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Uma síntese das teses centrais de interpretação do ciclo na economia brasileira

A synthesis of the central theses of interpretation of the cycle in the Brazilian economy

RESUMO

Trata-se de uma síntese da tese central de interpretação dada pelos economistas brasileiros ao problema do ciclo econômico no país, entre 1947 e 1983.

PALAVRAS-CHAVE:
História do pensamento econômico; ciclo econômico

ABSTRACT

This is a synthesis of the central thesis of interpretation given by Brazilian economists to the problem of the economic cycle in the country, between 1947 and 1983.

KEYWORDS:
History of economic thought; economic cycle

Este artigo objetiva apresentar uma síntese das teses centrais de interpretação dos economistas brasileiros sobre a questão do ciclo na economia brasileira, no período de 1947 a 1983. Iremos salientar como cada autor analisa os seguintes aspectos: as causas das flutuações cíclicas e a importância dos fatores exógenos e endógenos; o papel do Estado e das políticas econômicas no ritmo de cada fase; a relação dos ciclos curtos da economia brasileira com o ciclo longo da economia mundial; a relação entre inflação e ciclo.

Dividiremos o artigo em três partes. A primeira abordará sinteticamente a teoria geral do ciclo econômico segundo a matriz teórica de M. Kalecki, como foi desenvolvida na sua obra Crescimento e ciclo das economias capitalistas (1980Kalecki, Michal (1980). Crescimento e ciclo das economias capitalistas. São Paulo, Hucitec. ); A segunda parte apresentará a periodização do ciclo na economia brasileira. E a terceira conterá as teses centrais das interpretações dos diversos economistas brasileiros.

UMA TEORIA GERAL DO CICLO ECONÔMICO

O problema da dinâmica da economia capitalista, de suas flutuações cíclicas e mudanças de longo prazo, foi examinado por diversos autores das várias correntes do pensamento econômico. Um dos aspectos de maior polêmica refere-se à natureza das forças causadoras dos ciclos. Uma corrente analítica identifica os ciclos como resultantes de fatores exógenos ao sistema econômico, isto é, anormalidades causadas por choques aleatórios e externos ao domínio da economia. Esta posição é defendida pelos economistas neoclássicos. A segunda corrente atribui a origem dos ciclos a fatores endógenos, de caráter estrutural, inerentes às forças contraditórias operantes no sistema. econômico capitalista. Os economistas neomarxistas, por exemplo, defendem esta posição.

Uma interpretação entre aquelas da segunda corrente é a do economista polonês Michal Kalecki. Para o autor, o ciclo econômico refere-se às flutuações periódicas da renda, da produção e do nível de emprego, produzidas pelas mudanças interrelacionadas das encomendas de investimento, da acumulação bruta e do volume do equipamento de capital. Assim, as causas dos ciclos estão diretamente relacionadas com a expansão e contração dos investimentos privados e públicos.

O CICLO NA ECONOMIA BRASILEIRA

Há um consenso entre os diversos autores na identificação de cinco fases cíclicas na economia brasileira do pós-guerra, segundo as variações no nível de expansão do produto interno bruto e da produção industrial. A primeira fase, de 1947 a 1961, foi de expansão com altas taxas de crescimento do PIB. No período entre 1947 e 1955, a taxa média geométrica anual de crescimento do PIB foi de 6,8% e entre 1955 e 1962 foi de 7,1%. A segunda fase vai de 1962 a 1967, com a desaceleração do ritmo de crescimento da economia: a taxa média do PIB foi de 3,2%. A terceira fase foi a do milagre econômico, entre 1968 e 1973, com taxa média de crescimento do PIB de 11,2%. A quarta fase foi de 1974 a 1980, com a desaceleração. Entre 1973 e 1976 a taxa média foi 8,3% e, entre 1976 e 1980, foi 6,2%. A quinta fase, de 1981 a 1983, tem a recessão e taxas negativas de crescimento do PIB.

AS TESES CENTRAIS DOS DIVERSOS AUTORES

Os autores considerados nesta síntese foram aqueles que durante os últimos anos publicaram textos analisando a problemática do ciclo na economia brasileira, a saber: Ignácio Rangel, José Serra, Maria da Conceição Tavares, Francisco de Oliveira, Paul Singer e Luiz Carlos Bresser-Pereira. Também estes autores, a nosso ver, trouxeram uma contribuição original para a análise do tema.

Começaremos por analisar as causas das flutuações cíclicas e a importância dos fatores exógenos e endógenos, de acordo com as interpretações dos autores.

José Serra, em seu texto “Ciclos. e mudanças estruturais na economia brasileira do após-guerra” (1982Serra, J. (1982). “Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do após-guerra”, Revista de Economia Política, vol. 2, n. 6. ) enfatiza a relação dos ciclos brasileiros com as flutuações da taxa de crescimento da formação bruta de capital fixo da economia, flutuações estas decorrentes de fatores cíclicos estruturais. As fases de crescimento são identificadas com a expansão dos investimentos públicos e privados, nacionais e estrangeiros.

Portanto, o autor enfatiza os fatores endógenos como os causadores das flutuações cíclicas. Ou seja, depois da conclusão de um pacote de investimentos em um período, cabe esperar um declínio no ritmo de crescimento da formação de capital no período seguinte, especialmente quando estes investimentos são superdimensionados e concentrados no tempo, como ocorreu no período 1956-60. A desaceleração do crescimento no período 1962-67 está relacionada com a conclusão do volumoso pacote de investimentos iniciado em 1956.

Segundo o autor, as crises também são provocadas pelas desproporções inter e intra-setoriais do crescimento, ou seja, o atraso do crescimento da produção de bens de capital com relação ao setor de bens de consumo durável, não durável e o de construção civil. Os choques externos como a crise do petróleo e a inflação mundial a partir de 1973 não foram fatores determinantes da reversão cíclica brasileira porque incidiram sobre uma situação de preços e de balanço de pagamentos tendencialmente vulnerável.

Maria da Conceição Tavares, em seu livro Da substituição de importações ao capitalismo financeiro (1972Tavares, M. da Conceição (1972). Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro, Zahar. ), também relacionou o ciclo econômico com as flutuações de investimentos, que aceleram ou desaceleram a acumulação de capital. De acordo com a autora, a taxa de investimento é a variável crucial, a qual está relacionada com a rentabilidade esperada dos investimentos. A realização de novos investimentos reais depende não só das possibilidades de autofinanciamento ou da obtenção de créditos por parte das empresas, mas, sobretudo, das relações existentes no mercado entre a estrutura da taxa de lucro e de juros e da taxa de rentabilidade esperada dos novos investimentos (expectativas de rentabilidade e risco).

A autora também enfatiza a importância dos fatores endógenos como os desencadeadores das flutuações cíclicas, isto é, a estrutura da capacidade produtiva industrial; a estrutura da demanda - a dimensão e composição relativas do mercado interno; a disponibilidade relativa de fatores de produção; o padrão de investimento e a taxa de lucro de equilíbrio. Como exemplo, a crise econômica do período 1962-67 foi relacionada pela autora com o esgotamento do dinamismo da industrialização baseada na substituição de importações. A inexistência de um volume de investimentos capaz de assegurar a manutenção da alta taxa de expansão econômica estava relacionada com a estrutura de demanda e as fontes de financiamento.

Francisco de Oliveira, na sua obra A economia da dependência imperfeita (1977Oliveira, F. (1977). A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro, Graal. ), identificou as flutuações cíclicas com os desequilíbrios decorrentes do padrão de acumulação intentado para a economia brasileira, centrado na expansão do Departamento III (bens de consumo duráveis). Assim, a crise não é de realização da produção, segundo o autor, mas sim crise de concentração, gerada pela contradição entre um padrão de acumulação fundado no Departamento III e as fracas bases internas do Departamento I (bens de produção). Portanto, a ênfase do autor está nos fatores endógenos, estruturais, como os desencadeadores do ciclo.

Paul Singer, em seu texto “A crise do ‘milagre’” (1980Singer, P. (1980). A crise do “milagre”. Rio de Janeiro, Paz e Terra . ), também considera como M. C. Tavares e J. Serra que o ciclo na economia brasileira está relacionado com o volume de investimentos, base da acumulação de capital. Mas não é só isso. Como F. Oliveira, considera que a crise também é produto das desproporções entre o D. I (bens de produção) e o D. II (bens de consumo).

O autor dá ênfase aos fatores endógenos, como a taxa e o padrão de investimentos, a estrutura de produção e demanda. Em texto mais recente (1984), o autor considera que os, fatores externos não foram os principais determinantes dos ciclos, exceto no período recessivo de 1981-83. Neste caso, o autor considera que a crise foi induzida do exterior, não denotando qualquer esgotamento generalizado das possibilidades internas de crescimento; a causa está no endividamento externo e na recusa dos bancos privados internacionais em refinanciá-lo. O autor também considera que a atual crise econômica mundial não é uma crise conjuntural, mas de um fenômeno de prazo mais longo, uma fase descendente de um ciclo longo, como o Kondratieff.

L. Bresser-Pereira, em seu texto “Auge e declínio nos anos setenta” (1983Bresser-Pereira L. C. (1983). “Auge e declínio nos anos setenta”, São Paulo, FGV, 1983, mimeo. ), considera que os ciclos na economia brasileira são endógenos, caracterizados por sobre e sub-acumulação de capital, inerentes à dinâmica interna do sistema capitalista brasileiro. Sem ignorar a importância dos fatores exógenos, o autor considera que estes não explicam as flutuações cíclicas da economia, que são causadas por um processo de sobre-acumulação na fase de expansão, seguida de uma redução dos investimentos na desaceleração. A reversão do ciclo ocorre em virtude de uma redução na taxa de acumulação de capital, que por sua vez decorre da queda na previsão da taxa de lucros em relação à taxa de juros. O autor considera que o choque do petróleo em 1973 ajudou a provocar a reversão do ciclo, mas a extraordinária acumulação teria necessariamente que desembocar em crise. Assim, a redução na taxa de acumulação a partir de 1974 ocorreu especialmente na indústria de bens de consumo duráveis, de automóveis em particular, que vinha liderando o ciclo expansivo anterior. Tratava-se, então, para o autor, de uma clássica crise de subconsumo.

Ignácio Rangel, em seu texto “A história da dualidade brasileira” (1981Rangel, Ignácio (1981). “A história da dualidade brasileira”, Revista de Economia Política, vol. 1, n. 4.) trouxe uma contribuição original para a compreensão da problemática do ciclo na economia brasileira. Sua análise parte do conceito de que os ciclos econômicos são movimentos periódicos engendrados no centro dinâmico da economia mundial, que assumem a forma de fluxos e refluxos, os quais têm impacto na economia brasileira porque condicionam e regulam a amplitude e as condições do comércio exterior. Essas flutuações são identificadas como os ciclos de Kondratieff, de longa duração - cerca de meio século, com um quartel de século de fase a ascendente e outro quartel de fase b descendente. O primeiro ciclo longo foi de 1790 a 1848; o segundo, de 1848 a 1896; o terceiro, de 1896 a 1948. O quarto ciclo de Kondratieff começou sua fase ascendente em 1948, após a Segunda Guerra Mundial. A fase b descendente começou em 1973, com a crise do petróleo e deverá durar até o final do século.

A economia brasileira, de acordo com Rangel, além de sofrer os impactos dos ciclos longos, de caráter exógeno, engendrados no centro dinâmico, também enfrenta crises de natureza endógena, identificadas como ciclos médios de Juglar, ou ciclos breves. Periodicamente, por períodos aproximadamente decenais, a economia, após uma fase ascendente, entra em crise, a qual acaba por induzir mudanças institucionais, que sensibilizam novos grupos de atividades econômicas ainda não modernizadas, pondo em marcha uma vaga de investimentos, cujos efeitos se propagam a todas as partes do sistema econômico, sendo este impelido para nova fase ascendente. Segundo o autor, esta é a etiologia dos nossos milagres. Em seguida a esse processo, quando é esgotado o impulso e os pontos de estrangulamento cedem o passo a atividades carregadas de capacidade ociosa, sobrevém outra crise. Esta confronta a economia com as posições polares de ociosidade e de antiociosidade, promovendo tensões sociopolíticas e novas mudanças institucionais, viabilizadoras de nova onda de investimentos, ou seja, o novo milagre.

Em artigo recente (1985), RangelRangel, Ignácio (1985). “Ciclo longo e ciclo breve”, Folha de S. Paulo, 25.7.85. considera que o “Milagre do Delfim” (1967- 73), com seus 13% ao ano de crescimento da produção industrial, correspondeu a uma combinação da fase a do Ciclo Breve Endógeno, com a etapa final da fase a do 4º. Ciclo Longo, que deslocou inclusive o início da fase b do ciclo endógeno. No período de 1973 a 1980, a economia mundial viveu a fase recessiva do Ciclo Longo, mas esse fato foi neutralizado no Brasil, porque na maior parte desse período tivemos a fase a do Ciclo Breve Endógeno. Neste período, os investimentos na indústria pesada e na implantação da nascente agricultura capitalista foram o motor primário do processo.

Ainda segundo o autor, em 1980, o Ciclo Breve entrou, também, em fase recessiva, o que quer dizer que os dois ciclos se somavam e se agravavam mutuamente. Desta forma, o problema do período 80-83, para o Brasil, é que nestes anos se somaram os efeitos adversos do ciclo mundial e do ciclo nacional, o que fez o país mergulhar no fundo da recessão.

Em síntese, todos os autores analisados relacionam, de uma ou outra maneira, as flutuações cíclicas da economia brasileira com os investimentos públicos e privados, em termos de sua expansão ou retração, e também do padrão de distribuição destes investimentos pelos vários setores econômicos, ou departamentos, o que resulta em determinado padrão de acumulação. Tal abordagem tem identidade com a teoria kaleckiana, cuja tese central é a de que são os investimentos a variável-chave das flutuações cíclicas.

Também todos os autores enfatizam a importância dos fatores endógenos na determinação do ciclo. Ignácio Rangel e, em certa medida, Paul Singer, apresentam também a consideração de que a economia brasileira, por manter relações de dependência com as economias centrais, sofre o impacto das fases do ciclo longo dessas economias.

Cabe agora examinar como os diversos autores interpretam o papel do Estado e das políticas econômicas no ritmo de cada fase cíclica.

Para José Serra (1982Serra, J. (1982). “Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do após-guerra”, Revista de Economia Política, vol. 2, n. 6. ), o papel do Estado é substancial na conformação da natureza do ciclo. O crescimento na fase de pós-guerra, entre 1947 e 1961, foi provocado, entre outros fatores, segundo o autor pelos investimentos estatais em infraestrutura de energia e transportes e na produção de insumos básicos. Também pelas políticas protecionistas em relação à indústria doméstica e de apoio à substituição de importações, além dos incentivos e subsídios fiscais, creditícios e cambiais, ao investimento privado. A retração ocorrida a partir de 1963 não é explicada pelo autor apenas pelas tendências estruturais de declínio cíclico. Mas também pela política de estabilização de preços, de corte ortodoxo, orientada para a eliminação do déficit fiscal, o aperto de crédito e a compressão salarial. Já a recuperação que se iniciou em 1968 ocorreu sob a influência da política fiscal e monetária mais folgada. E também houve a retomada do investimento governamental.

Também Maria da Conceição Tavares (1975Tavares, M: da Conceição (1975). Acumulação de capital e industrialização no Brasil, tese de livre docência apresentada à FEA/UFRJ, mimeo. ) atribui relevância à influência do governo no ciclo econômico. No período de pós-guerra, a expansão da economia foi atribuída aos investimentos do governo, às políticas de incentivos e subsídios para estimular os investimentos privados, especialmente a entrada de capital estrangeiro. A crise econômica entre 1962-1967, segundo a autora, foi gerada, a nível estrutural, pelo esgotamento do dinamismo da industrialização baseada na substituição de importações. E também por uma política salarial e fiscal que fez com que os recursos para financiamento dos investimentos estivessem limitados pela evolução da relação excedente-salários e gastos-carga fiscal. A expansão de 1968-73 é explicada pela autora pelo desenvolvimento do setor financeiro e a estruturação de um mercado de capitais, possibilitando a expansão do financiamento dos investimentos e do consumo.

Francisco de Oliveira (1977Oliveira, F. (1977). A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro, Graal. ) também considerou a influência das políticas econômicas no ciclo brasileiro. De acordo com o autor, no período entre 1950 e 1955, o financiamento da acumulação de capital sustentou-se em três pontos: a política do confisco cambial, tentando transferir excedentes do setor agroexportador para o setor industrial; a nacionalização dos setores básicos do Departamento I; a contenção relativa do salário real. No período entre 1955-60, o padrão de acumulação foi radicalmente distinto, com a política orientando a expansão do Departamento III, através do capital estrangeiro. No período 1962-1967, as políticas econômicas adotadas, segundo o Plano de Ação Econômica do Governo Castello Branco, visavam potenciar a acumulação e preparar institucionalmente a economia para o desenvolvimento dos oligopólios. No período 1968-74, os mecanismos de financiamento da acumulação foram mantidos e reforçados.

Paul Singer (1980Singer, P. (1980). A crise do “milagre”. Rio de Janeiro, Paz e Terra . ) faz também considerações sobre as políticas econômicas e a sua relação com o ciclo. De acordo com o autor, entre 1956-60, o Plano de Metas de J. Kubitschek intensificou o ritmo da industrialização, através de vultosos investimentos estatais e da política de substituição de importações. Entre 1962-67, a política econômica foi anti-inflacionária e, consequentemente, recessiva, desestimulando as inversões de capital. No período 1968-73, segundo o autor, foi basicamente a decisão política que propiciou a retomada do crescimento econômico. Bastou que abrissem as torneiras do crédito para que a economia se reanimasse, apresentado crescentes taxas de expansão. A crise de 1981-83 foi gerada pela adoção de políticas recessivas de ajuste, recomendadas pelo FMI.

Em síntese, os autores salientam a importância do papel do Estado no desencadeamento das flutuações cíclicas, além dos fatores endógeno-estruturais. E este papel é basicamente de duas naturezas: o de investidor e o de criador de mecanismos de estímulo de financiamento da acumulação de capital privado, nacional e estrangeiro.

Quanto à questão da relação entre inflação e ciclo, os dois autores que publicaram mais textos e trouxeram uma contribuição original foram Ignácio Rangel e Bresser-Pereira.

Rangel (1984Rangel, Ignácio (1984). “Na síndrome da recessão”, Folha de S. Paulo. ) sustenta a tese de que, no Brasil, a inflação se correlaciona com a conjuntura e integra a “síndrome da recessão”. A inflação não resulta da expansão unilateral da demanda, porque acontece quando a demanda é mínima, regredindo quando a demanda global cresce. E isso acontece, segundo o autor, porque nas fases b dos ciclos, o sistema é, nas nossas presentes condições, confrontado com uma contração unilateral da oferta. Isto porque a economia está fortemente oligopolizada, possibilitando a administração da oferta e dos preços pelas empresas.

Para Bresser-Pereira (1983Bresser-Pereira L. C. (1983). “Ondas longas e ciclos econômicos”, São Paulo, FGV , 1983, mimeo. ), a desaceleração cíclica provoca a elevação da taxa de inflação, na medida em que esta se transforma em mecanismo de defesa do processo de acumulação. A seu ver a causa mais geral da inflação é o conflito distributivo entre as classes sociais, sendo a inflação o fruto da tentativa da classe capitalista de elevar ou pelo menos manter sua taxa de lucro na desaceleração cíclica. Neste sentido, os dois mecanismos de aceleração da taxa de inflação que funcionaram a partir de 1974 para sustentar a acumulação capitalista foram a inflação administrada por parte das empresas oligopolistas, e a inflação compensatória por parte do Estado.

Verificamos que os dois autores não fazem eco ao discurso oficial de que a inflação é provocada por um excesso de demanda, associando então crescimento econômico com inflação.

A partir deste pressuposto, as medidas oficiais para contenção da inflação, de caráter monetarista, têm priorizado a recessão, através do achatamento dos salários, de controle do crédito e dos desestímulos à produção.

Contrariamente à posição oficial, Rangel e Bresser-Pereira demonstram que a inflação está associada com recessão e não com crescimento, devido a fatores como a oligopolização, segundo Rangel, e o conflito distributivo, segundo Bresser-Pereira.

Concluindo, podemos dizer que as teses centrais dos economistas brasileiros sobre o ciclo econômico no Brasil apresentam pontos em comum no enquadramento geral, apesar de algumas diferenças a nível de fundo, a saber:

  • As flutuações cíclicas são de média duração e provocadas por fatores endógenos, inerentes às contradições do sistema econômico capitalista. Adicionalmente, devido à condição de dependência da economia brasileira em relação aos centros dinâmicos, esta sofre o impacto de fatores exógenos, que são decorrentes das fases do ciclo longo das economias centrais.

  • O Estado, através de políticas econômicas, exerce significativo papel no desencadeamento das reversões cíclicas.

  • Altas taxas inflacionárias estão associadas aos períodos recessivos, e não àqueles de crescimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    JEL Classification: B22; B24.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1986
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