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Crescimento desigualitário em uma economia subdesenvolvida. O caso do Brasil*

Unequal growth in an underdevelopment economy. The case of Brazil

RESUMO

A política de industrialização executada em vários países em desenvolvimento (Brasil e México, por exemplo) produziu um crescimento extraordinariamente rápido dessas economias quando essa política foi bem-sucedida. No entanto, a evolução recente mostra que os principais problemas não foram realmente resolvidos. Por meio da elaboração de um modelo, este trabalho estuda em profundidade o mecanismo de desarticulação social, entendido como a incapacidade do setor moderno de promover o desenvolvimento de toda a economia, particularmente no caso brasileiro (de 1968 a 1973), no que então foi chamado “o milagre brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE:
Desigualdade; subdesenvolvimento; crescimento econômico

ABSTRACT

The industrialization policy executed in several developing countries (Brazil and Mexico, for example) produced an unusually fast growth of these economies when such policy succeeded. Nevertheless, the recent evolution shows that the main problems were not really solved. Through the development of a model, this paper studies at length the mechanism of social disarticulation, which is understood as the incapacity of the modern sector to promote the development of the whole economy, particularly in the Brazilian case (from 1968 to 1973), at the top of what was then called “the Brazilian miracle”.

KEYWORDS:
Inequality; underdevelopment; economic growth

A política de industrialização executada em vários países em vias de desenvolvimento (Brasil e México, por exemplo) produziu, quando teve sucesso, um crescimento excepcionalmente rápido destas economias, ao menos em um primeiro momento. No entanto, a evolução recente mostra que os problemas de fundo não foram verdadeiramente resolvidos. Esta política de industrialização, baseada no crescimento das indústrias de bens duráveis e bens de capital, na aquisição de tecnologias modernas, suscetíveis de gerar ganhos importantes de produtividade, e na integração com o sistema de trocas dos países desenvolvidos, foi largamente inspirada pela política relativamente harmoniosa seguida na Europa e na América do Norte, após a II Guerra Mundial.

Infelizmente, aplicada aos países em vias de desenvolvimento, esta política o mais das vezes não conseguiu nem diminuir a dependência em face do exterior, nem dar partida a um processo autossustentado de crescimento do conjunto da economia, ou garantir uma distribuição equânime dos frutos do crescimento entre todas as categorias sociais. Por que este fracasso?

É verdade que o contexto internacional e as relações que estes países têm com o exterior não são as mesmas que os países industrializados. Mas, sobretudo, torna-se evidente que as estruturas internas são suficientemente diferentes para impedir que se operem os efeitos de arrasto próprios do desenvolvimento.

Nesta explicação de tipo estrutural, o subdesenvolvimento surge menos sob uma forma de atraso do que como círculos viciosos que bloqueiam um crescimento harmonioso. Para que se possam propor estratégias úteis, é conveniente, portanto, estudar a lógica econômica interna e analisar os mecanismos de distorção.

A análise das estruturas internas dos países subdesenvolvidos pode ser concebida como emanando das relações entre três polos econômicos muito diferentes: o mundo exterior, o setor moderno e o setor informal. Em consequência, é possível assinalar:

  • - As consequências sobre a estrutura produtora interna da importância do comércio exterior, bem como o mecanismo que conduz a uma dependência cada vez maior em face do comércio exterior. Os recentes problemas da dívida mostram a gravidade desses problemas.

  • - A existência e a persistência do dualismo entre o setor moderno, cuja produção e tecnologia evoluem de maneira muito parecida à do seu homólogo dos países desenvolvidos, e um “setor informal”, tradicional no seu modo de produção, ainda que parcialmente moderno na sua origem. Torna-se evidente que, na maioria dos casos, o setor informal cresce e não é de nenhuma forma absorvido pelo setor moderno, como se esperava.

  • - Os mecanismos de crescimento desigualitário dos setores e das rendas no próprio interior do setor moderno. Eles podem nascer seja das condições tecnológicas da produção (fraco crescimento do emprego e ligações intersetoriais de pouca monta), seja das condições sociológicas (os bens produzidos pelos setores dinâmicos não são consumidos pela maioria da população, cujos salários podem, em consequência, ser mantidos muito baixos). Essa ausência de poder de arrasto do conjunto da economia através dos salários foi caracterizada pelo conceito de “desarticulação social”.

O presente artigo dedica-se a estudar em detalhe o mecanismo de desarticulação social, em particular no caso do Brasil, nos anos 68/73, no ápice do que foi chamado de “milagre brasileiro”. Ele é dividido em três partes:

A seção 1 fornece uma discussão mais detalhada dos mecanismos de crescimento desigualitário, tomando o Brasil como exemplo.

A seção 2 apresenta um modelo com 30 setores e 6 classes de população para o Brasil, por volta dos anos 70. Este modelo permite quantificar as relações entre os salários das diferentes classes e a produção dos diferentes setores, com base em uma matriz de elasticidades.

A seção 3 ilustra o conceito de “desarticulação social” e mostra como ele se aplica ao caso do Brasil, que estudamos.

1. OS MECANISMOS DE CRESCIMENTO DESIGUALITÁRIO EM UMA ECONOMIA “SOCIAlMENTE DESARTICULADA”

1.1 - Crescimento Desigualitário no Brasil

A evolução do Brasil, ao longo dos últimos vinte anos, apresenta de forma muito marcada as características de crescimento desigualitário que desejamos explicar, ou seja, um crescimento muito rápido, em particular de alguns setores prioritários, uma deterioração importante da distribuição da renda e uma evolução divergente das taxas salariais por categorias profissionais.

A economia brasileira conheceu um crescimento muito rápido, mas muito desigual, segundo os setores (ver Quadro 1). Este fato é comumente reconhecido e foi analisado em numerosas publicações (Bonelli e Werneck, 1978BONELLI, Regis e WERNECK, Dorothea, F.F., (1978) “Desempenho industrial: auge e desaceleração nos anos 70”, em Suzigan, Wilson (ed.). ; Serra, 1973SERRA, J., (1973) “The Brazilian ‘Economic Miracle”’, em J. Petras (ed.). Latin America: from Dependence to Revolution. ; Wells, 1977WELLS, John, (1977) “The Diffusion of Durables in Brazil and its Implications for Recent Controversies Concerning Brazilian Development”, Cambridge Journal of Economics, Vol. I, pp. 259-279. ). Este crescimento apresentou uma evolução cíclica, com um período de alta conjuntura de 1956 a 1962 (crescimento anual de 7,8%), um período de pausa de 1963 a 1966 (crescimento de 3,1%), nítido reaceleramento de 1967 a 1974 e novamente um crescimento menos rápido, em seguida. Durante estes períodos de alta conjuntura é que as diferenças setoriais são marcadamente mais importantes.

Quadro 1:
Crescimento desigualitario no Brasil

Enquanto os setores mecânica, material de transporte, plásticos e material elétrico conheceram taxas de crescimento anual médias de aproximadamente 20%, entre 67/73, todos os setores industriais de produtos mais “tradicionais” conheceram taxas de crescimento de 8 a 9%.

Considerando-se a produção sob o ângulo do uso dos bens produzidos, a taxa de crescimento anual, durante este período, foi de 24% para o setor automobilístico e de 23,6% para o conjunto dos bens de consumo duráveis, em comparação com 14,7% para os bens de capital e intermediários, e de 9,4% para os bens de consumo não duráveis (Bonelli e Werneck, 1978BONELLI, Regis e WERNECK, Dorothea, F.F., (1978) “Desempenho industrial: auge e desaceleração nos anos 70”, em Suzigan, Wilson (ed.). ).

No domínio agrícola, as culturas industriais e de exportação desenvolveram-se muito rapidamente (a uma taxa média de 22,6% entre 66 e 77), com relevo para a cultura da soja. Em 1977, essas culturas atingem 50,7% do valor da produção agrícola, em comparação com 36,2%, em 1966. Durante esse período, a produção de subsistência estagnou e até mesmo a sua taxa de crescimento de 3,8% é devida principalmente ao crescimento da produção de frutas, enquanto a produção de alimentos básicos (tubérculos e feijão preto) diminuiu em média de 0,8% (World Bank, 1982).

A comparação da distribuição de rendas por décimos, em 1960 e 1970, mostra claramente uma elevação do nível de renda de todas as classes e um agravamento da desigualdade. Não há unanimidade em relação à análise das causas dessa evolução. Ela provocou, na verdade, uma importante controvérsia, espelhada nos artigos de Bacha e Taylor (1978BACHA, Edmar L. e TAYLOR, Lance, (1978) “Brazilian Income Distribution in the 1960s: Facts, Model Results and the Controversy”, Journal of Development Studies, Vol. 14, N. 3. ) e Pfeffermann e Webb (1979PFEFFERMANN, Guy Pierre, e WEBB, Richard, (1979) “The Distribution of Income in Brazil”, World Bank Staff Working Paper N. 356. ).

O agravamento da desigualdade de rendas é certamente provocado por vários fenômenos, como a variação da estrutura de emprego ocasionada pela internacionalização da produção e pela mudança das condições de emprego no mercado agrícola, pelo crescimento demasiadamente rápido das cidades e do setor informal, mas também por um forte aumento das diferenças entre as taxas salariais. Bacha e Taylor, examinando o conjunto das causas invocadas, refutam o argumento de uma mudança da estrutura de qualificação do emprego e consideram como causa principal a política de compressão salarial, aplicada com grande severidade aos salários mais baixos (ver também Wells, 1977WELLS, John, (1977) “The Diffusion of Durables in Brazil and its Implications for Recent Controversies Concerning Brazilian Development”, Cambridge Journal of Economics, Vol. I, pp. 259-279. ). Poder-se-á notar a este respeito a evolução do salário-mínimo legal que, em termos reais, diminuiu entre 1964 e 1974, e ainda os resultados de uma pesquisa sobre a evolução das rendas por categoria de qualificação, espelhada no Quadro 1. Observa-se uma queda de 1,3% ao ano das rendas reais dos empregados não qualificados, entre 1966 e 1972, ao mesmo tempo que ocorre uma alta de 3,1% para a mão-de-obra qualificada e de 7 ,2% para os executivos (e até de 11% para os responsáveis pela produção de mais elevado nível educacional).

1.2 - O Mecanismo do Crescimento Desigualitário

A tese que se defende neste artigo é de que estes dois movimentos desigualitários, a divergência entre os setores prioritários e os demais setores de produção, e as divergências entre as taxas de salário, estão estruturalmente unidos. Estruturalmente unidos significa aqui o oposto a uma simples correlação fortuita efetivamente observável ao longo do tempo. Em consequência, nós buscaremos os mecanismos ligando efetivamente a política de investimento (quer dizer, a escolha dos setores prioritários) e a desigualdade das rendas.

Os primeiros que desenvolveram a análise destes mecanismos de crescimento não igualitário foram Samir Amin e Celso Furtado.

Celso Furtado, criticando o modelo de desenvolvimento do Brasil dos anos 60, tratou de demonstrar as consequências de ordem tecnológica de uma industrialização baseada na demanda interna de uma elite, que exigiu um tipo de bens e uma qualidade de produtos como os dos países já· industrializados (ver Furtado, 1973, e 1976, pp. 202-207). A elevação do coeficiente de capital, a diminuta criação de empregos e a concentração de rendas andam em concomitância com este tipo de crescimento.

A este ligame entre produção e renda, por intermédio da tecnologia, acrescenta-se hoje o que passa pelo consumo. A estrutura das rendas é tal que uma minoria relativamente pequena goza de um nível de vida elevado, comparável ao da população dos países desenvolvidos do centro, enquanto uma massa importante da população, vivendo quer do setor tradicional quer de empregos não qualificados e mal remunerados do setor moderno, continua muito pobre. Desta forma, os bens produzidos pelo setor industrial moderno são destinados a ser consumidos apenas por esta minoria, ou pela população do centro (para os bens que são exportados). A parte principal do poder de compra (da “capacidade de consumo”, Samir Amin) encontra-se em mãos de uma minoria no interior do país, ou no estrangeiro. Ao mesmo tempo, a origem dos investimentos (que definem a “capacidade de produzir”) provém da poupança deste mesmo pequeno grupo privilegiado e também do exterior. Vê-se, assim, que um desenvolvimento máximo do setor industrial terá lugar para remunerar fortemente a minoria privilegiada, tendo um mínimo de “perda”, através da remuneração do trabalho não qualificado. O salário aparece apenas, nesta economia, como “custo” para a indústria (Samir Amin, 1973, pp. 165, 168). Amin caracterizara esta situação, onde os efeitos multiplicadores esperados são pouco eficazes, com o termo de “desarticulação”.

A esta situação, própria dos países subdesenvolvidos, Samir Amin oporá as economias articuladas do centro. Nestes países, os salários representam a grande massa das rendas. Eles são geradores da maior parte da demanda final interior, essencial ao desenvolvimento industrial. Em consequência, as taxas de salário são obrigadas a crescer ao mesmo ritmo que a produtividade do trabalho. Samir Amin vê nesta estrutura, que certamente foi vigente durante o grande período de expansão das economias centrais no após guerra e até o fim dos anos 60, a base de um “contrato social” entre capitalistas e assalariados. A crise econômica que grassa desde há alguns anos e os golpes diferenciados que ela assesta sobre os diferentes grupos socioeconômicos demonstram, por sua vez, a precariedade deste contrato social.

Precisando o conceito de desarticulação de Amin, A. de Janvry chamou de “desarticulação social” essa dissociação entre a remuneração do trabalho e o consumo de bens dos setores dinâmicos da economia. Ela explica que o crescimento destes setores não corresponde a um crescimento do consumo para a maioria da população.

Desde então, procedeu-se a análises empíricas bastante detalhadas sobre os diferentes países da América Latina, análises que ilustram a disparidade da estrutura de consumo das diferentes classes sociais e as confrontam com a estrutura de crescimento industrial setorial (ver notadamente Nora Lustig, 1979LUSTIG, Nora, (1979) “Distribución del Ingreso, Estructura del Consumo y Características del Crecimiento Industrial”, Commercio Exterior 29, N.5, pp. 535-543. , Jorge Graciarena, 1976GRACIARENA, Jorge, (1976) “Types of Income Concentration and Political Styles in Latin America”, CEPAL Review, 2o.semestre. , e Anibal Pinto, 1976PINTO, Anibal, (1976) “Styles of Development in Latin America”, CEPAL Review , 1o. semestre. ). Estes estudos, muito interessantes de um ponto de vista empírico, são, no entanto, insuficientes de um ponto de vista teórico, na medida em que negligenciam os efeitos secundários. Para levar estes efeitos em consideração, é essencial estudar as propriedades da globalização (?) da economia, o que se pode fazer apenas através de modelos formalizados.

A primeira formalização do mecanismo do crescimento desigualitário, engendrado pela situação de desarticulação social, é apresentada no modelo BELINDIA, de Taylor e Bacha (1976TAYLOR, Lance, e BACHA, Edmar, (1976) “The Unequilizing Spiral: A First Growth Model for Belindia”, Quarterly Journal of Economics, Vol. 90, N. 2. ). Este modelo examina um arquétipo de economia subdesenvolvida, esquematizado por 3 setores produzindo respectivamente bens de consumo de massa, bens de consumo durável e de luxo e bens de capital, bem como 2 categorias de mão-de-obra, ou seja, a mão-de-obra não qualificada e a dos quadros dirigentes. Apesar da hipótese contestável de inter-substituição entre categorias de emprego (ver Sadoulet, 1983SADOULET, Elisabeth, 1983: Croissance inegalitaire dans une économie sous-développée, Genêve, Editions Droz. ), esse modelo ilustra de maneira brilhante o caso de um processo de crescimento rápido do setor dinâmico e do emprego qualificado, seguido de um crescimento bastante mais lento, ou de uma estagnação relativa do setor de bens de consumo de massa e do emprego não qualificado, nos setores modernos. Isto se deve fundamentalmente à política de investimentos que o modelo supõe: ela é conduzida em função do crescimento do setor dinâmico dos bens de luxo e de uma distribuição social da renda de tal ordem que o consumo de bens de luxo e a poupança provêm do mesmo grupo privilegiado da mão-de-obra qualificada.

Ainda que modelos deste tipo sejam extremamente elucidativos, é apenas através de modelos multissetoriais mais realistas e quantificados, como o que um pouco mais adiante apresentaremos, que a teoria e as análises empíricas podem ser comparadas de maneira rigorosa. Nesses modelos, são tomados em consideração os efeitos de arrasto entre setores provenientes dos consumos intermédios, o crescimento das rendas proveniente do aumento de empregos em todos os setores, e o efeito negativo do aumento dos salários sobre a produção, em consequência do aumento de preços que provoca.

1.3 - Heterogeneidade da Estrutura de Consumo

Antes de descrever de maneira detalhada um modelo desta espécie, para o Brasil por volta do ano de 1970, mostraremos que existe uma forte heterogeneidade das estruturas de consumo das diferentes classes de renda.

Se considerarmos o consumo final dos diferentes bens por classe de renda (Quadro 2), na tabela de desagregação utilizada pela publicação do IBGE de 1970 fornecendo as matrizes input-output, é possível reconhecer bens nitidamente destinados à classe rica e outros nitidamente destinados à classe pobre. Desta forma, quase a metade do consumo total de feijão, arroz e farináceos é destinada à primeira classe de renda, enquanto lhe são imputáveis 2% das despesas de automóveis.

Quadro 2:
Consumo final por classe de renda

Para visualizar esses resultados, nós transportamos ao Gráfico 1 as proporções do consumo de cada um dos bens destinados às classes extremas 1 (as mais pobres) e 4 (as mais ricas). O fato de se ordenarem os pontos de maneira assaz regular sobre uma curva sugere que a estrutura de destinação de um bem pode efetivamente ser caracterizada por um qualificativo único, contínuo. Generaliza-se, desta maneira, a distinção bimodal de bens de massa-bens de luxo, ordenando-se os bens partindo dos menos luxuosos (ou seja, essencialmente destinados aos mais pobres) aos mais luxuosos (essencialmente destinados aos mais ricos).

GRÁFICO 1:
Origem do consumo final Destinação dos bens de consumo

É possível passar destes vetores de demanda final dos bens de consumo à demanda final por setor de produção, através da matriz de partes do mercado. Define-se, desta forma, a demanda total para os bens de um setor como sendo a soma da demanda final e do consumo intermediário necessário associado, sob a hipótese de divisibilidade do processo de produção,

1 - A - 1 D Q k k = 1 , , K

  • onde A é a matriz dos coeficientes técnicos das trocas interlndustriais;

  • D a matriz das partes de mercado, que indica a origem, por setor, de cada um dos bens;

  • Qk o vetor da demanda por bem da classe k.

A origem por classe do consumo privado total, definida desta forma, é estabelecida no Quadro 3, através de uma agregação da produção em 30 setores.

Quadro 3:
Demanda privada total e origem por classe

Podemos ver neste quadro a parte das duas classes mais ricas no total da demanda privada. Encontramos, desta forma, mesmo a este nível de agregação, setores cuja produção está nitidamente dirigida ao consumo dos mais ricos (material elétrico, material de transporte, bebidas, edição, comunicação), e outros que produzem para as grandes massas (agricultura, alimentação, serviços de transporte, drogaria e perfumaria, água e eletricidade).

Nos casos mais extremos, para o setor de material de transporte, por exemplo, 84% da demanda total provêm das duas classes mais ricas, que representam menos de 10% da população; na proporção inversa, 36% da demanda privada do setor de alimentação provêm dessas mesmas classes.

2. UM MODELO COM 6 CLASSES DE RENDA E 30 SETORES, PARA O BRASIL DOS ANOS 70

2.1 - O Quadro Geral

Produção e renda estão ligadas de duas maneiras:

  • - de uma parte, pela simples distribuição das rendas primárias, de salários que cabem às diferentes classes socioprofissionais, das rendas do capital, que, em consequência, devem ser especificadas;

  • - de outro lado, através da estrutura de consumo privado. Uma função não linear da renda real foi escolhida, os preços considerados são os preços-custos de produção.

Com o objetivo de isolar os fenômenos desigualitários gerados pela ausência de mecanismos de arrasto eficazes, ao nível dos salários e do consumo, negligenciamos todas as variações de tecnologia e os constrangimentos sobre os fatores de produção. As despesas de governo e do mundo exterior são aqui consideradas como exógenas. Construímos, assim, um modelo estatístico do tipo bem conhecido de Leontief, que determina para um dado investimento a relação entre estrutura de produção e distribuição da renda.

Para que se possa construir um modelo dinâmico, é preciso especificar uma condição de fechamento do modelo, que determinará de maneira crítica, como mostraram Taylor e Lysy (1979), a evolução prevista da economia. Segundo o espírito da discussão do parágrafo 2, supomos que a escala de prioridade é bem estabelecida entre os diferentes setores da atividade produtora. No nosso modelo, nós nos utilizamos para este efeito da alocação do investimento total, ele próprio determinado pela poupança entre os diferentes setores da economia. Esta política de investimento dá origem, então, a uma estrutura definida de crescimento para os diferentes setores. E o equilíbrio dos bens no mercado exige uma distribuição de salários bem específica, que, segundo as escolhas e a situação inicial, poderá evoluir em direção a uma maior ou menor igualdade nas rendas.

Em consequência, o nosso modelo é estabelecido pela oferta. Um modelo de corte keynesiano, onde a demanda seria preponderante, produziria uma relação diferente entre produção e salários (ver Sadoulet, 1974).

2.2 - O Modelo

As equações do modelo estão apresentadas no Anexo 1. O parágrafo a seguir fornece os traços principais e a lógica dessas equações.

Relações estáticas

Consideramos S setores de produção s e K categorias socioprofissionais de emprego, caracterizadas pelas rendas individuais homogêneas Wk (salários dos empregados ou rendas dos independentes).

A produção X, de cada um dos setores é medida em volume, aos preços do ano-base. Para os setores não agrícolas, o emprego da classe de salário k é determinado por um coeficiente de emprego constante. O emprego agrícola, que inclui, segundo as estatísticas disponíveis, toda a população ativa neste setor, será considerado como constante.

O índice de preços do valor acrescido de cada setor é função das taxas de salário e dos custos unitários não salariais (remuneração do capital, lucros distribuídos e reinvestidos). Na ausência de um modelo de formação desses custos não salariais, nós os consideramos constantes. Os índices dos preços setoriais são deduzidos, acrescentando-se os preços dos bens intermediários consumidos e, em seguida, os índices de preço dos bens de consumo, considerando-se que a participação no mercado dos diferentes setores na produção de um bem mantém-se constante em volume.

Quanto à formação das rendas familiares, associar-se-á a cada classe de renda individual uma classe de renda familiar e de consumo. Desta forma, todas as rendas individuais de uma mesma família são originárias de uma mesma classe de renda, o que supõe uma certa homogeneidade na qualificação profissional dos diferentes membros desta família. Esta hipótese, muito simplificadora, justifica-se quando as categorias de emprego são pouco numerosas e, consequentemente, é possível associá-las às das grandes categorias socioprofissionais bem diferenciadas. No estudo empírico que se segue, são consideradas duas classes de rendas agrícolas e quatro classes não agrícolas.

Além das rendas do trabalho, provenientes dos setores produtivos, as rendas de cada classe compreendem duas categorias de salários: os salários dos empregados domésticos e os dos funcionários, e rendas não salariais, denominadas a seguir lucros distribuídos, provenientes dos setores de produção.

Ainda que os mecanismos de determinação e de distribuição desses lucros sejam mal conhecidos, não há dúvida alguma sobre a sua importância global. Com efeito, no caso do Brasil, a mera comparação do consumo privado total com a massa das rendas do trabalho (salários mais rendas dos independentes), tal como é avaliada no censo, sugere que estes lucros distribuídos se elevam globalmente a cerca de 30% das rendas familiares e que, em sua maior parte, são eles destinados às classes abastadas (Figueiredo e de Bragança, 1982FIGUEIREDO, José Bernardo B. e de BRAGANÇA, Sérgio L., 1982: “Contabilidade Social e Distribuição de Rendimentos”, Revista de Econometria, Vol. 2, N. 1. ). Na ausência de um estudo específico sobre a sua determinação, nós suporemos que, para cada setor de produção, o lucro pago a uma classe de renda dada é proporcional à massa das rendas do trabalho, distribuídas a esta mesma classe. Isto é o mesmo que dizer que os capitalistas são em parte os executivos das empresas e que eles têm poder suficiente para manter as suas rendas alinhadas sobre os salários desta categoria.

O consumo per capita em volume agregado em N bens é então determinado por uma função da renda real per capita. O índice médio de preços utilizado para deflacionar a renda nominal é um índice do tipo Laspeyres, calculado para cada uma das classes de renda; ele depende, portanto, da estrutura de consumo própria a cada classe.

Ao fim das substituições das funções de preço e de emprego, o vetor Q* do consumo privado por bem depende dos vetores de produção X e de salário w, ou seja:

Q * = Q * X , w (1)

A demanda de bens de capital I* será determinada pelo conjunto das equações dinâmicas. Considera-se, enfim, que todas as outras demandas finais, consumo do governo e exportações, são exógenas, ou seja Oex é o vetor desta demanda final exógena.

O equilíbrio dos bens no mercado fecha o sistema de equações estáticas deste modelo, ou seja:

X = X Q * , I * , Q e x (2)

Às equações (1) e (2), entre as variáveis X (dim. de S), w (dim. de K), Q* e I* (dim. de N), K + N relações suplementares serão acrescentadas, através de relações dinâmicas: elas constituirão o fluxo do modelo e permitirão a sua solução completa.

Relações dinâmicas

Recordamos que nós consideramos que uma política econômica se caracteriza pela escolha das prioridades setoriais através da alocação dos investimentos. A poupança total, quer dizer, a capacidade financeira de investimento é determinada pela estrutura das rendas na economia, dividida entre rendas do Estado, das empresas e das famílias, e da distribuição no seio deste último grupo. Mas a alocação do investimento total I entre os diferentes setores da produção, traduzida no modelo pelos coeficientes h, é um dado exógeno, reflexo da política econômica.

I s = h s I s = 1 , , S (3)

A dedução das variáveis e equações deste modelo nos deixa ao menos K graus de liberdade para esta política de alocação dos investimentos entre os S setores, ou seja, K relações independentes entre os hs.

A demanda de bens de capital I* está diretamente ligada ao investimento por setor de utilização, através das matrizes de coeficientes de capital.

O crescimento da produção de cada setor passa a ser função deste investimento 18 pela relação habitual, que supõe a plena utilização da capacidade de produção.

A escolha desta regra de fechamento exige alguns comentários. Em uma economia real, o autor da política de investimento não é único e a alocação não reflete uma decisão específica de um órgão ou do Estado, mas sim uma escolha de fato do conjunto dos investidores e do Estado. Por outro lado, além da alocação do investimento público, o Estado dispõe do sistema de crédito, de taxação e de incentivos diversos, como instrumentos de política econômica. A modelização destes comportamentos afetaria as últimas relações, mas não a lógica do modelo em si.

Desta forma, o sistema dinâmico totaliza K + N + 2S relações, na medida em que 2S novas variáveis (vetores h e 1) foram introduzidas.

2.3 - A Solução Diferencial do Modelo

A solução deste modelo leva a um sistema de equações diferenciais que, em princípio, permitem determinar a evolução temporal da produção dos setores e das rendas individuais. No entanto, mesmo sem solucionar completamente o modelo, é interessante e relativamente fácil estudar a relação entre as taxas de crescimento da produção e das rendas. A derivação dos sistemas (1) e (2) resulta, com efeito, em uma relação do tipo:

d L o g X d t = M d L o g w d t + N d I d t + P d Q e x d t (4)

A análise desta expressão diferencial já é suficiente para o objeto do nosso estudo.

Em particular, ela permite isolarem-se três causas do crescimento setorial: o crescimento devido à variação das taxas de salário, por intermédio do consumo privado, o crescimento devido à variação da demanda final exógena e o crescimento devido ao aumento da demanda de bens de capital, por intermédio da poupança, ela própria função da produção e das taxas de salário. Este último efeito, portanto, não é independente, posto que está ligado aos dois outros.

A fim de aliviar o nosso estudo empírico, faremos, por outro lado, as seguintes aproximações: na medida em que nos interessamos pela relação entre a estrutura das taxas de crescimento da produção setorial e a estrutura das taxas de crescimento dos salários, nós negligenciamos os efeitos provocados pelos dois últimos termos.

  • - Para o termo dQex/dt, é parte do espírito do nosso estudo não considerar as diferenças do seu impacto sobre cada setor, ainda que, em uma economia concreta, este fenômeno possa ser importante. Tomaremos, assim, por X o vetor de produção relativo à demanda interna.

  • - Para o termo dI/td, notamos primeiro que, no caso de um modelo de consumo linear e da ausência de demanda exógena, ele não tem efeito diferenciado sobre os diferentes setores.

Por outro lado, se a maior parte da poupança provém dos lucros não distribuídos, uma variação da desigualdade das taxas de salário, tal como nós a consideramos na nossa análise, variação que deixa quase intocada a massa salarial, não afetará senão pouquíssimo a poupança.

Em consequência, o erro cometido negligenciando-se o termo em dl/dt não será muito importante.

Obteremos, assim, a relação:

d L o g X d t = M d L o g w d t

Nas matrizes M (cuja expressão exata é dada no Anexo I) estão incluídos os diferentes efeitos que a variação das taxas de salário tem sobre este sistema econômico e, logo, sobre a produção, seja o efeito diretode um aumento dos salários sobre as rendas das diferentes classes e, consequentemente, sobre o consumo, o efeito de um aumento dos salários sobre os preços e o impacto geralmente negativo sobre o consumo e a demanda final, e, finalmente, o efeito de ordem secundária de uma variação de salários sobre as rendas, devida às variações induzidas do emprego.

A mensuração deste último efeito é particularmente interessante. Trata-se de um efeito indireto, geralmente corretivo da desigualdade, considerado como um dos mais importantes dentre as recorrências positivas do crescimento (trickle-down effects), ou crescimento das rendas através do crescimento do emprego. É de notar, todavia, que esta variação do emprego, deduzida do nosso modelo, não leva em conta o encaminhar-se para tecnologias cada vez mais intensas em capital e em mão-de-obra qualificada, fazendo com que, desta maneira, o efeito redistribuidor seja seguramente superestimado.

A presença da matriz input-output na expressão de M traduz, finalmente, os efeitos de arrasto entre setores, produzidos pelos consumos intermediários para a produção.

Note-se que, tal como está escrita, a equação (5) parece implicar um falso direcionamento de causalidade. No nosso modelo, determinado pela oferta, as prioridades econômicas determinam o valor dlogX/dt das taxas de crescimento da produção e as taxas de salário devem variar para satisfazer o equilíbrio dos bens no mercado, segundo uma relação inversa àquela que está especificada em (5).

2.4 - Resultados Empíricos para o Brasil do Ano de 1970

Tal como explicamos na seção 1, o Brasil dos anos do “milagre econômico” representa um bom exemplo de crescimento desigualitário e tentamos aplicar-lhe o nosso modelo, tomando como base o ano de 1970. Consideramos, tendo em vista as fontes disponíveis, uma agregação simplificada em 6 classes socioprofissionais (2 agrícolas e 4 não-agrícolas), que assimilaremos às 6 classes de renda familiar definidas no Quadro 4.

Quadro 4:
Definição das classes de renda familiar

As fontes dos dados

A matriz A dos coeficientes de trocas industriais é calculada com as matrizes de parcelas de mercado D e de consumos intermediários, publicados pelo IBGE, em 1979. Todas as trocas são mensuradas pelo preço-base de 1970. O nível de agregação inicial é o da nomenclatura brasileira nos setores de 4 números, ou seja, 87 setores.

O cálculo do emprego total e do valor agregado por setor foi baseado na mesma fonte.

A parte mais difícil foi determinar como este valor agregado era distribuído entre os diferentes setores: remuneração do trabalho, salários, renda da propriedade, renda dos autônomos, remuneração do capital .... e a divisão destas rendas distribuídas entre as diferentes classes de renda. Para determinar os coeficientes de emprego, foram utilizadas cinco fontes de informação que muitas vezes fornecem informações incompatíveis: a matriz input-output, o censo demográfico de 1970, o censo industrial de 1970, uma pesquisa sobre os salários na indústria e uma pesquisa do Ministério do Trabalho sobre empregos e salários, ambas publicadas no Anuário Estatístico de 1972.

Para cada um dos 30 setores, foi escolhida a fonte de informação considerada a mais segura:

  • - para a agricultura e o comércio, utilizamos o censo;

  • - para os setores industriais, foi utilizada a pesquisa sobre os salários na indústria;

  • - para os serviços, ficamos com os números da pesquisa do Ministério do Trabalho;

  • - finalmente, para a mineração, as companhias de distribuição de energia e a indústria de construção, o emprego total e o salário médio foram baseados na matriz input-output e na distribuição da renda segundo o censo demográfico, no primeiro caso, e a distribuição no setor metalúrgico, nos dois outros.

A esses salários, é necessário acrescentar as rendas não salariais, que nós supusemos serem proporcionais às rendas salariais e, em consequência, ao valor agregado. Tendo em vista não existir qualquer informação oficial a este respeito, que fosse do nosso conhecimento, utilizamos os coeficientes de proporcionalidade ao valor agregado utilizados por Taylor e Lysy (1980TAYLOR, Lance, BACHA, Edmar, CARDOSO, Eliana A e LYSY, Frank J., (1980) Models of Growth and Distribution for Brazil, New York, Oxford University Press. ). Para as comunicações, os serviços financeiros e os serviços, nós supusemos que 12% do valor agregado eram alocados às rendas não salariais. Tal como Taylor e Lysy, atribuímos estas rendas à classe de renda mais alta, salvo para o comércio, onde 76% foram atribuídos à classe de renda média (cl. 4).

Os resultados dessas estimativas estão tabelados no Quadro 5. Um controle a posteriori da coerência desses valores provém do fato de corresponder a distribuição da renda familiar construída dessa forma com a do censo.

QUADRO 5
DISTRIBUIÇÃO DAS RENDAS PRIMÁRIAS POR SETOR

Os parâmetros das funções de consumo foram estimados utilizando-se os dados de consumo que são publicados como demanda final, à margem da matriz de fluxos intersetoriais - (IBGE, 1979). A passagem dos consumos por classe ao consumo per capita foi efetuada utilizando-se as populações por classe de renda, da pesquisa do PNAD (IBGE, 1972).

A matriz de impacto diferencial dos salários sobre a produção

Tendo assim determinado todos os coeficientes necessários, tornou-se possível calcular os elementos da matriz de elasticidade (5), que mede o impacto diferencial dos salários sobre a produção. Ela é dada no Quadro 6.

QUADRO 6
ELASTICIDADE DA PRODUÇÃO COM RELAÇÃO AOS SALÁRIOS E À DESIGUALDADE DE SALÁRIO

Desta forma, consideremos, por exemplo, o setor “bens de transporte”. A elasticidade da produção em relação ao salário mais elevado w 6 é de 1,39, enquanto as elasticidades em relação a todos os outros salários são pequenas ou negativas. Isto indica que apenas o grupo de população de mais elevada renda atingiu um nível suficiente de consumo destes bens. Por outro lado, as elasticidades da indústria de alimentos não variam muito segundo os grupos.

Esta análise que, repetimos novamente, compreende os efeitos diretos e indiretos confirma as observações feitas, com base apenas no efeito direto, no parágrafo 2.3. Aliás, é possível (Sadoulet, 1984SADOULET, Elisabeth, (1984) “Investment Priorities and Income Distribution, The Case of Brazil in 1970”, Cahier du Département d’Econométrie, N. 84-02. Université Genève. ), fixando-se em zero as derivadas parciais da renda em relação ao emprego, na matriz M da equação (5), suprimir o efeito emprego e estudar separadamente os efeitos da renda direta, sempre positivos, e os efeitos preço, que, por sua vez, são sempre negativos.

3. ANALISE GLOBAL DA ESTRUTURA DAS RELAÇÕES ENTRE SALÁRIOS E CRESCIMENTO SETORIAL DA PRODUÇÃO - DESARTICULAÇÃO SOCIAL

Infelizmente, a estrutura de uma tal matriz é complexa e não apresenta uma regularidade muito aparente, que permita uma análise global. Especificamente, será possível caracterizar o grau de desarticulação social do Brasil, a partir da matriz do Quadro 6?

3.1 - O caso de um modelo com dois setores

O estudo de um modelo simplificado, com dois setores e duas classes de renda vai permitir uma primeira formalização do conceito de desarticulação social, que será, em seguida, generalizada para o modelo multissetorial. Neste modelo (descrição no anexo 2), notaremos X2 o setor prioritário e X1 o setor não prioritário, wM o salário dos executivos ou empregados qualificados e WL o salário da mão-de-obra não qualificada. O modelo perfeitamente similar ao modelo multissetorial, contendo, no entanto, simplificações ao nível da formação das rendas e da função de consumo.

A solução do modelo produz uma relação matricial análoga ao sistema (5), do qual se pode tirar, no caso particular com duas dimensões, a relação entre as taxas de crescimento das relações X2 /X1 (medida da disparidade entre as taxas de crescimento dos dois setores) e wMfwL (medida do crescimento da desigualdade das rendas), ou seja:

d log w M / w L d t = d log X 2 / X 1 d t H - 1 ou H = L o g X 2 / X 1 L o g w M / w L

Cada um dos dois termos sendo apenas função de wM /wL e da variável exógena wL, a evolução da desigualdade não mais depende do nível de atividade da economia.

Vê-se sobre esta última desigualdade que, se H é positivo, as taxas de crescimento de X2 /X1 e wM/wL são do mesmo signo. Isto quer dizer que uma política de investimentos que favoreça suficientemente o crescimento relativo do setor 2, em relação ao crescimento do setor 1, provocará um aumento da desigualdade das rendas.

De Janvry e Sadoulet (1983SADOULET, Elisabeth, 1983: Croissance inegalitaire dans une économie sous-développée, Genêve, Editions Droz. ) propuseram que se defina formalmente a desarticulação social de uma economia com dois setores como a condição sob a qual a elasticidade H é positiva.

No modelo estudado, esta condição é independente do nível de atividade da economia e independente do processo de crescimento definido nas equações dinâmicas do modelo. A expressão funcional é de tipo hiperbólico, fazendo aparecer explicitamente os parâmetros das funções de produção e de consumo e as taxas de salários. Neste sentido, a divisão da economia entre setor prioritário e setor não prioritário sendo estabelecida, a condição de desarticulação social aparece como uma condição estrutural da economia.

Esta relação pode ser ilustrada de maneira gráfica. Ela determina, no espaço das variáveis (wL, wM/wL, I) do modelo estático, uma região cilíndrica no eixo I, cuja projeção sobre o plano (wL, wM/wL) é dada no Gráfico 2.

Gráfico 2:
Região de desarticulação social no espaço dos salários

Esta região é, em consequência, caracterizada por uma relação sobre o nível de renda da mão-de-obra não qualificada e a desigualdade das rendas entre esta categoria de mão-de-obra e a outra classe social, os executivos.

Desta maneira, para os salários mais elevados, w1 maior, o fenômeno de desarticulação social aparece apenas a um nível de desigualdade wMfWL mais elevado. Os países onde os salários são mais elevados poderiam tolerar um nível de desigualdade maior, sem cair em condições de desarticulação social.

3.2 - Generalização da Condição de Desarticulação Social com Vários Setores e Várias Classes de Renda

  • - Em um modelo desagregado, tal como o que apresentamos na seção 2, o estabelecimento das condições de desarticulação social supõe uma definição precisa· do conceito de desigualdade dos salários, a generalização dos qualificativos dicotômicos do setor prioritário e do setor não prioritário e um critério que estabeleça se existe ou não coincidência entre os setores favorecidos por um aumento da desigualdade de rendas e a prioridade que lhes é conferida na política econômica.

A medida da desigualdade dos salários utilizada é o coeficiente de variação:

i = σ w / w

onde w é uma média ponderada1 1 Definido por ∑∂Rk/ ∂wk L constante (Wk - w) = 0 dos salários wk e  (w) o afastamento de tipo correspondente. Trata-se, portanto, de uma medida da desigualdade relativa dos salários, que não é mudada por um crescimento geral dos salários a uma taxa constante.

Por outro lado, o movimento dos salários provocará, em geral, ao mesmo tempo que uma variação da desigualdade, uma variação da média e de todos os outros parâmetros da distribuição. Para avaliar-se melhor a importância do parâmetro de desigualdade, impomos uma lei muito simples de variação aos salários, obrigando-os a uma similitude em torno do nível de referência dado. É possível demonstrar2 2 Toda lei, dwk-w~=awk-w~ onde a é uma constante independente de k, pode escrever-se dwk-w~=wk-w~di/i+c'wk, onde c é uma constante independente de k. que este pode sempre se decompor na soma de uma similitude em volta do salário médio w (deixando constante o salário médio) e de uma taxa de crescimento constante (deixando o parâmetro de desigualdade i constante).

Uma vez definida esta lei de variação dos salários, é possível calcular uma elasticidade da produção de cada setor s, em relação ao parâmetro i de desigualdade relativa de salário ∂logXs/∂Logi.

  • - A generalização do conceito de desarticulação em uma economia de S setores supõe que seja de antemão definida uma escala de prioridade entre os setores, segundo a opção de política econômica. Introduziremos, em consequência, um indicador Cs.

  • - Dir-se-á que existe desarticulação social quando existir uma correspondência entre os dois indicadores logXs/Logi, taxa de crescimento induzida por uma variação da desigualdade, e Cs. O indicador estatístico desta correspondência que utilizamos é o coeficiente de correlação linear3 3 As diferentes observações serão ponderadas pelo valor agregado do setor correspondente, a fim de tornar este indicador invariável, na agregação de dois setores de comportamento idêntico. entre esses valores.

3.3 - A Medida da Desarticulação Social no Brasil, por Volta de 1970

A coluna INEQ da matriz de elasticidade, obtida fazendo-se variar os salários conjuntamente, segundo a lei enunciada em 3.2., é a da elasticidade da produção em relação à desigualdade dos salários. Ela resume as colunas precedentes.

Três setores têm uma elasticidade negativa: a indústria de alimentos, a agricultura e a energia. Logo, observamos que, para esses setores, um crescimento da desigualdade provoca uma queda da produção. Lembremos que um crescimento da desigualdade é obtido por uma similitude das taxas de salários em volta de um salário fixo, calculado de maneira a que a renda global permaneça constante, logo, incluindo uma queda dos salários baixos concomitante a uma elevação dos salários elevados. As rendas não salariais das classes 4, para o comércio, e 6, para todos os outros setores, aumentam também. Desta forma, é a queda das rendas das classes mais pobres, que, na ausência de um aumento geral da renda global da população, produz a baixa da produção destes setores.

Opostamente, os setores mais favorecidos são aqueles de mais forte elasticidade positiva, ou seja, material de transporte (automóveis), móveis e comunicação.

Esta variação da desigualdade provoca, por outro lado, uma queda geral dos preços, logo, um crescimento da produção. Observa-se, então, que o efeito sobre a produção total é positivo, embora fraco, com uma elasticidade de 0,37.

Esta análise faz, em consequência, aparecer nitidamente uma hierarquia entre os setores, segundo o impacto da desigualdade das taxas de salário sobre o seu crescimento. Existe desarticulação social se a hierarquia de prioridade dos setores é a mesma na política econômica. Calculado sobre os 20 setores para os quais temos um índice de prioridade, o coeficiente de correlação é igual a .69.

Em consequência, a análise empírica confirma que são os setores prioritários que, principalmente, são beneficiários da desigualdade, bem como confirma que existe desarticulação social.

CONCLUSÃO

Nós propusemos, neste artigo, uma formulação das relações entre a distribuição das rendas e a política de investimentos. O mecanismo de base em uma economia determinada pela oferta, como é o caso, nós pensamos, em muitos países em vias de desenvolvimento, é a política de investimentos que, favorecendo certos setores, torna necessária, para que haja um equilíbrio dos bens no mercado, uma estrutura definida de consumo e, logo, uma distribuição das rendas que lhe dê origem. Sob certas condições, ditas de desarticulação social, o consumo dos bens produzidos pelos setores prioritários emana essencialmente das classes mais ricas e os salários da maioria da população constituem-se meramente em um custo para esta produção.

A formulação proposta leva à construção de uma matriz de elasticidade que meça o impacto diferencial de um aumento dos salários das diferentes classes sobre a produção dos diferentes setores (ou investimentos). A estrutura de solução é suficientemente geral para poder incluir, em caso de necessidade, os efeitos negligenciados na nossa análise, como os do impacto diferencial da poupança, do comércio exterior ou da oscilação tecnológica, assim como para abranger funções mais realistas de consumo ou de preço.

Mostramos, a partir do caso do Brasil, como um tal instrumento pode ser utilizado. Apesar das aproximações que fomos obrigados a fazer, ao nível dos dados, nós pudemos demonstrar que os efeitos indiretos, como a difusão dos efeitos multiplicadores entre setores através dos consumos intermediários e do aumento do emprego, e o efeito negativo do aumento dos preços não foram suficientes na situação do Brasil, para corrigir a forte heterogeneidade das estruturas do consumo das diferentes classes. Segundo uma lógica puramente econômica, nenhum efeito necessitaria, para perseguir as prioridades econômicas, de uma melhora na distribuição das rendas. Ao contrário, o Brasil daqueles anos constitui um caso assaz característico de “desarticulação social”, com uma forte correlação entre o crescimento de cada setor escolhido como indicador de prioridade e a elasticidade da produção correspondente em relação à desigualdade dos salários.

É claro que o nosso artigo deixa intocado o problema da definição de políticas que possam permitir uma rearticulação da economia, onde os efeitos de arrasto das rendas distribuídas fossem reinstaurados. É provável que uma tal política devesse, ao mesmo tempo, mudar as prioridades setoriais, para orientar os investimentos em direção aos setores produzindo os bens destinados à maioria, e mudar a distribuição das rendas, através da elevação dos salários mais baixos, de forma a que a grande massa da população pudesse ascender ao mercado de bens produzidos pelos setores prioritários. Não pudemos abordar aqui as limitações econômicas e políticas que poderiam restringir estes esforços de rearticulação. O que tivemos a intenção de mostrar neste estudo é que o debate sobre a desigualdade das rendas e sobre a política salarial não pode ser conduzido em separado do debate sobre as opções econômicas de produção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WORLD BANK, (1982) Brazil, A Review of Agricultural Policies.
  • 1
    Definido por ∑∂Rk/ ∂wk L constante (Wk - w) = 0
  • 2
    Toda lei, dwk-w~=awk-w~ onde a é uma constante independente de k, pode escrever-se dwk-w~=wk-w~di/i+c'wk, onde c é uma constante independente de k.
  • 3
    As diferentes observações serão ponderadas pelo valor agregado do setor correspondente, a fim de tornar este indicador invariável, na agregação de dois setores de comportamento idêntico.
  • *
    Este artigo e o resumo de um trabalho mais detalhado, escrito em francês por Sadoulet (1983), e retoma elementos de dois artigos já publicados em inglês (Janvry e Sadoulet, 1983de JANVRY, Alain e SADOULET, Elisabeth, (1983) “Social Articulation as a Condition for Equitable Growth”, Journal of Development Economics, Vol. 13, N. 3, pp. 275-303. e Sadoulet, 1984SADOULET, Elisabeth, (1984) “Investment Priorities and Income Distribution, The Case of Brazil in 1970”, Cahier du Département d’Econométrie, N. 84-02. Université Genève. ).
  • JEL Classification: O15; O41; J30.

ANEXO 1 MODELO MULTISSETORIAL

Consideramos S setores s, K categorias socioprofissionais k e N bens de consumo j.

l. Relações estáticas

EMPREGO

L k s = B k s X s s = 2 , , S k + 1 , , K L k l = L ¯ k l B k l = 0 k = 1 , , K

  • onde Xs é a produção de cada um dos setores mensurada em volume, aos preços do ano base.

  • Lks o emprego da classe de salário k pelo setor s

  • Bks o coeficiente de emprego constante

  • Lkl o emprego agrícola da classe k, constante.

PREÇOS

p s V A = Σ k B k s w k + t σ / Σ k B k s w k σ + t s σ S = 1 , , S p ' = p V A , 1 - A - 1 p * = p ' D

onde

  • psVA é o índice de preço do valor agregado do setor s

  • wk a renda individual ou taxa de salário da classe k

  • a variável do ano baseu

  • ts os custos unitários não salariais no ano base, no setor s

  • p o valor dos índices de preços de produção por setor (dimensão S)

  • p* o vetor dos índices de preços por bem (dimensão N)

  • A a matriz dos coeficientes de trocas industriais em volume

  • D a a matriz das partes de mercado em volume, matriz de origem dos bens por setor de produção

  • I a matriz unidade.

RENDAS

R k = w k L k + π k s + w k L k g + w d L k d π k s = π k s w k L k s r k = R k / N k

  • onde R k é a renda total da classe k

  • πks o lucro dado pelo setor s à classe de rendas

  • πks um coeficiente de proporcionalidade constante

  • Lkg o número de funcionários na classe de salário k

  • Lkd o nº de empreg. domésticos da classe k; esta quantidade não. existe salvo para a a classe de rendas não agrícolas mais baixas, à qual supõe-se pertencerem

  • todos os empregados domésticos

  • wd o salário médio dos empregados domésticos

  • rk a renda per capita da classe k

  • e Nk a população da classe k que se supõe constante.

CONSUMO

p ¯ k * = q j k σ p j * / j q j k σ L o g q j k = a j + b j L o g 1 - s k r k / p ¯ k * ) + c j L o g 2 1 - s k r k / p ¯ k * Q = Q j k = q j k N k j = 1 , , J k = 1 , , K Q * = Q u

onde

  • p¯k* é o índice de preço médio do consumo para a classe k

  • qjk o consumo per capita de bens j na classe k

  • sk a taxa de poupança da classe k

  • Q a matriz do consumo total por bem e por classe

  • Q* o vetor do consumo privado de todas as classes

  • u o vetor unitário.

O Equilíbrio dos bens no mercado escreve-se:

X = 1 - A - 1 D Q * + I * + Q e x

Estas equações representam um conjunto de n = KS + 2NK + 3S + 3K + N equações nas n + S + K variáveis endógenas L, pVA, p, p*, R, r, q, Q, X, I* e w e as variáveis exógenas. Resta a definir N + K relações, com o auxílio das equações dinâmicas.

2. Relações dinâmicas

I s = h s E / p i I = E / p i

  • onde Is é o investimento no setor s

  • I o investimento global

  • a poupança global;

  • e PI um índice de preço para os bens de capital

Podemos utilizar K dos S + K graus de liberdade, restando para determinar os h, através de K relações independentes:

F j h = 0 j * 1 , , K

O crescimento de cada setor é dado, então, por:

d L o g X s / d t = I s / Y s X s - δ s s = 1 , , S

  • onde γs é o coeficiente marginal de capital

  • e δs a taxa de depreciação do capital no setor s.

O vetor da demanda final para o investimento I* é ligado ao vetor I de investimento por setor, pela matriz Γ

I * = Γ I

Estas equações suplementares correspondem a N + 2S + K equações ao preço da introdução de 2S variáveis suplementares h e I. As variáveis E e pI são funções das variáveis de antemão definidas, mas a relação funcional exata não é necessária para a nossa análise.

3. Solução Diferencial do Modelo

Uma forma de resolver o modelo é diferenciando a equação do equilíbrio dos bens no mercado, o que se pode escrever:

d X x t = u ' B v e c Q r ' r L ' B d X x t + v e c Q r ' r w ' d w d t v e c Q p ' p w ' d w d t + B Γ h d E / p I d t + d Q e x d t

onde vecQ designa o vetor coluna, que contém sucessivamente todas as colunas da matriz Q

d E / p I d t = E / p I X ' d X d t E / p I w ' d w d t e B = 1 - A - 1 D

Também se pode escrever:

d L o g X d t = V X - 1 1 - ( u B v e c Q r ' r L ' B - 1 u ' B v e c Q r ' r w ' + v e c Q p ' p w ' v w d L o g w d t + B ( Γ h d E / p I d t + d Q e x d t (4’)

Combinando-se as relações:

d L o g X s d t = h s E / P I Y s X s - δ s e f h = 0

é possível, em princípio, resolver o modelo completamente e, em particular, determinar a evolução temporal da produção dos setores e dos ;;alários.

Negligenciando-se os termos em d(E/pI)/dt e em dQex/dt, obtemos então, a relação:

V X - 1 X w ' v w = v X - 1 1 - u ' B v e c Q r ' r L ' B - 1 u B v e c Q r ' r w ' v e c Q p ' p w ' v w (5’)

Esta expressão faz com que apareçam os diferentes efeitos que a variação das taxas de salários tem sobre este sistema econômico e, portanto, sobre a produção. O termo em ar/aw’ representa o efeito direto de um aumento dos salários sobre as rendas das diferentes classes e, em consequência, sobre o consumo; o termo em ap/aw’ mostra o efeito de um aumento dos salários sobre os preços e o impacto geralmente negativo (pois ∂vecQ/∂p’ será geralmente negativo) sobre o consumo e a demanda final. O termo em ar/aL’ traduz o efeito de segunda ordem de uma variação de salários sobre as rendas, em virtude de variações induzidas do emprego.

A presença da matriz B não unitária traduz, enfim, os efeitos multiplicadores entre os setores, para produção, através dos consumos intermediários.

ANEXO 2 MODELO COM DOIS SETORES

Consideramos dois setores, o segundo sendo o setor prioritário, e duas classes de salário, correspondentes aos empregos não qualificados e aos empregos qualificados ou de executivos. Notaremos L1, L2 o emprego não qualificado nos dois setores e M1, M2 o emprego qualificado. Sejam WL e WM os salários das duas categorias de empregos.

Cada um dos dois setores utiliza os três fatores de produção não substituíveis, a mão-de-obra não qualificada L, os executivos M, e o capital imobilizado K, nas proporções dadas. Queremos manter esta rigidez para isolar os fenômenos devidos ao consumo. Não consideramos, por ora, os consumos intermediários, e a produção total Xi do setor i é escrita:

X i = L i / α i = M i / B i = K i / Y i i = 1 , 2

Supor-se-á, como é natural em uma economia concreta de países subdesenvolvidos, que os parâmetros comprovam a condição:

α 1 B 2 - α 2 B 1 0

isto é, que a proporção de executivos no emprego total é maior no setor prioritário do que no outro setor.

Os preços são preços-custos de produção: compreendem a remuneração do trabalho as despesas de amortização do capital e uma margem dada por uma taxa constante ri:

P i = α i W L + B i w M + Y i σ i P K 1 + r i i = 1 , 2 P K = p 2

onde WL e WM são as taxas de salário da mão-de-obra L e dos executivos M, σi a taxa de depreciação do capital, PK o preço unitário do capital e, portanto, σi PK as despesas de amortização por unidade de capital imobilizado. O preço do capital PK é o dos bens do setor 2.

As taxas de poupança das rendas do trabalho, supomos, são constantes e iguais a sL e sM, respectivamente.

Para permitir uma solução mais fácil, simplificamos as funções de consumo e, no espírito da nossa análise, em que os setores não prioritários são os que produzem os bens de primeira necessidade, tomamos uma função de consumo com elasticidade constante inferior a 1, para determinar a demanda, em valor, dos bens do setor 1. A renda restante é alocada à demanda dos bens do setor 2:

q 1 k = a w k b / P 1 b 1 q 2 k = 1 - s k W k - a w k b / P 2 K = L , M

As rendas não salariais, supomos serem totalmente poupadas. A demanda final comporta o consumo privado dos dois grupos de assalariados, consumo ao qual é preciso acrescentar, para o setor 2, a demanda de bens de capital 1.

E = s L w L L + s M w M M + ( p 1 X 1 + p 2 X 2 - w L L - w M M Q 1 = a w L b L + a w M b M / P 1 Q 2 = ( 1 - s L w L L - a w L b L + 1 - s M w M M - a w M b M

Escreve-se a condição de equilíbrio dos bens no mercado:

X i = Q i i = 1 , 2

A política de investimentos traduz a preferência dada ao setor 2, considerado como o setor prioritário da economia. Isto é feito atribuindo-se lhe uma parte k2 do investimento suficientemente grande (a condição determinada na solução do modelo será de tipo k2/k1 superior a um limiar km). O crescimento de cada um dos dois setores de produção depende dos níveis de investimento Ii, segundo as fórmulas habituais:

I i = k i I k 1 + k 2 1 d K i / d t = I i - σ i K i i = 1 , 2

A solução do modelo proposto dá, para a evolução da desigualdade wM/wL:

d log w M / w L d t = d log X 2 / X 1 d t log X 2 / X 1 log w M / w L - 1

onde cada um dos dois termos é função apenas de wMfwL e da variável exógena WL. A evolução da desigualdade não depende, portanto, do nível de atividade.

A condição

L og X 2 / X 1 L og w M / w L 0

pode ser escrita:

F = w L 1 - b 1 + r 1 α 2 B 1 * ( w M / w L 1 - b + 1 - b B 1 * B 2 w M / w L - α 1 * B 2 b + + a b α 1 B 2 - α 2 B 1 0

onde a* e B* são funções dos parâmetros a, B, Y e r.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1985
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