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Os postulados (neo)clássicos do emprego e a determinação dos salários em Keynes

The (neo)classic postulates of employment and the determination of wages in Keynes

RESUMO

Este artigo trata da contribuição de Keynes na recuperação dos níveis de crescimento da renda e do emprego. Ao contrário da abordagem (neo)clássica, Keynes argumenta que o desemprego e a queda dos salários nominais não são necessários para a recuperação econômica. Mesmo com salários nominais fixos e custos primários crescentes, o crescimento econômico a curto prazo, via expansão efetiva da demanda, permite às empresas maximizar seus lucros através da redução do salário real causado pelo aumento do nível geral de preços. Na visão de Keynes, a incompatibilidade entre a manutenção do nível dos salários reais e a recuperação econômica de curto prazo decorre de sua reformulação crítica do princípio de retornos decrescentes, conforme declarado pela teoria (neo)clássica dos custos de produção e preços de fornecimento. No entanto, ainda na perspectiva keynesiana, essa incompatibilidade, se tomada como certa, não é uma solicitação teórica para a análise do crescimento econômico a longo prazo

PALAVRAS-CHAVE:
História do pensamento econômico; Keynes

ABSTRACT

This article deals with Keynes’ contribution on the recovering of the income and employment levels of growth. Contrary to the (neo)classical approach, Keynes argues that unemployment and the fall of nominal wages are not necessary to economic recovering. Even with fixed nominal wages and increasing primary costs, economic growth on the short run, via effective demand expansion, allows firms to maximize their profits through the reduction of the real wage caused by the increase of general price level. On Keynes’ view, the incompatibility between the sustaining of real wage level and the short run economic recovering arises from his critical reformulation of the principle of decreasing returns, as stated by the (neo)classical theory of production costs and supply prices. However, still in a Keynesian perspective, this incompatibility, if taken for granted, it is not a theoretical request for the analysis of economic growth on the long run.

KEYWORDS:
History of economic thought; Keynes

I. INTRODUÇÃO

A concordância de Keynes com a teoria (neo)clássica do emprego limita-se, como se sabe, à aceitação do por ele mesmo chamado “primeiro postulado fundamental”. No capítulo 2 de Teoria Geral, ele trata de examinar as possíveis consequências dessa aceitação para a sua teoria do emprego, dos salários e dos preços, afirmando que esse postulado significa que “em certo estado de organização, equipamento e técnica, em cada nível de salário ganho por uma unidade de trabalho há uma única correlação (inversa) com o volume de emprego. Portanto, se o emprego aumenta, isso quer dizer que em períodos curtos a remuneração por unidade de trabalho, expressa em bens de consumo dos assalariados, deve, em geral, diminuir e os lucros devem aumentar. Este é, simplesmente, o reverso da proposição, já bastante conhecida, segundo a qual a indústria trabalha normalmente sujeita a rendimentos decrescentes a curto prazo, durante o qual se supõe que permaneçam constantes o equipamento etc., de modo que o produto marginal das indústrias de bens de consumo dos assalariados (o qual determina os salários reais) necessariamente se reduz à medida que o emprego aumenta. Portanto, à medida que se considerar válida esta proposição, qualquer meio destinado a aumentar o emprego conduzirá, inevitavelmente, a uma diminuição paralela do produto marginal e, portanto, do nível dos salários medido em termos desse produto” (Keynes, 1936, Cap. 2, V, p. 24-25)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. .1 1 ‘No mesmo sentido, Keynes (1936, Cap. 2, V, p. 24) considera que, no curto prazo, dadas as condições gerais do sistema produtivo, de acordo com o primeiro postulado, “os salários reais e o volume de produção (e, portanto, do emprego) são correlacionados de uma única forma, de tal modo que, em termos gerais, um aumento do emprego só pode ocorrer simultaneamente com um decréscimo da taxa de salários reais”, sem contestar “este fato fundamental que os economistas clássicos (corretamente) declararam inatacável”. Não obstante, mais tarde, Keynes (1939, p. 277-78), em Teoria Geral, referindo-se às suas concepções sobre os movimentos relativos de emprego, custos de produção, preço, e salários nominais e reais, observaria que “o fato empírico presumível de que, a curto prazo, os salários reais tendem a deslocar-se em sentido oposto ao do nível de produção parecia, por outro lado, então de conformidade com as generalizações mais fundamentais de que a indústria está sujeita a um custo marginal crescente a curto prazo, de que, no caso de um sistema fechado como um todo, o custo marginal a curto prazo é substancialmente a mesma coisa que o custo de salários marginais, e de que, em condições de concorrência, os preços são governados pelo custo marginal, sendo que todas estas considerações estão, naturalmente, sujeitas a várias peculiaridades, em cada caso; entretanto, continua sendo, em conjunto, uma generalização válida. Reconheço, agora, que essa conclusão é muito simples, e que não representa um tratamento adequado da complexidade dos fatos. Todavia, continuo aceitando a estrutura básica do raciocínio, acreditando que ele deva ser reformulado em vez de rejeitado”. Ele reafirma nesse artigo “o efeito positivo de uma política de investimento expansionista sobre o emprego” (p. 278) através do estímulo dessa política ao crescimento da demanda efetiva, e assinala que a adoção da generalização que estabelece (como em Foxwell, Dunlop, Tharsis e Kalecki) uma relação direta entre os níveis de salário real e de emprego tanto na depressão como na recuperação tornaria possível “simplificar consideravelmente a versão mais complicada de minha exposição fundamental apresentada em minha Teoria Geral” (idem), especialmente (ibidem, nota 11) “no capítulo 2, por se tratar da parte do meu livro que mais carece de revisão”.

Porém, esta aceitação simultânea: a) do suposto da teoria (neo)clássica da concorrência perfeita de igualdade entre o valor do salário real e o valor do produto marginal do trabalho, isto é, do suposto de maximização do lucro das firmas; e b) do princípio dos rendimentos decrescentes que lhe está subjacente, se dá num contexto teórico de uma sequência de relações causais entre as variáveis econômicas que em Keynes interessam à determinação dos níveis de emprego e de preços de tal modo que - numa exposição meramente descritiva e muito simplificada - “em geral”, ou “normalmente”, uma expansão da demanda efetiva determina inicialmente um aumento do nível de emprego (entendido como uma diminuição do desemprego involuntário), o qual por sua vez (ao provocar um crescimento do nível geral de preços) acaba determinando uma redução do salário real antes mesmo que a economia como um todo ocupe todos os recursos produtivos disponíveis.

Assim, a formulação keynesiana da relação entre os níveis de emprego e de salário real, mesmo partindo da aceitação do primeiro postulado (neo)clássico, inverte o sentido da determinação lógica entre estas variáveis, tal como encontrado no pensamento ortodoxo, pela qual haveria um aumento do nível de emprego (entendido como uma diminuição do desemprego voluntário) resultante de uma redução do salário real (a partir de uma redução do nível do salário nominal)2 2 Keynes (1936, Cap. 2, II, p. 21) observa que, nos termos (neo)clássicos, é ao salário nominal fixado através de negociações entre trabalhadores e empresários “que se recorre para determinar o salário real”, e que, nesse contexto teórico, “a redução do nível geral dos salários nominais é necessariamente acompanhada, pelo menos em curtos períodos e apenas sujeita a algumas restrições secundárias, por certa redução dos salários reais, embora nem sempre proporcional”. De fato, considerando-se iguais o custo marginal do salário e o custo primário marginal em quaisquer indústrias (como o faz, p. ex., Pigou apud Keynes, 1926, Cap. 19, Apêndice, p. 189), e levando-se em conta o princípio de maximização dos lucros, expresso pelas igualdades entre o preço e o custo marginal, e entre o salário real e o produto físico marginal do trabalho, conclui-se que as reduções relativas dos salários nominais e reais só serão iguais no caso particular de elasticidade unitária de redução do produto físico marginal em relação a uma dada redução do salário nominal, quando o nível geral de preços não se modifica. igual, pelo princípio de maximização dos lucros, ao decréscimo do produto físico marginal do trabalho aos novos níveis de produção, se as “imperfeições” do mercado de trabalho não fizessem com que os trabalhadores recusassem essa redução do salário nominal, identificada como uma desutilidade marginal do trabalho, ao novo nível (potencial) de emprego; além disso, a formulação keynesiana desloca para as flutuações do nível da demanda efetiva (e, portanto, para as variações de seus determinantes, a propensão a consumir, a eficiência marginal do capital e a taxa de juros, manifestas nas variações dos níveis de investimento e de consumo agregados) a origem causal das flutuações do nível geral de emprego3 3 Registre-se, porém, a observação de Keynes (1936, Cap. 20, II, p. 199) de que esta “hipótese de que as variações do emprego dependem unicamente das variações da demanda efetiva (...) não passa de uma primeira aproximação, admitindo que haja mais de um modo de gastar um aumento de rendas. (...) Se, por exemplo, a demanda suplementar for em grande parte dirigida para as indústrias com alta elasticidade de emprego, o aumento agregado do emprego será maior do que se o mesmo se orientar para as indústrias que oferecem pouca elasticidade de emprego. Do mesmo modo, o emprego pode baixar sem que tenha ocorrido qualquer mudança na demanda agregada, se a orientação da demanda se modificar em proveito das indústrias com elasticidade relativamente baixa de emprego’’. através de uma relação direta, de modo que um aumento da demanda efetiva determina um aumento do nível de emprego, e também, mediado por este último, um aumento do nível geral de preços.

Essa inversão do sentido da determinação entre os níveis de salário real e de emprego operada por Keynes em relação à formulação (neo)clássica4 4 “A propensão a consumir e o nível do novo investimento é que determinam, conjuntamente, o nível de emprego, e é este que, certamente, determina o nível de salários reais - não o inverso” (Keynes, 1936, Cap. 3, II, p. 33). decorre basicamente do fato de sua aceitação do “primeiro postulado fundamental” estar sujeita à crítica que ele exerce sobre a (in)consistência lógica da argumentação ortodoxa em relação ao exame do comportamento dos custos de produção, à medida que esta aumenta, e em relação aos efeitos desse comportamento sobre os níveis de salários reais, preços e emprego, a partir do suposto de plena flexibilidade à baixa dos salários nominais, ao tratar da determinação daquelas variáveis na economia como um todo,5 5 Isto é, nos termos de Keynes (1936, Cap. 19, I, p. 180), no “conjunto da indústria”, ou na “indústria inteira”. de acordo com o mesmo procedimento adotado para determiná-las ao nível de uma indústria qualquer.

II. SALÁRIOS, PREÇOS E A CRÍTICA DA TEORIA (NEO)CLÁSSICA DO EMPREGO

A abordagem ortodoxa parte dos supostos de que, no curto prazo, os recursos disponíveis na economia - de um lado, o trabalho, e, de outro, o capital técnico (isto é, máquinas e matérias-primas) - são homogêneos dentro de suas respectivas classes e intercambiáveis entre si, e de que as firmas desenvolvem suas atividades produtivas visando a maximizar seus lucros pela utilização do conjunto de todas as unidades disponíveis do fator de produção cuja dotação é fixa (ou constante), o capital técnico, com o qual se combinam, em proporções variáveis, diferentes quantidades de trabalho, homogêneas e intercambiáveis entre si. Assim, no curto prazo, para um dos possíveis níveis de produção e supondo-se que as firmas operem no estágio microeconômico relevante da atividade produtiva, entre os pontos de produto médio máximo e produto marginal nulo, qualquer aumento da produção implicaria uma variação da proporção em que se combinam trabalho e capital (isto é, implicaria uma variação dos coeficientes técnicos de produção), intensificando o uso do fator constante (o capital) pelo emprego de maior quantidade de trabalho, o que, de acordo com a generalização (neo)clássica do princípio dos rendimentos decrescentes faria com que essa produção adicional ocorresse a custos marginais crescentes6 6 Ressalte-se novamente (v. nota 2) que a concepção (neo)clássica do custo marginal restringe em quaisquer indústrias o custo primário marginal ao custo marginal do salário, equívoco explicitamente referido por Keynes e por ele considerado na sua definição do custo primário através dos conceitos de “custo dos fatores” e de “custo de uso” e na sua definição do preço de oferta de curto prazo, igual, normalmente, ao custo primário marginal. Ver Keynes (1936, Cap. 6, I, p. 47-49, espec. as notas 3 e 4, e Apêndice, p. 55-57, espec. a nota l; Cap. 19, Apêndice, p. 189, espec. a nota 1). Keynes considera porém que possa ser “conveniente” e “adequado” excluir o custo de uso do custo primário marginal ao examinar a economia como um todo, supondo adicionalmente a existência de uma relação constante entre o custo de fatores e o custo de salário. ou, correspondentemente, com uma diminuição do produto físico marginal:7 7 Para dadas condições técnicas médias de produção em uma indústria qualquer, uma redução da taxa de salário nominal provocaria uma diminuição do produto físico marginal tanto maior quanto maior fosse o nível de emprego (e vice-versa), visto que, da perspectiva neoclássica, os rendimentos decrescentes tenderiam a intensificar-se à medida que aumento do nível de emprego provocado pela redução do salário nominal aproximasse nível corrente de emprego do nível de pleno emprego. isto exigiria uma igual diminuição do salário real8 8 A noção genérica de “salário real” encerra uma questão conceitual que convém esclarecer. Do ponto de vista da teoria clássica (referida principalmente às obras de Smith, Ricardo e Marx), o salário real expressa o poder de compra do salário nominal medido em termos do valor de mercado dos bens de consumo necessários à reprodução dos trabalhadores (isto é, dos “bens de consumo dos assalariados”, nas palavras de Pigou conforme Keynes no segundo capítulo de Teoria Geral) como classe social. Na visão neoclássica, ou marginalista (denominada “clássica” por Keynes, e referida à estrutura teórica comum das obras de Von Thünen e Cournot, Menger e Jevons, Walras, Pareto, Marshall e Pigou, entre outros), o salário real expressa o valor do salário nominal em termos do valor de mercado do produto gerado pela atividade econômica, seja ao nível de uma indústria qualquer, seja ao nível da economia como um todo. Sob esta última perspectiva, a taxa geral de salário real é função do nível geral dos preços, e, assim, como por definição, wr = wn/p (onde w, representa o nível geral dos salários reais, w” expressa o nível geral dos salários nominais e p indica o nível geral de preços), e como pela condição de maximização dos lucros, p = CMgw = wn/PFMgT (onde CMgw e PFMgT expressam respectivamente o custo marginal do salário e o produto físico marginal do trabalho), então wt = PFMgT, e as variações do salário real devem acompanhar as do produto físico marginal no mesmo sentido e na mesma magnitude, quer numa indústria em particular (sendo a taxa de salário real nessa indústria uma função do nível de preços do seu produto), quer na economia como um todo, dado o caráter de lei econômica geral que a teoria (neo)clássica atribui à igualdade entre o salário real e o produto físico marginal do trabalho (aqui considerada sob o suposto da identidade, no curto prazo, entre o custo primário marginal e o custo marginal do salário). Observe-se, finalmente, que essa diferença conceitual entre as teorias clássica e neoclássica sobre o salário real, que tem subjacente o princípio de maximização dos lucros, não faz mais do que espelhar em nível abstrato a diferença de percepção socialmente concreta entre trabalhadores e empresários sobre o que o salário real representa para cada uma dessas classes sociais: o fator fundamental, simultânea e antagonicamente, da reprodução social dos trabalhadores e de maximização dos lucros empresariais, mesmo numa economia em crescimento (descartando-se, portanto, a hipótese profit squeeze, uma vez que interessa ressaltar que, no âmbito analítico da argumentação neoclássica, ainda que não haja compressão dos lucros numa economia em crescimento, o salário real continua sendo visto como fator antagônico à maximização dos lucros). Esta percepção socialmente diferenciada sobre o salário real (e sobre o nível de emprego) constitui-se em mais um argumento que se presta à invalidação do segundo postulado da teoria (neo)clássica do emprego, além daqueles expostos por Keynes no capítulo 2 de Teoria Geral, que reduz as negociações salariais entre trabalhadores e empresários sobre o salário real a um diálogo entre surdos. Nesse contexto é que se estabelece, p. ex., o pressuposto (neo)clássico de que, ao longo de um ciclo expansivo de curto prazo, se a partir de um certo nível de produção os trabalhadores não mais aceitassem uma redução do salário real através da diminuição do salário nominal, estariam exercendo um poder capaz de fazer cessar a expansão do emprego, embora as firmas continuassem a maximizar seus lucros e a economia se encontrasse “em equilíbrio”, com o que todo desemprego além do friccional, enquanto decorrente da vontade dos trabalhadores, seria desemprego “voluntário”. A citação inicial deste trabalho sugere uma identificação da visão keynesiana sobre o significado do salário real com a visão clássica, o que parece manter-se ao longo de Teoria Geral; entretanto, no seu artigo sobre os “Movimentos Relativos dos Salários Reais e da Produção”, Keynes registra que - a nível metodológico - seu raciocínio em Teoria Geral “partiu do princípio de que, em termos gerais, a mão-de-obra é remunerada por meio de seu próprio produto composto, ou pelo menos de que o preço dos bens de consumo dos assalariados se desloca da mesma maneira que o preço do produto agregado” (Keynes, 1939, II, p. 280). Mas a diferença maior, e radical, entre as perspectivas keynesiana e (neo)clássica sobre o salário real refere-se à sua determinação, e não ao seu significado. a partir de uma redução do salário nominal a ser definida através da negociação salarial entre trabalhadores e empresários, como condição para que estes aumentassem sua demanda de trabalho e expandissem o nível de atividade maximizando seus lucros.

Ao nível de quaisquer indústrias, porém, considerados no curto prazo suas respectivas condições técnicas médias de produção e seus níveis relativos de desemprego prevalecentes, uma dada redução proporcional dos salários nominais poderia provocar três tipos de efeitos sobre os produtos físicos marginais e os níveis de preços9 9 Retomando - e generalizando - a observação de Keynes (1936, Cap. 19, I, p. 180) de que “os preços não variam em proporção exata com as modificações nos salários nominais”, além de situá-la no contexto teórico (neo)clássico de igualação entre os custos primário marginal e marginal do salário (v. notas 2 e 6). dessas indústrias, a partir do aumento do emprego com rendimentos decrescentes que teoricamente deveria ocorrer:

  1. uma diminuição proporcionalmente menor do produto físico marginal, levando a um decréscimo dos preços também proporcionalmente menor do que a redução inicial dos salários nominais;

  2. uma diminuição proporcionalmente igual do produto físico marginal, mantendo constantes os preços (agora diminuindo os salários reais na mesma proporção dos nominais); e

  3. uma diminuição proporcionalmente maior do produto físico marginal, aumentando os preços.

Assim, o nível dos preços constituir-se-ia como a variável de ajuste que permitiria a manutenção do equilíbrio das firmas à medida que o produto crescesse a taxas decrescentes, enquanto o salário real seria a variável de ajuste entre a oferta e a demanda de trabalho.

Mesmo que inicialmente os empresários esperassem baixar seus custos de produção pela diminuição dos salários reais, alimentando expectativas de aumento de seus lucros a partir das quais se disporiam a expandir a demanda de trabalho, haveria, de imediato, pelo menos uma possibilidade teórica de que a redução dos salários nominais conduzisse a um aumento do nível geral de preços, comprometendo as expectativas de lucro (conforme, em cada caso, as diferentes elasticidades-preço da procura dos bens de consumo duráveis e não-duráveis, e dos bens de produção) e a sustentação do aumento de emprego. Além disto, ainda nos termos (neo)clássicos, pelo princípio dos rendimentos decrescentes, sucessivas e iguais reduções proporcionais dos salários nominais somente aumentariam o nível de ocupação, acompanhadas por crescentes diminuições do produto físico marginal; assim, mesmo que os trabalhadores aceitassem decréscimos indefinidamente continuados dos salários reais, antes de que todo desemprego fosse eliminado, poderia ocorrer uma situação a partir da qual novas reduções dos salários nominais resultassem em diminuições proporcionalmente maiores do produto físico marginal, aumentando o nível geral dos preços e impedindo imediatamente o aumento do nível de emprego com base no argumento (neo)clássico da redução do custo de produção. No curto prazo, portanto, no qual - conforme a generalização (neo)clássica do princípio dos rendimentos decrescentes - o aumento da produção se dá associado a coeficientes técnicos de produção variáveis com custos marginais crescentes, o comportamento tendencialmente ascendente dos preços se constituiria num obstáculo ao aumento do nível de emprego através de seu efeito potencialmente depressivo sobre o nível da demanda e, daí, sobre os lucros, a partir de uma dada redução dos salários nominais. Pode-se, portanto, argumentar que, mesmo no referencial teórico (neo)clássico simplificado, o comportamento do nível de preços poderia se constituir logicamente no elemento determinante do nível de emprego quando - pela variação esperada dos coeficientes técnicos de produção com rendimentos decrescentes em face de uma expansão virtual do nível de atividade que diminuiria o produto físico marginal proporcionalmente mais do que a redução do salário nominal colocada na origem dessa expansão - o nível esperado dos preços inibisse o crescimento da atividade econômica pelas expectativas que provocasse de redução das quantidades demandadas e dos lucros, sobrepondo-se ao presumido efeito estimulante da redução do salário real. Nessas condições, pois, a determinação (neo)clássica do nível de emprego deixaria de subsistir enquanto relação monocausal entre os níveis de salário real e de emprego, não se podendo pretender que fosse esta uma relação geral, ainda que logicamente válida. Note-se finalmente que, nos termos propostos, este aumento dos preços como resultado de uma dada redução do salário nominal, sendo um caso possível entre três, não seria, stricto sensu, um caso “particular”, exatamente por ser a situação geral e final à qual tenderiam os dois outros casos (dos quais o primeiro seria uma situação paramétrica e o segundo, efetivamente, uma situação única e transitória, à medida que o salário nominal diminuísse) enquanto crescessem a produção e o emprego.

A linha de ataque de Keynes à teoria (neo)clássica do emprego no capítulo 19 de Teoria Geral dirige-se inicialmente à demonstração de que mesmo a baixa dos preços exerce um efeito depressivo sobre a demanda agregada e, em consequência, sobre as expectativas de lucro e sobre os níveis de produção e de emprego; assim, em relação a essas possibilidades lógicas de comportamento dos preços e do emprego a partir de uma redução dos salários nominais, consideradas desde a perspectiva (neo)clássica sobre a igualdade entre os custos primário marginal e marginal dos salários, lhe é suficiente refutar a primeira delas, exatamente aquela considerada pela ortodoxia como o caso geral e representativo das relações entre os níveis de salário nominal e de emprego.10 10 Como deve estar claro, as duas outras possibilidades - a de preços constantes e a de preços em alta, a partir de uma redução dos salários - não se prestam à argumentação (neo)clássica sobre um aumento do emprego via redução do salário nominal, não sendo ambas sequer cogitadas nesse contexto teórico. Conforme Keynes (1936, Cap. 19, I, p. 179)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. , o argumento (neo)clássico sobre essas relações “consiste simplesmente em que uma redução nos salários nominais estimulará, ceteris paribus, a demanda ao fazer baixar o preço dos produtos acabados, aumentando, portanto, a produção e o emprego até o ponto em que a redução que os operários concordaram aceitar em seus salários nominais fique compensada justamente pela eficiência marginal decrescente do trabalho à medida que aumenta a produção (de determinado equipamento)”. Mas o que aconteceria, de fato, com a demanda agregada efetiva se os salários nominais e os preços viessem a ser reduzidos sob a suposição de que este movimento de salários e preços provocasse um aumento do emprego e dos lucros? A demanda de origem salarial, enquanto demanda de bens de consumo, seria inicialmente reduzida, uma vez que, pelo primeiro postulado e pelo princípio de maximização dos lucros, a redução do nível geral de preços teria que ser proporcionalmente menor do que a redução da taxa de salário nominal, acarretando, pois, uma diminuição da taxa de salário real e do poder de compra da massa de salários em termos do produto ao novo nível de preços; o problema posto por essa redução inicial da “demanda salarial” teria que ser solucionado por uma reposição equivalente da demanda agregada no mercado, quer através da expansão do emprego, quer através do aumento do consumo dos fornecedores dos outros fatores produtivos que compõem o custo primário marginal e das classes sociais que vivem de rendas (supondo-se que a remuneração desses fornecedores de fatores e dos rentistas não tenha sido alterada em termos nominais), sem o que haveria uma redção da produção, do emprego e dos lucros.

A primeira “solução” é logicamente inconsistente por dois motivos. Primeiro, a finalidade se transforma no meio necessário pelo qual a própria finalidade poderá, talvez, ser alcançada; isto é, o aumento do emprego enquanto uma finalidade da redução dos preços passa a ser, ele mesmo, condição necessária (sem ser garantidamente suficiente) para a recuperação da demanda salarial deprimida e, assim, para a expansão do próprio nível de emprego. O problema (aumento do emprego) tem como dada a resposta a que deveria chegar, e com um agravante: está sujeito às restrições de que a elasticidade da demanda de mão-de-obra em face das reduções do salário nominal seja sempre maior do que a unidade, e que assuma, para cada taxa possível de redução do salário nominal, um valor mínimo (tanto maior quanto maior for esta taxa de redução salarial) compatível com um nível de emprego capaz de assegurar, à taxa de salário real em cada caso, uma massa salarial com poder de compra suficiente para recuperar a demanda salarial deprimida. Em segundo lugar, essa primeira “solução” para a redução inicial da demanda salarial não leva em consideração o fato de que, no caso, o que é válido para a parte (uma indústria qualquer) não é válido para o todo (as indústrias em seu conjunto, ou a economia como um todo), ou seja, incorre no sofisma da composição. Em cada indústria a curva de demanda por mão-de-obra, que associa biunivocamente diferentes níveis de salário e de emprego, é construída, ceteris paribus, segundo os pontos que resultam das intersecções entre a curva de demanda para o produto dessa indústria e as várias curvas de oferta que, de acordo com as diferentes estruturas de custos de produção, indicam as quantidades oferecidas aos diferentes preços de venda. Ora, no referencial (neo)clássico do equilíbrio geral, o formato dessa curva de demanda pelo produto de uma indústria qualquer depende das formas das curvas de demanda e de oferta das outras indústrias (e vice-versa), e do valor da demanda agregada efetiva; se esta se modifica pela redução dos salários nominais, todas as curvas de demanda por produtos e de oferta nas várias indústrias também se modificarão de modo previamente indeterminado, e então não será possível construir para a economia como um todo ‘’uma curva de demanda de mão-de-obra relacionado o volume de emprego com diferentes níveis de salários” (Keynes, 1936, Cap. 19, I, p. 180)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. .11 11 Embora a curva de demanda por mão-de-obra, geneticamente (neo)clássica, usualmente relacione biunivocamente diferentes níveis de emprego e de salário real, o “argumento não se altera essencialmente, quer se raciocine em termos de salários nominais ou reais; se pensamos em termos de salários nominais, temos, naturalmente, de fazer as correções correspondentes às variações no valor da moeda, mas isso não altera a tendência geral do argumento” (Keynes, 1936, Cap. 19, I, p. 180). Isto só seria possível se se considerasse fixa a demanda agregada efetiva; por isso, Keynes afirma que não se nega “a proposição de que uma redução dos salários nominais, acompanhada de demanda efetiva agregada idêntica a níveis anteriores, é seguida por um aumento de emprego; mas a questão que se propõe é justamente saber se os salários nominais reduzidos serão ou não acompanhados por uma demanda agregada efetiva que, medida em dinheiro, seja igual à demanda anterior, ou pelo menos não tenha sofrido uma redução plenamente proporcional à dos salários nominais” (idem). Assim, a teoria (neo)clássica do emprego fica logicamente invalidada, pois se ela não pode “estender suas conclusões, por analogia, da indústria em particular à indústria em conjunto, ela é inteiramente incapaz de responder que efeitos produzirá sobre o emprego uma baixa dos salários nominais” (idem, ibidem).

Feita esta crítica interna à (in)consistência lógica da teoria (neo)clássica em relação à pretensa determinação do nível de emprego a partir de uma redução dos salários nominais, Keynes examina no capítulo 19 de Teoria Geral a hipótese de que esta redução salarial pudesse aumentar o emprego, agora sob a ótica da demanda efetiva, enquanto crítica externa, explorando assim a possibilidade de um segundo tipo de solução para o problema posto pela redução da demanda salarial, através do aumento do consumo dos fornecedores não-assalariados de fatores produtivos que integram o custo primário marginal, e dos rentistas. Supõe-se que ambos mantêm inalteradas suas remunerações em termos monetários, e, tendo ocorrido uma diminuição do nível geral de preços, esses segmentos sociais têm, portanto, um aumento em seu poder de compra; a questão resume-se inicialmente em avaliar se esse poder de compra aumentado se manifestará em mercado como um aumento da demanda de consumo de origem não-salarial capaz de contrabalançar a redução inicial da demanda originada na redução das taxas de salário nominal e real, de modo a repor a demanda agregada efetiva ao nível em que se encontrava antes dessa redução salarial, ou, no mínimo, de modo a sustentá-la em um nível superior ao qual ela desceria se acompanhasse a redução dos salários nominais na mesma proporção. Ora, o poder de compra aumentado desses grupos sociais não-assalariados seria totalmente gasto em mercado apenas se sua propensão marginal a consumir fosse igual à unidade; como isto não é provável,12 12 Keynes (1936, Cap. 19, II, (1), p. 182) considera que uma redução nos salários nominais acarretará “certa redistribuição da renda real (a) dos assalariados para outros fatores que entrem no custo primário marginal e cuja remuneração não tenha sido reduzida, e (b) dos empresários para os rendeiros (sic) aos quais se garantiu certo rendimento fixo em termos monetários”, e que “o efeito dessa redistribuição sobre a propensão a consumir da comunidade em conjunto ( ... ) provavelmente será mais adverso que favorável”. deverá surgir uma diferença entre esse aumento do poder de compra e o correspondente aumento da “demanda não-salarial” (isto é, uma diferença entre os aumentos da renda real e do consumo dessa parcela da comunidade), igual à diferença entre os níveis anterior e posterior da demanda efetiva agregada em relação ao momento da redução do salário nominal, ou igual à redução líquida da demanda efetiva agregada entre o momento dessa redução salarial e o presente. Neste caso, a redução da demanda salarial predomina sobre o aumento da demanda não-salarial, na órbita dos gastos em bens de consumo, e os empresários terão seus lucros diminuídos. A questão inicial desdobra-se então no sentido de se avaliar a possibilidade de um aumento do nível dos investimentos de modo a absorver essa diferença, “o que só acontecerá no caso de a curva das eficiências marginais do capital ter aumentado relativamente à taxa de juros” (Keynes, 1936, Cap. 19, II, p. 181)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. , sem o que o resultado final da redução salarial será a redução dos lucros, da produção e do emprego. Ou seja, “a redução dos salários nominais não tenderá a aumentar o emprego durante muito tempo, a não ser pelas suas repercussões sobre a propensão da comunidade em conjunto a consumir, sobre a curva da eficiência marginal do capital ou sobre a taxa de juros” (idem, p. 182).

III. DEMANDA EFETIVA, RENDIMENTOS DECRESCENTES, PREÇOS E SALÁRIOS

A invalidação lógica da teoria (neo)clássica do emprego realizada por Keynes é também um momento de reafirmação de sua teoria do emprego baseada no princípio da demanda efetiva, exposta de maneira formal principalmente nos capítulos 3, 18 e 20 de Teoria Geral. Como se situam, neste contexto, alguns dos elementos mais relevantes de sua abordagem teórica às questões dos níveis de preços e de salários tendo em vista sua aceitação do ‘’primeiro postulado fundamental”?

A relação mais geral entre o comportamento da demanda efetiva, dos rendimentos de escala e os dos preços, está expressa por Keynes no capítulo 21 de Teoria Geral (seção II, p. 204) quando ele afirma que “o nível geral dos preços depende em parte da taxa de remuneração dos fatores produtivos que entram no custo marginal e, em parte, da escala global de produção, isto é, do volume de emprego (considerando conhecidos o equipamento e a técnica)”; na economia como um todo, onde o custo da produção em qualquer indústria “depende parcialmente da produção das demais indústrias, ( ... ) as variações da demanda atuam ao mesmo tempo sobre os custos e sobre o volume”. Então (seção III, p. 205) “como regra geral o aumento da demanda efetiva traduz-se, em parte, pelo aumento do emprego e, em parte, pela elevação do nível dos preços. Nestas condições, os preços, em vez de permanecerem constantes quando existe desemprego, e de aumentarem proporcionalmente à quantidade de moeda quando se atinge o pleno emprego, sobem progressivamente à medida que o emprego aumenta’’.

Assim, parece claro que, para Keynes, a retomada do crescimento econômico a partir de uma situação recessiva e através do aumento da demanda efetiva implica uma elevação do nível de preços associada ao aumento da escala de produção, antes mesmo de a economia eliminar todo o desemprego involuntário.13 13 Apesar da afirmação contrária de Swaelen (1982, 2.2, p. 27).

Levando-se em conta também a citação de Keynes, no capítulo 2 de Teoria Geral, transcrita na introdução deste trabalho, e suas considerações sobre os custos de produção e os rendimentos de escala nos capítulos 4 (seção III), 6 (Apêndice, seção III) e 21 (seções II a IV), bem como um trecho de suas notas de 1937 sobre o tema, ao comentar a seção final de um artigo não publicado de Ohlin, e a introdução e as seções III e IV de seu artigo de 1939 sobre “Movimentos Relativos de Salários Reais e da Produção”, não parece razoável sustentar dúvidas quanto ao fato de que Keynes, em Teoria Geral, desenvolve sua argumentação sobre o comportamento dos preços supondo a existência normal de rendimentos decrescentes14 14 Numa carta a Ohlin datada de 29 de abril de 1937, Keynes afirma enfaticamente: “I have always regarded decreasing physical returns in the short period as one of the very few incontrovertible propositions of our miserable subject!” (Keynes, 1937, p. 190). Esta posição só foi revista, sujeita a várias restrições, em seu artigo “Movimentos Relativos dos Salários e da Produção”, publicado pelo Economic Journal em março de 1939; mas ainda aqui - lembrando as circunstâncias da ida de Sraffa para o Trinity College e da publicação de seu artigo “As Leis dos Rendimentos sob Condições de Concorrência” também pelo Economic Journal em 1926 - é surpreendente verificar-se como Keynes continua essencialmente desconsiderando a afirmação de Sraffa (1926, p. 24) de que “a experiência cotidiana mostra-nos que um grande número de empreendimentos - e a maioria dos que produzem bens de consumo manufaturados - trabalha sob condições de custos individuais decrescentes’’. em face de qualquer aumento da produção mesmo abaixo do pleno emprego. O importante, no caso, é perceber que a aceitação do “princípio dos rendimentos decrescentes” por Keynes não significa que ele reconheça a vigência desse princípio nos termos propostos pela ortodoxia (neo)clássica. Seu afastamento da formulação tradicional a respeito do comportamento dos rendimentos manifesta-se de saída pela rejeição dos supostos (neo)clássicos de homogeneidade dos recursos em suas respectivas classes, e de sua intercambiabilidade recíproca, de modo que:

  1. “desde que os recursos não são homogêneos, haverá rendimentos decrescentes, e não constantes, à medida que o emprego aumente gradualmente” (Keynes, 1936, Cap. 21, III, p. 205)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. , e

  2. “desde que os recursos não são intercambiáveis, a oferta de certos bens torna-se inelástica, apesar de haver recursos desempregados disponíveis para a produção de outros bens” (idem, ibidem).

Por isso, Keynes pode afirmar que, “à medida que a produção aumenta, a empresa se vê obrigada a ocupar mão-de-obra cada vez menos útil para seus fins especiais por unidade de salário pago; este é apenas um entre os fatores que levam ao retorno decrescente do equipamento de capital, em termos de produção, quando uma quantidade maior de trabalho lhe é aplicada” (Keynes, 1936, Cap. 4, III, p. 40)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. . Em consequência, “o aumento da produção é acompanhado por uma alta de preços independentemente de qualquer variação na unidade de salários” (idem, Cap. 21, IV, p. 207).

Quanto ao uso do equipamento de capital, há uma diferença adicional entre as teorias keynesiana e (neo)clássica a respeito dos rendimentos decrescentes, a partir de suas diferentes concepções a respeito da homogeneidade e da intercambiabilidade recíproca dos recursos: enquanto na formulação (neo)clássica se supõe que enquanto estiver sendo observado o princípio de maximização dos lucros, todo o capital técnico estará sendo ocupado, variando a intensidade no uso do estoque total de capital para diferentes níveis da produção, na formulação keynesiana, obedecida a condição de maximização dos lucros, para diferentes níveis de produção ocorrerá uma variação do grau de ocupação (de uso) do equipamento, mantida constante a intensidade no seu uso ao longo do tempo, à medida que se ocupe (se use) uma parcela menor ou maior do estoque total de capital. Então, na perspectiva keynesiana, quando no curto prazo ocorrer um aumento da produção, haverá uma ocupação gradativamente crescente de equipamento ocioso até aquele momento, e “a diferença entre o custo de uso efetivo e o seu valor normal (isto é, o valor que teria se não houvesse equipamento de sobra) varia com o intervalo de tempo que se julga dever transcorrer antes que o excedente seja absorvido”, de modo que “a alta do preço de oferta quando os negócios começarem a melhorar pode dever-se, em parte, a um rápido aumento do custo marginal de uso resultante de uma revisão das expectativas” (Keynes, 1936, Cap. 6, Apêndice, III, p. 59)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. . Além da influência do componente de expectativa do custo marginal de uso na formação do preço de oferta, Keynes assinala que “um empresário não utiliza em primeiro lugar o seu equipamento pior e mais velho pelo fato de seu custo de uso ser baixo, pois este pode ser mais que anulado pela sua ineficiência relativa, ou seja, pela elevação do custo dos fatores; por este motivo, um empresário utiliza de preferência a parte do seu equipamento em que o custo de uso mais o custo dos fatores é mínimo por unidade produzida” (idem, I, p. 57). Neste caso, o aumento da produção se fará através do uso de equipamentos de produtividade intrínseca cada vez menor, portanto a rendimentos decrescentes, e acompanhado de um custo primário marginal, isto é, de um preço de oferta, crescente. E mesmo se o custo de uso for analiticamente excluído do custo primário marginal, a conclusão se mantém, porque nem por isso o empresário deixará de operar seu equipamento ao nível da produção em que o custo primário marginal (agora igualado ao custo marginal dos fatores) é mínimo; como Keynes já afirmara a existência de retornos decrescentes do capital à medida que a produção se expande, pela incorporação crescente de trabalho menos produtivo a uma taxa de salário uniforme e independente de sua eficiência, basta o aumento do custo marginal do salário (sendo CMgw = wn/PFMgT) para aumentar o custo marginal dos fatores e, portanto, para aumentar o custo primário marginal, isto é, o preço de oferta - e essa exclusão do custo de uso marginal simplesmente faz com que o “custo marginal total” (o custo primário marginal) aumente na mesma medida do custo marginal dos fatores e do “custo salarial marginal”, não impedindo que o preço de oferta global aumente, embora menos do que o faria se incluísse o custo de uso marginal.15 15 Ver Keynes (1939, III, p. 281). Na verdade, Keynes faz mais do que admitir, para a produção em conjunto da economia, a igualdade entre o custo primário marginal e o custo marginal dos fatores, conforme visto na nota 6. No contexto de sua teoria geral do emprego, para fins de simplificação analítica e expositiva, ele considera (no curto prazo, e para uma economia fechada) que o custo marginal dos fatores reduz-se ao custo marginal dos salários; então, não só o custo marginal dos fatores iguala-se ao custo marginal do salário, como este iguala-se ao custo primário marginal (v. nota 1) e ao preço de oferta global.

Retomando a afirmação de Swaelen (1982, 2.2, p. 25)SWAELEN, E. A. (1982). Desemprego, Salários e Preços: um Estudo Comparativo de Keynes e da Macroeconomia da Década de 1970. Rio de Janeiro, BNDES. de que “a diferença entre a ‘Lei dos Retornos Marginais Decrescentes’ e a visão de Keynes sobre a introdução de fatores menos eficientes à medida que o emprego cresce, é que na primeira os coeficientes técnicos são variáveis, enquanto na segunda os fatores se combinam em proporções fixas’’, cabe observar que, na ‘’visão de Keynes”, a ordem de aplicação à produção de cada quantidade adicional de trabalho e de capital é determinada pelas suas produtividades marginais decrescentes: todas as quantidades de trabalho e de capital consideradas são, respectivamente, qualitativamente diferentes entre si quanto à eficiência produtiva de cada uma delas, de modo que, ao serem empregadas nas mesmas (fixas) proporções à expansão da produção, originam diferentes produtividades. E as quantidades marginais de trabalho e de capital empregadas serão, cada uma delas respectivamente, de qualidade produtiva inferior às antecedentes, de modo que é a peculiaridade intrínseca dos sucessivos incrementos marginais do trabalho e do capital que faz com que cada um deles produza menos do que os incrementos marginais anteriores. Na visão keynesiana, analiticamente simplificada, de exclusão do custo de uso do custo primário marginal para a produção como um todo, que a torna mais diretamente comparável com a noção (neo)clássica do custo primário marginal, o argumento não se altera em sua essência: basta considerar que as diferentes quantidades adicionais de capital ocupadas têm o mesmo rendimento intrínseco e, de modo análogo, a ordem de aplicação à produção das unidades adicionais de trabalho será determinada por suas produtividades físicas marginais decrescentes (sendo portanto essas quantidades adicionais de trabalho qualitativamente diferentes entre si quanto à eficiência produtiva de cada uma delas), de maneira que, ao serem empregadas nas mesmas proporções ao capital crescentemente ocupado à medida que a produção se expande, a peculiaridade intrínseca de cada um desses sucessivos incrementos marginais do trabalho fará com que cada um deles produza menos do que os incrementos marginais anteriores, originando rendimentos decrescentes. É exatamente por adotar essa perspectiva própria em relação ao princípio dos rendimentos decrescentes que Keynes pode atribuir custos marginais crescentes aos aumentos da produção abaixo do pleno emprego (mesmo desconsiderando os efeitos expectacionais e técnicos da exclusão do custo de uso do custo primário marginal) com coeficientes técnicos de produção fixos; se tivesse adotado a generalização neoclássica desse princípio, só teria retornos decrescentes em decorrência da aplicação de quantidades adicionais de trabalho de igual produtividade sobre o estoque total de capital, com coeficientes técnicos de produção variáveis.

Portanto, é a lógica específica do raciocínio de Keynes sobre o comportamento dos custos de produção, à medida que esta aumenta, que lhe permite aceitar o “primeiro postulado fundamental”, incluindo o princípio de maximização dos lucros, e, ao mesmo tempo, refutar a perspectiva (neo)clássica sobre os rendimentos decrescentes. No fundo o que ele faz a este respeito é estabelecer uma explicação teórica nova para um fenômeno considerado plenamente comprovado ao nível da evidência empírica disponível até o início dos anos 30, uma explicação compatível com a determinação teórica do nível de emprego e de preços pelo princípio da demanda efetiva e, portanto, de acordo com o seu entendimento a respeito da natureza e do modo de atuação das forças que conformam os movimentos do emprego, da produção, dos preços e dos salários na economia capitalista. Por isto, “qualquer meio” (pelo aumento da demanda efetiva) destinado a aumentar o emprego conduzirá “inevitavelmente” (pela vigência dos rendimentos decrescentes sob a perspectiva keynesiana) a uma diminuição do produto marginal e a um aumento geral dos preços, o qual, supondo-se que a força de trabalho seja remunerada por seu próprio produto composto, ou que as variações dos preços dos bens-salários acompanhem as do preço do produto agregado (v. nota 8), provocará uma redução do nível dos salários reais em relação ao nível vigente dos salários nominais; em outras palavras, os movimentos da demanda efetiva, ao estabelecerem o nível geral dos preços (inclusive os dos bens-salário) acabam por estabelecer o nível geral dos salários reais. Assim, em Keynes, o salário real é determinado endogenamente ao sistema econômico, a partir dos determinantes da demanda efetiva (a propensão a consumir, a eficiência marginal do capital e a taxa de juros) e sobre o princípio de maximização dos lucros - ainda que essa determinação seja condicionada pelo estado da tecnologia expresso nas condições gerais de produtividade do capital e da força de trabalho no sistema, através dos rendimentos decrescentes que acompanham a expansão da atividade produtiva com coeficientes técnicos de produção fixos.

IV. A INFLEXIBILIDADE DOS SALÁRIOS NOMINAIS E O EMPREGO

A determinação endógena do salário real e do emprego em Teoria Geral contrasta fortemente com a determinação dessas variáveis nos termos da ortodoxia (neo)clássica, em que a possibilidade de se aumentar a demanda por mão-de-obra (isto é, o nível de emprego) para um dado estoque de capital requer o rebaixamento do salário real (via redução do salário nominal) em negociações salariais entre empresários e trabalhadores, até que a utilidade do salário real iguale a desutilidade marginal do trabalho ao novo volume de emprego, conforme o “segundo postulado fundamental”: aqui o salário real e o emprego são exogenamente determinados, na órbita da barganha salarial, e não da atividade econômica stricto sensu.

O desemprego então remanescente seria, em sua totalidade, além do friccional, “voluntário”, de acordo com a visão (neo)clássica, que (a) não reconhece “que, de modo geral, a população raramente encontra tanto emprego quanto desejaria ao salário corrente” (Keynes, 1936, Cap. 2, II, p. 19)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. , e que (b) não admite “que, se fosse maior a procura de mão-de-obra, maior quantidade de trabalho seria oferecida ao nível do salário nominal vigente” (idem, ibidem). Como observa Keynes, a escola (neo)clássica busca harmonizar a existência do desemprego aparente (ou evidente) com a teoria através do segundo postulado, “argumentando que, se toda procura de mão-de-obra ao salário nominal vigente se acha satisfeita antes de estarem empregadas todas as pessoas desejosas de trabalhar em troca dele, isso se deve a um acordo declarado ou tácito entre os operários de não trabalharem por menos, e que, se todos eles admitissem uma redução dos salários nominais, maior seria o volume de emprego atendido” (idem, ibidem). Mas “o argumento de que o desemprego que caracteriza um período de depressão se deva à recusa da mão-de-obra em aceitar uma diminuição dos salários nominais não está claramente respaldada pelos fatos. Não é muito plausível afirmar que o desemprego nos Estados Unidos em 1932 tenha resultado de uma obstinada resistência do trabalhador em aceitar uma diminuição dos salários nominais, ou de uma insistência obstinada de conseguir um salário real superior ao que permitia a produtividade do sistema econômico ( ... ) O trabalhador não se mostra mais intransigente no período de depressão que no de expansão, antes pelo contrário” (idem, p. 20). No mesmo sentido, considere-se também que “na Grã-Bretanha, apesar da desordem, na incerteza e das amplas flutuações dos preços que marcaram a década de 1924-1934, os salários nominais apenas variaram dentro de um limite de 6%, enquanto os salários reais variaram em mais de 20%” (Keynes, 1936, Cap. 19, Apêndice, p. 192)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. .

Aceitando-se que estas observações são corretas em si mesmas, e que são aplicadas adequadamente a duas situações relevantes para o entendimento das questões referentes aos problemas dos níveis de emprego e de salários, a persistência do alto nível de desemprego ao longo dos cinco anos iniciais da depressão internacional da década de 30, em face de amplas flutuações dos preços e dos salários reais associadas a uma relativa estabilidade dos salários nominais (que não poderia ser atribuída à “intransigência” dos trabalhadores pelo enfraquecimento social, político e econômico da representação sindical em situações de desemprego geral e prolongado), é suficiente para caracterizar a existência do tipo de desemprego ao qual Keynes chamou de “involuntário”, ou seja, caracteriza a existência de trabalhadores desempregados dispostos a trabalhar aos níveis correntes de salário nominal e de preços, portanto ao nível corrente de salário real; neste caso, porém, a desutilidade marginal do trabalho é menor do que a utilidade do salário real, e a validade geral do segundo postulado (neo)clássico do emprego é questionável a partir da evidência empírica, porque ele só seria válido para o caso particular em que não houvesse nenhum desemprego além do friccional na economia.16 16 Ou seja, a curva de oferta de mão-de-obra só indica a quantidade máxima de trabalho oferecido a cada nível de salário real por unidade de tempo na situação particular do pleno emprego; nas demais situações que configuram a generalidade dos casos possíveis de desemprego involuntário, essa quantidade é indeterminada, e a curva não pode ser construída.

Além disso, atacando o segundo postulado quanto à determinação exógena do salário real, Keynes (1936, Cap. 2, II, p. 21)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. afirma que “a hipótese de que o nível geral dos salários reais depende das negociações entre os empregadores e os trabalhadores não é, obviamente, válida (...) pois está longe de ser consistente com o conteúdo geral da teoria clássica, que nos ensinou que os preços são determinados pelo custo marginal expresso em termos nominais e que os salários nominais governam, em grande parte, o custo marginal”; mas a crítica keynesiana à hipótese da barganha salarial em termos de salários reais fundamenta-se também numa percepção factual, uma vez que “a experiência comum ensina-nos, sem a menor sombra de dúvida, que, em vez de mera possibilidade, a situação em que a mão-de-obra estipula (dentro de certos limites) um salário nominal, em vez de um salário real, constitui o caso normal” (idem, p. 20).

Como consequência essencial da rejeição do segundo postulado, o nível de emprego não pode mais ser determinado como uma função dos salários reais, estabelecidos, conforme a teoria (neo)clássica, através de negociações entre os empresários e os trabalhadores sobre a suposição de salários nominais flexíveis à baixa, o que permitiria à economia eliminar automaticamente o desemprego.17 17 A rejeição do segundo postulado da teoria (neo)clássica do emprego por Keynes em Teoria Geral leva-o a refutar “a conclusão sumária de que uma redução dos salários nominais aumentaria o emprego porque reduz o custo de produção’” (1936, Cap. 19, II, p. 181) e a destacar que esta teoria omite “completamente em sua análise o fator instável [na origem do ciclo econômico], a saber, as flutuações na escala do investimento, que no mais das vezes, são a causa do fenômeno das flutuações no emprego” (idem, ibidem, Apêndice, p. 194; grifo meu, pois a edição brasileira simplesmente inverte o sentido desta afirmação tal como originalmente expressa por Keynes). Nas palavras de Keynes (1936, Cap. 19, I, p. 179)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. , “a teoria clássica tem o costume de basear numa pretensa fluidez dos salários nominais a suposta aptidão do sistema econômico para se ajustar por si mesmo; e, quando há rigidez, de atribuir a essa rigidez a responsabilidade pelos desajustamentos”. Invalidado o segundo postulado, essa pretensa fluidez à baixa dos salários nominais deixa de desempenhar qualquer papel na determinação do nível de emprego nos termos da teoria (neo)clássica, e a questão que se coloca imediatamente é a de se examinar, no âmbito da teoria keynesiana, se e como essa pretensa flexibilidade à baixa dos salários nominais afetaria o emprego; neste segundo contexto teórico o nível de emprego é função do nível da demanda efetiva, de modo que esse exame deve, em última instância, reportar-se aos efeitos esperados de reduções dos salários nominais sobre os determinantes da demanda efetiva, isto é, sobre a propensão a consumir, sobre a eficiência marginal do capital e sobre a taxa de juros (e, portanto, sobre os níveis de consumo e de investimento).

Na seção II deste trabalho já se procurou mostrar que Keynes considera provável que (em um sistema econômico fechado) uma redução dos salários nominais afete desfavoravelmente a demanda efetiva e o emprego por, presumivelmente, reduzir a propensão a consumir da sociedade como um todo. No caso de um sistema aberto, considerando-se uma redução dos salários nominais em relação aos salários nominais no resto do mundo, ceteris paribus, deverão ocorrer dois efeitos antagônicos, sem que se possa prever antecipadamente o resultado líquido sobre a demanda efetiva: a) de um lado, deverá ocorrer uma deterioração nos termos de intercâmbio, o que levará a uma redução direta da renda do setor exportador (e indireta nos demais setores) influenciando negativamente o consumo; b) de outro lado, haverá uma melhoria do saldo da balança comercial, favorecendo o investimento externo.

Voltando-se ao caso de um sistema fechado, a redução dos salários nominais, na medida em que é vantajosa para um empresário e/ou para uma indústria isoladamente (embora não o seja em nível agregado), poderá favorecer as expectativas sobre a eficiência marginal do capital, induzindo um aumento do investimento. Porém a baixa de preços que acompanha a redução salarial pode inibir a realização de novos investimentos pelo comprometimento da solvência financeira das empresas fortemente endividadas e do próprio Estado, por alimentar, neste caso, expectativas pessimistas sobre a evolução da carga tributária sobre a produção futura.

Mas “a esperança de que uma redução dos salários nominais possa atuar favoravelmente sobre o emprego deve basear-se, principalmente, numa melhoria do investimento devido a um aumento na eficiência marginal do capital ( ... ) ou numa taxa menor de juros” (Keynes, 1936, Cap. 19, II, p. 183)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. em circunstâncias que dizem respeito, respectivamente, à política salarial, em face das expectativas sobre a evolução futura dos salários nominais, e à política monetária, em face da preferência pela liquidez.

Assim, se se espera que uma dada redução nos salários nominais seja sucedida por reduções posteriores, haverá uma diminuição da eficiência marginal do capital, porque “a produção obtida com o equipamento fabricado hoje terá de competir, enquanto durar, com a do equipamento fabricado mais tarde, talvez a um custo menor em trabalho( ... ) Além disso, o lucro do empresário (em termos monetários) advindo do equipamento velho ou novo será reduzido se todo o produto vier a ser produzido de modo mais barato” (Keynes, 1936, Cap. 11, III, p. 104)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. ; então, sendo mais alta a renda prospectiva do capital, haverá uma contenção no presente do investimento e do consumo, que serão postergados para o futuro. Portanto, a circunstância mais favorável a “um aumento na eficiência marginal do capital é aquela em que se julga que os salários nominais tenham alcançado o seu limite inferior, de modo que as variações posteriores tenham de ser em direção ascendente” (Keynes, 1936, Cap. 19, II, p. 183)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. ; porém, como esta é uma situação politicamente instável, “seria muito mais vantajoso que os salários fossem rigidamente fixados e julgados isentos de variações importantes do que a ocorrência de períodos de depressão acompanhados de uma tendência progressiva para a baixa dos salários nominais” (idem, p. 184), o que, como já foi visto na crítica à teoria (neo)clássica do emprego, só agravaria a depressão.

Logo, no contexto keynesiano de Teoria Geral, uma política de salários nominais rígidos é mais adequada à sustentação da eficiência marginal do capital e do nível de emprego na depressão que uma política de salários nominais flexíveis à baixa.

Por outro lado, sendo fixa a quantidade de moeda do sistema, a diminuição da quantidade de moeda necessária para o pagamento dos salários e das transações correntes que resulta da redução dos salários e dos preços diminuirá a procura por liquidez no conjunto de sociedade, o que, por sua vez fará baixar a taxa de juros e, ceteris paribus, estimulará o investimento; este efeito será intensificado se se esperar novas reduções dos salários nominais no futuro, mas, ao mesmo tempo, a expectativa de que haja um crescente descontentamento popular em consequência destas novas reduções salariais poderá minar o estado de confiança sobre o ambiente político em que deverão se desenvolver as atividades econômicas futuras, aumentando a preferência pela liquidez. Então, o efeito final da redução dos salários nominais sobre a taxa de juros é, a priori, imponderável quando a quantidade de moeda é fixa. É verdade que, teoricamente, seria possível fazer baixar a taxa de juros “reduzindo os salários sem alterar a quantidade de moeda e aumentando a quantidade de moeda sem alterar o nível dos salários” (Keynes, 1936, Cap. 19, II, p. 184)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. ; mas “assim como um acréscimo moderado na quantidade de moeda pode exercer uma influência inadequada sobre a taxa de juros e a longo prazo, um aumento excessivo pode neutralizar, pelos seus efeitos perturbadores sobre a confiança, as outras vantagens que apresenta” (idem), e uma política monetária de mercado aberto também não é capaz, por si só, de estabelecer uma taxa de juros adequada às necessidades do investimento ao nível do pleno emprego.

Do exame dos efeitos da redução dos salários nominais sobre os determinantes da demanda efetiva torna-se claro que não é possível estabelecer qualquer relação de determinação de caráter geral e/ ou permanente entre as variações dos salários nominais e do emprego, pela qual o nível geral de emprego pudesse ser considerado uma função inversa da taxa geral de salário nominal, de modo a que uma redução generalizada deste salário resultasse, por hipótese, num aumento do nível de emprego. Daí a afirmação de Keynes (1936, Cap. 19, II, p. 184)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. de que ‘’não há, portanto, motivo para crer que uma política flexível de salários possa manter um estado permanente de pleno emprego”; ao contrário, “o efeito principal de semelhante política seria causar grande instabilidade de preços, talvez violenta o bastante para tornar fúteis os cálculos empresariais em uma economia funcionando como aquela em que vivemos” (idem, III, p. 186).

Se os salários nominais não são, em absoluto, uma variável interveniente na determinação do emprego, tampouco faz sentido atribuir a uma política de rigidez dos salários nominais algum papel nessa determinação. O que significa, então, a afirmação de que uma política de salários nominais rígidos é mais adequada a uma sustentação de um dado nível desejável de investimento que uma política de salários nominais flexíveis? Ou a conclusão de Keynes de que, em face das considerações desenvolvidas no exame dos efeitos das reduções dos salários nominais sobre os determinantes da demanda efetiva, “sou agora de opinião que a manutenção de um nível geral estável de salários nominais é, resumindo todas as considerações, a política mais aconselhável” (Keynes, 1936, Cap. 19, III, p. 186)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. ?

Ora, para Keynes o funcionamento do sistema econômico como um todo é um reflexo de certas características dos determinantes da demanda efetiva: “em especial, é uma das características essenciais do sistema econômico em que vivemos não ser ele violentamente instável, mesmo estando sujeito a severas flutuações no que concerne à produção e ao emprego” (Keynes, 1936, Cap. 18, III, p. 173)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. , e “o mesmo se aplica aos preços que, em resposta a uma causa inicial de perturbação, se mostram aptos a encontrar um nível em que podem permanecer relativamente estáveis por certo tempo” (idem, p. 174). Essas características de estabilidade - especialmente a dos preços - são altamente desejáveis e necessárias em um sistema econômico no qual as decisões de consumir, produzir e investir são tomadas em permanentes condições de incerteza e risco. Por sua vez, os salários nominais são negociados num contexto institucional externo às determinações da demanda efetiva, e seu comportamento será uma resultante da interação de fatores sociais, psicológicos, políticos e econômicos, comportamento esse que, de acordo com as circunstâncias históricas de cada momento do tempo, afetará em maior ou menor grau a estabilidade do sistema como um todo e dos preços em particular. E, embora esse comportamento dos salários nominais, por ser assim constituído, não possa ser objeto de uma teoria econômica, pode ser objeto de estudo e de prescrições de política econômica: então, o nível geral dos salários nominais “deve ser mantido tão estável quanto possível, pelo menos em períodos curtos [porque] esta política terá resultado um grau conveniente de estabilidade no nível dos preços - maior estabilidade, em todo caso, do que com uma política de salários flexíveis” (Keynes, 1936, Cap. 19, III, p. 186)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. , sendo esta tão-só uma política compatível com a desejável e necessária estabilidade dos preços.

Assim, para Keynes, a inflexibilidade dos salários nominais não é uma hipótese para a sua teoria porque a possibilidade de eles “estarem ou não sujeitos às variações em nada altera a natureza do raciocínio” (Keynes, 1936, Cap. 3, II, p. 31)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. sobre a determinação do emprego a partir da demanda efetiva, constituindo-se mais numa predição a respeito do comportamento dos salários nominais, que supõe a necessária manutenção das características essenciais de estabilidade do sistema econômico e do nível de preços, e para a qual contribui a própria inflexibilidade desses salários.

Em resumo, em Teoria Geral, a contribuição essencial da abordagem de Keynes à questão da retomada a curto prazo do crescimento dos níveis de renda e de emprego a partir de uma situação de depressão econômica, em oposição à abordagem (neo)clássica, reside no argumento de que o desemprego massivo e a queda dos salários nominais não são condições necessárias à recuperação da economia (ao contrário, impedem-na), porque mesmo defrontando-se com salários nominais rígidos à baixa e com custos primários crescentes, o processo de expansão no curto prazo da atividade econômica e do emprego via expansão da demanda efetiva possibilita às empresas maximizarem seus lucros através da redução do salário real provocada pelo aumento do nível geral de preços. Ou seja, a condição para a saída da depressão é a redução do salário real; esta incompatibilidade entre a sustentação do nível do salário real e a recuperação econômica de curto prazo (via ocupação da capacidade ociosa), na visão de Keynes, decorre de sua concordância básica, embora não irrestrita, com a teoria (neo)clássica dos custos de produção e dos preços (v. notas 14 e 1). Mesmo no âmbito do pensamento keynesiano, porém, essa incompatibilidade não se projeta como necessidade teórica na situação de prazo mais longo, na qual o crescimento econômico pode se basear na expansão da capacidade produtiva através de investimentos que possibilitem rendimentos crescentes.18 18 Para Ohlin, nem isto é necessário, pois “it seems to be a fact that during the early phases of recovery employment often grows without any reduction in wage rates or fall in the cost of living. And during a later phase, wage rates often rise as fast as the cost of living or faster. Such an increase in real wages cannot possibly be explained with reference to an increase in the quantity of equipment in the course of a few years’ time, for the increase of this kind is small compared with the percentage growth of employment” (1937 a, p. 196). E, respondendo à carta de Keynes, na qual este se refere aos rendimentos decrescentes no curto prazo como uma das poucas proposições incontroversas da teoria econômica, Ohlin afirma que “I have talked this matter with some Americans who know a lot about facts and they agree that in a recovery from a severe depression employment often grows without any fall in the real wage. This may be due to the existence of constant or even rising physical returns, which you are evidently thinking of in your notes” (1937 b, p. 201).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983.
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  • KEYNES, J. M. (1939). “Movimentos Relativos dos Salários Reais e da Produção”, p. 272-87. ln: A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (Apêndice 2). São Paulo, Abril Cultural, 1983.
  • OHLIN, Bertil (1937a). “Addendum: Ohlin’s Original Remarks”, p. 191-200. ln: The General Theory and After (Part 2. Defence and Development). CWJMK, vol. XIV. D. Moggridge, ed., Londres, MacMillan, 1973.
  • OHLIN, Bertil (1937b). (Carta a Keynes, 13 de julho) p. 200-01. ln: The General Theory and After (Part 2. Defence and Development). CWJMK, vol. XIV. D. Moggridge, ed., Londres, MacMillan, 1973.
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  • SWAELEN, E. A. (1982). Desemprego, Salários e Preços: um Estudo Comparativo de Keynes e da Macroeconomia da Década de 1970. Rio de Janeiro, BNDES.
  • 1
    ‘No mesmo sentido, Keynes (1936, Cap. 2, V, p. 24)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. considera que, no curto prazo, dadas as condições gerais do sistema produtivo, de acordo com o primeiro postulado, “os salários reais e o volume de produção (e, portanto, do emprego) são correlacionados de uma única forma, de tal modo que, em termos gerais, um aumento do emprego só pode ocorrer simultaneamente com um decréscimo da taxa de salários reais”, sem contestar “este fato fundamental que os economistas clássicos (corretamente) declararam inatacável”. Não obstante, mais tarde, Keynes (1939, p. 277-78)KEYNES, J. M. (1939). “Movimentos Relativos dos Salários Reais e da Produção”, p. 272-87. ln: A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (Apêndice 2). São Paulo, Abril Cultural, 1983. , em Teoria Geral, referindo-se às suas concepções sobre os movimentos relativos de emprego, custos de produção, preço, e salários nominais e reais, observaria que “o fato empírico presumível de que, a curto prazo, os salários reais tendem a deslocar-se em sentido oposto ao do nível de produção parecia, por outro lado, então de conformidade com as generalizações mais fundamentais de que a indústria está sujeita a um custo marginal crescente a curto prazo, de que, no caso de um sistema fechado como um todo, o custo marginal a curto prazo é substancialmente a mesma coisa que o custo de salários marginais, e de que, em condições de concorrência, os preços são governados pelo custo marginal, sendo que todas estas considerações estão, naturalmente, sujeitas a várias peculiaridades, em cada caso; entretanto, continua sendo, em conjunto, uma generalização válida. Reconheço, agora, que essa conclusão é muito simples, e que não representa um tratamento adequado da complexidade dos fatos. Todavia, continuo aceitando a estrutura básica do raciocínio, acreditando que ele deva ser reformulado em vez de rejeitado”. Ele reafirma nesse artigo “o efeito positivo de uma política de investimento expansionista sobre o emprego” (p. 278) através do estímulo dessa política ao crescimento da demanda efetiva, e assinala que a adoção da generalização que estabelece (como em Foxwell, Dunlop, Tharsis e Kalecki) uma relação direta entre os níveis de salário real e de emprego tanto na depressão como na recuperação tornaria possível “simplificar consideravelmente a versão mais complicada de minha exposição fundamental apresentada em minha Teoria Geral” (idem), especialmente (ibidem, nota 11) “no capítulo 2, por se tratar da parte do meu livro que mais carece de revisão”.
  • 2
    Keynes (1936, Cap. 2, II, p. 21)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. observa que, nos termos (neo)clássicos, é ao salário nominal fixado através de negociações entre trabalhadores e empresários “que se recorre para determinar o salário real”, e que, nesse contexto teórico, “a redução do nível geral dos salários nominais é necessariamente acompanhada, pelo menos em curtos períodos e apenas sujeita a algumas restrições secundárias, por certa redução dos salários reais, embora nem sempre proporcional”. De fato, considerando-se iguais o custo marginal do salário e o custo primário marginal em quaisquer indústrias (como o faz, p. ex., Pigou apud Keynes, 1926, Cap. 19, Apêndice, p. 189), e levando-se em conta o princípio de maximização dos lucros, expresso pelas igualdades entre o preço e o custo marginal, e entre o salário real e o produto físico marginal do trabalho, conclui-se que as reduções relativas dos salários nominais e reais só serão iguais no caso particular de elasticidade unitária de redução do produto físico marginal em relação a uma dada redução do salário nominal, quando o nível geral de preços não se modifica.
  • 3
    Registre-se, porém, a observação de Keynes (1936, Cap. 20, II, p. 199)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. de que esta “hipótese de que as variações do emprego dependem unicamente das variações da demanda efetiva (...) não passa de uma primeira aproximação, admitindo que haja mais de um modo de gastar um aumento de rendas. (...) Se, por exemplo, a demanda suplementar for em grande parte dirigida para as indústrias com alta elasticidade de emprego, o aumento agregado do emprego será maior do que se o mesmo se orientar para as indústrias que oferecem pouca elasticidade de emprego. Do mesmo modo, o emprego pode baixar sem que tenha ocorrido qualquer mudança na demanda agregada, se a orientação da demanda se modificar em proveito das indústrias com elasticidade relativamente baixa de emprego’’.
  • 4
    “A propensão a consumir e o nível do novo investimento é que determinam, conjuntamente, o nível de emprego, e é este que, certamente, determina o nível de salários reais - não o inverso” (Keynes, 1936, Cap. 3, II, p. 33)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. .
  • 5
    Isto é, nos termos de Keynes (1936, Cap. 19, I, p. 180)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. , no “conjunto da indústria”, ou na “indústria inteira”.
  • 6
    Ressalte-se novamente (v. nota 2) que a concepção (neo)clássica do custo marginal restringe em quaisquer indústrias o custo primário marginal ao custo marginal do salário, equívoco explicitamente referido por Keynes e por ele considerado na sua definição do custo primário através dos conceitos de “custo dos fatores” e de “custo de uso” e na sua definição do preço de oferta de curto prazo, igual, normalmente, ao custo primário marginal. Ver Keynes (1936, Cap. 6, I, p. 47-49, espec. as notas 3 e 4, e Apêndice, p. 55-57, espec. a nota l; Cap. 19, Apêndice, p. 189, espec. a nota 1)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. . Keynes considera porém que possa ser “conveniente” e “adequado” excluir o custo de uso do custo primário marginal ao examinar a economia como um todo, supondo adicionalmente a existência de uma relação constante entre o custo de fatores e o custo de salário.
  • 7
    Para dadas condições técnicas médias de produção em uma indústria qualquer, uma redução da taxa de salário nominal provocaria uma diminuição do produto físico marginal tanto maior quanto maior fosse o nível de emprego (e vice-versa), visto que, da perspectiva neoclássica, os rendimentos decrescentes tenderiam a intensificar-se à medida que aumento do nível de emprego provocado pela redução do salário nominal aproximasse nível corrente de emprego do nível de pleno emprego.
  • 8
    A noção genérica de “salário real” encerra uma questão conceitual que convém esclarecer. Do ponto de vista da teoria clássica (referida principalmente às obras de Smith, Ricardo e Marx), o salário real expressa o poder de compra do salário nominal medido em termos do valor de mercado dos bens de consumo necessários à reprodução dos trabalhadores (isto é, dos “bens de consumo dos assalariados”, nas palavras de Pigou conforme Keynes no segundo capítulo de Teoria Geral) como classe social. Na visão neoclássica, ou marginalista (denominada “clássica” por Keynes, e referida à estrutura teórica comum das obras de Von Thünen e Cournot, Menger e Jevons, Walras, Pareto, Marshall e Pigou, entre outros), o salário real expressa o valor do salário nominal em termos do valor de mercado do produto gerado pela atividade econômica, seja ao nível de uma indústria qualquer, seja ao nível da economia como um todo. Sob esta última perspectiva, a taxa geral de salário real é função do nível geral dos preços, e, assim, como por definição, wr = wn/p (onde w, representa o nível geral dos salários reais, w” expressa o nível geral dos salários nominais e p indica o nível geral de preços), e como pela condição de maximização dos lucros, p = CMgw = wn/PFMgT (onde CMgw e PFMgT expressam respectivamente o custo marginal do salário e o produto físico marginal do trabalho), então wt = PFMgT, e as variações do salário real devem acompanhar as do produto físico marginal no mesmo sentido e na mesma magnitude, quer numa indústria em particular (sendo a taxa de salário real nessa indústria uma função do nível de preços do seu produto), quer na economia como um todo, dado o caráter de lei econômica geral que a teoria (neo)clássica atribui à igualdade entre o salário real e o produto físico marginal do trabalho (aqui considerada sob o suposto da identidade, no curto prazo, entre o custo primário marginal e o custo marginal do salário). Observe-se, finalmente, que essa diferença conceitual entre as teorias clássica e neoclássica sobre o salário real, que tem subjacente o princípio de maximização dos lucros, não faz mais do que espelhar em nível abstrato a diferença de percepção socialmente concreta entre trabalhadores e empresários sobre o que o salário real representa para cada uma dessas classes sociais: o fator fundamental, simultânea e antagonicamente, da reprodução social dos trabalhadores e de maximização dos lucros empresariais, mesmo numa economia em crescimento (descartando-se, portanto, a hipótese profit squeeze, uma vez que interessa ressaltar que, no âmbito analítico da argumentação neoclássica, ainda que não haja compressão dos lucros numa economia em crescimento, o salário real continua sendo visto como fator antagônico à maximização dos lucros). Esta percepção socialmente diferenciada sobre o salário real (e sobre o nível de emprego) constitui-se em mais um argumento que se presta à invalidação do segundo postulado da teoria (neo)clássica do emprego, além daqueles expostos por Keynes no capítulo 2 de Teoria Geral, que reduz as negociações salariais entre trabalhadores e empresários sobre o salário real a um diálogo entre surdos. Nesse contexto é que se estabelece, p. ex., o pressuposto (neo)clássico de que, ao longo de um ciclo expansivo de curto prazo, se a partir de um certo nível de produção os trabalhadores não mais aceitassem uma redução do salário real através da diminuição do salário nominal, estariam exercendo um poder capaz de fazer cessar a expansão do emprego, embora as firmas continuassem a maximizar seus lucros e a economia se encontrasse “em equilíbrio”, com o que todo desemprego além do friccional, enquanto decorrente da vontade dos trabalhadores, seria desemprego “voluntário”. A citação inicial deste trabalho sugere uma identificação da visão keynesiana sobre o significado do salário real com a visão clássica, o que parece manter-se ao longo de Teoria Geral; entretanto, no seu artigo sobre os “Movimentos Relativos dos Salários Reais e da Produção”, Keynes registra que - a nível metodológico - seu raciocínio em Teoria Geral “partiu do princípio de que, em termos gerais, a mão-de-obra é remunerada por meio de seu próprio produto composto, ou pelo menos de que o preço dos bens de consumo dos assalariados se desloca da mesma maneira que o preço do produto agregado” (Keynes, 1939, II, p. 280)KEYNES, J. M. (1939). “Movimentos Relativos dos Salários Reais e da Produção”, p. 272-87. ln: A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (Apêndice 2). São Paulo, Abril Cultural, 1983. . Mas a diferença maior, e radical, entre as perspectivas keynesiana e (neo)clássica sobre o salário real refere-se à sua determinação, e não ao seu significado.
  • 9
    Retomando - e generalizando - a observação de Keynes (1936, Cap. 19, I, p. 180)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. de que “os preços não variam em proporção exata com as modificações nos salários nominais”, além de situá-la no contexto teórico (neo)clássico de igualação entre os custos primário marginal e marginal do salário (v. notas 2 e 6).
  • 10
    Como deve estar claro, as duas outras possibilidades - a de preços constantes e a de preços em alta, a partir de uma redução dos salários - não se prestam à argumentação (neo)clássica sobre um aumento do emprego via redução do salário nominal, não sendo ambas sequer cogitadas nesse contexto teórico.
  • 11
    Embora a curva de demanda por mão-de-obra, geneticamente (neo)clássica, usualmente relacione biunivocamente diferentes níveis de emprego e de salário real, o “argumento não se altera essencialmente, quer se raciocine em termos de salários nominais ou reais; se pensamos em termos de salários nominais, temos, naturalmente, de fazer as correções correspondentes às variações no valor da moeda, mas isso não altera a tendência geral do argumento” (Keynes, 1936, Cap. 19, I, p. 180)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. .
  • 12
    Keynes (1936, Cap. 19, II, (1), p. 182)KEYNES, J. M. (1936). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. considera que uma redução nos salários nominais acarretará “certa redistribuição da renda real (a) dos assalariados para outros fatores que entrem no custo primário marginal e cuja remuneração não tenha sido reduzida, e (b) dos empresários para os rendeiros (sic) aos quais se garantiu certo rendimento fixo em termos monetários”, e que “o efeito dessa redistribuição sobre a propensão a consumir da comunidade em conjunto ( ... ) provavelmente será mais adverso que favorável”.
  • 13
    Apesar da afirmação contrária de Swaelen (1982, 2.2, p. 27)SWAELEN, E. A. (1982). Desemprego, Salários e Preços: um Estudo Comparativo de Keynes e da Macroeconomia da Década de 1970. Rio de Janeiro, BNDES. .
  • 14
    Numa carta a Ohlin datada de 29 de abril de 1937, Keynes afirma enfaticamente: “I have always regarded decreasing physical returns in the short period as one of the very few incontrovertible propositions of our miserable subject!” (Keynes, 1937, p. 190)KEYNES, J. M. (1937). “Notes on Ohlin’s Final Section”, p. 188-91. ln: The General Theory and After (Part 2. Defence and Development) . CWJMK, vol. XIV. D. Moggridge, ed., Londres, MacMillan, 1973. . Esta posição só foi revista, sujeita a várias restrições, em seu artigo “Movimentos Relativos dos Salários e da Produção”, publicado pelo Economic Journal em março de 1939; mas ainda aqui - lembrando as circunstâncias da ida de Sraffa para o Trinity College e da publicação de seu artigo “As Leis dos Rendimentos sob Condições de Concorrência” também pelo Economic Journal em 1926 - é surpreendente verificar-se como Keynes continua essencialmente desconsiderando a afirmação de Sraffa (1926, p. 24)SRAFFA, Piero (1926). “As Leis dos Rendimentos sob Condições de Concorrência”. Literatura Econômica, Rio de Janeiro, 4 (1): 13-34, 1982. de que “a experiência cotidiana mostra-nos que um grande número de empreendimentos - e a maioria dos que produzem bens de consumo manufaturados - trabalha sob condições de custos individuais decrescentes’’.
  • 15
    Ver Keynes (1939, III, p. 281)KEYNES, J. M. (1939). “Movimentos Relativos dos Salários Reais e da Produção”, p. 272-87. ln: A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (Apêndice 2). São Paulo, Abril Cultural, 1983. . Na verdade, Keynes faz mais do que admitir, para a produção em conjunto da economia, a igualdade entre o custo primário marginal e o custo marginal dos fatores, conforme visto na nota 6. No contexto de sua teoria geral do emprego, para fins de simplificação analítica e expositiva, ele considera (no curto prazo, e para uma economia fechada) que o custo marginal dos fatores reduz-se ao custo marginal dos salários; então, não só o custo marginal dos fatores iguala-se ao custo marginal do salário, como este iguala-se ao custo primário marginal (v. nota 1) e ao preço de oferta global.
  • 16
    Ou seja, a curva de oferta de mão-de-obra só indica a quantidade máxima de trabalho oferecido a cada nível de salário real por unidade de tempo na situação particular do pleno emprego; nas demais situações que configuram a generalidade dos casos possíveis de desemprego involuntário, essa quantidade é indeterminada, e a curva não pode ser construída.
  • 17
    A rejeição do segundo postulado da teoria (neo)clássica do emprego por Keynes em Teoria Geral leva-o a refutar “a conclusão sumária de que uma redução dos salários nominais aumentaria o emprego porque reduz o custo de produção’” (1936, Cap. 19, II, p. 181) e a destacar que esta teoria omite “completamente em sua análise o fator instável [na origem do ciclo econômico], a saber, as flutuações na escala do investimento, que no mais das vezes, são a causa do fenômeno das flutuações no emprego” (idem, ibidem, Apêndice, p. 194; grifo meu, pois a edição brasileira simplesmente inverte o sentido desta afirmação tal como originalmente expressa por Keynes).
  • 18
    Para Ohlin, nem isto é necessário, pois “it seems to be a fact that during the early phases of recovery employment often grows without any reduction in wage rates or fall in the cost of living. And during a later phase, wage rates often rise as fast as the cost of living or faster. Such an increase in real wages cannot possibly be explained with reference to an increase in the quantity of equipment in the course of a few years’ time, for the increase of this kind is small compared with the percentage growth of employment” (1937 a, p. 196)OHLIN, Bertil (1937a). “Addendum: Ohlin’s Original Remarks”, p. 191-200. ln: The General Theory and After (Part 2. Defence and Development). CWJMK, vol. XIV. D. Moggridge, ed., Londres, MacMillan, 1973. . E, respondendo à carta de Keynes, na qual este se refere aos rendimentos decrescentes no curto prazo como uma das poucas proposições incontroversas da teoria econômica, Ohlin afirma que “I have talked this matter with some Americans who know a lot about facts and they agree that in a recovery from a severe depression employment often grows without any fall in the real wage. This may be due to the existence of constant or even rising physical returns, which you are evidently thinking of in your notes” (1937 b, p. 201)OHLIN, Bertil (1937b). (Carta a Keynes, 13 de julho) p. 200-01. ln: The General Theory and After (Part 2. Defence and Development). CWJMK, vol. XIV. D. Moggridge, ed., Londres, MacMillan, 1973. .
  • 19
    JEL Classification: B22; B31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1991
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