Acessibilidade / Reportar erro

A despesa previdenciária no Brasil: evolução, diagnóstico e perspectivas* * Os autores agradecem os comentários de Eduardo Mendes e Fábio Barbosa, assumindo porém, como de praxe, plena responsabilidade pelo conteúdo final do trabalho.

Social security expenditures in Brazil: evolution, diagnosis and perspectives

RESUMO

Este artigo apresenta a evolução dos componentes relacionados às despesas da Previdência Social no Brasil. Mostra que, entre 1980 e 1990, o número de benefícios mantidos apresentou uma taxa de crescimento anual de 4,8%. Essa taxa foi mantida entre 1990 e 1996. Esse fato foi explicado pela combinação de impactos excepcionalmente negativos com alguns outros especialmente favoráveis. No primeiro caso, inclui-se a duplicação, de 1,9 a 3,8 milhões de aposentados nas áreas rurais, entre 1991 e 1994, enquanto no segundo caso, a queda de mais de 8% em benefícios excluídos aposentadorias e pensões durante a década atual é o fenômeno mais marcante. Com base em algumas hipóteses, são feitas algumas projeções para as despesas da Seguridade Social para o governo atual e o próximo. Conclui-se, com base em alguns parâmetros realistas, que essas despesas devem crescer entre 4,5 - mais provavelmente - e 5,5% ao ano, em média, durante os próximos anos.

PALAVRAS-CHAVE:
Reforma previdenciária; gasto público; previdência social

ABSTRACT

This paper presents the evolution of the components related to the Social Security expenditures in Brazil. It is shown that between 1980 and 1990 the number of benefits maintained had a yearly growth rate of 4,8%. This rate was maintained between 1990 and 1996. This fact was explained by the combination of exceptionally negative impacts with some other specially favourable. In the first case, it is included the duplication, from 1,9 to 3,8 millions of retired people in the rural areas, between 1991 and 1994, while in the second case the fall of more than 8% in the: benefits excepted retirements and pensions during the current decade is the most outstanding phenomenon. Based on some hypotheses, some projections for the Social Security expenditures for the current and the next Government are made. It is concluded, based on some realistic parameters, that these expenditures should grow between 4,5 - more probably - and 5,5% by year, as an average, during the next years.

KEYWORDS:
Public expenditures; pension reform; public pension

1. INTRODUÇÃO

Os problemas causados pelo sistema de repartição adotado para a previdência social no Brasil vêm sendo debatidos há muito tempo.1 1 Ver, por exemplo, Moura da Silva e Luque (1982), Oliveira e Beltrão (1989) e Oliveira, Beltrão e Guedes (1991). Para uma discussão das alternativas de reforma, ver, entre outros, Faro (1996), Oliveira, Beltrão e Giambiagi (1996) e a coletânea organizada por Faro (1993). Tais problemas são comuns a outros países, embora no Brasil sejam agravados por algumas características específicas da nossa legislação, como a figura jurídica do direito à aposentadoria por tempo de serviço.2 2 Para uma discussão dos problemas fiscais associados aos regimes previdenciários em alguns dos principais países industrializados, ver Leibfritz et al. (1995). Para uma análise de como os problemas do regime vigente levaram às reformas adotadas recentemente em alguns países da América Latina e das lições a serem tiradas desses processos de reforma, ver Ayala (1995). Para entender alguns dos problemas relacionados com a existência da aposentadoria por tempo de serviço, ver Giambiagi, Além e Pastoriza (1997). Devido a tais problemas, o governo brasileiro enviou em 1995 ao Congresso uma proposta de reforma da previdência social que, porém, foi drasticamente modificada na Câmara dos Deputados, gerando como resultado um projeto significativamente diferente e muito mais modesto que o texto original - que, por sua vez, estava longe de representar uma mudança radical em relação ao modelo previdenciário vigente. Isto posto, a necessidade de reforma da previdência é um tema que continua na ordem do dia, no sentido de que, sem ela, o país poderá ter, a longo prazo, problemas gravíssimos de financiamento do setor público, devido à pressão dos déficits do sistema previdenciário.3 3 Ao longo do texto, apenas para facilitar a linguagem, usar-se-á a expressão “sistema” em referência às despesas do INSS com antigos trabalhadores do setor privado, que são o objeto específico ao qual este trabalho está circunscrito. Cabe ressaltar, contudo, que o sistema previdenciário do país, a rigor, envolve também os pagamentos de benefícios aos antigos funcionários públicos por parte do governo, bem como as despesas de aposentadorias a cargo dos fundos de pensão.

No momento, o futuro da reforma previdenciária é incerto, uma vez que ela encontra-se no Senado, onde o governo pretende alterar o projeto aprovado pelos deputados. De qualquer forma, mesmo que ele tenha sucesso na sua tentativa, as limitações das mudanças em discussão permitem antecipar que o país terá que encarar uma nova reforma da previdência, em algum momento futuro. Isto posto, face às resistências enfrentadas pelo projeto do governo na presente legislatura e devido ao custo político elevado de uma derrota em assunto de tanta repercussão, o próximo governo a ser empossado em 1999 terá que fazer uma escolha difícil entre as alternativas de, para evitar problemas fiscais futuros, fazer uma nova tentativa de reforma do sistema - com riscos de ser derrotado - ou, pelo contrário, tentar evitar de incorrer em riscos políticos - mesmo sabendo o peso que a demora pode ter em termos de pressão sobre a despesa de benefícios - e deixar a reforma previdenciária para ser feita pelo governo que assumir em 2003.

Este artigo se propõe a oferecer subsídios para essa decisão, com base em um panorama histórico da evolução da previdência social nos últimos quinze anos, que permite fazer algumas ilações a respeito do que se pode esperar do comportamento de algumas variáveis-chave do sistema ao longo dos próximos anos. Ele se divide em cinco seções. Após esta introdução, mostra-se o pano de fundo do debate sobre a despesa previdenciária, no caso brasileiro. Na terceira seção, expõem-se os dados referentes à evolução do gasto com benefícios nas décadas de 80 e 90. Na seção posterior, apresentam-se algumas projeções para os próximos anos acerca dessas variáveis. Por último, expõem-se as principais conclusões do trabalho.

Cabe frisar que o trabalho trata apenas dos gastos associados à despesa com benefícios previdenciários pagos a antigos trabalhadores do setor privado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O “problema previdenciário” no Brasil, porém, é mais abrangente do que o universo do INSS, tendo em vista que está ligado também ao peso crescente do pagamento a inativos do setor público, variável essa que não é objeto do presente trabalho.4 4 Para uma descrição do sistema de previdência do funcionalismo público ver Medici, Beltrão e Marques (1993). O esclarecimento é fundamental, porque algumas conclusões do artigo podem não ser válidas para o caso específico dos servidores públicos inativos.5 5 Em particular, a tese a ser defendida neste trabalho, de que é possível esperar alguns anos antes de fazer uma reforma mais profunda do sistema, não deve ser extrapolada para os servidores públicos. Embora essa discussão vá além dos objetivos do artigo, o posicionamento dos autores é o de que, antes de que existam condições para uma reforma previdenciária mais profunda, seria importante adotar mudanças específicas no âmbito da Administração Pública, eliminando o “plus” que muitos servidores ganham ao se aposentar e restringindo a possibilidade de aposentadorias precoces de servidores.

2. O DEBATE SOBRE GASTO PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL

2.1. O contexto do debate: a evolução da legislação

A constituição do sistema previdenciário brasileiro seguiu, de forma geral, a trajetória dos sistemas criados nos países desenvolvidos, principalmente os europeus.6 6 Os sistemas previdenciários desses países caracterizam-se por um modelo amplo de proteção social, organizado pelo Estado e com acesso do conjunto da população. Vale dizer que o processo de universalização significou a superação da concepção de proteção dirigida somente a trabalhadores assalariados e sua substituição por uma outra, baseada no conceito de cidadania. Até a Segunda Guerra, o financiamento da previdência foi o de capitalização coletiva. ou seja, o fundo acumulado pelas contribuições servia para arcar com o pagamento de pensões e aposentadorias - baseado em contribuições definidas e sem benefícios definidos -, a partir das disponibilidades propiciadas pela rentabilidade de seus ativos. Nos anos 50 e 60, caracterizados pelo progressivo fortalecimento do Welfare State. os sistemas públicos de previdência abandonaram a lógica de capitalização coletiva para ingressar numa nova lógica: a de repartição simples. Os regimes de repartição caracterizam-se pelo sistema pay as you go. Nesse sentido, os trabalhadores de hoje financiam as aposentadorias e pensões dos aposentados atuais, com a expectativa de que, posteriormente, os futuros jovens entrantes do mercado de trabalho possam fazer o mesmo por eles. Ver Medici e Marques (1995), Kandir et al. (1994) e Vianna (1994) No início, o sistema baseou-se, principalmente, no conceito de seguro, pelo qual o indivíduo contribui e tem direito a um benefício diretamente relacionado ao valor da contribuição. Progressivamente, foi-se adotando o conceito de previdência enquanto sistema redistributivo e assistencial, o que correspondeu a uma mudança do regime de capitalização para o de repartição simples, com a consolidação de sua forma pública.7 7 A maioria dos regimes previdenciários conhecidos constituiu-se, em sua origem, sob o regime de capitalização e, pouco a pouco, sob a pressão das dificuldades financeiras e fiscais do Estado, foi evoluindo para o regime de repartição simples.

O primeiro grande marco da previdência social no Brasil foi a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) por categoria profissional ou empresa, a partir da Lei Eloi Chaves, de 1923. Neste ano, o Decreto 4.682 determinou a formação da Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados de cada empresa ferroviária. Em 1926, foi a vez dos portuários. No ano de 1928, foi criada a caixa para os trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos; em 1930, dos serviços de força, luz e bondes; em 1931, dos demais serviços públicos explorados ou concedidos pelo poder público; e entre 1932 e 1934, dos trabalhadores das empresas de mineração e transporte aéreo. Em 1937, havia 183 Caixas de Aposentadorias e Pensões instaladas no país. A principal característica do sistema de caixas de aposentadoria era ter como clientela a categoria profissional ou os trabalhadores de uma empresa. O financiamento do sistema era feito pelos empregados, pelas empresas e pelos governos. Embora sua criação e funcionamento fosse objeto de regulação do Estado, sua capacidade de fiscalização era restrita. Além disso, funcionavam em regime de capitalização. Essa forma de organização revela que as caixas de aposentadoria baseavam-se no conceito de previdência enquanto seguro. Ao longo dos anos 30, o sistema das caixas começou a ser substituído pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), autarquias centralizadas no governo federal e supervisionadas pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Os institutos eram de âmbito nacional e sua filiação seguia a categoria profissional, definida com base na atividade genérica da empresa. Entre 1933 e 1945 foram criados seis IAPs: industriários; marítimos e transportes de carga; bancários; comerciários; estiva e servidores do Estado. Os IAPs, além de prover aposentadorias e pensões, garantiam a prestação de assistência médica para seus filiados e dependentes.

A criação dos IAPs representou um primeiro passo em direção a um maior nível de abrangência do sistema de proteção. Entretanto, ainda ficavam de fora os trabalhadores rurais, os do setor informal urbano e os autônomos. Além disso, muitos assalariados do próprio mercado formal urbano não eram assistidos por não exercerem profissão nos ramos de atividade contemplados pelos institutos. No que diz respeito ao financiamento, os IAPs evoluíram para o regime de repartição simples pela pressão dos gastos públicos crescentes. No início de funcionamento do sistema sob a lógica de repartição simples, como havia um número relativamente pequeno de beneficiários, foram concedidas aposentadorias e pensões generosas, além de utilizar o superávit do sistema para outros fins que não a acumulação de um lastro atuarial, sem que se levassem em conta as implicações disto no equilíbrio financeiro do sistema previdenciário a longo prazo.

A tentativa de solucionar o problema culminou em 1960 na promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) - estabelecendo a uniformização dos planos de benefícios, embora mantendo intacta a estrutura fragmentada do sistema -, que lançou as bases para a unificação da previdência, com a criação de um esquema geral de funcionamento e financiamento único para os seis IAPs existentes.8 8 A LOPS representou. na prática, a cobertura potencial de todos os trabalhadores urbanos, com exceção dos empregados domésticos e ministros religiosos -- ambos incluídos somente em 1972, os primeiros de forma compulsória e os outros de forma facultativa. Ver Medici e Marques (1995) e Medici, Oliveira e Beltrão (1993).

Em 1964 foi criada uma Comissão Interministerial para a reformulação da previdência social e em 1966 o decreto-lei 72, de 21/11/1966, extinguiu os IAPs, fundindo suas antigas estruturas no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social. Com isso, inaugurou-se uma nova fase, caracterizada pela extensão dos serviços a categorias ainda não cobertas, como os trabalhadores rurais. Os seguros relacionados a acidentes de trabalho passa­ram, também, a fazer parte do novo arcabouço jurídico e institucional da previdência social.9 9 O INPS unificava a estrutura anterior, deixando de fora apenas o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Servidores do Estado (IPASE). Esse instituto foi extinto nos anos 80 e suas estruturas de assistência médica foram incorporadas ao sistema nacional de proteção social. O INPS passou a ser responsável pelas aposentadorias, pensões e assistência médica de todos os trabalhadores do mercado formal e de seus dependentes. A única condição de acesso era a contribuição do empregado e do empregador. Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) - Lei 6.036 de 01/05/1974 - e, em 1975, foi feita a Consolidação das Leis da Previdência Social. Por esta época a abrangência do sistema já tinha aumentado significativamente, atendendo aos trabalhadores urbanos - mercado formal - e rurais, e aos autônomos e empregadores. Em 1977, a Lei 6439 criou o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) e o INPS foi desmembrado em três institutos: o Instituto de Administração da Previdência e Assistência social (IAPAS), destinado a administrar e recolher os recursos do INPS; o INPS, que ficou restrito aos benefícios previdenciários e assistenciais; e o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), destinado a administrar o sistema de saúde.

2.2. O debate sobre a previdência social

A Constituição de 1988 representou um momento importante na evolução do sistema de proteção social brasileiro: a partir das mudanças introduzidas, os benefícios e serviços prestados pela previdência, bem como pela saúde, assistência e seguro-desemprego, passaram a ser partes integrantes de uma ampla proteção garantida sob o conceito de Seguridade Social.

Entre as principais mudanças introduzidas, destacam-se a elevação do piso dos benefícios para um salário-mínimo; a eliminação das diferenças entre indivíduos rurais e urbanos em relação aos benefícios; e o direito de ingresso de qualquer cidadão ao sistema, mediante contribuição, o que completou o processo de universalização iniciado em 1967, com a substituição do princípio do mérito pelo de cidadania.10 10 Em consequência, estabeleceu-se para a Seguridade Social um orçamento global, que integra o financiamento da saúde, previdência e assistência social, além das relacionadas à proteção ao trabalhador desempregado (seguro-desemprego). As fontes de financiamento do sistema são: a Contribuição sobre Folha de Salários - empregados, empregadores e trabalhadores por conta-própria - -; a Contribuição sobre o Lucro Líquido e o FINSOCIAL, posteriormente transformado em Contribuição para o Financiamento da Seguridade (COFINS). além do PIS/PASEP, voltado para compor o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), gerido pelo Ministério do Trabalho e voltado para financiar o seguro-desemprego. O sistema previdenciário no Brasil foi sempre financiado essencialmente pelas contribuições calculadas sobre a folha de salários. tal como ocorre nos regimes públicos de repartição simples. Os novos direitos promulgados pela Constituição de 1988 foram consolidados na Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212, de 1990) e no Plano de Custeio da Seguridade Social (Lei 8.213, de 1990). Essas duas leis foram regulamentadas pelos decretos 611 e 612 de 1992, respectivamente. Ainda em 1990, o INPS passou a se denominar INSS, tendo sido refundido com o IAPAS.

Ainda que se reconheça o mérito da universalização do sistema de proteção social - principalmente em um país como o Brasil, marcado por sérias desigualdades sociais -, o problema é que a ampliação de direitos não teve como contrapartida um volume adequado de recursos que viabilizasse um equilíbrio financeiro a longo prazo da previdência. Essa situação toma-se ainda mais preocupante quando se consideram características próprias do sistema - como a manutenção da possibilidade de aposentadorias precoces por tempo de serviço - e fatores exógenos/estruturais como mudança nas relações de trabalho - seja pela introdução de novas técnicas organizacionais, seja pelo aumento da informalização do mercado de trabalho, em ambos os casos afetando negativamente a receita previdenciária - e no perfil demográfico da população.11 11 Alguns dos problemas do sistema no Brasil são comuns à maioria dos países. Grande parte dos sistemas previdenciários existentes no mundo enfrentam atualmente graves crises financeiras e experimentam uma tendência crônica ao déficit. A partir da segunda metade dos anos 70, tendo em vista as crescentes dificuldades financeiras vivenciadas pela economia, pelo setor público e pelos sistemas de proteção social, começou a se manifestar a preocupação em conter o crescimento dos gastos sociais. A crise que atinge a seguridade social nas sociedades desenvolvidas reflete as mudanças na estrutura demográfica, cujo perfil vem mostrando uma diminuição do contingente de população ativa em relação à inativa: menores taxas de natalidade e maior longevidade fazem com que os encargos com idosos, aposentados, doentes crônicos etc. se tornem pesados. Essas dificuldades ocorreram a partir dos anos 70, em meio ao arrefecimento do crescimento econômico e ao registro de taxas de desemprego nunca vistas. Para uma análise do caso dos Estados Unidos e dos problemas atuariais associados ao envelhecimento da geração do baby-boom do imediato pós-guerra, ver Gramlich (1996). Como resultado dessa constatação, a tese acerca da necessidade de uma reforma da previdência social para evitar a insolvência do sistema a longo prazo tem ganho novos adeptos. Entre aqueles que reconhecem que o sistema atual tem falhas e que deve ser mudado, porém, há grandes diferenças. Na origem da controvérsia há uma diferença filosófica, entre aqueles que analisam a previdência social sob a ótica de seguro - neste caso o indivíduo contribui e tem como contrapartida um benefício que guarda relação direta com o valor da contribuição - e os que entendem que ela deve ser vista como parte de um sistema de Seguridade Social, tendo uma função distributivaassistencialista - neste caso as contribuições devem ser pagas de acordo com as possibilidades de cada um, e os benefícios, conforme as necessidades.12 12 Para maiores detalhes sobre a primeira abordagem, ver Faro (1996) e sobre a segunda, Teixeira (1990 e 1995).

Paralelamente, alguns dos participantes do debate sobre a previdência social entendem que o problema do equilíbrio financeiro da previdência é de ordem mais conjuntural do que estrutural, podendo ser solucionado com a retomada do crescimento da economia, simultaneamente a um combate eficiente às fraudes e à sonegação por parte de empresas.13 13 De um modo geral, estes autores são críticos da abordagem da previdência social como um seguro. Esta visão do problema fica clara no argumento de que é preciso “... recomendar cautela e prudência no encaminhamento das proposições revisionistas da Seguridade Social, pois não há evidências de quaisquer problemas estruturais que justifiquem uma drástica revisão do esquema de financiamento dos benefícios da Seguridade Social que atravessa, como tudo o mais no país, período de turbulência meramente conjuntural, fruto da perversa continuidade da recessão e da inflação” (Magalhães, 1993MAGALHÃES, R.A (1993). “A seguridade social no contexto do ajuste fiscal’’, Reforma Fiscal - Coletânea de Estudos Técnicos, vol. II., p. 28).14 14 A precariedade desta argumentação é dada pelo fato de que de 1993 a 1996 a economia cresceu quase 20%, a inflação caiu e, apesar disso, a crise da previdência se agravou. Ou então na seguinte afirmativa: “As dificuldades por que passa o sistema de seguridade são reais mas não intransponíveis. A prova maior disso é que, ano após ano, a previdência social vem honrando seus compromissos e gerando superávits, não existindo até o momento nenhum estudo sério que demonstre que essa tendência será revertida na próxima década” (Teixeira, 1995TEIXEIRA, A (1995). “Em defesa da seguridade e da constituição de 88”, Monitor Público, nº 6, junho/julho/agosto, Conjunto Universitário Cândido Mendes., p. 17)15 15 Entretanto, os estudos de Oliveira e Beltrão (1989) e Oliveira, Beltrão e Guedes (1991) apresentam uma análise detalhada das contas da previdência, mostrando a precariedade de seu equilíbrio financeiro e a tendência de desequilíbrios crescentes a longo prazo, caso não haja uma reforma do sistema. Isso sugere que o argumento de Teixeira acerca da inexistência de estudos que demonstrem a necessidade de uma reforma é bastante questionável.

Além disso, esses mesmos autores acreditam que se algum ajuste tiver que ser feito na previdência, ele deve ocorrer pelo lado da receita, sem cortes ou racionalização dos benefícios concedidos. Segundo Magalhães (1993MAGALHÃES, R.A (1993). “A seguridade social no contexto do ajuste fiscal’’, Reforma Fiscal - Coletânea de Estudos Técnicos, vol. II.), “... As três fontes distintas de suprimento de recursos - folha de salários, lucro das empresas e faturamento - foram estabelecidas para defender o caixa da Seguridade Social nos ciclos de estagflação, caracterizada pela queda do nível de emprego e dos salários e elevada taxa de inflação. São fontes para serem usadas em vista das circunstâncias da economia sempre no propósito de viabilizar o cumprimento do compromisso do sistema perante a sua clientela.(...) Por definição, no regime de repartição simples, como é organizada a previdência brasileira, não há possibilidade de déficit financeiro, o custo dos benefícios é um compromisso irrenunciável do sistema: variável é a receita que pode e deve ser ajustada, tantas vezes quanto necessário, para suprir o caixa do sistema. É exatamente para permitir, sempre, o equilíbrio de suas contas pelo ajustamento da receita e não pela redução das despesas que a Constituição admite, explicitamente, a elevação do valor das contribuições sociais no curso do ano fiscal. Essa exceção aos princípios gerais da anualidade e da anterioridade fiscal é o reconhecimento de que a receita da Seguridade Social deve ser ajustada, mesmo em pleno exercício financeiro, para atender às necessidades de caixa do sistema” (Magalhães, 1993MAGALHÃES, R.A (1993). “A seguridade social no contexto do ajuste fiscal’’, Reforma Fiscal - Coletânea de Estudos Técnicos, vol. II., p. 24, grifos nossos).

Este raciocínio, entretanto, deixa de levar em consideração dois fatores cruciais. Primeiro, que o argumento de que não haveria possibilidade de déficits financeiros seria válido apenas se não houvesse vasos comunicantes entre o Tesouro Nacional e o INSS, que levam aquele a financiar o desequilíbrio deste. E segundo, que um aumento adicional das alíquotas das contribuições sociais implicaria se deslocar no “lado ruim” da Curva de Lafer.16 16 Isto é, passado o ponto de maximização da receita, aumentos de alíquotas são estéreis ou contraproducentes para gerar um aumento da arrecadação. No Brasil, é razoável admitir que, com as contribuições de empregados e empregadores sendo da ordem de 30% do salário, a tendência ê de que maiores alíquotas contributivas aumentem a sonegação.

Entre os fatores estruturais que contribuem para acentuar o problema de financiamento da previdência, destaca-se a queda da relação entre o número de contribuintes e a quantidade de benefícios em manutenção - representados pelo estoque de benefícios pagos pelo INSS. A tendência à queda dessa relação é explicada pelo aumento, ao longo do tempo, da expectativa de sobrevida das pessoas que se aposentam.17 17 De fato, um dos fatores que mais têm pesado na baixa relação entre o número de contribuintes e o de beneficiários existente no Brasil é o aumento da esperança de vida da população brasileira, particularmente daqueles que se aposentam. Dados de diversos países demonstram que os diferenciais de esperança de sobrevida entre nações de maior e menor nível de desenvolvimento reduz-se significativamente à medida que aumenta a idade. A comparação da esperança de sobrevida aos 65 anos de idade de um brasileiro com a de um indivíduo de outro país mostra que são bastante modestas as diferenças entre os mesmos: 11 anos para o brasileiro, contra 12 e 14 anos para um belga e um sueco, respectivamente. Além do fato da expectativa de sobrevida aumentar conforme vão passando os primeiros anos de vida, existe uma tendência estatística à elevação da expectativa de vida e à redução da fecundidade a longo prazo, seja como efeito da melhoria das condições sanitárias das populações, seja como resultado da sofisticação de seus padrões culturais. Com isso, há uma clara tendência ao envelhecimento da população e a proporção inativos/ativos aumenta devido ao aumento de duração dos benefícios. Na fase inicial de sua implantação, todos os regimes de repartição apresentam uma relação inativos/ativos reduzida, pois o ingresso de contribuintes é grande, sendo que a concessão de benefícios de prestação continuada se resume à aposentadoria por invalidez e à pensão por morte. Quando o regime se toma maduro, ou seja, quando parcela significativa de seus contribuintes atinge a idade mínima para requerer aposentadoria ou cumpre a carência de tempo de serviço/contribuição, a relação entre o número de contribuintes e o de beneficiários decresce sensivelmente.

Os efeitos do aumento dos anos de sobrevida sobre as finanças da previdência são agravados pela possibilidade de aposentadoria por tempo de serviço, que da forma como está estruturada, permite que pessoas ainda jovens se aposentem, reduzindo, dessa forma, o número de contribuintes e aumentando o montante de beneficiários do sistema - tendo em vista que, como as pessoas aposentam-se muito cedo, permanecem por mais tempo como beneficiárias do sistema. As regras vigentes permitem que parte da população se aposente por tempo de serviço, com períodos de contribuição entre 25 e 35 anos, e uma idade média significativamente inferior a 60 anos.18 18 Para a concessão da aposentadoria integral por tempo de serviço exige-se tempo de serviço de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres. Para professores o tempo exigido é menor, de 30 anos para os homens e de 25 anos para as mulheres. De fato, há quase um consenso absoluto quanto à perversidade desse tipo de beneficio, considerado iníquo e elitista pelos estudiosos do tema. A maioria das pessoas que dele usufruem situa-se nas faixas de renda mais altas e possui empregos estáveis, com qualificação profissional e progressão funcional. Essa constatação vai contra a justificativa para a existência de tal beneficio, que seria a de privilegiar as pessoas de baixa renda com entrada precoce no mercado de trabalho.19 19 Para uma análise detalhada deste tipo de benefício, ver Giambiagi, Além e Pastoriza (1997).

Segundo Teixeira, “a aposentadoria por tempo de serviço constitui-se em dupla iniquidade: em primeiro lugar, pelo fato de que 60% dos aposentados tinham menos de 55 anos no momento de sua aposentadoria; e em segundo lugar, porque a quase totalidade dos beneficiários não se inclui nos extratos de mais baixa renda da população. A única justificativa para a existência deste regime seria a de beneficiar as populações de baixa renda, em geral submetidas a condições de trabalho muito mais desgastantes. Tal, no entanto, não se dá, o que implica o pagamento de uma renda pública a uma parcela da sociedade cuja força de trabalho e cuja capacidade intelectual não se esgotaram e que, na maioria dos casos, continuará ativa” (Teixeira, 1990TEIXEIRA, A. (1990). Do seguro à seguridade: a metamorfose inconclusa do sistema previdenciàrio brasileiro, T.D. nº 249, IEI/UFRJ, dezembro., pp. 26- 27).

O sistema previdenciário brasileiro está entre os poucos do mundo - nenhum dos quais dos países desenvolvidos - que ainda admitem a aposentadoria por tempo de serviço (APTS) sem restrições. Além disso, no caso brasileiro, o tempo de serviço exigido no sistema básico acabou servindo de referência para a fixação, em número ainda menor de anos, do tempo exigido para aposentadorias de categorias específicas de trabalhadores.

Segundo Magalhães e Assis, “costuma-se justificar a aposentadoria por tempo de serviço por razões sociais de caráter demográfico. Alega-se que no Brasil o trabalhador, sobretudo rural, começa a trabalhar muito cedo e morre também relativamente cedo. Isto, contudo, não tem fundamento empírico. É certo que a mortalidade infantil entre populações rurais continua elevada, e isto portanto baixa a média relativa de vida no campo. Uma vez rompida essa barreira, porém, o que se verifica das estatísticas demográficas é que a expectativa de vida do brasileiro aumenta com a idade, tanto no campo como na cidade” (Magalhães e Assis, 1993MAGALHÃES, R.A. & ASSIS, J.C. de (1993). “Seguridade social no Brasil: objetivos e viabilidade financeira”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. 1, MPS., p. 99).

Além disso, a prova de tempo de serviço acaba privilegiando o trabalhador urbano em relação ao rural, e o trabalhador permanente do mercado formal em comparação ao que teve uma relação descontínua com o mercado formal. Como consequência, o valor médio das aposentadorias por tempo de serviço acaba superando o das aposentadorias por idade, como se verifica nas estatísticas previdenciárias20 20 De fato, a aposentadoria por tempo de serviço contraria o princípio de que o seguro de renda público deva prover uma compensação pela perda de capacidade laboral do segurado. Por outro lado, este tipo de benefício tem implicações negativas no equilíbrio financeiro a longo prazo da previdência financiada em bases correntes, tendo em vista que induz a um aumento da taxa de inatividade, independentemente de outros fatores de evolução demográfica. .

Nesta seção, pretendeu-se apenas fazer uma apresentação sumária de algumas das questões envolvidas no debate sobre a previdência social no Brasil. Não se procurou estabelecer uma taxonomia detalhada das diferentes nuances das diversas posições em debate, pois isso iria além do objetivo específico do artigo, que é apenas abordar as perspectivas de evolução do gasto previdenciário no país. De qualquer forma, à guisa de simplificação, podemos dividir as posições em tomo do assunto em dois campos. De um lado, estão os que propugnam uma reforma completa do sistema, como por exemplo os artigos de Faro (1993FARO, C. de (org.) (1993). Previdência social no Brasil: diagnósticos e sugestões de reforma. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. e 1996FARO, C. de (1996). “Previdência social no Brasil: por uma reforma mais duradoura”, Ensaios Econômicos-EPGE, nº 288, 29 páginas, setembro., no primeiro caso na forma de coletânea de trabalhos), ou Oliveira, Beltrão e Giambiagi (1996OLIVEIRA, F., BELTRÃO, K. & GIAMBIAGI, F. (1996). “Alternativas de reforma da previdência social: uma proposta”, Revista do BNDES, vol. 3, nº 6, dezembro, pp. 63-78.).21 21 Há, porém, algumas diferenças de enfoque entre os defensores de uma mudança drástica do sistema atual. As propostas sobre isso vão desde uma mudança que contemple basicamente: i) a eliminação da aposentadoria por tempo de serviço; ii) a redução do diferencial de idade entre homens e mulheres; e iii) a diminuição do teto de benefícios, até as propostas de implantação de um modelo de capitalização similar ao chileno. Estas diferenças, porém, não serão objeto de análise neste trabalho. De outro, estão os defensores do status quo, que incluem essencialmente grupos de interesses - tais como parcela do sindicalismo e do funcionalismo público - e parte do espectro político parlamentar. Este segundo grupo, porém, não tem dado contribuições relevantes para o debate acadêmico sobre o tema, manifestando-se, essencialmente, através da imprensa e não da literatura especializada. No meio destes dois polos, encontram-se aqueles, como Magalhães (1993MAGALHÃES, R.A (1993). “A seguridade social no contexto do ajuste fiscal’’, Reforma Fiscal - Coletânea de Estudos Técnicos, vol. II.), Magalhães e Assis (1993MAGALHÃES, R.A. & ASSIS, J.C. de (1993). “Seguridade social no Brasil: objetivos e viabilidade financeira”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. 1, MPS.) e Teixeira (1995TEIXEIRA, A (1995). “Em defesa da seguridade e da constituição de 88”, Monitor Público, nº 6, junho/julho/agosto, Conjunto Universitário Cândido Mendes.), que compartilham uma posição de caráter híbrido, tendo em vista que, mesmo reconhecendo a necessidade de mudar a sistemática de aposentadoria por tempo de serviço, opõem-se a alterações que vão além deste ponto específico. Este terceiro grupo de participantes do debate, portanto, compartilha com o primeiro a crítica à figura da aposentadoria por tempo de serviço, mas alia-se aos defensores do status quo na crítica aos que defendem uma reforma mais abrangente do sistema.

Nossa posição é de que uma reforma da previdência social é indispensável, a médio e longo prazo, para garantir um equilíbrio econômico-financeiro do sistema. Mesmo deixando registro desta posição, no restante do artigo procuraremos argumentar que a não aprovação de uma reforma radical da previdência social na presente legislatura (1995/l996) não significa que o sistema previdenciário entrará em colapso a curto prazo.

3. A EVOLUÇÃO DA DESPESA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NOS ANOS 80 E 90

O sistema brasileiro de previdência social tem como funções básicas proteger o indivíduo e/ou sua família contra os riscos de morte, doença, invalidez, idade, desemprego e incapacidade econômica em geral. Tendo em vista essas funções, os benefícios do sistema dividem-se, basicamente, em previdenciáriospropriamente ditos e assistenciais. Os primeiros equivalem a pagamentos em dinheiro ao indivíduo ou a seus dependentes como compensação da perda de capacidade de trabalho. Neste caso, os beneficiários restringem-se aos segurados, e, em geral, há um vínculo contributivo dos indivíduos com o Sistema, sendo que os benefícios são proporcionais, em alguma medida, às contribuições prévias feitas pelos beneficiários. Neste grupo encontramse as aposentadorias - por idade, tempo de serviço e invalidez -, pensões e auxílios diversos.

O segundo tipo de benefícios é composto pelos assistenciais, cuja principal característica é serem desvinculados das contribuições. Tais benefícios dirigem-se a uma clientela residual composta, em sua maioria, por pessoas carentes.

A Tabela I apresenta a evolução nos anos 80 e 90 da despesa total com benefícios previdenciários. Em 1980, essa despesa representava apenas 3,5% do PIB, atingindo 5,4% do PIB em 1996.

Tabela 1
Despesa com Benefícios Previdenciários (% PIB)

Esse crescimento expressivo decorreu de três fatores principais: i) o crescimento do número de benefícios; ii) o crescimento da participação relativa de alguns componentes dos gastos previdenciários.; e iii) a evolução do valor real do salário-mínimo, especificamente em 1995 e 1996.

No que diz respeito ao crescimento do número de benefícios, esse apresentou uma expansão de 4,8% ao ano entre 1980 e 1990, taxa essa que se manteve no período 1991/1996 - ver Tabela Al do apêndice e Tabelas 2 e 3. Esse crescimento da quantidade dos benefícios explica-se, principalmente, pelo aumento da quantidade das aposenta-dorias por tempo de serviço, com aumento de 8,0% a.a. no período 1980/1990 e 1990/1996 e do crescimento das aposentadorias rurais, particularmente no período 1991/1994 - ver Tabelas 2 e 3.

Tabela 2
Previdência Social: Taxas de Crescimento Anual da Quantidade de Benefícios em Manutenção (%)
Tabela 3
Previdência Social: Taxas de Crescimento da Quantidade de Benefícios em Manutenção - Média Móvel 5 Anos (% a.a.)

Os novos direitos dos indivíduos das áreas rurais instituídos pela Constituição de 1988 refletiram-se no aumento de sua importância no sistema previdenciário. Em 1980, a participação da quantidade de aposentadorias rurais por idade no total de benefícios em manutenção foi de 18,l %, percentual que atingiu 24,2% em 1994, caindo para 21,9% do total em 1996. As novas regras para concessão de benefícios incluídos na Constituição de 1988 levaram várias pessoas a postergarem o pedido de concessão dos benefícios para o momento de regulamentação destas regras, o que só ocorreu em 1991. Isso explica a concentração de altas taxas de crescimento da quantidade de aposentadorias rurais no período entre 1991 e 1994.

Entretanto, essa ampliação dos direitos dos beneficiários rurais não foi previamente acompanhada da necessária contribuição dos trabalhadores e dos empregadores do meio rural. De qualquer forma, a quantidade de benefícios rurais, em um futuro próximo, deverá deixar de pressionar tanto as contas da previdência, tema esse que será abordado na próxima seção (Delgado et al., 1997DELGADO, G. et al. (1997) “Previdência rural: relatório de avaliação sócio-econômica”, Projeto IPEA/MPAS, janeiro.).22 22 Segundo este estudo, tendo em vista que, no início dos anos 90, houve uma verdadeira “avalanche” de indivíduos requerendo aposentadoria por idade no meio rural, em função da nova situação legal, é de esperar que as desmobilizações por morte desse tipo de benefícios sejam, em consequência, elevadas, nos próximos anos, devido ao grande contingente de população das faixas etárias mais elevadas que obteve esse beneficio no período 1992/1994.

No que diz respeito à aposentadoria por tempo de serviço, o expressivo crescimento da quantidade de benefícios observado no período 1980/1996 resultou em significativo aumento de sua participação no total de benefícios em manutenção, cujo percentual passou de 9,8% do total em 1980 para 15,7% em 1996.

Por outro lado, vale destacar a queda acumulada de 8,1% da quantidade de benefícios que não aposentadorias e pensões entre 1990 e 1995.

Apesar da alta participação da quantidade de aposentadorias rurais no total de beneficio em manutenção, o valor per capita do benefício é baixo: de 1,01 saláriomínimo, abaixo de 1,64 salário-mínimo que correspondeu à média de todos os benefícios em manutenção em 1995 (Tabela 4). A aposentadoria por tempo de serviço, por sua vez, destaca-se por apresentar o mais alto valor per capita: de 4,00 salários-mínimos em 1995. Este valor corresponde a cerca de 3,4 vezes o valor médio da aposentadoria por idade: algo próximo a 4 vezes o valor per capita das aposentadorias rurais, e a 2,5 vezes o valor correspondente às aposentadorias urbanas. A combinação deste fato com a circunstância do quantum de beneficiados pela aposentadoria por tempo de serviço ter crescido a taxas superiores às do quantum do total de benefícios, explica a evolução da razão Valor per capita do beneficio médio/Valor per capita da aposentadoria urbana por idade, que passou de 0,64 em 1980 para 1,02 em 1995, em função do alto valor per capita das aposentadorias por tempo de serviço (Tabela 5). Isto, por sua vez, gera uma tendência a que a taxa de crescimento do gasto com benefícios seja maior que a taxa de crescimento do seu quantum.

Tabela 4
Valor per Capita dos Benefícios, em Nº de Salários-Mínimos - Dezembro 1995
Tabela 5
Valor per Capita do Benefício Médio/Valor per Capita da Aposentadoria Urbana por Idade

De fato, os dados disponíveis demonstram que a aposentadoria por tempo de serviço representa a maior fonte de pressão sobre as despesas da previdência. Apesar dessas aposentadorias terem uma participação apenas modesta na quantidade total de benefícios em manutenção, quando se considera o seu peso no total das despesas previdenciárias, observa-se que sua participação é muito maior (Tabela 6).

Tabela 6
Composição dos Benefícios em Manutenção - Dezembro 1995 (%)

Cabe, por último, uma menção ao efeito da “superindexação” do salário-mínimo e da despesa com benefícios. Como se sabe, no passado, a aceleração inflacionária atuou como fator de redução do salário real, em um esquema de reajustes de tipo backward looking. Analogamente, a redução da inflação tenderia a gerar um aumento real das remunerações, com uma indexação “para trás”. Contudo, no caso das despesas com benefícios, isso foi agravado pelo fato de que estes foram reajustados, junto com o salário-mínimo, acima da inflação passada, em maio de 1995. Considerando os reajustes de 1995 e 1996 e levando em consideração que o reajuste de maio é pago em junho, no período junho 1995/maio 1996, o indexador dos benefícios teve um aumento nominal de 42,9% em relação a junho 1994/maio 1995, contra uma variação do IGP médio junho 1995/maio 1996 de 17,0% em comparação à média junho 1994/maio 1995.23 23 Este último cálculo foi feito considerando a variação R$/URV na passagem de junho a julho de 1994, no início do Plano Real. Da mesma forma, no período junho 1996/maio 1997, o indexador dos benefícios aumentou 15% - taxa superior, inclusive, à do salário-mínimo, de 12% -, em relação a junho 1995/maio 1996, enquanto que o índice médio do IGP junho 1996/maio 1997 ante junho 1995/maio 1996, admitindo uma variação mensal de 0,5% de fevereiro a maio de 1997, terá aumentado apenas 9,2%. Compondo tais taxas, tem-se uma variação nominal acumulada do indexador de benefícios de 64,3% diante de uma inflação acumulada do IGP médio dos períodos correspondentes de 27,8%, o que implica uma variação real acumulada de 28,6% do indexador.

4. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TENDÊNCIAS FUTURAS

A Tabela 7 apresenta a evolução da taxa de crescimento da soma do conjunto da população masculina com 65 anos ou mais com a feminina de 60 anos ou mais. Após atingir uma taxa média de crescimento de 2,8% a.a. entre 1981 e 1990, este segmento da população teve uma expansão média de 3,3% a.a. no período 1991/1995. O IBGE estima que haverá uma certa estabilidade da taxa de crescimento para os períodos de 1996/2000 e 2001/2010. O crescimento do contingente populacional dessa faixa só se tornaria mais intenso depois de 2010, o que refletiria a aceleração do processo de mudança do perfil demográfico do país, com tendência ao envelhecimento da população. Observa-se uma significativa diferença entre a taxa média de crescimento do conjunto da soma da população masculina com 65 anos ou mais com a população feminina de 60 anos ou mais, de um lado; e a taxa média de crescimento da quantidade de aposentadorias urbanas por idade, de outro.24 24 Toma-se como parâmetro de referência o estoque de aposentadorias urbanas, porque estas não tiveram a descontinuidade das aposentadorias rurais, resultante dos efeitos da Constituição de 1988. Tomando-se como referência o período 1981/1995, aquele segmento da população apresentou uma taxa média de expansão de 3,0%, ante um crescimento médio de 11,2% da quantidade de aposentadorias ur­banas por idade - ver Tabelas 2 e 7. Isso se explica por dois motivos. Primeiro, a urbanização crescente - o percentual da população urbana no total da população passou de 67,6% em 1980, para 75,6% em 1991 -, fez com que o estoque de aposentadorias urbanas captasse tanto o envelhecimento da população, como o impacto dessa migração. E segundo, o aumento da participação feminina no mercado de trabalho - a taxa de atividade das mulheres entre 50 e 59 anos aumentou significativamente, passando de 15,4% em 1970, para 27,6% em 1981, e atingindo 34,5% em 1990. Deste modo, o fluxo de população feminina ingressando nas estatísticas de aposentadorias urbanas ano a ano pesa mais, por definição, na comparação com esse estoque - no qual a população feminina era inicialmente pequena - do que no estoque da população idosa - masculina e feminina -, onde a participação feminina era muito maior.

Tabela 7
Taxa de Crescimento do Conjunto da Soma da População Masculina com 65 Anos ou Mais com a População Feminina de 60 Anos ou Mais (% a.a.)

A seguir, procura-se prever o comportamento futuro das variáveis retratadas na Tabela 2 e do gasto com benefícios. Para isso, define-se o resultado a ser calculado da taxa de crescimento r da despesa real com benefícios em manutenção, em função das taxas de crescimento qi, 1 ::, i 7, do quantitativo físico dos diversos tipos de beneficio i.25 25 Note-se que r refere-se à despesa e q ao quantitativo físico (quantum) do número de indivíduos. A fórmula capta o fato de que o crescimento do quantum de benefícios, sendo liderado pelo grupo com benefício mais caro, gera um crescimento da despesa maior que o da quantidade total de benefícios. Portanto,

r = i = 1 7 b i ( - 1 ) . ( 1 + q i ) - 1 (1)

onde I.bi(-1)=1, sendo o símbolo (-1) indicativo de defasagem e bidado por

b i i = 1 = B i / B (2)

com Bi representando o valor real da despesa com benefícios em manutenção de tipo i, valor esse definido por

B i = B i . ( 1 + q i ) (3)

e

B = i = 1 7 B i (4)

Consequentemente, dado um conjunto de hipóteses referentes a ql,..., 7, isto é, ao crescimento futuro de cada uma das rubricas desagregadas da Tabela 2, é possível calcular endogenamente o resultado da taxa de crescimento da despesa real com benefícios, substituindo (3) e (4) em (2) e (2) em (1). Alternativamente, é possível interpretar B como sendo a quantidade de benefícios e bi a participação do tipo de beneficio i no total, em cujo caso a taxa de crescimento r em (1) passa a se referir à quantidade de benefícios. As hipóteses referentes aos tipos específicos de benefícios encontram­se listadas na Tabela 8 e os resultados aparecem nas Tabelas 9 e 10. Na Tabela 8, aparecem as hipóteses referentes à participação da rubrica à qual as taxas se referem, no ano-base de 1996. Esta participação capta as mudanças ocorridas em 1996 em relação a 1995 e corresponde a uma estimativa que deve ser cotejada com os dados observados em 1995 da Tabela 6.26 26 As informações oficiais referentes a 1996 ainda são parciais.

Tabela 8
Hipóteses dos Cenários - 1997/2002 -Taxas de crescimento (% a.a.)

Tabela 9
Resultados dos Cenários - Taxa de Crescimento Real da Quantidade de Benefícios em Manutenção (%)

Tabela 10
Resultados dos Cenários - Taxa de Crescimento Real da Despesa com Benefícios (em %)

Na Tabela 8 são apresentados três cenários, com o objetivo de projetar a evolução das contas da previdência no período 1997/2002. O A pode ser considerado o cenário básico; o B seria um cenário mais pessimista; e finalmente, o C corresponde a um cenário intermediário. Os cenários diferem quanto aos valores fixados para os parâmetros ql, q3 e q7 no período 1997/2002.27 27 Como ficará claro pela leitura dos próximos parágrafos, há motivos para supor que, contrariamente ao que muitas vezes ocorre nos exercícios de projeções, em que a hipótese intermediária é a mais provável, neste caso o cenário A tem maiores chances de ocorrer. Optou-se por mudar apenas os parâmetros referentes às aposentadorias urbanas por idade, totais por tempo de serviço e benefícios assistenciais e acidentários, para evitar confundir o leitor com uma multiplicidade de cenários e por serem os casos onde há maiores incertezas quanto à trajetória das variáveis.

No cenário A, fixa-se um valor de 7,0% a.a. para ql. Esse valor, abaixo da taxa média de 9,3% a.a. no período 1990/1995, decorre da expectativa de que os fatores determinantes das altas taxas de crescimento da variável nos últimos anos - urbanização e participação feminina - tendam, gradualmente, a se estabilizar. De fato, quando se observa a evolução das taxas médias de crescimento das aposentadorias urbanas por idade desde 1980, nota-se uma tendência de queda: em 1980/1985, a taxa média foi de 14,8%, caindo para 9,6% entre 1985 e 1990 e para 9,3% a.a. entre 1990 e 1995. Além disso, em 1994/1995, especificamente, foi de 7,5%. No cenário 8, ql é igual a 9,0% a.a, supondo que a taxa média de crescimento das aposentadorias urbanas por idade permaneça em um patamar próximo ao observado nos últimos 5 anos. O cenário C, por sua vez, fixa o ql em 8,0% a.a., o que corresponde a uma média dos valores dos cenários anteriores.

No que diz respeito a q3, esse é fixado em 8,0% a.a. no cenário A. Este valor toma como base a taxa média de crescimento de 7,9% das aposentadorias por tempo de serviço no período 1989/1994, considerada mais representativa do que a média de 11,3% registrada no período 1991/1996, muito influenciada pelas altas taxas de crescimento observadas nos anos de 1995 e 1996 - que se explicam, por sua vez, pelo processo de antecipação de pedidos de aposentadoria por tempo de serviço frente à perspectiva de mudança nas regras para a concessão desse tipo de beneficio com a possível reforma da previdência. Em B, q3 é igual a 12,0% a.a., seguindo a hipótese mais pessimista de que o aumento recente da taxa de crescimento da quantidade de aposentadorias por tempo de serviço se mantenha. No cenário C, q3 é fixado em 10,0% ao ano. Quanto a q7, no cenário A é fixado em menos 2,0% a.a., supondo que a previdência reforce a política de redução dos benefícios assitenciais e acidentários adotada nos últimos anos - ver Tabela 2. Em B, q7 equivale a 0,0%, supondo que não haja cortes adicionais no número de benefícios assitenciais e acidentários. Em C, q7 é de menos 1,0%, supondo que continue ocorrendo uma redução, ainda que menor do que em A, na quantidade daqueles benefícios.

Os parâmetros q2, q4, q5 e q6, por sua vez, apresentam valores iguais nos três cenários. O valor de q2 é de menos 3,0% ao ano. Esta queda média do estoque de aposentadorias rurais projetada para o período 1997/2002 - decorrente das desmobilizações por morte desse tipo de benefícios, que deverão ser elevadas nos próximos anos - fica abaixo da taxa negativa de 4,4% projetada pelo estudo citado de Delgado et al. (1997DELGADO, G. et al. (1997) “Previdência rural: relatório de avaliação sócio-econômica”, Projeto IPEA/MPAS, janeiro.) para o período 1996/2000.28 28 O fato de a taxa de crescimento do quantum deste tipo de beneficio ser negativa é consequência direta das altas taxas negativas observadas em 1992/1994: como um contingente elevado de população rural idosa, em boa parte com idade superior a 65 anos, aposentou-se em pouco tempo depois de 1991, é natural que, no futuro, as desmobilizações por morte sejam significativamente superiores ao padrão histórico do passado. O caráter mais conservador da nossa projeção se explica porque, no mesmo estudo mencionado, projeta-se um aumento do fluxo de concessões e uma desaceleração gradual das desmobilizações, no final da década, de modo que, sendo aquele estudo referente ao período 1996/2000 e o nosso ao período 1997/2002, é natural que a queda média anual do estoque de benefícios seja menos intensa.

O parâmetro q4 é fixado em 0,0% ao ano, o que se explica pelo fato de que desde 1990 o número de aposentadorias por invalidez tem se mantido relativamente estável em cerca de 2 milhões. Para q5 o valor projetado no período l997/2002 é de 5,0%. A evolução da quantidade deste tipo de beneficio depende de fatores demográficos, sendo que o valor projetado é similar à média dos últimos 10 anos - ver Tabela 3. Finalmente, a projeção de um valor de menos 6,0% a.a. para q6 baseia-se no comportamento da quantidade de outros benefícios previdenciários em manutenção que não aposentadorias e pensões nos últimos 5 anos (Tabela 3). Mesmo que haja certa margem de erro nesta projeção, vale ressaltar que isso não é muito relevante no total, pois este tipo de beneficio tem uma participação relativamente pequena - de apenas 3% - na quantidade total de benefícios em manutenção (Tabela 6).

No que diz respeito aos resultados, no cenário A projeta-se uma taxa média de crescimento real da quantidade de benefícios de 2,6% entre 1997 e 2002, ante taxas de 3,9% e de 3,2% nos cenários B e C, respectivamente (Tabela 9). Em relação à taxa de crescimento real da despesa com benefícios, o cenário A projeta uma taxa média de 4,4% no período 1997/2002, contra taxas de 6,5% e 5,4% dos cenários B e C, respectivamente (Tabela 10).

Há três aspectos a destacar nas Tabelas 9 e 10. O primeiro é que, na Tabela 10, no cenário A, a taxa média de crescimento do gasto com benefícios no período 1997/2002 é próxima da taxa esperada de crescimento da economia nos próximos anos.

O segundo aspecto a destacar é que se observa, nos três cenários, uma tendência ascendente tanto das taxas de crescimento real da quantidade de benefícios, quanto das taxas de crescimento real da despesa com benefícios ao longo do tempo A despesa real com benefícios deverá ser crescente no tempo, porque há um “efeito de composição” que torna crescentemente importante o impacto das taxas positivas de aumento das principais rubricas - principalmente, as aposentadorias por tempo de serviço -, em detrimento da perda de importância relativa das variáveis que cresceriam a taxas negativas - como outros benefícios previdenciários que não aposentadorias e pensões, e benefícios assistenciais e acidentários.

Por último, observa-se que as taxas de crescimento real da despesa com benefícios projetadas são significativamente superiores às taxas de crescimento real da quantidade de benefícios. Essa diferença decorre do fato de a despesa com benefícios ser liderada pelo beneficio mais caro, representado pela aposentadoria por tempo de serviço - ver Tabela 4. Com isso, a participação da despesa com as aposentadorias por tempo de serviço na despesa total passaria de 37,0% em 1996 para 45,4% em 2002, adotando-se como referência o cenário A (Tabela 11).

Tabela 11
Composição da Despesa com Benefícios (Cenário A)

Vale ressaltar, também, que a importância relativa do componente autônomo - ou vegetativo - de crescimento do gasto público, representado pelo pagamento de benefícios previdenciários, guarda uma correlação inversa com o dinamismo da economia: o início da década de 80, por exemplo, marcado por uma forte recessão, refletiu-se em um aumento da despesa com benefícios previdenciários, que passou de 3,5% para 4,2% do PIB entre 1980 e 1983; com a recuperação da economia em meados dos anos 80, a despesa com benefícios previdenciários passou a cair, atingindo 2,5% do PIB em 1988; com a estagnação econômica de início dos anos 90, a relação Despesa com benefícios/PIB voltou a subir - ver Tabelas 1 e 12.29 29 Em 1995 e 1996, porém, a variável da Tabela I foi afetada por dois fatores muito específicos, ambos já comentados: a “superindexação” do reajustes e a antecipação de aposentadorias por tempo de serviço, em função da expectativa de reforma do sistema. Isso sugere que se o PIB crescer a taxas relativamente elevadas, a previdência social poderá evitar uma crise; se, ao contrário, repetir-se o desempenho pífio da economia dos anos 80, a relação Despesa com benefícios/PIB deverá aumentar significativamente.

Tabela 12
Brasil - Taxas Médias de Crescimento (% a.a.)

5. CONCLUSÕES

Este artigo apresentou a evolução da despesa previdenciária no Brasil nas décadas de 80 e 90. Entre os anos de 1980 e de 1990, a quantidade de benefícios em manutenção teve um aumento de 4,8% a.a.. Essa taxa se manteve no período 1991/1996. A despesa com benefícios, que era de 2,5% do PIB em 1988, atingiu 5,4% do PIB em 1995. A trajetória da quantidade de benefícios nos anos 90 obedeceu a dois fatores contrapostos. De um lado, houve alguns fatores especialmente desfavoráveis, notadamente a duplicação, de 1,9 para 3,8 milhões, do número de aposentados rurais que recebem o beneficio por idade, entre 1991 e 1994. De outro, verificou-se a redução de alguns itens, com destaque para a queda acumulada de 8% dos benefícios que não aposentadorias e pensões, em relação a 1990. Nenhum desses fenômenos, porém, deverá se repetir na mesma intensidade, no futuro. O boom do aumento do estoque de aposentados no meio rural decorreu de uma nova situação legal específica, associada ao estabelecimento do piso constitucional de um salário mínimo, trata-se de um fenômeno que não apenas já se esgotou, como deverá ser parcialmente revertido, nos próximos anos. Em contrapartida, as eventuais reduções do número de benefícios como os acidentários ou os auxílios, seja pelo combate às fraudes ou por uma mudança da política em relação à concessão dos mesmos, não deverão ter tanto impacto no futuro como tiveram no passado, devido à própria queda da importância relativa da variável sobre a qual incide o ajuste.30 30 Em 1987, antes de se iniciar o processo de queda na concessão desse tipo de benefícios, a quantidade de benefícios que não aposentadorias e pensões era de 23,5 % do total de benefícios em manutenção. Uma queda de 10% dos mesmos, então, representava uma diminuição de 2,4 % dos benefícios totais. Já em 1995, essa participação tinha caído até 15,0 %. Consequentemente, o mesmo ajuste de 10 % implica agora uma redução de apenas 1,5% do total.

A reforma da previdência social é condição sine qua non para o equilíbrio financeiro de longo prazo do setor público. Uma reforma profunda deveria contemplar, no mínimo, desde que respeitados os direitos adquiridos e a expectativa de aquisição de direitos, a) a eliminação da aposentadoria por tempo de serviço; b) a redução do diferencial de exigências entre as aposentadorias masculina, de um lado e feminina, de outro, com o aumento da idade de aposentadoria das mulheres para uma idade superior a 60 anos; e c) a mudança do teto de bene ficios, para um valor de 1 a 3 salários mínimos. Esta última medida, do ponto de vista financeiro, é a mais delicada de adotar, pois a diminuição da base de arrecadação provoca um aumento inicial do déficit do sistema, mas tem benefícios de longo prazo, representados pela redução dos compromissos futuros e a consequente minimização dos déficits futuros. Além disso, poderiam ser repensados os critérios de limite de idade para a aposentadoria, com a introdução da ideia de estabelecer não uma idade específica - “engessada” na Constituição - para a aposentadoria por idade, mas uma idade móvel, que poderia ir sendo aumentada gradualmente, à medida que, com o passar do tempo, a expectativa de vida fosse aumentando e a população fosse envelhecendo. Caso contrário, a Constituição teria que ser revista periodicamente, o que evidentemente seria um transtorno.31 31 Uma proposta nestes termos foi apresentada recentemente na Suécia. Para uma discussão da tese de “indexar” a idade de aposentadoria (Normal Retirement Age - NRA), à luz do caso dos Estados Unidos, ver Diamond (1996). Até agora, contudo, não houve condições políticas para aprovar este tipo de mudanças. As conclusões mais importantes que se depreendem da leitura do trabalho são:

  1. a taxa de crescimento do gasto com benefícios deverá ser maior do que a da quantidade de benefícios, devido ao fato desta última ser liderada pelo benefício mais caro, representado pela aposentadoria por tempo de serviço, cujo valor médio é da ordem de 3,5 vezes o valor médio da aposentadoria por idade;

  2. devido a isso, a participação da despesa com o pagamento de aposentadorias por tempo de serviço no total dos gastos previdenciários, atualmente da ordem de 37%, deverá atingir 45% no início da próxima década;

  3. com base em algumas hipóteses realistas e tendo como parâmetros de referência a evolução das variáveis no passado e as tendências demográficas, estimou-se que o crescimento médio do gasto com benefícios nos próximos seis anos - isto é, no restante do presente governo e ao longo da gestão do próximo - deverá ser da ordem de 4,5 a 5,5% a.a., com alta probabilidade de se situar no limite inferior dessa faixa;

  4. mantidas constantes as hipóteses adotadas ao longo do tempo, a taxa de crescimento da despesa com benefícios deverá ser crescente no tempo, porque há um “efeito de composição” que torna crescentemente importante o impacto das taxas positivas de aumento das principais rubricas, em detrimento da perda de importância relativa das variáveis que cresceriam a taxas negativas.32 32 Consequentemente, mesmo que cada componente de benefícios cresça a uma taxa constante, por construção, a taxa resultante para o agregado não é constante, desde que as taxas de crescimento das rubricas específicas não sejam idênticas entre si. Assim, mesmo no cenário mais favorável, em que o crescimento do gasto com benefícios é limitado a 4,4% ao ano, o crescimento no primeiro ano de projeção é de 3,9%, mas no final da mesma já atinge 4,8%.33 33 Esta avaliação genérica não leva em conta os efeitos de algumas questões pontuais que podem afetar a evolução da taxa de crescimento real do valor monetário da despesa com benefícios, como, por exemplo, a decisão tomada em maio de cada ano acerca do índice nominal de reajuste dos mesmos. Além disso, a avaliação não considera o fato de que em 1997, especificamente, o crescimento real da despesa poderá ser menor, devido a cortes específicos e ao desaparecimento de algumas rubricas de gasto once and for all de 1996. Para maiores detalhes sobre estes pontos, ver Velloso (1996).

  5. há um componente autônomo de crescimento do gasto público, representado pelo pagamento de benefícios previdenciário, cuja importância em relação ao PIB guarda uma correlação inversa com o dinamismo deste: se o PIB crescer a taxas elevadas, a previdência social poderá evitar uma crise; se, ao contrário, repetir-se o desempenho pífio da economia dos anos 80, a relação Despesa com benefícios/PIB deverá aumentar significativamente;

  6. devido ao peso da despesa previdenciária, o aumento do valor real do saláriomínimo é inteiramente desaconselhável, do ponto de vista fiscal; mais ainda: se durante l997/2002 a economia se expandir a um ritmo insatisfatório e/ou se as hipóteses adotadas no trabalho se revelarem otimistas e o crescimento quantitativo do número de benefícios for maior do que projetado, o governo poderá ter que compensar esse fato com uma queda do valor real do salário mínimo, corrigindo este nominalmente abaixo da inflação, para evitar que o desequilíbrio do INSS “estoure” as metas de redução do déficit público; e

  7. as tendências demográficas apontam para uma deterioração significativa da relação ativos/inativos do sistema ao longo dos próximos 20/25 anos.

Tabela A1
Previdência Social - Quantidade de Benefícios em Manutenção

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AYALA, U. (1995) “O que se aprendeu nas reformas de pensão na Argentina, Colômbia e Peru?”, trabalho apresentado no Seminário sobre Reforma da Previdência Social: a Experiência Internacional, FGV/CCE, Rio de Janeiro, 15 setembro.
  • DELGADO, G. et al. (1997) “Previdência rural: relatório de avaliação sócio-econômica”, Projeto IPEA/MPAS, janeiro.
  • DIAMOND, P. (1996). “Proposals to restructure social security”, Journal of Economic Perspectives, vol. 10, nº 3, Summer, pp. 67-88.
  • FARO, C. de (org.) (1993). Previdência social no Brasil: diagnósticos e sugestões de reforma. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.
  • FARO, C. de (1996). “Previdência social no Brasil: por uma reforma mais duradoura”, Ensaios Econômicos-EPGE, nº 288, 29 páginas, setembro.
  • GIAMBIAGI, F., ALÉM, A.C. & PASTORIZA, F. (1998); “A aposentadoria por tempo de serviço no Brasil: estimativa do subsídio recebido pelos seus beneficiários”, Revista Brasileira de Economia, vol. 52, nº 1, jan-mar/1998
  • GRAMLICH, E. (1996). “Different approaches for dealing with social security”, Journal of Economic Perspectives, vol. 10, nº 3, Summer, pp. 55-66.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA-IBGE (1994). Anuário Estatístico do Brasil.
  • KANDIR, A. et al. (1994).”Previdência social: a experiência internacional, capítulo IV: a previdência social na Itália”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. IV, MPS
  • LEIBFRITZ, W. et al. (1995). “Ageing populations, pension systems and government budgets: how do they affect saving?”, OECD Economic Department, Working Papers, nº 156, Paris
  • MAGALHÃES, R.A (1993). “A seguridade social no contexto do ajuste fiscal’’, Reforma Fiscal - Coletânea de Estudos Técnicos, vol. II.
  • MAGALHÃES, R.A. & ASSIS, J.C. de (1993). “Seguridade social no Brasil: objetivos e viabilidade financeira”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. 1, MPS.
  • MEDICI, A.C., BELTRÃO, K.I. & MARQUES, R.M. (1993). “Previdência do funcionalismo público: para a reforma constitucional”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. III, MPS.
  • MEDICI, A.C., OLIVEIRA, F.E.B. & BELTRÃO, K.L. (1993). “Subsídios para a reforma constitucional no campo da seguridade social: visão histórica e perspectivas”, Planejamento e Políticas Públicas, IPEA, junho.
  • MEDICI, A.C. & MARQUES, R.M. (1995). “Regulação e previdência social no Brasil: evolução e perspectivas”, Revista Paranaense de Desenvolvimento nº 85, maio/agosto, IPARDES, Paraná.
  • MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL-MPAS (1993 e vários anos). Anuário Estatístico da Previdência Social.
  • MOURA DA SILVA, A. & LUQUE, C.A. (1982). Alternativas para o financiamento do sistema previdenciário. São Paulo: Estudos Econômicos-FIPE/Pioneira.
  • OLIVEIRA, F. & BELTRÃO, K. (1989). “Perspectivas da seguridade social - 1989/2010”, IPEA, Perspectivas da Economia Brasileira-1989, cap. 18, pp. 611-633
  • OLIVEIRA, F., BELTRÃO, K. & GUEDES. E. (1991). “Perspectivas econômico-financeiras da seguridade social após a nova Constituição”, IPEA, Perspectivas da Economia Brasileira-1992, cap. 13, pp. 245-271.
  • OLIVEIRA, F., BELTRÃO, K. & GIAMBIAGI, F. (1996). “Alternativas de reforma da previdência social: uma proposta”, Revista do BNDES, vol. 3, nº 6, dezembro, pp. 63-78.
  • TEIXEIRA, A. (1990). Do seguro à seguridade: a metamorfose inconclusa do sistema previdenciàrio brasileiro, T.D. nº 249, IEI/UFRJ, dezembro.
  • TEIXEIRA, A (1995). “Em defesa da seguridade e da constituição de 88”, Monitor Público, nº 6, junho/julho/agosto, Conjunto Universitário Cândido Mendes.
  • VELLOSO, R. (1996). “Rumo ao déficit público sustentável (1996/97)”, trabalho apresentado no Seminário Internacional sobre Finanças Públicas, em comemoração aos dez anos da criação da Secretaria do Tesouro Nacional-STN, Brasília, 2 a 5 setembro.
  • VIANNA, M.L.T. (1994). “Perspectivas da seguridade social nas economias centrais: subsídios para discutir a reforma brasileira”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. IV, MPS.
  • 1
    Ver, por exemplo, Moura da Silva e Luque (1982MOURA DA SILVA, A. & LUQUE, C.A. (1982). Alternativas para o financiamento do sistema previdenciário. São Paulo: Estudos Econômicos-FIPE/Pioneira.), Oliveira e Beltrão (1989OLIVEIRA, F. & BELTRÃO, K. (1989). “Perspectivas da seguridade social - 1989/2010”, IPEA, Perspectivas da Economia Brasileira-1989, cap. 18, pp. 611-633) e Oliveira, Beltrão e Guedes (1991OLIVEIRA, F., BELTRÃO, K. & GUEDES. E. (1991). “Perspectivas econômico-financeiras da seguridade social após a nova Constituição”, IPEA, Perspectivas da Economia Brasileira-1992, cap. 13, pp. 245-271.). Para uma discussão das alternativas de reforma, ver, entre outros, Faro (1996FARO, C. de (1996). “Previdência social no Brasil: por uma reforma mais duradoura”, Ensaios Econômicos-EPGE, nº 288, 29 páginas, setembro.), Oliveira, Beltrão e Giambiagi (1996OLIVEIRA, F., BELTRÃO, K. & GIAMBIAGI, F. (1996). “Alternativas de reforma da previdência social: uma proposta”, Revista do BNDES, vol. 3, nº 6, dezembro, pp. 63-78.) e a coletânea organizada por Faro (1993FARO, C. de (org.) (1993). Previdência social no Brasil: diagnósticos e sugestões de reforma. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.).
  • 2
    Para uma discussão dos problemas fiscais associados aos regimes previdenciários em alguns dos principais países industrializados, ver Leibfritz et al. (1995LEIBFRITZ, W. et al. (1995). “Ageing populations, pension systems and government budgets: how do they affect saving?”, OECD Economic Department, Working Papers, nº 156, Paris). Para uma análise de como os problemas do regime vigente levaram às reformas adotadas recentemente em alguns países da América Latina e das lições a serem tiradas desses processos de reforma, ver Ayala (1995AYALA, U. (1995) “O que se aprendeu nas reformas de pensão na Argentina, Colômbia e Peru?”, trabalho apresentado no Seminário sobre Reforma da Previdência Social: a Experiência Internacional, FGV/CCE, Rio de Janeiro, 15 setembro.). Para entender alguns dos problemas relacionados com a existência da aposentadoria por tempo de serviço, ver Giambiagi, Além e Pastoriza (1997GIAMBIAGI, F., ALÉM, A.C. & PASTORIZA, F. (1998); “A aposentadoria por tempo de serviço no Brasil: estimativa do subsídio recebido pelos seus beneficiários”, Revista Brasileira de Economia, vol. 52, nº 1, jan-mar/1998).
  • 3
    Ao longo do texto, apenas para facilitar a linguagem, usar-se-á a expressão “sistema” em referência às despesas do INSS com antigos trabalhadores do setor privado, que são o objeto específico ao qual este trabalho está circunscrito. Cabe ressaltar, contudo, que o sistema previdenciário do país, a rigor, envolve também os pagamentos de benefícios aos antigos funcionários públicos por parte do governo, bem como as despesas de aposentadorias a cargo dos fundos de pensão.
  • 4
    Para uma descrição do sistema de previdência do funcionalismo público ver Medici, Beltrão e Marques (1993MEDICI, A.C., BELTRÃO, K.I. & MARQUES, R.M. (1993). “Previdência do funcionalismo público: para a reforma constitucional”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. III, MPS.).
  • 5
    Em particular, a tese a ser defendida neste trabalho, de que é possível esperar alguns anos antes de fazer uma reforma mais profunda do sistema, não deve ser extrapolada para os servidores públicos. Embora essa discussão vá além dos objetivos do artigo, o posicionamento dos autores é o de que, antes de que existam condições para uma reforma previdenciária mais profunda, seria importante adotar mudanças específicas no âmbito da Administração Pública, eliminando o “plus” que muitos servidores ganham ao se aposentar e restringindo a possibilidade de aposentadorias precoces de servidores.
  • 6
    Os sistemas previdenciários desses países caracterizam-se por um modelo amplo de proteção social, organizado pelo Estado e com acesso do conjunto da população. Vale dizer que o processo de universalização significou a superação da concepção de proteção dirigida somente a trabalhadores assalariados e sua substituição por uma outra, baseada no conceito de cidadania. Até a Segunda Guerra, o financiamento da previdência foi o de capitalização coletiva. ou seja, o fundo acumulado pelas contribuições servia para arcar com o pagamento de pensões e aposentadorias - baseado em contribuições definidas e sem benefícios definidos -, a partir das disponibilidades propiciadas pela rentabilidade de seus ativos. Nos anos 50 e 60, caracterizados pelo progressivo fortalecimento do Welfare State. os sistemas públicos de previdência abandonaram a lógica de capitalização coletiva para ingressar numa nova lógica: a de repartição simples. Os regimes de repartição caracterizam-se pelo sistema pay as you go. Nesse sentido, os trabalhadores de hoje financiam as aposentadorias e pensões dos aposentados atuais, com a expectativa de que, posteriormente, os futuros jovens entrantes do mercado de trabalho possam fazer o mesmo por eles. Ver Medici e Marques (1995MEDICI, A.C. & MARQUES, R.M. (1995). “Regulação e previdência social no Brasil: evolução e perspectivas”, Revista Paranaense de Desenvolvimento nº 85, maio/agosto, IPARDES, Paraná.), Kandir et al. (1994KANDIR, A. et al. (1994).”Previdência social: a experiência internacional, capítulo IV: a previdência social na Itália”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. IV, MPS) e Vianna (1994VIANNA, M.L.T. (1994). “Perspectivas da seguridade social nas economias centrais: subsídios para discutir a reforma brasileira”, A Previdência social e a revisão constitucional, pesquisas, vol. IV, MPS.)
  • 7
    A maioria dos regimes previdenciários conhecidos constituiu-se, em sua origem, sob o regime de capitalização e, pouco a pouco, sob a pressão das dificuldades financeiras e fiscais do Estado, foi evoluindo para o regime de repartição simples.
  • 8
    A LOPS representou. na prática, a cobertura potencial de todos os trabalhadores urbanos, com exceção dos empregados domésticos e ministros religiosos -- ambos incluídos somente em 1972, os primeiros de forma compulsória e os outros de forma facultativa. Ver Medici e Marques (1995MEDICI, A.C. & MARQUES, R.M. (1995). “Regulação e previdência social no Brasil: evolução e perspectivas”, Revista Paranaense de Desenvolvimento nº 85, maio/agosto, IPARDES, Paraná.) e Medici, Oliveira e Beltrão (1993MEDICI, A.C., OLIVEIRA, F.E.B. & BELTRÃO, K.L. (1993). “Subsídios para a reforma constitucional no campo da seguridade social: visão histórica e perspectivas”, Planejamento e Políticas Públicas, IPEA, junho.).
  • 9
    O INPS unificava a estrutura anterior, deixando de fora apenas o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Servidores do Estado (IPASE). Esse instituto foi extinto nos anos 80 e suas estruturas de assistência médica foram incorporadas ao sistema nacional de proteção social.
  • 10
    Em consequência, estabeleceu-se para a Seguridade Social um orçamento global, que integra o financiamento da saúde, previdência e assistência social, além das relacionadas à proteção ao trabalhador desempregado (seguro-desemprego). As fontes de financiamento do sistema são: a Contribuição sobre Folha de Salários - empregados, empregadores e trabalhadores por conta-própria - -; a Contribuição sobre o Lucro Líquido e o FINSOCIAL, posteriormente transformado em Contribuição para o Financiamento da Seguridade (COFINS). além do PIS/PASEP, voltado para compor o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), gerido pelo Ministério do Trabalho e voltado para financiar o seguro-desemprego. O sistema previdenciário no Brasil foi sempre financiado essencialmente pelas contribuições calculadas sobre a folha de salários. tal como ocorre nos regimes públicos de repartição simples.
  • 11
    Alguns dos problemas do sistema no Brasil são comuns à maioria dos países. Grande parte dos sistemas previdenciários existentes no mundo enfrentam atualmente graves crises financeiras e experimentam uma tendência crônica ao déficit. A partir da segunda metade dos anos 70, tendo em vista as crescentes dificuldades financeiras vivenciadas pela economia, pelo setor público e pelos sistemas de proteção social, começou a se manifestar a preocupação em conter o crescimento dos gastos sociais. A crise que atinge a seguridade social nas sociedades desenvolvidas reflete as mudanças na estrutura demográfica, cujo perfil vem mostrando uma diminuição do contingente de população ativa em relação à inativa: menores taxas de natalidade e maior longevidade fazem com que os encargos com idosos, aposentados, doentes crônicos etc. se tornem pesados. Essas dificuldades ocorreram a partir dos anos 70, em meio ao arrefecimento do crescimento econômico e ao registro de taxas de desemprego nunca vistas. Para uma análise do caso dos Estados Unidos e dos problemas atuariais associados ao envelhecimento da geração do baby-boom do imediato pós-guerra, ver Gramlich (1996GRAMLICH, E. (1996). “Different approaches for dealing with social security”, Journal of Economic Perspectives, vol. 10, nº 3, Summer, pp. 55-66.).
  • 12
    Para maiores detalhes sobre a primeira abordagem, ver Faro (1996FARO, C. de (1996). “Previdência social no Brasil: por uma reforma mais duradoura”, Ensaios Econômicos-EPGE, nº 288, 29 páginas, setembro.) e sobre a segunda, Teixeira (1990TEIXEIRA, A. (1990). Do seguro à seguridade: a metamorfose inconclusa do sistema previdenciàrio brasileiro, T.D. nº 249, IEI/UFRJ, dezembro. e 1995).
  • 13
    De um modo geral, estes autores são críticos da abordagem da previdência social como um seguro.
  • 14
    A precariedade desta argumentação é dada pelo fato de que de 1993 a 1996 a economia cresceu quase 20%, a inflação caiu e, apesar disso, a crise da previdência se agravou.
  • 15
    Entretanto, os estudos de Oliveira e Beltrão (1989OLIVEIRA, F. & BELTRÃO, K. (1989). “Perspectivas da seguridade social - 1989/2010”, IPEA, Perspectivas da Economia Brasileira-1989, cap. 18, pp. 611-633) e Oliveira, Beltrão e Guedes (1991OLIVEIRA, F., BELTRÃO, K. & GIAMBIAGI, F. (1996). “Alternativas de reforma da previdência social: uma proposta”, Revista do BNDES, vol. 3, nº 6, dezembro, pp. 63-78.) apresentam uma análise detalhada das contas da previdência, mostrando a precariedade de seu equilíbrio financeiro e a tendência de desequilíbrios crescentes a longo prazo, caso não haja uma reforma do sistema. Isso sugere que o argumento de Teixeira acerca da inexistência de estudos que demonstrem a necessidade de uma reforma é bastante questionável.
  • 16
    Isto é, passado o ponto de maximização da receita, aumentos de alíquotas são estéreis ou contraproducentes para gerar um aumento da arrecadação. No Brasil, é razoável admitir que, com as contribuições de empregados e empregadores sendo da ordem de 30% do salário, a tendência ê de que maiores alíquotas contributivas aumentem a sonegação.
  • 17
    De fato, um dos fatores que mais têm pesado na baixa relação entre o número de contribuintes e o de beneficiários existente no Brasil é o aumento da esperança de vida da população brasileira, particularmente daqueles que se aposentam. Dados de diversos países demonstram que os diferenciais de esperança de sobrevida entre nações de maior e menor nível de desenvolvimento reduz-se significativamente à medida que aumenta a idade. A comparação da esperança de sobrevida aos 65 anos de idade de um brasileiro com a de um indivíduo de outro país mostra que são bastante modestas as diferenças entre os mesmos: 11 anos para o brasileiro, contra 12 e 14 anos para um belga e um sueco, respectivamente. Além do fato da expectativa de sobrevida aumentar conforme vão passando os primeiros anos de vida, existe uma tendência estatística à elevação da expectativa de vida e à redução da fecundidade a longo prazo, seja como efeito da melhoria das condições sanitárias das populações, seja como resultado da sofisticação de seus padrões culturais. Com isso, há uma clara tendência ao envelhecimento da população e a proporção inativos/ativos aumenta devido ao aumento de duração dos benefícios.
  • 18
    Para a concessão da aposentadoria integral por tempo de serviço exige-se tempo de serviço de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres. Para professores o tempo exigido é menor, de 30 anos para os homens e de 25 anos para as mulheres.
  • 19
    Para uma análise detalhada deste tipo de benefício, ver Giambiagi, Além e Pastoriza (1997GIAMBIAGI, F., ALÉM, A.C. & PASTORIZA, F. (1998); “A aposentadoria por tempo de serviço no Brasil: estimativa do subsídio recebido pelos seus beneficiários”, Revista Brasileira de Economia, vol. 52, nº 1, jan-mar/1998).
  • 20
    De fato, a aposentadoria por tempo de serviço contraria o princípio de que o seguro de renda público deva prover uma compensação pela perda de capacidade laboral do segurado. Por outro lado, este tipo de benefício tem implicações negativas no equilíbrio financeiro a longo prazo da previdência financiada em bases correntes, tendo em vista que induz a um aumento da taxa de inatividade, independentemente de outros fatores de evolução demográfica.
  • 21
    Há, porém, algumas diferenças de enfoque entre os defensores de uma mudança drástica do sistema atual. As propostas sobre isso vão desde uma mudança que contemple basicamente: i) a eliminação da aposentadoria por tempo de serviço; ii) a redução do diferencial de idade entre homens e mulheres; e iii) a diminuição do teto de benefícios, até as propostas de implantação de um modelo de capitalização similar ao chileno. Estas diferenças, porém, não serão objeto de análise neste trabalho.
  • 22
    Segundo este estudo, tendo em vista que, no início dos anos 90, houve uma verdadeira “avalanche” de indivíduos requerendo aposentadoria por idade no meio rural, em função da nova situação legal, é de esperar que as desmobilizações por morte desse tipo de benefícios sejam, em consequência, elevadas, nos próximos anos, devido ao grande contingente de população das faixas etárias mais elevadas que obteve esse beneficio no período 1992/1994.
  • 23
    Este último cálculo foi feito considerando a variação R$/URV na passagem de junho a julho de 1994, no início do Plano Real.
  • 24
    Toma-se como parâmetro de referência o estoque de aposentadorias urbanas, porque estas não tiveram a descontinuidade das aposentadorias rurais, resultante dos efeitos da Constituição de 1988.
  • 25
    Note-se que r refere-se à despesa e q ao quantitativo físico (quantum) do número de indivíduos. A fórmula capta o fato de que o crescimento do quantum de benefícios, sendo liderado pelo grupo com benefício mais caro, gera um crescimento da despesa maior que o da quantidade total de benefícios.
  • 26
    As informações oficiais referentes a 1996 ainda são parciais.
  • 27
    Como ficará claro pela leitura dos próximos parágrafos, há motivos para supor que, contrariamente ao que muitas vezes ocorre nos exercícios de projeções, em que a hipótese intermediária é a mais provável, neste caso o cenário A tem maiores chances de ocorrer.
  • 28
    O fato de a taxa de crescimento do quantum deste tipo de beneficio ser negativa é consequência direta das altas taxas negativas observadas em 1992/1994: como um contingente elevado de população rural idosa, em boa parte com idade superior a 65 anos, aposentou-se em pouco tempo depois de 1991, é natural que, no futuro, as desmobilizações por morte sejam significativamente superiores ao padrão histórico do passado.
  • 29
    Em 1995 e 1996, porém, a variável da Tabela I foi afetada por dois fatores muito específicos, ambos já comentados: a “superindexação” do reajustes e a antecipação de aposentadorias por tempo de serviço, em função da expectativa de reforma do sistema.
  • 30
    Em 1987, antes de se iniciar o processo de queda na concessão desse tipo de benefícios, a quantidade de benefícios que não aposentadorias e pensões era de 23,5 % do total de benefícios em manutenção. Uma queda de 10% dos mesmos, então, representava uma diminuição de 2,4 % dos benefícios totais. Já em 1995, essa participação tinha caído até 15,0 %. Consequentemente, o mesmo ajuste de 10 % implica agora uma redução de apenas 1,5% do total.
  • 31
    Uma proposta nestes termos foi apresentada recentemente na Suécia. Para uma discussão da tese de “indexar” a idade de aposentadoria (Normal Retirement Age - NRA), à luz do caso dos Estados Unidos, ver Diamond (1996DIAMOND, P. (1996). “Proposals to restructure social security”, Journal of Economic Perspectives, vol. 10, nº 3, Summer, pp. 67-88.).
  • 32
    Consequentemente, mesmo que cada componente de benefícios cresça a uma taxa constante, por construção, a taxa resultante para o agregado não é constante, desde que as taxas de crescimento das rubricas específicas não sejam idênticas entre si.
  • 33
    Esta avaliação genérica não leva em conta os efeitos de algumas questões pontuais que podem afetar a evolução da taxa de crescimento real do valor monetário da despesa com benefícios, como, por exemplo, a decisão tomada em maio de cada ano acerca do índice nominal de reajuste dos mesmos. Além disso, a avaliação não considera o fato de que em 1997, especificamente, o crescimento real da despesa poderá ser menor, devido a cortes específicos e ao desaparecimento de algumas rubricas de gasto once and for all de 1996. Para maiores detalhes sobre estes pontos, ver Velloso (1996VELLOSO, R. (1996). “Rumo ao déficit público sustentável (1996/97)”, trabalho apresentado no Seminário Internacional sobre Finanças Públicas, em comemoração aos dez anos da criação da Secretaria do Tesouro Nacional-STN, Brasília, 2 a 5 setembro.).
  • 35
    JEL Classification: H55; O15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1999
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br