importantes progressos na construção de uma bomba atômica.

Com respeito ao tema da indústria militar, também se manifestam resistências a uma colaboração mais efetiva, desta vez provenientes na maior parte dos militares brasileiros. Cabe ressaltar que, tanto no caso do tema nuclear quanto da indústria militar, as diferenças se produzem de setor militar para setor militar, havendo uma correlação positiva entre a superioridade tecnológica e a manifestação de resistências à cooperação bilateral.

Um segundo tipo de diferença refere-se a uma temática multilateral: a da segurança do Atlântico Sul. Neste caso existe uma maior sintonia entre as posições dos setores militares brasileiros e argentinos, havendo diferenças entre esses setores e seus respectivos governos civis. O tema da discórdia aqui constitui a iniciativa da diplomacia brasileira de propor, no seio das Nações Unidas, a transformação do Atlântico Sul numa Zona de Paz e Cooperação.8 8 O projeto de resolução de iniciativa brasileira apresentado na ONU, a favor da transformação do Atlântico Sul numa zona de Paz e Cooperação foi adotado por 124 votos a favor, um contra (Estados Unidos) e oito abstenções (Bélgica, França, Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e RFA). A resolução aprovada foi co-patrocinada pela maioria dos países da região do Atlântico Sul: Argentina, Uruguai, Angola, Brasil, Cabo Verde, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Nigéria, São Tomé e Príncipe. A maior dificuldade para as forças armadas de ambos os países vem sendo a própria desmilitarização do tratamento da questão, tradicionalmente percebida como um item da agenda de decisões militares e não diplomáticas.

Um último tipo de diferença se refere a questões de índole doméstica. Neste caso também prevalece uma identificação “não declarada” entre os setores militares dos dois países frente à política implementada pelo governo Alfonsín, com relação à violação dos direitos humanos durante o período do governo militar.

No plano político, o fator mais importante do projeto de integração Brasil-Argentina é sua inserção nos processos de transição democrática em curso nos dois países. A simetria entre os momentos políticos vividos dos dois lados foi num primeiro momento reforçada pela identificação criada entre as políticas econômicas - o Plano Austral e o Plano Cruzado - implementadas pelos dois governos, criando-se então um espaço inusitado de diálogo, consultas e debates bilaterais entre os diferentes setores das duas administrações.

Em termos gerais, existiriam dois tipos de interesses políticos envolvidos no atual processo de integração brasileiro-argentina; o primeiro de caráter complementar e o segundo de caráter convergente. No primeiro caso concentram-se os interesses relacionados ao terreno da política econômica, onde se procura manter total independência quanto à implementação de políticas e condução de negociações externas, buscando-se ao mesmo tempo desenvolver fórmulas adequadas de complementação bilateral. No plano doméstico procurou-se, desde as primeiras iniciativas integracionistas, uma compatibilização entre estas iniciativas e as políticas econômicas específicas de cada país, de maneira que ambas se fortalecessem reciprocamente. Foi nesse sentido, por exemplo, que se perceberam as relações comerciais com a Argentina como uma solução às alternativas para a crise de desabastecimento deflagrada na economia brasileira a partir de meados de 1986.

No plano externo existem dois objetivos de natureza complementar: um vinculado à estratégia mais global de relacionamento econômico externo dos dois países, e outro relacionado ao cotidiano das negociações financeiras e comerciais internacionais. No primeiro caso, predomina a preocupação de alcançar uma maior articulação econômica regional como uma alternativa de médio e longo prazos aos tradicionais laços de dependência econômica e tecnológica em relação às economias da OCDE. Com referência às negociações financeiras externas, vem se tornando fundamental o fluxo de informações entre as equipes dos dois governos sobre os detalhes de suas negociações para a sistematização de demandas frente à comunidade financeira internacional. No terreno comercial ressalta-se o intento de reforçar reciprocamente negociações específicas junto ao GATT.

Os interesses convergentes se expressam essencialmente no campo político, em nível externo e interno. Tanto para o governo de Alfonsín como para o de Sarney existe no momento uma articulação entre o projeto de política interna e o de política externa, sendo que ambos pretendem aprofundar esta articulação através de seus vínculos bilaterais. Em comparação com outros países latino-americanos, o processo de redemocratização brasileira foi o que deu menor importância ao tema da política externa. Ao contrário do que ocorreu na Argentina, Uruguai e Peru (que já vinha experimentando um regime democrático há mais tempo), onde especial atenção foi concedida ao tema da política externa, no Brasil se anunciou desde as vésperas da Nova República que esse terreno não sofreria maiores modificações. Dessa forma, existe uma diferença importante quanto ao sentido específico do atual projeto de integração Brasil-Argentina nos desenhos globais das políticas externas dos dois países. No caso da Argentina, o projeto se insere num universo de transformações profundas do projeto de relacionamento internacional do país, que tem como objetivo principal romper com o seu isolamento e com a descontinuidade de sua política externa. Para o Brasil, trata-se basicamente de outorgar maior ênfase a uma orientação já em curso.

Além de se inserir numa preocupação, de caráter geral, de intensificar os laços econômicos e políticos com os países latino-americanos, o projeto de interação com o Brasil representa para o atual governo argentino uma possibilidade de acesso a circuitos ativos e modernizantes do sistema internacional. O crescimento sustentado da economia brasileira nos últimos vinte anos, e a diplomacia dinâmica e diversificada, são, neste caso, percebidos como experiências que estimulam uma convivência mais próxima. No caso do Brasil, a integração com a Argentina está diretamente relacionada com o estreito comprometimento da política externa do país com a consolidação do desenvolvimento econômico de longo prazo do país.9 9 Ver Ricupero, Ruben - O Brasil e o Mundo no Século XXI, São Paulo, Instituto de Altos Estudos, 28.5.1986. No campo da política internacional se entrelaçam também interesses quanto à preservação do Atlântico Sul como zona de paz e sua exclusão do plano de disputas Leste-Oeste.10 10 Para a Argentina este interesse está relacionado a sua reivindicação pela soberania das Ilhas Malvinas; no caso brasileiro a transformação do Atlântico Sul numa zona de Paz e Cooperação fortalece sua política africana de isolamento da África do Sul e promoção da independência da Namíbia.

Ao nível doméstico, a convergência mais importante entre os dois países é a de que a atual aproximação bilateral poderá se constituir num instrumento de fortalecimento recíproco dos respectivos processos de transição democrática.

Deve-se assinalar ainda que as convergências mencionadas acima não implicam uma coincidência total quanto aos posicionamentos internacionais argentinos e brasileiros. Sobrevivem diferenças relacionadas a contrastes entre os processos políticos internos ou a posições estratégicas tradicionais. Atualmente, a política externa argentina vem assumindo determinados posicionamentos internacionais que traduzem maior “politização”, exemplificados na decisão de rompimento de relações com a África do Sul, no envolvimento na crise centro-americana e na participação ativa junto ao movimento dos não-alinhados. Com respeito a estas três questões, a diplomacia brasileira mantém uma política de natureza mais retraída. (Obviamente, uma forte razão para isso é a menor politização de temas de política externa na sociedade brasileira). Com relação a temas estratégicos tradicionais, a diferença mais ilustrativa se dá com a questão do Tratado Antártico, frente ao qual persistem importantes diferenças entre o Brasil e a Argentina.11 11 O Brasil não reivindica soberania territorial da Antártida, mas tenta consolidar sua presença na região elaborando um programa antártico-brasileiro que prevê a instalação de uma base na região. A Argentina, por sua vez, compartilha do critério da internacionalização da região antártica para 1991 (quando vence o atual Tratado Antártico) mas também defende seus direitos territoriais na região. O que se deseja ressaltar, entretanto, é que neste momento tais diferenças não são percebidas como potencialmente conflitivas pelos governos dos dois países.

A combinação de interesses convergentes presentes no programa atual de integração Brasil-Argentina tem como seu principal paradigma histórico a experiência europeia dos anos 50. Não obstante as notáveis diferenças entre uma experiência e outra, ambas buscam reunir, num mesmo processo de âmbito regional, integração econômica, consolidação democrática e convergência de políticas externas independentes.

Apesar de se constituir neste momento num esforço bilateral, é clara a dimensão regional do Programa de Integração Brasil-Argentina, tanto em termos de suas potencialidades como de algumas iniciativas concretas tomadas por ambos os países. Particular menção deve ser feita à forma de relacionamento que tanto o Brasil como a Argentina vêm desenvolvendo com o Uruguai. A explícita identificação quanto aos processos internos ·de redemocratização e aos princípios orientadores de política externa tornou-se uma tecla comum no relacionamento entre os três países. Ao mesmo tempo, tanto o governo brasileiro quanto a Argentina estabeleceram um novo padrão de entrosamento econômico com o Uruguai, formalizado através de entendimentos bilaterais específicos.12 12 Em maio de 1985 foram assinados 4 acordos de cooperação mútua entre os governos argentino e uruguaio no marco de reativação e ampliação do CAUCE (convênio de cooperação econômica Argentina-Uruguai de 1974). Estes acordos contemplam quatro áreas: política, economia, integração física e complementação agropecuária. Destacam-se a liberação alfandegária, a importação de produtos uruguaios concedida pela Argentina, como também o projeto de venda conjunta dos produtos agropecuários para aumentar a capacidade de negociação de ambos os países com terceiros parceiros. Os resultados concretos destes entendimentos ainda se mostram bastante limitados. No caso do Brasil, tomou-se uma série de iniciativas visando o incremento de relações econômicas com o Uruguai. Foram assinados 11 documentos reunidos no Protocolo de Expansão Comercial (PEC), nos quais se especificam as condições do lado uruguaio, para a venda de carne, cevada, lácteos, arroz e alguns produtos industriais; e do lado brasileiro, para a venda de bens de capital, equipamento e material de transporte. Apesar do peso relativo insignificante das trocas com o Uruguai no volume total do comércio exterior brasileiro, o pleno funcionamento dos acordos mencionados foi temporariamente afetado pela política geral de restrição às importações aplicada pelo governo brasileiro a partir do final de 1986. Não resta dúvida de que essas iniciativas complementam reciprocamente o programa brasileiro-argentino de integração.

A VARIAVEL ECONÔMICA

Sem dúvida, o impulso principal do projeto de integração Brasil-Argentina vem sendo dado por sua variável econômica. Existe plena consciência, por parte dos dois governos, quanto à necessidade de que esse projeto contenha uma dose máxima de concretude e mínima de retórica. Dos 17 protocolos assinados no ano de 1986, nove referem-se a temas econômicos, havendo um envolvimento Inter burocrático de ambos os lados, englobando todos os ministérios e secretarias econômicas na execução de suas determinações.

A primeira questão suscitada com respeito à integração refere-se a sua inserção internacional. É interessante contrastar aqui as duas interpretações que prevalecem sobre essa questão: a primeira de enfoque crítico, enfatizando o aspecto da transnacionalização; e a segunda em defesa do projeto, valorizando o empenho de internacionalização das economias brasileira e argentina. De acordo com a primeira interpretação a tendência integradora constitui uma etapa indispensável do desenvolvimento capitalista, não sendo casual a coincidência entre o surgimento de projetos de integração a partir dos anos 60 em diferentes regiões e a expansão da empresa transnacional. Para alguns autores, às transnacionais serão beneficiadas pela integração da região em função de um conjunto de vantagens tais como: barateamento de mão-de-obra, redução de custos, unificação de mercados, eliminação de competidores etc.13 13 Kaplan, Marcos - “La empresa privada y la empresa pública en la integración. Las empresas multinacionales “, citado por Warschaver, Eduardo, “Integración económica y empresas transnacionales”, Realidad Económica N.º 7, Buenos Aires, 1986, p. 24.

Através de uma maior especialização das economias de escala, a empresa transnacional aumentaria sua hegemonia na região junto ao incremento de suas operações em escala mundial. No caso das transnacionais norte-americanas, o maior controle sobre os principais setores da indústria, comércio, operações financeiras, comunicação e tecnologia possibilitaria também maior domínio político e militar dos Estados Unidos sobre a região.14 14 Warschaver, Eduardo, op. cit., p. 24.

Em contraposição, vem sendo sustentada uma visão positiva do projeto de integração Brasil-Argentina, que ressalta sua contribuição ao desenvolvimento econômico da região latino-americana. Segundo esta perspectiva, os países em desenvolvimento enfrentam atualmente um conjunto de restrições (monetárias, produtivas, de estabilidade política interna) que coloca como única saída a busca de mecanismos alternativos de articulação com a economia internacional, visando alcançar maior autonomia decisória em relação aos países centrais. O principal objetivo aqui é o de romper com velhas dinâmicas de dependência de forma a permitir que a América Latina se tome um sujeito ativo no sistema econômico internacional.

Dentro do contexto regional, uma das preocupações do projeto de integração vem sendo o de avaliar com realismo a experiência da ALALC-ALADI, tentando dinamizar e atualizar, na medida do possível, seus instrumentos de intercâmbio. Apesar da melhoria que a criação da ALALC-ALADI representou para o intercâmbio intrarregional, graças ao sistema de preferências aos países membros frente a terceiros, seu funcionamento não resultou num processo estrutural de integração das economias latino-americanas, nem tampouco de especializações intrasetoriais. Além dos entraves burocráticos e das dissintonias quanto a políticas comerciais, surgiu como um obstáculo cada vez mais presente o crescimento das desigualdades econômicas intrarregionais.

Tornou-se claro que a possibilidade de uma integração regional apenas poderia, ser dinamizada por economias com um grau de desenvolvimento que lhes permitisse certa autonomia e capacidade de especialização industrial. Ao mesmo tempo, iniciar o processo de integração apoiado no setor de insumos básicos, como se deu com o Mercado Comum Europeu, não teria sentido, já que o centro de gravitação da atividade industrial se deslocou para o setor de bens de capital. De fato, os bens de capital constituem um componente essencial do comércio mundial, não apenas pelo seu alto valor agregado e a tecnologia que têm incorporada, mas também por representarem mais de 40% do comércio internacional dos produtos manufaturados.15 15 Chudnovsky, Daniel - “Oportunidad histórica para formular una política industrial”, Argentina Tecnológica N.º 4, Buenos Aires, janeiro 1987, p. 4.

A partir destas constatações, as autoridades econômicas e diplomáticas brasileiras e argentinas escolheram o setor de bens de capital como o nódulo dinâmico do projeto de integração bilateral. Foi traçada uma estratégia específica para sua implementação que pressupõe gradualismo, flexibilidade, equilíbrio e simetria.16 16 Thompson Flores, Francisco - “Adeus à retórica: rumo à integração”. Revista Brasileira de Comércio Exterior N.º 8, Rio de Janeiro, nov-dez. 1986, p. 12. Algumas medidas mostraram-se importantes para tornar as indústrias argentinas e brasileiras plenamente competitivas no setor. Nesse sentido surgiu um conjunto de reivindicações por parte dos fabricantes argentinos que contemplavam três áreas fundamentais: 1) insumos básicos: criação de instrumentos creditícios, fiscais ou de admissão temporária; 2) partes e componentes não incluídos na lista comum: mesmo tipo de incentivos mencionados para os insumos; 3) financiamentos às exportações e às compras no mercado interno de produtos objetos de intercâmbio em condições semelhantes aos que são concedidos aos empresários brasileiros.

A expectativa para 1987 é que o intercâmbio global dos produtos que integram a lista comum de bens de capital alcance 300 milhões de dólares, devendo haver um aumento paulatino até 1990, quando se pretende alcançar a cifra de 750 milhões de dólares. Estão previstos mecanismos (protocolos no. 6 e 7) no caso de surgirem desequilíbrios comerciais neste setor, havendo-se estabelecido que um desequilíbrio superior a 10% deverá ser corrigido através da abertura de linhas de crédito por parte do país superavitário para os importadores desse mesmo país, e o deficitário deverá abrir outra linha de crédito para exportar produtos ao superavitário. Esses mecanismos estão destinados a proteger 15% do fluxo comercial de bens de capital, na medida em que os outros 85% já estão financiados por mecanismos financeiros de longo prazo.17 17 Dudiuk, Pedro - “Comentarios sobre el acuerdo de integración y cooperación económica entre Argentina y Brasil”, Integración Argentina-Brasil/Fundación Friedrich Ebert, Buenos Aires, p. 20. Ao mesmo tempo, o país deficitário terá prioridade na escolha dos novos produtos a serem incorporados na lista comum. No caso de um déficit que supere os 20%, prevê-se um aporte especial do Fundo de Inversões, que, por sua vez, é integrado por um importe igual ao déficit verificado, graças a créditos concedidos em parcelas iguais pelos dois governos, destinados exclusivamente a situações deficitárias. A ideia, neste caso, é criar um mecanismo financeiro que contribua para solidificar a expansão comercial, ao contrário das orientações tradicionais que normalmente restringem o comércio frente a uma situação deficitária.18 18 Dudiuk, Pedro, op. cit., p. 21.

Não resta dúvida de que o êxito a médio e longo prazos do programa de integração Brasil-Argentina repercutirá sobre toda a economia latino-americana. Também são vislumbradas as possibilidades de maior e mais consistente articulação da região latino-americana com o Terceiro Mundo, ressuscitando o velho ideal do eixo Sul-Sul. Diversos países do mundo subdesenvolvido encontram-se em estágios de industrialização semelhantes aos que foram experimentados pelo Brasil e pela Argentina nos anos 30. Por razões políticas, culturais, econômicas e tecnológicas, um relacionamento mais intenso com uma América Latina integrada poderia apresentar um conjunto de vantagens em comparação aos países centrais.

PERSPECTIVAS

1987 vem se convertendo num ano de prova do atual programa de integração Brasil-Argentina. Por um lado, se deverá testar a viabilidade operacional do protocolo de bens de capital, por outro se tentará consolidar as tendências positivas já verificadas em 1986 no intercâmbio comercial entre os dois países. Além de um incremento significativo, pode-se observar a correção de suas principais assimetrias, logrando-se maior diversificação na pauta de exportações argentinas, como também uma reversão da tendência deficitária que prevalecia para a Argentina nos últimos anos.

Atualmente, os maiores obstáculos à materialização desse projeto se localizam no terreno político, seja com relação às políticas econômicas implementadas num ou noutro país, ou aos impasses internos provenientes dos processos de transição democrática em curso.

No Brasil, a vertiginosa queda das reservas do país em moeda forte, durante o segundo semestre de 1986, ocasionada pelos resultados menos favoráveis da balança comercial e a generalização de práticas especulativas no meio cambiário, levou à adoção de um rígido controle sobre as importações. Num primeiro momento, essas medidas afetaram de forma dramática o intercâmbio com a Argentina, tornando-se fundamental uma “intervenção política” que garantisse um tratamento diferenciado às importações argentinas.

A problemática comercial mencionada, por sua vez, vincula-se a um conjunto de dificuldades enfrentadas pela economia brasileira, dentre as quais se destacam: a negociação da dívida externa junto à comunidade financeira internacional, o recrudescimento da inflação doméstica e o retraimento dos investimentos estrangeiros. O encaminhamento dessas questões depende fundamentalmente do manejo político do Estado no que diz respeito à sua capacidade de lidar com pressões internas e externas.

Diante de conjunturas de crise surgem prioridades que podem relegar os esforços integracionistas a um segundo plano. Neste quadro vem sendo decisivo o sucesso da articulação entre meios empresariais dos dois países, independente de seus governos.19 19 A iniciativa mais recente neste sentido foi a organização, no final do mês de abril deste ano, de uma Feira Industrial Argentina em São Paulo com a participação de 300 empresas argentinas. Também vale mencionar a intensificação de contatos entre governos estaduais e setores privados, brasileiros e argentinos, buscando complementar interesses setoriais e sub-regionais.

Em resumo, o êxito do programa de integração Brasil-Argentina, bem como de sua ampliação no contexto latino-americano, estão subordinados às condições gerais de estabilidade econômica e política nos dois países, assim como à consolidação de uma dinâmica bilateral que supere as iniciativas intergovernamentais.

  • *
    Trabalho apresentado no Seminário “La Economía Mundial y el Desarrollo Latinoamericano, Problemas y Perspectivas”, Caracas, de 4 a 8 de maio de 1987. A sistematização das informa­ções reunidas contou com a colaboração das assistentes Maria Luisa Streb e Magdalena Segre.
  • 1
    Ver Hirst, Monica e Lengyel, Miguel - Las Relaciones Comerciales Argentino-Brasileñas: 1976-1985. FLACSO. Buenos Aires, maio 1986.
  • 2
    A escalada de desentendimentos entre os dois países foi ocasionada por um conjunto de conflitos comerciais. Exemplificam esta escalada as atitudes tomadas pelos dois governos no início de 1985, quando o Brasil fixou salvaguardas para as importações argentinas de maçãs, alho fresco e peixe, recebendo como resposta da Argentina a suspensão das importações brasileiras de banana e café, junto a uma série de restrições ao comércio com o Brasil.
  • 3
    Ver Anexo 1 ANEXO 1 PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO ECONOMICA ARGENTINA-BRASIL Data Tema Objetivos Mecanismos Estimativas Protocolo n.º 1 30.7.86 Bens de capital Integração da produção, comércio e desenvolvimento tecnológico de bens de capital de ambos os países União aduaneira limitada e crescente tendente à liberalização do intercâmbio de bens de capital Evolução do· intercâmbio: de 300 milhões de dólares em 1987 para 750 milhões de dólares em 1990 Protocolo n.º 2 30.7.86 Trigo Abastecimento da Argentina para o Brasil Cláusula de privilégio em matéria de compra e venda Vendas para o Brasil: 1 375 000 ton. 1987 2 000 000 ton. 1990 Protocolo n.º 3 30.7.86 Complementação do abastecimento alimentar Salvar os eventuais déficits de produção local de ambos os países Concessão de preferências recíprocas. Não aplicação de restrições dos produtos da lista Intercâmbio: varia se­gundo o produto Protocolo n.º 4 30.7.86 Expansão do comércio Acordar novas listas e normas para expandir o comércio entre os dois países Eliminação e incorporação de produtos nos a;ordos de alcance médio n.º 1 da ALADI Protocolo n.º 5 30.7.86 Empresas binacionais Fortalecimento do capital nacional Estabelecer uma estrutura jurídica normativa para a criação e o funcionamento de empresas binacionais Protocolo n.º 6 30.7.86 Assuntos financeiros Facilitar o intercâmbio comercial entre os dois países e tornar mais eficiente o sistema de compensação de créditos recíprocos Criação de um crédito stand by de 200 milhões de dólares, que será revisado periodicamente para impedir que se interrompa o fluxo comercial. Protocolo n.º 7 30.7.87 Fundo de investimentos Promover o crescimento econômico, privilegiando o setor de bens de capital Cada parte contribuirá com 100 milhões de dólares para empréstimos de médio e longo prazos. Haverá fundos suplementares em caso de dificuldades deficitárias no comércio bilateral Protocolo n.º 8 30.7.87 Acordo de cooperação energética Abastecimento de gás para a Argentina e o Brasil. Participação conjunta na exploração de petróleo e o intercâmbio de produtos petroquímicos. Aproveitamento hidroelétrico de ambas as partes (Garabi, Pichi-Picun­Leufu) Em análise Protocolo n.º 9 30.7.87 Biotecnologia Criação de pólos de desen­volvimento nos dois países para a organização e a administração de projetos conjuntos em matérias coordenadas em nível do Ministério das Relações Exteriores Estabelecimento de um fundo comum destinado à pesquisa aplicada à biotecnologia com o objetivo de alcançar maior independência tecnológica em áreas prioritárias: saúde, agropecuária, agroindústria, energia, etc. Protocolo n.º 10 30.7.87 Estudos econômicos Criação de um centro de altos estudos econômicos para observar o comportamento das estruturas econômicas de ambos os países Pesquisa sistemática da economia argentina (brasileira) por especialistas brasileiros (argentinos) em temas econômicos; publicações e divulgação dos trabalhos resultantes Protocolo n.º 11 30.7.86 Energia nuclear Cooperação para prevenir ou limitar os danos resultantes de acidentes nucleares ou emergências radiológicas Designação de organismos nacionais responsáveis por um sistema de informações imediatas em casos de emergências. Programas de controle conjunto. Protocolo n.º 12 30.7.86 Cooperação aeronáutica Complementação entre as indústrias aeronáuticas para atender a seus respectivos mercados e ó internacional Colaboração técnica, industrial e comercial Protocolo n.º 13 10.12.86 Siderurgia Expansão do intercâmbio bilateral de insumos e produtos siderúrgicos. Planejamento conjunto de investimentos Acordos entre empresas siderúrgicas de ambos os países. Programas de cooperação tecnológica Protocolo n.º 14 10.12.86 Transporte terrestre Racionalização do transporte terrestre bilateral. Utilização igualitária das frotas de ambos os países Adoção de medidas que facilitem o transporte terrestre entre os pontos terminais de carga. Simplificação dos mecanismos operacionais no intercâmbio de mercadorias (aduaneiros, seguro, infra-estrutura) Protocolo n.º 15 10.12.86 Transporte marítimo Incremento da eficiência do transporte marítimo bilateral, compatível com o crescente intercâmbio comercial entre os dois países Implementação de fórmulas tendentes a uma melhor coordenação entre os transportes de trigo e minério de ferro Protocolo n.º 16 10.12.87 Comunicações Cooperação na área de redes digitais, serviços telemáticos e sistemas de transmissão, extensiva a outros campos Programa de operação, regulação e desenvolvimento tecnológico dos sistemas de comunicações Protocolo n.º 17 10.12.86 Cooperação nuclear Ampliar a autonomia dos programas nucleares dos dois países, para usos totalmente pacíficos Colaboração em áreas específicas. Entidades responsáveis: Comissão Nacional de Energia Nuclear, pelo Brasil, e Comisión Nacional de Energía Atómica, pela Argentina. .
  • 4
    Ver Anexo 1 ANEXO 1 PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO ECONOMICA ARGENTINA-BRASIL Data Tema Objetivos Mecanismos Estimativas Protocolo n.º 1 30.7.86 Bens de capital Integração da produção, comércio e desenvolvimento tecnológico de bens de capital de ambos os países União aduaneira limitada e crescente tendente à liberalização do intercâmbio de bens de capital Evolução do· intercâmbio: de 300 milhões de dólares em 1987 para 750 milhões de dólares em 1990 Protocolo n.º 2 30.7.86 Trigo Abastecimento da Argentina para o Brasil Cláusula de privilégio em matéria de compra e venda Vendas para o Brasil: 1 375 000 ton. 1987 2 000 000 ton. 1990 Protocolo n.º 3 30.7.86 Complementação do abastecimento alimentar Salvar os eventuais déficits de produção local de ambos os países Concessão de preferências recíprocas. Não aplicação de restrições dos produtos da lista Intercâmbio: varia se­gundo o produto Protocolo n.º 4 30.7.86 Expansão do comércio Acordar novas listas e normas para expandir o comércio entre os dois países Eliminação e incorporação de produtos nos a;ordos de alcance médio n.º 1 da ALADI Protocolo n.º 5 30.7.86 Empresas binacionais Fortalecimento do capital nacional Estabelecer uma estrutura jurídica normativa para a criação e o funcionamento de empresas binacionais Protocolo n.º 6 30.7.86 Assuntos financeiros Facilitar o intercâmbio comercial entre os dois países e tornar mais eficiente o sistema de compensação de créditos recíprocos Criação de um crédito stand by de 200 milhões de dólares, que será revisado periodicamente para impedir que se interrompa o fluxo comercial. Protocolo n.º 7 30.7.87 Fundo de investimentos Promover o crescimento econômico, privilegiando o setor de bens de capital Cada parte contribuirá com 100 milhões de dólares para empréstimos de médio e longo prazos. Haverá fundos suplementares em caso de dificuldades deficitárias no comércio bilateral Protocolo n.º 8 30.7.87 Acordo de cooperação energética Abastecimento de gás para a Argentina e o Brasil. Participação conjunta na exploração de petróleo e o intercâmbio de produtos petroquímicos. Aproveitamento hidroelétrico de ambas as partes (Garabi, Pichi-Picun­Leufu) Em análise Protocolo n.º 9 30.7.87 Biotecnologia Criação de pólos de desen­volvimento nos dois países para a organização e a administração de projetos conjuntos em matérias coordenadas em nível do Ministério das Relações Exteriores Estabelecimento de um fundo comum destinado à pesquisa aplicada à biotecnologia com o objetivo de alcançar maior independência tecnológica em áreas prioritárias: saúde, agropecuária, agroindústria, energia, etc. Protocolo n.º 10 30.7.87 Estudos econômicos Criação de um centro de altos estudos econômicos para observar o comportamento das estruturas econômicas de ambos os países Pesquisa sistemática da economia argentina (brasileira) por especialistas brasileiros (argentinos) em temas econômicos; publicações e divulgação dos trabalhos resultantes Protocolo n.º 11 30.7.86 Energia nuclear Cooperação para prevenir ou limitar os danos resultantes de acidentes nucleares ou emergências radiológicas Designação de organismos nacionais responsáveis por um sistema de informações imediatas em casos de emergências. Programas de controle conjunto. Protocolo n.º 12 30.7.86 Cooperação aeronáutica Complementação entre as indústrias aeronáuticas para atender a seus respectivos mercados e ó internacional Colaboração técnica, industrial e comercial Protocolo n.º 13 10.12.86 Siderurgia Expansão do intercâmbio bilateral de insumos e produtos siderúrgicos. Planejamento conjunto de investimentos Acordos entre empresas siderúrgicas de ambos os países. Programas de cooperação tecnológica Protocolo n.º 14 10.12.86 Transporte terrestre Racionalização do transporte terrestre bilateral. Utilização igualitária das frotas de ambos os países Adoção de medidas que facilitem o transporte terrestre entre os pontos terminais de carga. Simplificação dos mecanismos operacionais no intercâmbio de mercadorias (aduaneiros, seguro, infra-estrutura) Protocolo n.º 15 10.12.86 Transporte marítimo Incremento da eficiência do transporte marítimo bilateral, compatível com o crescente intercâmbio comercial entre os dois países Implementação de fórmulas tendentes a uma melhor coordenação entre os transportes de trigo e minério de ferro Protocolo n.º 16 10.12.87 Comunicações Cooperação na área de redes digitais, serviços telemáticos e sistemas de transmissão, extensiva a outros campos Programa de operação, regulação e desenvolvimento tecnológico dos sistemas de comunicações Protocolo n.º 17 10.12.86 Cooperação nuclear Ampliar a autonomia dos programas nucleares dos dois países, para usos totalmente pacíficos Colaboração em áreas específicas. Entidades responsáveis: Comissão Nacional de Energia Nuclear, pelo Brasil, e Comisión Nacional de Energía Atómica, pela Argentina. .
  • 5
    Cavagnani Filho, Geraldo Lesbat - “A questão geo-estratégica - A perspectiva brasileira”. Em Hirst, Monica (ed.), Las Relaciones Argentina-Brasil: Condicionantes internos y externos, Legasa, Buenos Aires (no prelo).
  • 6
    Destacam-se aqui os acordo entre a EMBRAER e a Fábrica de Aviones Militares de Córdoba, os entendimentos estabelecidos no protocolo N.º 12 e a realização em março de 1987 de um simpósio de estudos estratégicos organizado conjuntamente pelos Estados Maiores das Forças Armadas argentino e brasileiro. Em contrapartida deve-se mencionar as reservas das autoridades brasileiras no final de 1986 em assinar um protocolo referente a cooperação industrial-militar.
  • 7
    Ver protocolos N.º 11 e N.º 17.
  • 8
    O projeto de resolução de iniciativa brasileira apresentado na ONU, a favor da transformação do Atlântico Sul numa zona de Paz e Cooperação foi adotado por 124 votos a favor, um contra (Estados Unidos) e oito abstenções (Bélgica, França, Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal e RFA). A resolução aprovada foi co-patrocinada pela maioria dos países da região do Atlântico Sul: Argentina, Uruguai, Angola, Brasil, Cabo Verde, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Nigéria, São Tomé e Príncipe.
  • 9
    Ver Ricupero, Ruben - O Brasil e o Mundo no Século XXI, São Paulo, Instituto de Altos Estudos, 28.5.1986.
  • 10
    Para a Argentina este interesse está relacionado a sua reivindicação pela soberania das Ilhas Malvinas; no caso brasileiro a transformação do Atlântico Sul numa zona de Paz e Cooperação fortalece sua política africana de isolamento da África do Sul e promoção da independência da Namíbia.
  • 11
    O Brasil não reivindica soberania territorial da Antártida, mas tenta consolidar sua presença na região elaborando um programa antártico-brasileiro que prevê a instalação de uma base na região. A Argentina, por sua vez, compartilha do critério da internacionalização da região antártica para 1991 (quando vence o atual Tratado Antártico) mas também defende seus direitos territoriais na região.
  • 12
    Em maio de 1985 foram assinados 4 acordos de cooperação mútua entre os governos argentino e uruguaio no marco de reativação e ampliação do CAUCE (convênio de cooperação econômica Argentina-Uruguai de 1974). Estes acordos contemplam quatro áreas: política, economia, integração física e complementação agropecuária. Destacam-se a liberação alfandegária, a importação de produtos uruguaios concedida pela Argentina, como também o projeto de venda conjunta dos produtos agropecuários para aumentar a capacidade de negociação de ambos os países com terceiros parceiros. Os resultados concretos destes entendimentos ainda se mostram bastante limitados. No caso do Brasil, tomou-se uma série de iniciativas visando o incremento de relações econômicas com o Uruguai. Foram assinados 11 documentos reunidos no Protocolo de Expansão Comercial (PEC), nos quais se especificam as condições do lado uruguaio, para a venda de carne, cevada, lácteos, arroz e alguns produtos industriais; e do lado brasileiro, para a venda de bens de capital, equipamento e material de transporte. Apesar do peso relativo insignificante das trocas com o Uruguai no volume total do comércio exterior brasileiro, o pleno funcionamento dos acordos mencionados foi temporariamente afetado pela política geral de restrição às importações aplicada pelo governo brasileiro a partir do final de 1986.
  • 13
    Kaplan, Marcos - “La empresa privada y la empresa pública en la integración. Las empresas multinacionales “, citado por Warschaver, Eduardo, “Integración económica y empresas transnacionales”, Realidad Económica N.º 7, Buenos Aires, 1986, p. 24.
  • 14
    Warschaver, Eduardo, op. cit., p. 24.
  • 15
    Chudnovsky, Daniel - “Oportunidad histórica para formular una política industrial”, Argentina Tecnológica N.º 4, Buenos Aires, janeiro 1987, p. 4.
  • 16
    Thompson Flores, Francisco - “Adeus à retórica: rumo à integração”. Revista Brasileira de Comércio Exterior N.º 8, Rio de Janeiro, nov-dez. 1986, p. 12.
  • 17
    Dudiuk, Pedro - “Comentarios sobre el acuerdo de integración y cooperación económica entre Argentina y Brasil”, Integración Argentina-Brasil/Fundación Friedrich Ebert, Buenos Aires, p. 20.
  • 18
    Dudiuk, Pedro, op. cit., p. 21.
  • 19
    A iniciativa mais recente neste sentido foi a organização, no final do mês de abril deste ano, de uma Feira Industrial Argentina em São Paulo com a participação de 300 empresas argentinas.
  • 21
    JEL Classification: F15.

ANEXO 1


PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO ECONOMICA ARGENTINA-BRASIL

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1988
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