Acessibilidade / Reportar erro

Política administrativa de controle da inflação: alguns comentários

Administrative policy for controlling inflation: some comments

RESUMO

Esta é uma resposta ao trabalho de Bresser e Nakano (1984) sobre as políticas de controle da inflação no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilização

ABSTRACT

This is a response to a piece by Bresser and Nakano (1984) on the inflation control policies in Brazil.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization

O presente trabalho tece algumas considerações sobre o artigo dos professores Bresser-Pereira e Nakano1 1 BRESSER-PEREIRA, L. C. e NAKANO, Y. “Política administrativa de controle da inflação”, Revista de Economia Política, 4, (3): jul./set. 1984. apresentado recentemente nesta revista. De um modo geral, há concordância com a tese apresentada pelos autores, em especial:

  1. que políticas de controle inflacionária de cunho monetarista e keynesiano são ineficientes em situações em que a economia não se encontra em pleno emprego;

  2. que a existência de setores oligopolizados na economia com margens de lucro reais (sobre custos diretos) não-decrescentes pode gerar altos níveis de desemprego simultaneamente a taxas de inflação elevadas. Em economias altamente estatizadas, essa situação de correria também de uma política de “inflação corretiva” em relação aos preços das empresas estatais;

  3. que os controles administrativos de preços e a desindexação planejada da economia são recomendados como políticas anti-inflacionárias, “pela razão muito simples de que, em uma situação de inflação autônoma ou de estagnação, não há outra alternativa”.2 2 Idem, p. 116.

Os comentários que temos a fazer sobre o artigo são, em linhas gerais, de ordem técnica e, em sua maioria, relacionados com aspectos analíticos utilizados pelos autores como suporte para as ideias apresentadas no texto.

O primeiro deles refere-se à forma como é apresentada a Curva de Phillips, que deveria relacionar a taxa de crescimento dos salários com o nível de desemprego. Se utilizarmos a notação dos autores e definirmos w como sendo a taxa de salários e d como sendo o nível de desemprego, teremos a Curva de Phillips da seguinte forma:

w ˙ w = a + b d - 1 (1)

Essa formulação difere daquela apresentada pelos autores (equação 4), onde a variação absoluta, w˙ (e não a variação proporcional, ou taxa de variação, w˙/w), da taxa de salários é utilizada na formulação da Curva de Phillips. Obviamente, poder-se-ia definir w como sendo a variação proporcional da taxa de salários, mas essa definição não aparece explicitamente, ao nosso entender, em lugar nenhum do texto.

O segundo comentário que fazemos ao artigo refere-se à “ineficiência” das políticas de controle da demanda agregada, no contexto do Gráfico 1 apresentado pelos autores. Essa “ineficiência” decorre da baixa “elasticidade da inflação com respeito ao nível de desemprego”, no Gráfico 1, na região de níveis de desemprego elevado. Isso porque, da forma como o Gráfico 1 é construído, as “elasticidades” vão decrescendo à medida que a economia se move para níveis de desemprego elevados, resultando daí a “ineficiência” das políticas de controle da demanda (em termos de baixa redução proporcional da taxa de inflação para um aumento proporcional do nível de desemprego). Em linguagem simples, a forma e inclinação do gráfico da Curva de Phillips ditam a pressuposta “ineficiência” das políticas. Nada impede, contudo, que se construa um gráfico análogo com resultados distintos, em termos de “eficiência”. Além disso, a inclinação da Curva de Phillips parece-nos ser uma questão empírica.

O terceiro ponto a ser discutido refere-se à “inflexão” da Curva de Phillips, que resultaria, segundo os autores, do aumento das margens de lucro das empresas oligopolistas, a níveis de emprego elevados, para compensar a queda de vendas. Desta forma, “desde que o aumento das margens seja superior à queda nos salários, a curva de preços (que a partir de d3, desvincula-se da curva de salários) [grifo nosso] passará a aumentar com o aumento do desemprego”.3 3 Idem, p. 109. Em nosso entender, contudo, a “inflexão” da Curva de Phillips na verdade não existe, mas uma “pseudo-inflexão” resultante de deslocamentos sucessivos na Curva de Phillips, os quais, por sua vez, são causados pela variação (aumento) das margens de lucro das empresas oligopolistas. Para vermos isso, e seguindo ainda a notação dos autores (apesar de a primeira ressalva sobre w ou w/w continuar válida), podemos definir a taxa de inflação de acordo com a equação (1) dos autores, a saber:

p ˙ = α w ˙ - q ˙ + 1 - α v ˙ + e ˙ + x ˙ + m (2)

Na hipótese de que os efeitos da variação da produtividade (q), da variação dos preços dos produtos importados em moeda internacional v˙, da variação na taxa de câmbio e˙ e da variação na quantidade de matéria-prima importada por unidade de produto x˙ sejam neutralizados (isto é, q˙=v˙=e˙=x˙=0), a taxa de inflação passa a depender, portanto, da variação da taxa de salários (w) e da variação da margem de lucro (sobre custos diretos) das empresas m˙, A equação (2) fica, portanto (em forma implícita):4 4 Utilizamos aqui a forma implícita das equações para evitar a discussão sobre as possíveis formas funcionais, relevantes no contexto empírico.

p ˙ = p w ˙ , m ˙ (3)

Por sua vez, a Curva de Phillips estipula uma relação análoga à nossa equação (1), a qual, usando-se da notação dos autores, é formalizada como:

w ˙ = a + b d - 1 (4)

Substituição de nossa equação (4) em nossa equação (3) resulta, em forma implícita:

p ˙ = p d - 1 , m ˙ p ˙ d < 0 , p ˙ m ˙ > 0 (5)

A equação (5) define, dessa forma, a Curva de Phillips definida no espaço p-d, representando as diversas alternativas dos níveis de inflação e desemprego para um dado nível de variação (aumento) na margem de lucro das empresas. Isso porque, nesta especificação, a variável m˙ é um deslocador (shifter) da equação (5) quando esta é representada no plano inflação-desemprego. Se, como observado pelos autores, as empresas aumentam a margem de lucro com aumentos no nível de desemprego, isso corresponde a uma situação em que a variável m não é mais constante. (é mais elevada) e, portanto, a taxa de inflação que corresponde a um determinado nível de desemprego é maior do que aquela que ocorreria sob um nível constante de m˙. Graficamente, isso corresponde a um deslocamento da Curva de Phillips para a direita, de acordo com o novo nível de m˙. Dessa forma, cada aumento sucessivo de m que decorre do aumento do desemprego causa um deslocamento “para cima” da Curva de Phillips e, portanto, gera um conjunto de “novos pares” inflação-desemprego, que corresponde, para um dado nível de desemprego, a taxas de inflação maiores do que aquelas que ocorreriam sem o aumento de m˙. Representando graficamente a equação (5) no espaço inflação-desemprego, teríamos este processo ilustrado pela Figura 1.

Figura 1
Deslocamentos da Curva de Phillips

A Figura 1 é análoga ao Gráfico 1 apresentado pelos autores, onde d3 é o nível de desemprego a partir do qual ocorre a “inflexão” da Curva de Phillips devido ao aumento da margem de lucro das empresas m˙. A diferença entre nossa Figura 1 e o Gráfico 1 do artigo é que, no primeiro caso, a “inflexão” é devida aos deslocamentos sucessivos da Curva de Phillips, e não à “desvinculação da curva de preços da curva de salários” como sugerem os autores. Assim, a taxa de inflação que corresponderia ao nível de desemprego d4 caso não houvesse mudança na variável margem de lucro seria aquela correspondente ao ponto A na Figura 1. Com a mudança (aumento) na margem de lucro e, observando-se que pela nossa equação (5) p˙/m˙>0, a nova taxa de inflação é agora aquela correspondente ao ponto B, sobre a Curva de Phillips “deslocada” pm˙1. Da mesma forma, ao nível de desemprego d-5, a taxa de inflação é aquela correspondente ao ponto D (e não mais ponto C, sobre a Curva de Phillips p(rh2), e é devida ao aumento da margem de lucro das empresas de m˙1 para m˙2 quando do aumento do desemprego de d4 para d5. A união destes “novos pares” de inflação-desemprego (B, D, F etc.) caracteriza o contorno de “inflexão” da Curva de Phillips. Mas note-se que, em primeiro lugar, este processo é totalmente distinto daquele apresentado pelos autores. Em segundo lugar, o resultado deste processo não é uma inflexão propriamente dita, mas o loci de novos valores da taxa de inflação para dados níveis de desemprego, a partir daquele nível de desemprego além do qual as empresas oligopolistas passam a· aumentar suas margens de lucro para compensar a perda de vendas.

Nosso quarto e último comentário refere-se à afirmação de que “os trabalhadores, graças ao seu poder sindical e político, logram a indexação dos salários, levando a deslocamentos contínuos na Curva de Phillips para cima”.5 5 BRESSER-PEREIRA e NAKANO, op. cit. p. 110. Parece-nos que essa afirmação mistura os conceitos de deslocamento e inclinação (ou rotação sobre si mesma) da Curva de Phillips. Para vermos isso, utilizaremos mais uma vez a equação (6) dos autores, com a seguinte forma:

w ˙ = a + b d - 1 + c p ˙ + w a (6)

onde e é o coeficiente de indexação e·wa representa a taxa de variação autônoma dos salários devido ao poder de barganha dos sindicatos. Observe-se, porém, que, de acordo com a equação (1) dos autores, w=p.

Substituição da equação (1) na equação (6) resulta em:

p ˙ = a + b d - 1 + c p ˙ + w ˙ a (7)

a qual, após alguns ajustes, transforma-se em:

p ˙ = a 1 - C + b 1 - C d - 1 + 1 1 - C w a (8)

Como se pode observar na equação (8), o coeficiente de indexação vai determinar a inclinação da Curva de Phillips no espaço inflação-desemprego, e não provocar “deslocamentos” (no sentido exposto anteriormente) da curva. Como normalmente c < 1, a indexação torna a Curva de Phillips “mais vertical” e, dessa forma, a afirmação dos autores de que “para um mesmo nível de desemprego (...) teremos uma variação para cima da taxa de salários nominais e da inflação” (p. 110) torna-se verdadeira. Além disso, de acordo com a equação (8), o componente autônomo w˙aa é que seria responsável por deslocamentos da Curva de Phillips: o grau de indexação somente determinaria a inclinação (slope) da Curva de Phillips. Note-se que a indexação plena (c=1), no contexto da equação (8), corresponderia ao caso de uma Curva de Phillips perfeitamente inelástica, isto é, vertical em relação ao eixo da abcissa. Este argumento é análogo àquele apresentado por Lucas,6 6 LUCAS, R. E. “Some international evidence on output-inflation tradeoffs”, American Economic Review, 63: 326-34, 1973. onde a taxa de variação do produto agregado é função da diferença entre a inflação real e antecipada. No caso de essas últimas serem iguais, a taxa de variação do produto agregado será zero, isto é, a Curva de Phillips será vertical com relação ao eixo da abcissa.7 7 Lucas mede o produto agregado ‘no eixo da abcissa e, portanto, sua Curva de Phillips tem inclinação positiva. O argumento que transforma a curva em vertical, entretanto, é válido também para o caso em que a curva é expressa em termos de inflação e desemprego (e, portanto, com inclinação negativa). Ora, uma indexação plena corresponde a igualar a taxa de inflação esperada com a real, o que resultaria, no contexto acima discutido, em uma Curva de Phillips totalmente inelástica no curto prazo. No caso de uma indexação alta, mas não plena, a Curva de Phillips seria altamente inelástica e, portanto, a redução da demanda agregada torna-se uma política bastante “eficiente” (na conotação dos autores) para redução das taxas de inflação. Este argumento possui o sério risco de justificar medidas econômicas recessivas - monetárias e fiscais - como instrumentos eficientes no combate à inflação.

  • 1
    BRESSER-PEREIRA, L. C. e NAKANO, Y. “Política administrativa de controle da inflação”, Revista de Economia Política, 4, (3): jul./set. 1984.
  • 2
    Idem, p. 116.
  • 3
    Idem, p. 109.
  • 4
    Utilizamos aqui a forma implícita das equações para evitar a discussão sobre as possíveis formas funcionais, relevantes no contexto empírico.
  • 5
    BRESSER-PEREIRA e NAKANO, op. cit. p. 110.
  • 6
    LUCAS, R. E. “Some international evidence on output-inflation tradeoffs”, American Economic Review, 63: 326-34, 1973.
  • 7
    Lucas mede o produto agregado ‘no eixo da abcissa e, portanto, sua Curva de Phillips tem inclinação positiva. O argumento que transforma a curva em vertical, entretanto, é válido também para o caso em que a curva é expressa em termos de inflação e desemprego (e, portanto, com inclinação negativa).
  • JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1985
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br