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Crescimento econômico e oferta de alimentos no Brasil

Economic growth and food offer in Brazil

RESUMO

Este artigo apresenta evidências de que a produção de algumas culturas alimentares básicas no Brasil é caracterizada por características técnicas e sociais singulares em relação a outras culturas alimentares e de exportação. Após propor uma análise dessa estrutura diferenciada de produção, o artigo passa a argumentar que as singularidades dessa produção de alimentos têm como consequência: 1) tornar a participação do custo do trabalho no custo unitário total maior na produção dessas culturas alimentares; e 2) produzindo um impacto negativo do crescimento econômico sobre a oferta de alimentos, devido à melhoria das oportunidades de emprego nos mercados de trabalho urbano e rural. Uma implicação desta análise é a atribuição de menor ênfase na inter-relação alimentos/culturas de exportação dentro da agricultura, em favor de uma maior ênfase na inter-relação produção de alimentos/condições gerais do mercado de trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:
Alimentos; produção agrária; oferta de alimentos; exportações

ABSTRACT

This paper presents evidence that the production of some basic food crops in Brazil is characterized by singular technical and social features vis-à-vis other food and export crops. After proposing an analysis of this differentiated production structure, the paper goes on to argue that these food production’s singularities have the consequences of: 1) making the share of labor cost in total unit cost higher in the production of these food crops; and 2) producing a negative impact of economic growth upon food supply, due to the improved employment opportunities in the urban and rural labour markets. An implication of this analysis is the attribution of lesser emphasis on the inter-relationship food/export crops within agriculture, in favor of a greater emphasis on the inter-relationship of food production/overall labor market conditions.

KEYWORDS:
Food; agricultural output; food supply; exports

Este trabalho tem por objetivo oferecer uma contribuição à análise do desempenho insatisfatório da oferta interna de alimentos na década dos 70, uma questão que ficou conhecida como o “problema da produção de alimentos”.

De acordo com a breve discussão da literatura na próxima seção, esse problema tem sido explicado como decorrência de uma inferioridade competitiva dos produtos doméstico­alimentares, limitada aos mercados de fatores agrícolas. Essa inferioridade competitiva - responsável por uma realocação de recursos na direção dos produtos exportáveis, em prejuízo dos produtos domésticos -, por sua vez, teria resultado dos maiores estímulos obtidos pelo subsetor de exportáveis, em parte como decorrência da própria ação do Governo.

Este trabalho propõe, entretanto, que o problema da produção de alimentos, aparente a partir do final dos anos 60, refletiu uma inferioridade competitiva do subsetor de alimentos não apenas em relação ao subsetor de exportáveis, mas também com respeito aos setores urbanos da economia, então num processo de rápido crescimento econômico. Nessa base, sugerir-se-á a existência, no período, de um (provavelmente forte) nexo causal negativo entre o crescimento econômico per se e a oferta interna de alimentos.

O argumento principal é apresentado na seção 3, e se baseia numa discussão sistemática, apresentada nas seções 1 e 2, de características singulares da produção de alimentos. Essas singularidades da produção alimentar implicam tornar muito elevada a parcela relativa ao custo de mão-de-obra no custo unitário total, e em fazer com que a oferta de alimentos sofra um impacto negativo do mero crescimento econômico, devido à melhora das alternativas de emprego da mão-de-obra nos mercados de trabalho urbanos e rurais.

Uma implicação importante dessa análise é qualificar em parte a ênfase corrente na interrelação alimentos-exportáveis dentro da agricultura, uma vez que fica realçada a interrelação alimentos-mercado de trabalho da economia. Como resultado disso, será possível propor, nas considerações finais (seção 4), que numa fase como a atual, de ritmo menor de crescimento e ampliação do subemprego e desemprego, deve-se esperar maior potencial de crescimento da produção de alimentos, independentemente de se concederem ou não maiores estímulos ao segmento agrícola-exportador. O trabalho sugere, entretanto, medidas governamentais que podem facilitar a viabilização desse maior potencial de crescimento da oferta de alimentos.

1. RISCO E PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

1.1. Governo e incerteza na agricultura

As análises mais aceitas sobre o crescimento inadequado da produção brasileira de alimentos na década dos 70 concentram sua atenção nas condições econômicas básicas que determinaram a alocação de recursos, dentro da agricultura, entre as culturas de alimentos e de exportação. O problema da produção de alimentos, nesses termos, foi explicado como o resultado de uma inferioridade competitiva dos produtos doméstico-alimentares vis-à-vis os produtos exportáveis.

Segundo a análise clássica de Barros e Graham (1978Barros, J. R. M. e D. H. Graham. (1978) A agricultura brasileira e o problema da produção de alimentos. Pesquisa e Planejamento Econômico, 8(3): 695-726, dez. 1978. ), a menor rentabilidade dos produtos doméstico-alimentares vis-à-vis a produção exportável decorreu de duas circunstâncias principais. A primeira se relacionou à política de promoção de exportações e às boas condições de comércio internacional prevalecentes a partir de 1968. A segunda foi a própria inadequação da ação governamental, que teria discriminado contra os produtos de mercado interno, impedindo que, através de ajustamentos compensatórios em seus preços e de melhorias tecnológicas, esses produtos pudessem competir com os exportáveis pelos recursos produtivos.

De modo mais específico, Barros e Graham apontam que, em função dos objetivos da política de abastecimento interno e de controle inflacionário, os preços dos produtos exportáveis foram muito mais livres que os dos produtos domésticos, sendo, os últimos, alvos frequentes de controles de preços, quotas de exportação etc. Conquanto esses autores também afirmem que, como uma implicação desse fato, “o retorno de investimentos em modernização foi maior nas culturas de exportação e o risco menor” [nossa ênfase] (p. 717), a tônica de seu trabalho, contudo, parece ser atribuir a essa intervenção governamental o resultado de um achatamento do nível de preços (e de taxas de retorno) no subsetor doméstico.

Pode-se argumentar, entretanto, talvez com mais força - até mesmo porque não houve, de fato, tal achatamento de preços nesse período, como os próprios autores atestam empiricamente -, que, paradoxalmente, o efeito principal dessa intervenção do Governo nos mercados agrícolas foi produzir uma pressão altista sobre os preços de alimentos. Esse argumento alternativo, apresentado em Rezende (1985bRezende, G. C. (1985b) A agricultura e a reforma do crédito rural. Revista Brasileira de Economia, 39(2), abril-junho. ), baseia-se na observação de que o resultado da ação do Governo foi menos o de determinar o nível médio dos preços dos alimentos (pelo menos no médio prazo) e mais o de tornar mais imprevisível, menos digno de confiança para a tomada de decisões privadas, o comportamento dos mercados desses produtos, no curto, médio e longo prazos. Isso se deveu ao caráter discricionário dessa ação do Governo, ou seja, à falta de regras estáveis, pré-anunciadas, antecipáveis, portanto, pelos agentes nesses mercados (inclusive os produtores agrícolas). Ora, ao contribuir para uma maior instabilidade (no sentido de imprevisibilidade) de preços, essa interferência tornou também mais instável a taxa de retorno nesse subsetor. Se se admite que uma maior taxa média de retorno se tenha tornado, então, necessária para compensar essa maior incerteza, a conclusão final é que a ação do Governo contribuiu para elevar, não reduzir (como usualmente se supõe), o nível médio dos preços de produção de alimentos.1 1 A visão geral acima sobre a ação do Governo sofre qualificações em mercados mais regulamentados, como o do leite e da cana-de-açúcar, em que o Estado tem maior controle sobre o nível dos preços mesmo a médio prazo.

Por sua vez, Homem de Melo (1978Homem de Melo, F. (1978) Agricultura brasileira: incerteza e disponibilidade de tecnologia. Tese de livre docência. São Paulo, USP. e 1979Homem de Melo, F. (1979) Padrões de instabilidade entre culturas da agricultura brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico , 9(3): 819-844. ) atribuiu o “problema da produção de alimentos” à falta de uma política agrícola especial, necessária em função da existência, segundo esse autor, de maior grau de risco no subsetor doméstico. Para apoiar seu argumento, Homem de Melo apresentou evidência de que as flutuações observadas de preços e de rendimentos físicos foram maiores no subsetor doméstico-alimentar do que no subsetor de exportáveis, e concluiu - com base na premissa de que essas flutuações observadas foram em larga medida imprevistas e, por isso mesmo, fatores de risco - pela presença de maior incerteza entre os produtos alimentares. Para esse autor, a maior instabilidade de preços de alimentos teria decorrido da grande instabilidade dos rendimentos físicos desses produtos em presença de baixas elasticidades-preço da demanda, devido à restrição desta última ao mercado doméstico. Em contraste, a própria amplitude do mercado mundial tendeu a tornar mais estáveis os preços internacionais, segundo Homem de Melo, uma vez que as flutuações de oferta e demanda nos vários países, sendo em regra independentes umas das outras, devem ter-se anulado mutuamente.

Em trabalho posterior, Homem de Melo (1983aHomem de Melo, F. (1983a) Instabilidade de renda e estabilização de preços agrícolas. Pesquisa e Planejamento Econômico , 13(3): 829-862. ) levou em conta o argumento de que variações de preços e de rendimentos físicos, numa economia fechada, tendem a ser de sinais opostos (no agregado pelo menos), e por isso não é suficiente medir a instabilidade de preços e de rendimentos, separadamente, e daí inferir conclusões sobre a instabilidade de renda (ou melhor, da taxa de retorno). Em vista disso, esse autor apresentou evidência adicional de que também a instabilidade de renda é maior no subsetor doméstico, com o que manteve a sua conclusão anterior de que a produção de alimentos no Brasil é mais arriscada do que a produção de exportáveis.

É interessante notar que Homem de Melo sugere ainda a possibilidade de que os movimentos observados de preços dos exportáveis, além de terem sido em grau menor, possam ter sido mais previsíveis para os produtores, caracterizando, assim, “variabilidade”, mas não incerteza. Isso certamente teria que ver com o grau menor de intervenção discricionária do Governo nos mercados desses produtos, o que os tornou mais transparentes e efetivos, ou seja, mais capazes de servirem de base à tomada de decisões de investimentos. Já no caso dos produtos domésticos, pode-se acreditar que a associação proposta por Homem de Melo entre variabilidade observada e incerteza (ou seja, variabilidade imprevisível) tenha que ver com a menor capacidade de esses mercados funcionarem efetivamente como sinalizadores para as decisões privadas de produção, uma vez que o Governo, discricionariamente e a posteriori, tem atuado frustrando expectativas e consequentemente infligindo perdas aos produtores e demais agentes desses mercados. É possível até mesmo argumentar que, ao dificultar assim os ajustamentos de oferta e procura, o Governo deve ter contribuído para a geração da variabilidade observada de preços, de rendimentos físicos e de taxas de retorno.

1.2. Uma evidência adicional de maior risco na produção alimentar

Conforme argumenta Johnson (1976Johnson, D. G. (1976) Forward prices for agriculture. New York, Arno Press. ), quanto mais arriscada for uma atividade agrícola e quanto mais avesso ao risco for o agricultor, menor deverá ser a escala dessa atividade e o grau em que o agricultor se especializa nela. Deve-se esperar, também, que, concomitante ou alternativamente, as taxas médias de retorno (valores esperados das distribuições de probabilidade) das diferentes atividades agrícolas variem em função direta dos respectivos graus de risco. Portanto, informações quanto a esses aspectos da produção agrícola podem contribuir, adicionalmente, para verificação empírica dos graus de risco que efetivamente incidem sobre as atividades agrícolas no Brasil.

Para esse fim, e com base em informações do Censo Agropecuário de 1975,2 2 Essas informações, e bem assim as utilizadas para preparar a Tabela 2, foram gentilmente cedidas pelo Prof. Sérgio Silva, da UNICAMP. foi possível proceder à análise da distribuição do valor da produção de cada atividade por estabelecimentos agrupados segundo o valor da produção da atividade. Essa análise é sumariada na Tabela 1, a partir da qual se pode concluir, antes de mais nada, que feijão e mandioca são claramente produzidos na base de pequenos cultivos: 76,6% do valor da produção de feijão e 68,3% do de mandioca derivam de plantios que produzem menos de dois salários-mínimos anuais. Em segundo lugar, vêm milho e algodão arbóreo, para cujo valor total da produção os dois grupos inferiores de tamanho contribuem com cerca de 55%. Seguem-se, então: arroz, com 31,5%, mas com uma percentagem ligeiramente maior (33,8%) originada nos dois grupos superiores de tamanho; fumo, com 29,4%, mas sendo predominantemente (63,4%) uma cultura de tamanho médio; laranja, com 28,7%, mas com uma percentagem ainda maior (34,1%), produzida nos dois maiores grupos de tamanho; algodão herbáceo, distribuído mais uniformemente por todos os grupos de tamanho; batata-inglesa, com 16,8%, mas com forte concentração (44%) nos dois grupos superiores de tamanho; trigo e soja, cujas distribuições de valor da produção, muito similares, se concentram nos tamanhos médios e grandes; tomate, que claramente se baseia em explorações médias e grandes; cacau e café, com uma concentração significativa nos tamanhos superiores; e, finalmente, cana-de-açúcar - certamente uma grande lavoura.3 3 Vários estudos têm indicado a presença de economia de escala na produção de cana-de-açúcar; isso serve para mostrar que parte das diferenças de tamanho entre às atividades, mostradas na Tabela 1, não decorre de ajustamentos a diferentes graus de risco.

Tabela 1:
Distribuição do valor da produção de lavouras especificas por grupos de valor da produção dessas lavouras - 1975

Se voltarmos a atenção para o detalhamento regional dos dados, conforme mostrado em Rezende (1985aRezende, G. C. (1985a) Crescimento econômico e oferta de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA/INPES , Texto para Discussão Interna n. 71. ), outras conclusões interessantes emergem. Com efeito: 1) as produções de feijão e mandioca são muito dispersas e apresentam alto grau de homogeneidade nas suas distribuições de tamanho - com a única exceção de feijão em São Paulo, que supre, contudo, somente 8% do valor da produção brasileira; 2) a produção de milho é também altamente dispersa, mas sua estrutura de tamanho é mais heterogênea - sendo notável o contraste entre, de um lado, São Paulo e Goiás (que juntos respondem por quase um quarto do total) e o resto do país; 3) a produção de arroz é muito mais concentrada regionalmente e mostra uma heterogeneidade realmente impressionante: no Rio Grande do Sul, o estado maior produtor (26,8% do total), a classe superior de tamanho responde por 62,5% do total estadual; 4) a produção de fumo é concentrada nos dois estados mais ao sul, onde sua estrutura de tamanho é a mesma; 5) a laranja, que é concentrada em São Paulo (onde é produzida para fins de processamento industrial atrelado à exportação), tende claramente, nesse estado, a tomar a forma de grandes unidades; 6) a produção de algodão herbáceo, também concentrada em São Paulo e Paraná, no Nordeste é muito similar ao algodão arbóreo; 7) mais de um terço da produção de batata-inglesa vem de São Paulo (onde mais de dois terços provêm dos dois grupos maiores de tamanho), e outros 42% são produzidos no Paraná e em Minas Gerais, com maior peso dos tamanhos médios; nos demais estados, trata-se de uma pequena lavoura; 8) trigo e soja, concentrados no Rio Grande do Sul e no Paraná, apresentam a mesma estrutura; 9) tomate, altamente concentrado em São Paulo (que responde por metade do valor da produção brasileira), nesse estado é nitidamente proveniente de cultivos de tamanho médio e alto; 10) café, também muito concentrado regionalmente, apresenta uma estrutura homogênea; e, finalmente, 11) cana-de-açúcar, cuja estrutura de produção é praticamente a mesma nas principais regiões produtoras.4 4 Quanto aos produtos de origem animal (excetuando-se a produção de bovinos para corte, devido à inadequação das informações), as tabulações especiais do Censo Agropecuário de 1975 mostram que: 1) no caso do leite, as duas faixas inferiores de tamanho respondem por 34% do total (as três faixas menores respondendo por 67%), do que se conclui que predominam, na produção de leite, as escalas pequena e média; 2) no caso de suínos, a faixa inferior responde por 43%, e as três faixas menores de tamanho por 87% do valor total da produção; 3) no setor de aves e ovos, coexiste uma atividade de ínfimas dimensões individuais, dominante na maioria dos estados (mas que responde por pouco mais de 25% do valor da produção brasileira), com uma atividade de grande escala - ou seja, de mais de 100 salários-mínimos anuais de valor da produção - (em São Paulo, Minas Gerais e no Sul), que representa mais de 45% do valor total da produção.

À luz dessas informações, e mesmo sem conhecer as taxas médias de retorno prevalecentes, podemos inferir que as produções de feijão, em primeiro lugar, e de mandioca, em segundo, são nitidamente atividades muito arriscadas, seguidas de perto por milho e algodão (arbóceo e herbáceo) no Nordeste - região sujeita à seca. Dessa maneira, um reforço adicional é oferecido à hipótese anterior de maior incidência de risco nos produtos doméstico-alimentares básicos: Note-se, contudo, que a produção de arroz no Rio Grande do Sul e, em muito menor grau, também no Centro-Oeste - essas duas regiões contribuindo com mais da metade da produção brasileira de arroz - não parece ser uma atividade igualmente arriscada; isso, juntamente com os casos da batata-inglesa e do tomate, aparentemente contradiz a hipótese acima, uma vez que o arroz é um dos principais produtos doméstico-alimentares. Note-se, contudo, que essa observação de maior grau de especialização nesses produtos domésticos (arroz, batata e tomate) não nos permite uma conclusão definitiva sobre a presença de menor grau de risco, uma vez que não conhecemos as respectivas taxas de retorno (que, na hipótese de serem mais atraentes, podem estar estimulando a tomada de risco). De qualquer maneira, Homem de Melo (1983aHomem de Melo, F. (1983a) Instabilidade de renda e estabilização de preços agrícolas. Pesquisa e Planejamento Econômico , 13(3): 829-862. : 851-852) apresentou evidências de pequena instabilidade de renda no arroz. Rezende (1984Rezende, G. C. (1984) Estocagem e variação estacional de preços: uma análise da política de crédito de comercialização agrícola (EGF). Pesquisa e Planejamento Econômico , 14(1): 95-136. a), confirmando uma sugestão de Homem de Melo sobre esse ponto específico, apresentou evidências de que essa pequena instabilidade foi o resultado de uma atuação combinada da política de preços mínimos e da política de crédito subsidiado para estocagem privada (EGF). Essa estocagem foi muito mais incentivada em anos de safras longas do que em anos de safras curtas, impedindo, portanto, que os preços (e daí a renda) variassem tão amplamente quanto seria o caso na ausência de intervenção governamental.

Além disso, os casos do trigo e do café merecem atenção especial. Homem de Melo (1983aHomem de Melo, F. (1983a) Instabilidade de renda e estabilização de preços agrícolas. Pesquisa e Planejamento Econômico , 13(3): 829-862. : 850-851) encontrou que essas duas lavouras apresentaram os índices mais elevados de instabilidade de renda, devido à imensa instabilidade de rendimentos (não-compensada pelas flutuações dos preços). Entretanto, da Tabela 1 - e pendente, de novo, de informações sobre as respectivas taxas de retorno-, não se pode inferir que essas atividades sejam muito arriscadas. Uma possível explicação desse aparente paradoxo encontra-se, novamente, na intervenção governamental. Basta dizer, aqui, que o volume de crédito subsidiado para despesas correntes (crédito de custeio) aumentou de 30% para mais de l00% do valor da produção de trigo, entre 1969 e 1978. Assim, através de maior destinação de crédito subsidiado a essas atividades (combinado ainda, no caso do trigo, por forte apoio através do PROAGRO), o Governo na verdade contribuiu para reduzir seu grau de risco, conforme a argumentação de Rezende (1985bRezende, G. C. (1985b) A agricultura e a reforma do crédito rural. Revista Brasileira de Economia, 39(2), abril-junho. ). Uma vez que a produção de arroz, especialmente no Rio Grande do Sul e no Brasil central, se beneficiou também dessa política de crédito, tem-se assim uma explicação adicional para a (aparentemente baixa) incidência de risco na rizicultura nessas regiões.

Concluindo: essa discussão sugere a necessidade de se ir além do mero grau de “abertura” do mercado de um produto - ou seja, de uma classificação produtos domésticos-produtos exportáveis -, tendo em vista uma classificação das atividades agrícolas segundo o seu grau de incerteza. Tudo indica que os níveis prevalecentes de retorno e risco nas diferentes atividades são muito influenciados pela ação dos principais instrumentos da política agrícola: a garantia de preços mínimos e o crédito subsidiado. Dessa forma, o Governo, ao mesmo tempo em que contribui para gerar incerteza na agricultura (como argumentado na seção anterior), suaviza o impacto negativo dessa atuação, compensando o setor através dos preços mínimos e do crédito.

É interessante notar que o maior grau de risco em culturas alimentares básicas se expressa também numa característica técnica adicional dessas lavouras, qual seja, a de serem produzidas em consorciação com outras culturas (alimentares ou não). Conforme dados do Censo Agropecuário de 1975, mostrados em Rezende (1985aRezende, G. C. (1985a) Crescimento econômico e oferta de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA/INPES , Texto para Discussão Interna n. 71. ), a área cultivada de feijão, em associação com outras culturas, foi 73% da área total; de milho, 56%; de mandioca, 39%; de algodão herbáceo (certamente devido à influência do Nordeste), 28%; e de arroz, 22%. (Curiosamente, também a soja se caracteriza por uma razoável associação - no caso, simultânea - com outras lavouras - 22% -, mas a razão deve certamente ser diferente.) Essa consorciação de culturas significa, essencialmente, menor alocação de recursos para cada atividade isolada, sendo assim o mesmo fenômeno (de redução da escala) retratado na Tabela 1, apenas visto de outro ângulo. Essa menor alocação de recursos, por cada agricultor, nessas atividades tomadas isoladamente, deve certamente envolver pequeno uso de insumos industriais (mecânicos e químicos) e de sementes melhoradas. A consequência adversa de tudo isso sobre o nível de produtividade dessas lavouras é óbvia, e somente uma política que contribua para reduzir o grau de risco pode alterar esse quadro.

2. PEQUENA PRODUÇÃO AGRÍCOLA E OFERTA DE ALIMENTOS

Além dessa dimensão técnica, a diferenciação produtiva entre algumas culturas alimentares básicas, de um lado, e produtos exportáveis e outros produtos alimentares (como o arroz no Rio Grande do Sul, o tomate e a batata), de outro, há também uma dimensão social: esses alimentos básicos são produzidos, em maior proporção, por pequenos produtores agrícolas.

A evidência empírica acerca desse fato consiste normalmente na apresentação de dados sobre a distribuição da quantidade (ou do valor) total produzida por estabelecimentos agrupados segundo sua área física total - que é tomada como indicador do tamanho do estabelecimento. Sabe-se, contudo, que a área física de um estabelecimento não é um bom indicador de seu tamanho no sentido econômico. A esse respeito, Silva (1983Silva, S. (1093) Sobre a estrutura de produção no campo. In L. G. M. Belluzzo e R. Coutinho (org.), Desenvolvimento capitalista no Brasil-2. São Paulo, Brasiliense. : 176-191) argumentou enfaticamente a favor de critério alternativo de classificação, baseado no valor da produção dos estabelecimentos. Evidência preliminar foi apresentada de que o agrupamento por área física leva a resultados substancialmente diferentes dos obtidos com a classificação por valor da produção.

Posteriormente, Silva (1984Silva, S. (1984) Estudos sobre a estrutura de produção e a questão agrária. Cadernos IFCH Unicamp 11. Campinas, janeiro 1984.) apresentou um conjunto substancial de evidência empírica - baseada em tabulações especiais do Censo Agropecuário de 1975 - que confirma suas proposições anteriores. Sua análise limitou-se à evidência sobre a distribuição, por grupos de tamanho, do valor total da produção agrícola. Para nossos propósitos aqui, contudo, o que é necessário é a distribuição do valor da produção de atividades específicas, o que felizmente foi possível obter, ainda que a nível de agregação maior, e para um número de atividades menor do que seria desejável. A Tabela 2 apresenta essas informações; pode-se ver que há uma nítida diferenciação entre feijão, mandioca e milho, de um lado, e as demais culturas - inclusive o arroz -, quanto à importância relativa dos grupos menores e maiores do tamanho de estabelecimentos na produção total. Com efeito, 77% do valor da produção de feijão, cerca de 69% do de mandioca e 58% do de milho provêm dos estabelecimentos cujo valor da produção total não ultrapassa nove salários-mínimos anuais, percentagens que, para as demais culturas, são de 40% (arroz), 22% (soja), 15,5% (café), 14,5% (cacau), 11,3% (trigo) e 8,4% (cana).

Tabela 2:
Brasil - Distribuição do valor da produção de algumas lavouras por estabelecimentos agrupados segundo o valor da produção total dos estabelecimentos - 1975

Informações adicionais, que permitam maior desagregação desses grupos de tamanho, e também sua identificação a nível regional, são evidentemente necessárias, tendo em vista possibilitar melhor tipificação dos agricultores. Por exemplo, as duas faixas inferiores, de até dois e de dois a nove salários-mínimos anuais, são muito amplas, razão por que admitem elevada heterogeneidade interna, especialmente considerando-se que se referem ao Brasil como um todo. Mesmo assim, parece possível afirmar, com base nessa Tabela 2, que essas culturas alimentares básicas são não apenas produzidas em pequena escala - uma característica inequivocamente comprovada pela Tabela 1 -, mas também, em parcela significativa, por pequenos agricultores.5 5 Infelizmente, não foi possível apresentar uma tabela similar· à Tabela 2 para o excedente de mercado (market surplus), também por falta de informações. Parece razoável admitir, contudo, que as participações relativas de pequenos e grandes estabelecimentos na oferta comercializada de feijão, mandioca e até mesmo milho (contanto que os produtos de origem animal obtidos com ele sejam comercializados) não venham a diferir muito das respectivas participações na produção desses bens.

A fim de compreender essa estrutura diferenciada de produção, parece razoável iniciar com a premissa de que os agricultores “capitalizados” - isto é, o grupo formado pelos agricultores capitalistas e os “pequenos produtores capitalizados”6 6 Sobre essa classificação de agricultores, ver Sorj (1980: 118-148). - devem exigir uma taxa média de retorno maior na produção desses alimentos básicos do que na produção de exportáveis e de outros produtos domésticos; essa premissa se segue da hipótese de que a produção desses alimentos é mais arriscada. Esse requisito, por si só, é capaz de abrir um espaço para os pequenos produtores “subcapitalizados” (ou “de baixa renda”, ou “pobres”), sendo suficiente que esses produtores se contentem com uma taxa média de retorno menor do que aquela requerida pelos produtores capitalizados.

Resta, então, uma questão: por que deveriam esses pequenos agricultores contentar-se com uma taxa média de retorno menor do que o mínimo exigido pelos produtores capitalizados? Parte da resposta está simplesmente no fato de que, devido a sua falta de capital - isto é, devido a sua situação “subcapitalizada” -, esses pequenos agricultores não têm a opção de entrar nas demais atividades agrícolas e assim obter a taxa de retorno maior (ou com menor grau de risco). Esse é certamente o caso de pequenos produtores não-proprietários, que, incapazes de oferecer colateral nos empréstimos bancários, são por isso mesmo excluídos do sistema institucional de crédito. Entretanto, pequenos proprietários poderiam, em princípio, obter empréstimos bancários mediante cessão de suas terras em garantia, e assim entrar nas demais atividades (exportáveis e domésticas). Uma vez, contudo, que essa opção do endividamento implica a eventual perda da terra, é fácil perceber que esses pequenos proprietários podem preferir não correr o risco, mesmo à custa do sacrifício de uma renda média maior.

É importante notar, por outro lado, que, graças a várias características assumidas por sua atividade econômica, esses pequenos produtores acabam tornando-se relativamente capazes de resistir ao risco associado à produção de alimentos. Podem-se citar: 1) maior flexibilidade quanto ao grau de autoconsumo, advinda do fato mesmo de esses agricultores produzirem alimentos in natura, de forma diversificada: em face de flutuações inesperadas de preços, posteriores a decisões de produção, o autoconsumo de alimentos pode aumentar ou diminuir, e nesse processo a composição do consumo total se altera, em função dos preços relativos dos alimentos; essa possibilidade não existe para produtores especializados, pequenos ou grandes 2) menor dependência do capital de terceiros, inclusive de bancos; para conseguir isso, além de organizarem sua atividade de modo a reduzir sua demanda de “capital”, os pequenos agricultores obtêm esse capital através do trabalho assalariado sazonal, que assim se torna de fundamental importância para a reprodução da própria pequena produção. (O trabalho assalariado sazonal é também uma forma de diversificação da atividade de trabalho, o que contribui adicionalmente para reduzir o risco); e 3) essa menor dependência financeira em condições normais, por sua vez, permite que uma emergência de queda drástica da renda agrícola de pequenos proprietários não constitua ameaça de perda da terra (e tudo o mais associado a ela), e possa ser contornada por uma redução temporária do consumo da família e/ou por recurso ao crédito.7 7 Ver Binswanger e Sillers (1983) para uma interessante análise, uma de cujas conclusões é que os pequenos proprietários procuram manter baixo seu uso de crédito bancário precisamente para reservá-lo para situações emergenciais. O crédito para esses agricultores, assim, funcionaria como uma espécie de seguro.

Nossa hipótese, portanto, é que existe um mecanismo complexo que explica a grande importância relativa, sugerida pela Tabela 2, da pequena produção em alguns alimentos básicos. Esse mecanismo, que exprime as maiores possibilidades relativas da pequena produção nesses produtos - dados a tecnologia disponível e o grau de risco dessas atividades -, materializa-se através da formação de uma taxa média de retorno que, quando se tem em conta o grau associado de risco, não é compatível com as exigências dos produtores capitalizados.

A existência de um tal mecanismo já foi sugerida antes em Rezende (1978Rezende, G. C. (1978) Produção, emprego e estrutura agrária na região cacaueira da Bahia. Pesquisa e Planejamento Econômico , 8(1): 83-116. e 1979Rezende, G. C. (1979) Estrutura agrária, produção e emprego no Nordeste. Pesquisa e Planejamento Econômico , 9(1): 33-82. ), mas a análise ignorou a dimensão do risco associado à taxa média de retorno. Essa abstração do risco - que foi, contudo, enfatizado por Homem de Melo (1982Homem de Melo, F. (1982) A política econômica e a pequena produção agrícola. Estudos Econômicos, 12(3): 67-85.) - é grave, pois leva a conclusões falsas quanto ao que é necessário para estender o processo de modernização agrícola a essas culturas alimentares. Cite-se, a propósito, um trabalho de Furtado (1981Furtado, C. (1981) O Brasil pós-”milagre”. Rio de Janeiro, Paz e Terra. :26), em que se afirma que a “desorganização do mercado” pressiona “no sentido da redução dos preços dos gêneros de primeira necessidade”, e que esses “baixos preços / .. ./ constituem um obstáculo à modernização do cultivo dos mesmos produtos nas explorações aptas à acumulação.” Essa modernização exigiria “organizar o mercado desses produtos, portanto, elevar seus preços relativos e, consequentemente, aumentar o preço da mão-de-obra” (p. 27). Na medida, contudo, em que o problema maior se situe na incerteza quanto ao nível do preço - ou melhor, quanto ao nível da taxa de retorno -, essa organização (e, portanto, a modernização) não tem por que exigir elevação desse nível. Ao contrário, essa modernização, ao dotar esses cultivos de grau maior de especialização produtiva e de uma base técnica superior, deverá levar, aí sim, a “preços baixos.” A desconsideração da dimensão do risco associado à taxa de retorno leva, assim, a um diagnóstico incorreto do problema da oferta de alimentos. Aliás, a experiência da década dos 70 esteve muito longe de sugerir a ideia de preços baixos de alimentos no Brasil.

3. CRESCIMENTO ECONÔMICO, ESTRUTURA AGRÁRIA E OFERTAS DE ALIMENTOS

3.1. Pequena produção e desenvolvimento agrícola

Pelas razões a serem apresentadas na próxima subseção, é possível conjecturar que a década de 70 tenha presenciado um aumento da importância relativa da pequena produção nas atividades antes mencionadas, decorrente do abandono desse setor por parte de agricultores crescentemente capitalizados. Nessa hipótese, a oferta de alimentos básicos, nesse período, ter-se-ia tornado ainda mais dependente das possibilidades efetivas da pequena produção de baixa renda na agricultura. Entretanto, como veremos em seguida, a década dos 70 caracterizou-se, de um lado, por uma deterioração das possibilidades econômicas dos pequenos produtores na agricultura e, de outro lado, por uma melhoria das alternativas de emprego dessa mão-de-obra nos mercados de trabalho urbanos e rurais. Nessas condições, não parece difícil compreender o surgimento, nesse período, de um problema de produção de alimentos.

É fato bem conhecido que os pequenos agricultores de baixa renda - caracterizados por uma inadequada dotação de recursos materiais e humanos - não têm tido acesso ao crédito rural subsidiado. [Sobre esse ponto, ver Dias (1979Dias, G. L. S. (editor) (1979) Pobreza rural no Brasil: caracterização do problema e recomendações de política. Brasília, CFP: coleção análise e pesquisa - vol. 16. ) e Homem de Melo (1982Homem de Melo, F. (1982) A política econômica e a pequena produção agrícola. Estudos Econômicos, 12(3): 67-85.).] Tendo permanecido assim à margem do sistema oficial de crédito rural, esses pequenos agricultores ficaram também à margem do processo de modernização da agricultura, ou seja, não foram capazes de participar dos ganhos de renda e de produtividade na agricultura. Como veremos a seguir, o resultado foi uma tendência à concentração de renda e riqueza dentro da agricultura e, coincidindo com uma ampliação de oportunidades de emprego fora da agricultura, uma dramática intensificação do êxodo rural.

A Tabela 3 mostra que o número de “responsáveis e membros (não-remunerados) da família” nos estabelecimentos agrícolas cresceu a uma taxa bem menor nos anos 70 do que nos 60, de forma generalizada. Esse declínio nas taxas de crescimento do número de “responsáveis” foi acompanhado, na mesma ordem de grandeza, por uma redução nas taxas de crescimento do número de estabelecimentos. Pode-se ver, ainda, de· forma geral, que: 1) as taxas de expansão da área total dos estabelecimentos, na década dos 60, são menores do que as verificadas para o número de “responsáveis” e de estabelecimentos; e 2) o decréscimo, na década dos 70, foi mais intenso nesse número de “responsáveis” e de estabelecimentos do que na área total. Isso se deve a que os movimentos sucessivos de expansão e declínio no número de responsáveis e de estabelecimentos, entre as duas décadas, ocorreram apenas nos pequenos estabelecimentos. Nas faixas maiores de tamanho, ocorreram os movimentos inversos de contração na década dos 60 e de expansão na década dos 70. Como resultado dessa evolução diferenciada de pequenos e grandes estabelecimentos [o que não é mostrado aqui por razões de espaço, mas pode ser visto em Rezende (1985aRezende, G. C. (1985a) Crescimento econômico e oferta de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA/INPES , Texto para Discussão Interna n. 71. )], aumentou a concentração fundiária na agricultura nos anos 70, certamente como parte de um processo mais geral de concentração dos meios de produção.

Tabela 3:
Variação percentual do número de responsaveis e do número e área dos estabelecimentos agricolas 1960/70 e 1970/80

Análise adicional das informações censitárias [apresentadas em Rezende (1985aRezende, G. C. (1985a) Crescimento econômico e oferta de alimentos no Brasil. Rio de Janeiro, IPEA/INPES , Texto para Discussão Interna n. 71. )] permite outras conclusões de interesse. Os estabelecimentos (e, junto com eles, os respectivos “responsáveis”) de arrendatários e parceiros (tomados em seu conjunto) e de ocupantes expandiram-se, na década dos 60, a taxas muito maiores do que as dos estabelecimentos de proprietários, especialmente quando a comparação se cinge aos pequenos estabelecimentos. No quinquênio 1970/75, contudo, esses estabelecimentos de arrendatários, de parceiros e de ocupantes reduziram-se de maneira muito mais pronunciada do que os estabelecimentos de proprietários. No quinquênio seguinte (1975/80), entretanto, inverteu-se esse comportamento: os estabelecimentos de arrendatários e de parceiros voltaram a crescer, agora com mais intensidade nas faixas maiores, ao mesmo tempo em que os estabelecimentos de proprietários, com a exceção da fronteira (Mato Grosso e Goiás), continuaram a apresentar uma expansão praticamente nula. Esse comportamento diferenciado do arrendamento e da parceria dentro da década dos 70 será retomado posteriormente.

Passando agora à análise dessas transformações, cabe notar, antes de tudo, que esses movimentos sucessivos de expansão e de recuo da pequena produção agrícola são consistentes com o aumento, que certamente ocorreu entre os 60 e os 70, no custo de oportunidade da permanência desses pequenos produtores na agricultura, refletindo as melhores condições de absorção de mão-de-obra na economia após 1968.

Essa relação da pequena produção de baixa renda com a situação mais ampla da economia - em particular, com a evolução do mercado de trabalho - deve ter sido condicionada, contudo, por circunstâncias particulares dentro da agricultura. Em especial, a grande expansão verificada na pequena produção na década dos 60 pode ter tido que ver, em parte, com mudanças então ocorridas no mercado de trabalho agrícola. Com efeito, as transformações que acompanharam a extensão da legislação trabalhista ao campo, em 1963, incluíram uma alta abrupta no salário rural, no período 1963/67, de cerca de 30% a mais do que o salário urbano [Bacha (1979)], alta essa que certamente beneficiou os trabalhadores que permaneceram residindo no meio rural - ou seja, os pequenos agricultores que também trabalham por salário. Mas isso significa que a própria pequena produção também se tornou mais atraente, uma vez que a renda desses pequenos agricultores poderia agora ser complementada, em grau maior, com renda do trabalho assalariado. De maneira mais geral, pode-se acreditar que a expansão (relativa e absoluta), observada desde então, no trabalho assalariado “temporário” na agricultura, favoreceu um maior crescimento do número de pequenos agricultores de baixa renda na agricultura, uma vez que esse trabalho “temporário”, ao pressupor trabalhadores que tenham outras ocupações, abriu um espaço de certa forma “natural” para esses produtores. Do ponto de vista desses últimos, o assalariamento sazonal, como já se propôs antes, é uma forma de diversificação da sua atividade total de trabalho; além disso, permite a obtenção de recursos financeiros (necessários à atividade agrícola desses pequenos produtores) que de outra forma devem ser obtidos pelo endividamento - uma alternativa que, sendo praticamente impossível para pequenos produtores não-proprietários, tende a ser evitada por pequenos proprietários, como já se propôs antes.8 8 À luz dessas considerações, entende-se a conclusão de Astori (1983:120), de que o trabalho assalariado temporário é ao mesmo tempo “un mecanismo de expansión dei capital y de recreación de la agricultura campesina”. Essa mesma conclusão pode ser vista em Miró e Rodríguez (1982). É interessante notar que Garcia Jr. (1975) analisou uma expansão da pequena produção em Pernambuco, na década dos 60, que coincidiu com a expulsão dos “moradores” dos engenhos.

Ao contrário do ocorrido nos 60, os anos 70 testemunharam um declínio sem precedentes na importância da pequena produção de baixa renda na agricultura brasileira. Entretanto, como mostrado em Rezende (1985cRezende, G. C. 1985c) Interação entre mercados de trabalho e razão entre salários rurais e urbanos no Brasil. Estudos Econômicos , 15(1), jan.abril. ), nesse período também ocorreu uma elevação substancial nos níveis de salário e de emprego assalariado temporário na agricultura. A fim de explicar esse aparente paradoxo, temos que focalizar traços contrastantes entre as duas décadas.

Em primeiro lugar, as condições nos mercados de trabalho urbano eram muito mais favoráveis nos 70 do que nos 60. Em outras palavras, a atratividade da pequena produção, nos 60, refletia também as condições gerais de semiestagnação econômica na maior parte daquela década. Em contraste, o processo de crescimento econômico posterior a 1968 deve ter elevado substancialmente o custo de oportunidade dessa forma de ocupação da mão-de-obra.

Em segundo lugar, o acesso à terra, na forma de propriedade, arrendamento ou parceria, tornou-se uma virtual impossibilidade para os pequenos agricultores, nos 70. Esse aspecto, ligado aos “fatores de expulsão”, tem ganho toda a ênfase da literatura, que tem virtualmente ignorado o papel também jogado pela atração do meio urbano.9 9 Ver, por exemplo, a discussão geral apresentada em Martine (1984); para o caso específico da fronteira, ver Mueller (1983), e para o caso do Paraná, Strachan (1981). Como mostrado em Rezende (1985bRezende, G. C. (1985b) A agricultura e a reforma do crédito rural. Revista Brasileira de Economia, 39(2), abril-junho. ), a modernização agrícola foi acompanhada de elevação significativa na renda (aluguel) da terra e; maior ainda, no preço (de venda) da terra. Como se notou no início desta seção, contudo, os pequenos agricultores, incapazes de se beneficiarem da política de crédito, tampouco foram capazes de participar dos ganhos de renda agrícola. Esse fato está na raiz do grande declínio, apontado pela Tabela 3, no número de pequenos agricultores nos anos 70.

A fim de entender melhor como isso se deu, é necessário distinguir entre os casos de pequenos proprietários e de pequenos produtores não-proprietários. Quanto a esses últimos, é fácil perceber que, uma vez que sua renda agrícola não aumentou suficientemente, eles não puderam pagar os maiores valores de arrendamento. A única alternativa para permanecerem na agricultura teria sido aceitar uma menor remuneração para seu trabalho. Mas isso era certamente uma possibilidade remota num período de alta de salários e de maior absorção de mão-de-obra na economia. A consequência, portanto, não poderia deixar de ser uma saída em massa desses pequenos produtores para fora da agricultura.

No caso dos pequenos proprietários marginalizados no processo de modernização agrícola, contudo, sua saída da agricultura, além de refletir melhores opções no meio urbano, foi altamente estimulada pela elevação nos preços da terra. Através da venda de sua terra - e, portanto, convertendo em dinheiro substanciais ganhos de capital-, esses pequenos proprietários puderam mais facilmente engrossar as correntes migratórias e buscar uma melhoria na sua renda corrente nos mercados de trabalho urbanos. [Sobre isso, ver Castro (1982Castro, P. R. (1982) Barões e bóias-frias: repensando a questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro, CEDES/APEC. : 110-11).] Um curso de ação alternativo para essas famílias foi, contudo, migrar para a fronteira agrícola, onde puderam comprar áreas maiores de terra na esperança de, assim fazendo, aumentar sua renda. A migração para a fronteira, na década dos 70, aliás, parece ter sido predominantemente desse tipo, como apontado em Ozorio de Almeida et alii (1983Ozorio de Almeida, A. L. et alii. (1983) Migrações internas e pequena produção agrícola na Amazônia: uma análise de política de colonização do INCRA. Quarto relatório de andamento. Rio de Janeiro, IPEA/INPES (mimeo). ). Pequenos agricultores sem possibilidades de adquirir terra não parecem ter sido importantes nos fluxos migratórios dirigidos à fronteira nos 70, o que é consistente com maior absorção de mão-de-obra no meio urbano nesse período.

É muito provável que os pequenos proprietários tenham sido os principais vendedores no altamente especulativo mercado de terra dos 70. Os compradores incluíam investidores urbanos e rurais, que esperavam ganhar com a valorização da terra. Alguns autores argumentaram que essa “especulação com terra” provavelmente deveria levar a uma subutilização da terra, uma vez que a atividade agrícola não é trivial e, além do mais, o especulador estava interessado principalmente na valorização da terra, não na renda obtida com o uso produtivo da terra. [Ver, por exemplo, Castro (1982Castro, P. R. (1982) Barões e bóias-frias: repensando a questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro, CEDES/APEC. : 111-112).] Sayad (1982Sayad, J. (1982) Especulação em terras rurais, efeitos sobre a produção agrícola e o novo ITR. Pesquisa e Planejamento Econômico , 12(1): 87-108. ), contudo, questionou essa conclusão, apontando a opção, aberta ao especulador, de arrendar sua terra e assim apropriar um retorno adicional. A esse respeito, é muito interessante recordar nossa observação anterior de que o arrendamento de terras, especialmente de áreas maiores, aumentou drasticamente no período 1975/80 - precisamente quando os preços de terra se encontravam em seus níveis mais altos. Essa evidência claramente apoia as conclusões de Sayad; afinal de contas, além do interesse da parte do especulador com terras, arrendamento, e não compra de terra, deve ter sido o procedimento mais sensato para um agricultor que não quisesse (ou não pudesse) manter uma volumosa quantia imobilizada em terra.

3.2. Crescimento econômico e oferta de alimentos

Estamos agora em condições de sugerir uma explicação, mais abrangente para o desempenho insatisfatório da oferta de alimentos na década dos 70. Em síntese, nossa hipótese é que a retomada do crescimento econômico em 1968, além de ter trazido forte aumento na demanda interna de alimentos, causou uma elevação dramática na renda alternativa que pequenos produtores agrícolas poderiam obter nos mercados de trabalho urbanos e rurais. Dada a elevada participação dessa pequena produção na oferta de alguns dos mais importantes alimentos básicos, e na falta de progresso técnico nessas atividades, o resultado foi uma tendência à elevação do custo unitário na produção alimentar (puxado pela elevação do item relativo à mão-de-obra), pressionando os preços. Essa tendência à elevação de preços - que se materializou graças ao forte êxodo rural, em parte decorrente do modelo concentrador prevalecente - não foi capaz, entretanto, de estimular a produção desses alimentos pelos agricultores capitalizados. As razões para isso são duas. Em primeiro lugar, porque se manteve altamente instável o retorno nessas atividades e porque se elevava a rentabilidade dos exportáveis, as duas coisas refletindo, em grau importante, a própria ação do Governo. Em segundo lugar, porque o custo de produção de alimentos, também para agricultores capitalizados, sofreu forte elevação. Com efeito, vimos que esses alimentos básicos, quando são produzidos por esses agricultores, o são em pequena escala, certamente com escasso uso de outros fatores além de mão-de-obra e terra. Mas isso implica que a parcela relativa ao custo de mão-de-obra no custo unitário total é muito maior nessas lavouras do que em outras atividades agrícolas. Uma vez que não ocorreu aumento de produtividade na produção de alimentos, a forte elevação dos salários rurais, ocorrida na primeira metade dos 70 [Rezende (1985cRezende, G. C. 1985c) Interação entre mercados de trabalho e razão entre salários rurais e urbanos no Brasil. Estudos Econômicos , 15(1), jan.abril. )], não poderia senão afetar diferencialmente os custos unitários desses alimentos.

É interessante fazer um contraste entre essa hipótese e aquela formulada por Barros e Graham (1978Barros, J. R. M. e D. H. Graham. (1978) A agricultura brasileira e o problema da produção de alimentos. Pesquisa e Planejamento Econômico, 8(3): 695-726, dez. 1978. ). Esses autores atribuíram a tendência de elevação do custo de produção de alimentos à expansão da produção agrícola de exportáveis, que teria pressionado os preços dos fatores de produção na agricultura. Nesse tipo de análise, ignora-se o papel da competição de recursos (a mão-de-obra em particular) entre a agricultura e o meio urbano, privilegiando-se, no processo, a competição de recursos, dentro da agricultura, entre produtos de mercado externo e de mercado interno. Na mesma linha, Bacha (1982Bacha, E. L. (1982) Introdução à macroeconomia - uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro, Editora Campus. : 100-101) atribuiu o crescimento satisfatório da oferta de alimentos, nas décadas dos 50 e 60, ao “comportamento cíclico dos preços dos produtos de exportação. O período Kubitscheck, nesse sentido, foi muito favorável. porque os preços dos produtos de exportação (o preço do café, por exemplo) sofreram grande deterioração”. Como mostrado antes, entretanto, a década dos 60 - por razões que incluem, com lugar de destaque, a fraca absorção de mão-de-obra no meio urbano - presenciou uma grande expansão da pequena produção na agricultura; o crescimento satisfatório da oferta de alimentos, naquele período, pode, portanto, ter sido devido a essa circunstância mais profunda, e não ao comportamento dos preços de exportação.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece razoável esperar que o menor ritmo de crescimento econômico que se tem verificado nesta década dos 80, além ·de estar trazendo um crescimento mais lento da demanda interna de alimentos, esteja implicando um menor êxodo rural, devido à queda na renda alternativa (custo de oportunidade privado) de pequenos produtores e assalariados rurais.

A partir da análise apresentada neste trabalho - cujo propósito principal foi mais o de sugerir novas linhas de pesquisa sobre temas tão importantes como a produção de alimentos e a dinâmica da pequena produção agrícola, e menos o de ser conclusivo -, então deve-se esperar que a produção de alimentos, nesta década, ostente um desempenho mais satisfatório do que o ocorrido na década dos 70.

Entretanto, não se pede esquecer que a maxidesvalorização cambial de 1983, e a própria recessão, pelo lado da demanda, favoreceram diferencialmente a rentabilidade do subsetor dos exportáveis, uma vez que levaram a um aumento dos preços relativos desse subsetor. Além do mais, as maiores restrições quantitativas de crédito rural e o quadro geral de incerteza econômica têm levado a uma menor expansão agrícola em seu conjunto. Por tudo isso, não seria estranho encontrar, também nesta década, um desempenho insatisfatório da oferta de alimentos, o que, à primeira vista, poderia ser tomado como evidência contrária à hipótese, formulada neste trabalho, de uma relação inversa - tudo o mais constante - entre o ciclo econômico e a oferta de alimentos.

É importante frisar que o impacto negativo proposto do crescimento econômico pós-68 sobre a oferta de alimentos somente ter-se-ia verificado devido à presença de maior grau de incerteza de retorno nesse subsetor, que por isso mesmo permaneceu uma esfera semiexclusiva de pequenos produtores de baixa renda. Uma ação governamental consistente com redução desse grau de incerteza poderá, assim, desfazer essa relação inversa entre crescimento econômico e oferta de alimentos, ou seja, tornar esse setor mais atraente para os produtores capitalizados e, portanto, mais capaz de competir, em fases de aceleração do crescimento econômico, pelos recursos da economia.

Finalmente, parece possível apresentar uma conclusão interessante, tendo em vista uma estratégia de aumento da produção e de melhoria técnica do subsetor de alimentos básicos. Ao contrário do que comumente se pensa, medidas de cunho estrutural - como a reforma agrária - que fortaleçam a base de recursos dos pequenos produtores (tornando-os, inclusive, mais capazes de utilização do crédito rural), não são suficientes para atingir esses objetivos. Se não se reduzir o risco nesse subsetor, o fortalecimento econômico-financeiro desses pequenos produtores, ao permitir-lhes optar por atividades produtivas agrícolas mais atraentes, poderá, na verdade, levar a uma compressão maior ainda do setor de alimentos básicos na agricultura.

Concluímos, assim, que a solução do problema da produção de alimentos não requer maior apoio ao pequeno produtor; trata-se, antes de tudo, de uma questão perfeitamente solucionável por uma política agrícola consistente. Naturalmente, esse não é um argumento contrário à reforma agrária; apenas implica que a reforma agrária deve ser defendida tendo em vista outros objetivos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Sorj, B. (1980) Estado e classes sociais na agricultura brasileira. Rio de Janeiro, Zahar.
  • 1
    A visão geral acima sobre a ação do Governo sofre qualificações em mercados mais regulamentados, como o do leite e da cana-de-açúcar, em que o Estado tem maior controle sobre o nível dos preços mesmo a médio prazo.
  • 2
    Essas informações, e bem assim as utilizadas para preparar a Tabela 2, foram gentilmente cedidas pelo Prof. Sérgio Silva, da UNICAMP.
  • 3
    Vários estudos têm indicado a presença de economia de escala na produção de cana-de-açúcar; isso serve para mostrar que parte das diferenças de tamanho entre às atividades, mostradas na Tabela 1, não decorre de ajustamentos a diferentes graus de risco.
  • 4
    Quanto aos produtos de origem animal (excetuando-se a produção de bovinos para corte, devido à inadequação das informações), as tabulações especiais do Censo Agropecuário de 1975 mostram que: 1) no caso do leite, as duas faixas inferiores de tamanho respondem por 34% do total (as três faixas menores respondendo por 67%), do que se conclui que predominam, na produção de leite, as escalas pequena e média; 2) no caso de suínos, a faixa inferior responde por 43%, e as três faixas menores de tamanho por 87% do valor total da produção; 3) no setor de aves e ovos, coexiste uma atividade de ínfimas dimensões individuais, dominante na maioria dos estados (mas que responde por pouco mais de 25% do valor da produção brasileira), com uma atividade de grande escala - ou seja, de mais de 100 salários-mínimos anuais de valor da produção - (em São Paulo, Minas Gerais e no Sul), que representa mais de 45% do valor total da produção.
  • 5
    Infelizmente, não foi possível apresentar uma tabela similar· à Tabela 2 para o excedente de mercado (market surplus), também por falta de informações. Parece razoável admitir, contudo, que as participações relativas de pequenos e grandes estabelecimentos na oferta comercializada de feijão, mandioca e até mesmo milho (contanto que os produtos de origem animal obtidos com ele sejam comercializados) não venham a diferir muito das respectivas participações na produção desses bens.
  • 6
    Sobre essa classificação de agricultores, ver Sorj (1980Sorj, B. (1980) Estado e classes sociais na agricultura brasileira. Rio de Janeiro, Zahar. : 118-148).
  • 7
    Ver Binswanger e Sillers (1983Binswanger, H. P. e D. A. Sillers. (1983) Risk aversion and credit constraints in farmers’ decision-making: a reinterpretation. The Journal of Development Studies, 20(1): 5-21.) para uma interessante análise, uma de cujas conclusões é que os pequenos proprietários procuram manter baixo seu uso de crédito bancário precisamente para reservá-lo para situações emergenciais. O crédito para esses agricultores, assim, funcionaria como uma espécie de seguro.
  • 8
    À luz dessas considerações, entende-se a conclusão de Astori (1983Astori, D. (1983) La agricultura campesina en America Latina: sus relaciones con el crescimiento urbano y la disponibilidad alimentaria. Estudos Rurales Latinoamericanos, 6(2-3): 109-140, maio-dezembro. :120), de que o trabalho assalariado temporário é ao mesmo tempo “un mecanismo de expansión dei capital y de recreación de la agricultura campesina”. Essa mesma conclusão pode ser vista em Miró e Rodríguez (1982Miró, C. e D. Rodriguez. (1982) Capitalismo y población en el agro latinoamericano. Tendencias y problemas recentes. Revista de la CEPAL, 16: 53-74. ). É interessante notar que Garcia Jr. (1975Garcia Jr., A. (1975) Terra de trabalho. Tese de mestrado em Antropologia Social. Rio de Janeiro, UFRJ, Museu Nacional. ) analisou uma expansão da pequena produção em Pernambuco, na década dos 60, que coincidiu com a expulsão dos “moradores” dos engenhos.
  • 9
    Ver, por exemplo, a discussão geral apresentada em Martine (1984Martine, G. (1984) Transformações recentes na agricultura e suas implicações sociais. Anais do XXII Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural: 69-98. Salvador, julho e agosto 1984. ); para o caso específico da fronteira, ver Mueller (1983Mueller, C. (1983) Fronteira, frentes e evolução recente da ocupação da força de trabalho rural no Centro-Oeste. Pesquisa e Planejamento Econômico , 13(2): 619-660. ), e para o caso do Paraná, Strachan (1981).
  • JEL Classification: Q11; Q13; Q17; F14.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1986
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