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Avaliação do processo de privatização da siderurgia brasileira

Evaluation of the Brazilian iron and steel industry privatization process

RESUMO

Este artigo examina o processo de privatização da indústria siderúrgica brasileira, por meio de uma comparação internacional. Discute cinco questões do processo: a) modelos, métodos e transparência; b) duração; e) restrição ao capital estrangeiro; d) venda especial para funcionários; e) avaliação e formas de pagamento aceitas.

PALAVRAS-CHAVE:
Privatização; setor siderúrgico; estruturas de mercado

ABSTRACT

This article examines the privatization’s process of Brazilian steel industry, by an international comparison. It discusses five questions of the process: a) models, methods and transparency; b) duration; e) restriction to foreign capital; d) special sale for employees; e) valuation and types of payment accepted.

KEYWORDS:
Privatization; steel industry; iron industry; market structures

O processo de privatização é por natureza polêmico. A controvérsia deve-se, em grande medida, ao caráter ideológico que reveste o tema. Muitos se mostram favoráveis ou contrários à privatização de empresas ou setores mais pela sua posição política do que em função de razões econômicas stricto sensu. Mais ainda, a privatização acaba assumindo uma conotação passional. As posições são quase sempre extremadas: de um lado, exageram as virtudes do processo (idealizando a privatização como uma panaceia), de outro, superestimam as consequências desastrosas do mesmo (tomando a privatização como sinônimo de descalabro financeiro e dilapidação do patrimônio público).1 1 Segundo Savas (1987, apud Braga, 1992, p. 58), a palavra privatização evoca polarização prematura e argumentos radicais. O termo privatização é tão controverso que não existe consenso nem sobre sua grafia, no idioma inglês: são utilizados “privatisation” e “privatization”.

Outra importante característica do processo de privatização é a grande diversidade institucional dos programas.2 2 Moreira (1994, p. 99) resume assim a questão: “Importa considerar que existem hoje, no mundo, mais de 50 tipos diferentes de privatização, realizadas para cumprir metas muito distintas e em ampla variedade de circunstâncias políticas e econômicas. Privatização pode significar qualquer uma ou toda uma variedade de iniciativas políticas”. As empresas têm sido vendidas (algumas até alugadas) através dos mais diferentes modos. Algumas operações procuram pulverizar a propriedade do capital, outras privilegiam a venda para grupos empresariais. Algumas ocorrem através da alienação de recorrentes tranches de ações, em outras, o Estado vende o controle acionário num único dia. Esta grande diversidade de casos de privatização favorece a polemização do tema. Em outras palavras, a dificuldade de comparação entre os casos reais de privatizações obscurece muito o debate.

Além disso, existem dois significados bem distintos do conceito privatização. O primeiro, denominado sentido forte, corresponde à venda de empresas de propriedade estatal a agentes privados. Muitos autores, especialmente os que examinam a privatização na Europa, limitam a privatização a esta situação (Feigenbaum e Henig, 1994FEIGENBAUM, H. B. & HENIG, J. R. (1994) “The Political Underpinnings of Privatization: a Typology”, World Politics, vol. 46, nº 4., p. 185). O sentido fraco da privatização considera outros tipos de transações, como concessão e contratação de serviços privados. Alguns autores incluem também a própria desregulamentação da economia, na medida em que se ampliam as oportunidades de atuação da iniciativa privada (Latge, 1988LATGE, S. P. S. (1988) Privatização e política industrial: a experiência brasileira. Rio de Janeiro, Instituto de Economia Industrial/Universidade Federal do Rio de Janeiro (Dissertação de Mestrado)., p. 97). Neste texto, faz-se uso do significado forte da privatização.

Quando se pretende analisar a privatização de um determinado setor industrial, existem dificuldades adicionais. Em primeiro lugar, e mais importante, a literatura internacional enfatiza os programas de privatização nacionais, ou seja, como determinado país promoveu ou pretende desenvolver o seu processo de privatização. Na maioria destes textos, pouca atenção se concede às alienações de empresas individuais. Na melhor das hipóteses, as informações se resumem ao valor financeiro arrecadado e à data da venda. Secundariamente, o ambiente macroeconômico (nacional e internacional) é uma variável importante na avaliação financeira das empresas, no valor obtido pela venda e, consequentemente, no sucesso ou fracasso da própria privatização.

No caso específico da indústria siderúrgica, existem mais dois complicadores. Primeiro, a heterogeneidade tecnológica e estruturas industriais desiguais. Além, naturalmente, da diferença na incorporação do progresso tecnológico, cabe lembrar a diversidade das rotas tecnológicas utilizadas (ferro-gusa versus ferro-esponja/sucata, aciaria básica a oxigênio versus fornos elétricos a arco, lingotamento contínuo versus lingotamento convencional etc.) e do grau de diversificação das empresas. Segundo, como consequência da importância dos custos fixos no setor e da variação considerável dos preços ao longo do tempo, verificam-se grandes flutuações das margens de lucro, que por sua vez afetam não apenas o preço da alienação da empresa, mas também os resultados antes e pós-privatização.

O objetivo deste trabalho é analisar o processo de privatização da siderurgia brasileira, a partir de uma comparação com outros países.3 3 Não foram analisadas as privatizações de pequenas siderúrgicas brasileiras: Cosim (planta de tubos sem costura, de 36 mil toneladas, em setembro de 1988, por US$ 4,1 milhões), Cimetal (usina integrada a carvão vegetal, de 200 mil toneladas, em novembro de 1988, por US$ 58,8 milhões), Cofavi (usina semi-integrada, à base de aciaria elétrica, de 320 mil toneladas, em julho de 1989, por US$ 8,2 milhões), Usiba (usina integrada a redução direta, à base de aciaria elétrica, de 350 mil toneladas, em outubro de l989, por US$ 54,2 milhões) e Cosinor (usina semi-integrada, à base de aciaria elétrica, de 84 mil toneladas, em novembro de 1991, por US$ 15 milhões). O método de venda em todos estes processos foi o leilão público, embora nos casos da Cosim e Cimetal, tenham sido vendidos os ativos e não as ações das empresas. Não se pretende discutir, assim, se as empresas deveriam ter sido vendidas ou se foram ou não melhor administradas pela iniciativa privada. Mas, em que medida o caso brasileiro se aproximou de outras privatizações de siderúrgicas. A primeira seção é exatamente dedicada a apresentar alguns traços marcantes sobre a privatização de 34 usinas siderúrgicas, em 17 países, inclusive o Brasil.

As demais seções referem-se à avaliação do processo de privatização da siderurgia brasileira propriamente dita. A seção dois aponta as modelagens e os métodos de venda utilizados, discutindo também as questões da transparência e da duração do processo. A terceira seção analisa as restrições impostas ao capital estrangeiro e as vendas especialmente direcionadas aos funcionários. A quarta seção aborda a questão da avaliação financeira, os instrumentos de liquidação financeira e a dificuldade de elaboração de um indicador de sucesso (ou fracasso) financeiro da privatização. A quinta e última seção sumariza as principais conclusões do artigo.

1. A PRIVATIZAÇÃO DA INDÚSTRIA SIDERÚRGICA MUNDIAL

A indústria siderúrgica mundial vive, desde 1988, sob uma onda de privatizações. Várias empresas foram ou estão em vias de ser privatizadas. Verifica-se, na verdade, uma reversão da trajetória anterior de aumento da participação estatal no setor. Corno aponta Kolko (1988KOLKO, J. (1988) Restructuring the World Economy. NewYork, Pantheon Books., p. 128), as empresas estatais possuíam 23% da capacidade instalada na indústria mundial na década de 50, sendo que este valor se elevou para 70% nos anos 80. Ao final de 1992, esta participação já tinha involuído para 52%.

Outras estimativas ratificam a importância da privatização de usinas siderúrgicas estatais num período recente. Em 1987, aproximadamente 35% da capacidade de produção do mundo ocidental era estatal - cerca de 50%, se excluídos Japão e Estados Unidos. Em 1992, aquele valor já teria regredido para 26% e poderia chegar a 18%, caso os planos de privatização em curso fossem concretizados (Metal Bulletin, 1992METAL BULLETIN (1992) nº’ 7673, 7739, 7742., nº 7742, p. 22).

Os principais fatores que teriam induzido os Estados a privatizar suas siderúrgicas são: a) a perda do caráter estratégico do aço como insumo básico ao complexo metal-mecânico (material bélico, inclusive); b) a necessidade de se livrar de uma fonte consumidora de recursos escassos do orçamento governamental, no caso de empresas deficitárias; e) a maior facilidade da alienação de siderúrgicas, em comparação com as empresas de serviços públicos, face aos problemas de regulamentação de monopólios.4 4 Guerra e Ferraz Netto (1991, p. 85) apontam outro fator explicativo para a tendência mundial de privatização de siderúrgicas: a ênfase (do progresso tecnológico setorial) teria se deslocado da apropriação crescente de economias de escala para a qualidade e o mix dos produtos, reduzindo a necessidade de grandes investimentos e o correspondente aporte financeiro do Estado.

No mundo ocidental, no período de 1987 a março de 1995, pelo menos 34 usinas siderúrgicas já foram total ou parcialmente privatizadas (Quadro 1 na página seguinte).5 5 Algumas privatizações de usinas siderúrgicas de pequeno porte não foram consideradas neste levantamento: DL Steel (Gana, 1990, US$ 100 mil), GIHOC Steelworkers (Gana, 1991, US$ 2,1 milhões), Inacero (Honduras, 1992, US$ 2,2 milhões), Caribbean Steel (Jamaica, 1992, US$ 7,4 milhões) - ver Sader (1994). Além dessas, a privatização de 55% da Steel Corporation, de Sri Lanka, realizada em maio de 1994, com uma receita de US$ 20 milhões, não foi incluída, por absoluta falta de informação (Privatisation International, 1994, nº 70, p. 31. Constata-se que 75,6 milhões de toneladas (ponderadas pela fração do capital vendido) foram privatizadas, o equivalente a quase três vezes o parque brasileiro. Ressalve-se que o valor mencionado da capacidade instalada corresponde ao existente na data da privatização. A receita de todas essas vendas atingiu US$ 20,6 bilhões.

QUADRO 1
Privatização da Siderurgia Mundial (1987-95)

A privatização também tem avançado nos antigos países de economia centralizada. As informações são, todavia, bastante insatisfatórias. Na Alemanha Oriental, foram privatizadas 8 siderúrgicas: Oranienburg, Hennigsdorf, Bradenbourg, Zeithain, Muldestein, Säshsische, Thüringer e EKO Stahl. A mais importante foi esta última, com uma capacidade de 2 milhões de toneladas, que foi adquirida no segundo semestre de 1994 pela estatal belga Cockerill-Sambre. Esta empresa desembolsou US$ 19,4 milhões, por 60% da EKO Stahl.

Na Hungria foram privatizadas as usinas Salgótarjan e Dimag, bem como a laminação de tiras a frio da Dunaferr. Na República Checa, duas siderúrgicas foram vendidas (Poldi e Valcovny Trub). Além disso, quatro siderúrgicas foram parcialmente privatizadas: Trinek (32%), Nova Hut (22%), Vitkovice (24%) e Valcovny Plechu (45%). No caso destas quatro siderúrgicas, a forma de privatização foi muito peculiar: a população trocou vouchers de privatização, que haviam recebidos gratuitamente, por ações das empresas. E, na China, a Maanshan abriu parte do seu capital (38%), em novembro de 1993, tendo ações cotadas na Bolsa de Hong Kong.

O ano de 1995 tende a acentuar a importância dessa tendência de privatização, em nível mundial. Dois exemplos ratificam esta conclusão: a) foi vendida a maior siderúrgica italiana, Ilva Laminati (Taranto), em março deste ano; b) foi iniciado o processo de privatização da francesa Usinor-Sacilor, terceira maior siderúrgica do mundo. Outras siderúrgicas já foram formalmente incluídas em programas de privatização como: Böhler-Uddeholm e Vöest-Alpine (Áustria), Erdemir e Sivas Demir Çelik (Turquia), Siderperú (Perú), Sidor (Venezuela), Acepar (Paraguai) e Sonasid (Marrocos).

2. MODELAGENS E MÉTODOS DE VENDA, TRANSPARÊNCIA E DURAÇÃO DO PROCESSO

Apesar da grande diversidade institucional que vem marcando o processo de privatização na siderurgia mundial, consegue-se distinguir três modelagens básicas de venda: a) pulverizada, que consiste na venda do controle acionário em apenas um dia, com restrições explícitas à articulação de interesses por parte dos novos acionistas; b) concentrada, também mediante a venda do controle acionário em apenas uma operação, mas cujos compradores são empresas, atuantes (ou não) no setor siderúrgico; e) sequencial, através da venda de pequenas tranches de ações ao longo do tempo, favorecendo também a pulverização do controle acionário.6 6 Kim et alii (l994, p. l63), analisando a privatização na Coréia do Sul, utilizam cinco categorias de privatização: a) mudança gerencial; b) completa; c) sequencial; d) parcial; e) reajustamento funcional. Para a experiência da siderurgia mundial, seriam importantes apenas as categorias completa, sequencial e parcial. Neste trabalho, optou-se por segmentar a privatização completa em dois casos: pulverizada e concentrada.

A modelagem pulverizada foi utilizada em apenas duas privatizações: British Steel (Reino Unido) e ISCOR (África do Sul). Nestes dois casos, as empresas eram muito grandes em relação ao parque instalado: cerca de 75% da produção nacional. Assim, a venda para outro produtor corresponderia, em grande medida, à transformação de um monopólio público em monopólio privado. Por outro lado, este tipo de venda é menos representativo, em número de casos, para a siderurgia do que geralmente imaginado. Na verdade, vem sendo um equívoco recorrente no estudo das privatizações a generalização dos resultados a partir de um número limitado de experiências nacionais, em especial nos casos das mais significativas e mais conhecidas, notavelmente a experiência inglesa (Cassese, 1993CASSESE, S. (1993) “As Empresas Públicas depois da Privatização”. In Zini Jr., (org.), O mercado e o estado no desenvolvimento econômico nos anos 90. Brasília, IPEA (Série IPEA, 137)., p. 93).

A modelagem concentrada foi a utilizada no maior número de países: Noruega, Nova Zelândia, Alemanha, Brasil, México, Argentina, Itália, Canadá e Filipinas. Nestes casos, o governo além de não impedir a articulação de interesses dos novos acionistas, acabou estimulando uma maior concentração industrial. No caso argentino, o governo vendeu um lote de 80% da Somisa (maior siderúrgica nacional), através de licitação. Um pré-requisito para a entrada no processo era que algum participante do consórcio tivesse experiência na gestão de usinas integradas.

A modelagem sequencial corresponde à venda de recorrentes tranches de ações ao longo do tempo, favorecendo também a pulverização do capital. Foi utilizada em quatro países: Chile, Suécia, Finlândia e Taiwan. Neste último caso, a China Steel já promoveu a venda de cinco tranches de ações, no período de abril de 1989 a setembro de 1994. Por 32% do capital, ela já arrecadou US$ 1,883 bilhão. Assim, para as siderúrgicas que se valeram desta modelagem, o processo é consequentemente longo.

Duas experiências, contudo, não se encaixam perfeitamente nessa tipologia: Coréia do Sul e Trinidad-Tobago. A primeira por ter privatizado parcialmente a POSCO, a segunda maior siderúrgica mundial, através da venda de 34,1% das ações da companhia, e ainda não ter decidido como será o prosseguimento do processo. A segunda por ter arrendado a ISCOTT, em maio de 1989. O arrendatário acabou exercendo a opção de compra da empresa em janeiro de 1995. Mas não se pode desvincular esta aquisição do leasing anterior.7 7 Sader (1994) aponta que, nas privatizações realizadas nos países em desenvolvimento, no período 1988- 93, menos de 0,1% da receita foi proveniente deste método de venda. Os métodos mais utilizados foram: vendas diretas (57,8%) e ofertas públicas de ações (38,5%). Spraos (1993, p. 124) denomina as vendas diretas vendas comerciais.

A transparência de uma privatização está intrinsecamente atrelada ao método de venda. Na siderurgia mundial, foram utilizados quatro métodos principais: oferta pública de ações, leilão, licitação e venda direta. No primeiro caso, o governo vende as ações por um preço pré-determinado e com o objetivo de pulverização do controle acionário. Para o sucesso deste tipo de venda, é fundamental a divulgação maciça de informações sobre a empresa e sobre a própria oferta pública.

Existe uma correspondência entre a modelagem e o método de venda. As oito siderúrgicas que se valeram da oferta pública de ações utilizaram as modelagens pulverizada e sequencial. A POSCO, que foi parcialmente privatizada, também recorreu à oferta pública de ações. A bem da verdade, a segunda tranche da SSAB (Suécia), promovida em maio de 1992, correspondeu a uma oferta pública de opções. Estas opções, com vencimento em fevereiro de 1994, foram colocadas conjuntamente com bônus (Richter, 1994RICHTER, P. (1994) “Sweden: Confidence Restored by Landmark Deals”. In Lorrd, (org.), Privatisation Yearbook, 1994. London., p. 153). Assim, o governo recebeu os recursos, sem o ônus da venda das ações num momento pouco propício (mercado acionário local e de produtos siderúrgicos internacional pouco aquecido).

Nos países que optaram pela modelagem concentrada, os métodos de venda usados foram: leilão, licitação e venda direta. O leilão pode ser considerado um método tão transparente quanto a oferta pública de ações. Divulga-se intensamente os dados relativos à empresa e ao processo de privatização. A vantagem deste instrumento é impedir que eventuais subavaliações da empresa persistam no ato da venda. Surpreendentemente, apenas o Brasil se utilizou deste método.

Os outros dois métodos, licitação e venda direta, são bem menos transparentes. No caso da licitação (envelope fechado), o governo recebe propostas até uma determinada data e escolhe o vencedor geralmente combinando a proposta técnica com a financeira.8 8 A única privatização de uma siderúrgica brasileira, que se utilizou de licitação (envelope fechado), na qual foram avaliados o valor financeiro e a proposta técnica, foi a de Nossa Senhora Aparecida, uma usina semi-integrada com capacidade de 90 mil toneladas. Formalmente, não se tratou de uma privatização, dado que 51% do capital votante, na época da licitação, estavam nas mãos da família Thomaz. Mas, como consequência da concretização do negócio, o BNDES transformou seus créditos junto à empresa (cerca de US$ 70 milhões) em ações, sendo que a participação no capital total foi incrementada de 35% para 65%, embora em apenas 15% de capital votante. Assim, a participação acionária da família Thomaz reduziu-se a 3,3% das ações com direito a voto. O negócio se concretizou em julho de 1988. O Grupo Villares ofereceu US$ 12,9 milhões, por 67% do capital votante e 23% do capital total. O Villares acabou adquirindo as ações residuais da família Thomaz por US$ 1,7 milhão, visando evitar um confronto jurídico. Este método é mais susceptível à corrupção, sendo que, via de regra, várias informações sobre as transações são mantidas em sigilo. Tal técnica foi utilizada nas seguintes privatizações: Zapla, Somisa, Sidbec-Dosco, Temi, bem como todas as seis usinas mexicanas. A venda direta é, ainda, menos transparente que a licitação, pois envolve a negociação do Estado com apenas um comprador. Peine-Salzgitter, Sydney Steel, National Steel (Filipinas), Piombino, Taranto, NorskJernverk, NZ Steel e ISCOTT recorreram a este expediente.

Apesar de algumas críticas endereçadas à transparência do programa brasileiro de privatização, elas são bem pequenas se comparadas às que podem ser formuladas à utilização da licitação e, principalmente, à venda direta. É verdade que alguns pontos poderiam ser aperfeiçoados: a) eliminação de prejuízos acumulados para antecipar o pagamento de imposto de renda por parte das empresas privatizadas; b) minimização dos estoques de produtos intermediários e de produtos finais para evitar que a sua diminuição se transforme em acesso adicional de recursos para a nova gestão da empresa e que, possivelmente, não foram totalmente contemplados na avaliação da empresa; c) necessidade de conversão de todas as moedas pagas pelo deságio do mercado.9 9 Certamente, a falta de apropriação explícita do deságio das “moedas podres” foi o ponto onde o processo de privatização das siderúrgicas brasileiras foi menos transparente. Passanezi Fº (1992, pp. 92-93) comenta que, no caso da Usiminas, a estrutura financeira do programa sobrevalorizou as moedas de privatização (por não considerar seu deságio), mas superavaliou o preço de venda da empresa em relação ao seu valor de mercado de forma a compensar o fato anterior. Assim, o governo teria se apropriado pelo menos parcialmente do deságio das moedas de privatização. Além disso, ter-se-ia sacrificado a transparência em favor da agilidade do processo. A questão dos instrumentos de liquidação financeira será retomada na seção 4. Mas estes eventuais erros de condução são pequenos frente a alguns tipos de vendas promovidas por terceiros países.

Em termos de duração do processo de privatização, é necessário diferenciar o tempo “preliminar” (entre a decisão de venda e a primeira operação de privatização) e o tempo “de venda” (entre a primeira e a última operação de privatização). Este último não deve ser comparado, até porque, nas experiências que optaram pela modelagem sequencial, o objetivo é estender a privatização ao longo do tempo.

O tempo “preliminar”, por sua vez, não se relaciona com a transparência. Em pelo menos três empresas siderúrgicas, este prazo foi inferior a 1 ano: British Steel, ISCOR e Peine-Salzgitter. Enquanto as duas primeiras podem ser consideradas privatizações transparentes, o mesmo não pode ser concluído da última. Além disso, a National Steel (Filipinas) foi privatizada em outubro de 1994, exatamente 3 anos depois da primeira tentativa de venda. Cabe lembrar que, nesta experiência, utilizou-se de venda direta.

O caso brasileiro ratifica a hipótese de que a duração independe da transparência. Dois fatos levam a esta conclusão. Primeiro, utilizando-se de modelagens e métodos de venda iguais, a duração variou entre 14 meses (Usiminas) e 23 meses (Cia. Siderúrgica de Tubarão). Segundo, paradoxalmente, Usiminas e CSN foram as empresas que mais receberam ações judiciais tentando impedir (ou adiar) as suas vendas, no total de 19 cada, mas foram os processos mais rápidos. A privatização da Cia. Siderúrgica de Tubarão não foi contestada por nenhuma ação e teve o trâmite mais demorado. A morosidade do processo foi, assim, estritamente relacionada à situação de cada empresa, e não à questão da transparência.

A média do tempo “preliminar” do processo de privatização de siderúrgicas brasileiras foi de 18 meses. Esta duração tem sido, de certa forma, compatível com a experiência de siderúrgicas privatizadas. Mas ocorreram cinco tentativas fracassadas de privatização na siderurgia mundial: Acenor (Espanha), Irish Steel (Irlanda), Sidor (Venezuela), Nacional (Portugal) e Indian Iron & Steel (Índia). No caso venezuelano, a autorização governamental para a venda da planta de tubos sem costura da Sidor data de junho de 1991. Assim, ao se considerar estes casos, a experiência brasileira foi relativamente exitosa, em termos de duração do processo.

3. RESTRIÇÃO AO CAPITAL ESTRANGEIRO E VENDA AoS FUNCIONÁRIOS

Dois traços marcantes dos processos de privatização têm sido o tratamento dado ao capital estrangeiro e a venda de ações aos funcionários. Alguns processos têm sido bastante restritivos à participação do capital internacional na privatização de siderúrgicas. O mais severo foi o da POSCO: em abril de 1988, quando se privatizou 34,1 % da empresa, a venda de ações foi limitada a capitais sul-coreanos. Em junho de 1992, essa restrição foi flexibilizada, aumentando a participação máxima do capital estrangeiro para 8%. As privatizações da ISCOR e da Outokumpu estabeleceram um limite de participação do capital estrangeiro em 20%.

Em compensação, existiram alguns casos em que se contemplou a compra de até 100% pelo capital estrangeiro, tais como: Chile, México, Argentina, Canadá, Trinidad-Tobago e Filipinas. Este último é interessante por mostrar que, ao longo do tempo, foram diminuindo as restrições ao capital estrangeiro. Nas duas primeiras tentativas de venda da empresa, o limite de participação deste capital era de 40%. Já nas duas últimas tentativas, inclusive a que conseguiu finalmente privatizar a empresa, aquela limitação foi eliminada, sendo que o capital estrangeiro poderia comprar até 100% da empresa. Este é um indício de que, provavelmente, estaria havendo uma tendência à diminuição da restrição ao capital estrangeiro nas privatizações de siderúrgicas.

Uma comparação da restrição ao capital estrangeiro possui três problemas. O primeiro refere-se à modelagem direta. Por negociar com apenas um potencial adquirente, a restrição acaba sendo implícita ao processo. Ou seja, a venda para uma empresa doméstica pode ou não estar vinculada à tentativa de se evitar que o controle acionário da empresa seja adquirido por uma empresa estrangeira. É neste sentido que se deve ser interpretado o limite de 0% indicado nas privatizações da Peine-Salzgitter, Norsk Jernverk, Piombino, Taranto e NZ Steel.10 10 Cabe lembrar que o controle acionário da NZ Steel foi renegociado posteriormente. Em agosto de 1989, um consórcio denominado Helenus comprou 100% da empresa, por US$ 197 milhões. A BHP Steel (Austrália) detinha 31% das ações ordinárias do Helenus. Em abril de 1992, a BHP Steel adquiriu mais 50% das ações ordinárias e todas as preferenciais (Metal Bulletin, 1992, nº 7673, p. 25). Assim, a NZ Steel passou a ser controlada por uma empresa australiana.

O segundo problema é relativo às vendas dirigidas de ações. No caso da British Steel, 25% das ações da empresa foram adquiridas por investidores institucionais, enquanto o restante foi vendido no mercado doméstico. Embora não tivesse sido imposto um limite total à participação do capital estrangeiro, a utilização de duas ofertas diferenciadas se tornou uma restrição de facto a tais investidores. Fenômeno similar ocorreu na terceira tranche da China Steel, quando foram alienados 12,70% do capital da empresa. Nessa ocasião, 5,1% foram colocados no mercado internacional. Mas, nas quatro outras tranches vendidas, houve somente oferta doméstica. Assim, o limite de venda ao capital estrangeiro, ao longo de todo o processo, foi de 15,8%.

A privatização da SSAB é interessante por mostrar como a venda dirigida de ações pode ser mais importante do que limites institucionais ao capital estrangeiro. Até maio de 1992, o limite da participação acionária na empresa era de 40% do capital total e 20% do capital votante. Nesta data, foram eliminadas estas restrições. Mas o processo de venda foi segmentado em dois mercados: sueco (88,2%) e internacional (11,8%). A oferta internacional foi totalmente subscrita, possibilitando que investidores estrangeiros pudessem controlar 6,17% do capital votante da empresa.

O terceiro problema é que, além da limitação, pode haver discriminação ao capital estrangeiro. Na British Steel, a oferta internacional originalmente correspondia a 33,2% do capital. Mas diante da super subscrição doméstica, ela acabou sendo reduzida para 25%. Uma segunda discriminação é com relação à diferença de preço de venda e de rendimentos da ação. Na terceira tranche da China Steel, o preço de colocação no exterior foi 7,4% superior ao da oferta doméstica. Além disso, somente na oferta doméstica foi concedida uma bonificação para compra de ações com desconto no futuro.

Mesmo diante destas dificuldades, é possível chegar a alguma conclusão em relação à experiência brasileira. Como se sabe, a participação do capital estrangeiro ficou limitada a 40% das ações ordinárias e a l00% das ações preferenciais. Dessa forma, acabou sendo uma situação intermediária. Mas, diga-se de passagem, se alguma siderúrgica brasileira iniciasse seu processo de privatização após julho de 1993, as empresas de capital estrangeiro já poderiam adquirir 100% do capital votante. Dessa forma, é falsa a ideia de que a privatização brasileira é uma das mais restritivas ao capital estrangeiro.

Com relação às vendas aos funcionários, excetuando as empresas brasileiras, apenas 8 siderúrgicas mundiais contemplaram esta modalidade de venda. A diversidade institucional foi também marcante. British Steel e ISCOR chegaram, inclusive, a doar 0,24% e 0,7% do capital aos funcionários, respectivamente. No caso chileno, não havia uma limitação à compra pelos funcionários, que chegaram a acumular 36% do capital acionário da Aceros Pacífico.11 11 Esta participação proeminente dos trabalhadores na Aceros Pacífico foi decorrência de uma operação de redução de capital promovida pela empresa. O objetivo original do governo, em novembro de 1984, era vender 51% do capital das empresas através da emissão de novas ações. Em setembro de 1985, contudo, apenas 17,4% das ações emitidas tinham sido adquiridas, sendo 15,7% pelos funcionários. Em março de 1986, a Aceros Pacífico comprou parte de suas ações em poder de seu sócio majoritário, cancelando-as. A participação do capital privado elevou-se, com isto, de 11% para 48%. Consequentemente, os empregados passaram a deter uma participação tão expressiva no capital acionário da empresa (Hachette et alii, 1992, pp. 148-156). Na Coréia do Sul, os funcionários que compraram as ações com 30% de desconto foram impedidos de revender as ações num prazo de 3 anos.

Em dois casos, embora os funcionários não tenham sido contemplados com a compra de ações, o Estado estabeleceu limites às demissões: Cogne (Itália) e Sidbec-Dosco (Canadá). Na siderúrgica italiana, o novo proprietário foi obrigado a manter 800 dos 1.200 operários da empresa (Metal Bulletin, 1994METAL BULLETIN (1994) nº’ 7863, 7895, 7930., nº 7863, p. 32). Na canadense, teve-se que reter pelo menos 75% dos 2,3 mil operários da usina (Metal Bulletin, 1994METAL BULLETIN (1994) nº’ 7863, 7895, 7930., nº 7895, p. 17). Em compensação, na Sydney Steel (Canadá), o comprador teve a opção de desmontar a planta e reinstalá-la na China, colocando em risco todos os empregos.

O desconto nas vendas aos funcionários, na experiência mundial, foi de no máximo 30%. No Brasil, pode-se dizer que o tamanho do lote preferencial destinado aos funcionários e a falta de restrições à revenda de ações se aproximou da experiência internacional. Mas o desconto concedido (70%) foi o maior conhecido em privatizações de siderúrgicas em nível mundial. Esta situação é ainda mais importante ao se considerar que apenas 30% da siderúrgicas mundiais, exceto as brasileiras, promoveram vendas aos funcionários.

A importância das vendas aos funcionários está correlacionada com o tempo de “preparação”, na medida que um dos principais obstáculos à privatização acaba sendo imposto pela posição sindical. Na Argentina, o governo anunciou a intenção de privatizar a Somisa, em 1986. Mas somente em dezembro de 1990 é que o sindicato aprovou a venda da empresa. A votação encerrou uma batalha de quatro anos para evitar a alienação da empresa (Privatisation International, 1991, nº 28, p. 3). Os funcionários foram contemplados com 20% do capital da Somisa, embora se desconheça o subsídio concedido. Da mesma forma, o fato de a duração do processo de privatização da siderurgia brasileira ter sido compatível com a experiência mundial não deixa de ser relacionado aos grandes subsídios concedidos aos funcionários.

4. AVALIAÇÃO FINANCEIRA, TAXA DE DESCONTO E INSTRUMENTOS DE PAGAMENTO

Um dos pontos mais polêmicos da privatização das usinas siderúrgicas brasileiras referiu-se à avaliação financeira. No caso delas, assim como para as demais empresas que foram vendidas a partir do governo Collor, recorreu-se a duas avaliações. O Quadro 2 mostra o valor de avaliação de cada consultoria e as respectivas taxas de desconto utilizadas. Além disso, apresenta-se o valor mínimo de venda da empresa determinado pela Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização. Na maioria dos casos, utilizou-se como preço mínimo a avaliação de maior valor, com duas exceções: CSN e Cosipa, onde o preço mínimo ficou 9,0% e 1,2% abaixo da maior avaliação, respectivamente.

QUADRO 2
Avaliação das Siderúrgicas Brasileiras

O método de avaliação utilizado foi o fluxo futuro de resultados, que consiste na previsão do resultado ao longo de um período de amortização, trazido a valor presente por uma taxa de desconto. Essa forma de avaliação, pelos fluxos futuros, é a mais utilizada internacionalmente para venda de empresas. A taxa de desconto assume um papel preponderante nesse cálculo, embora não exclusivo. Por exemplo, a consultoria B da CST utilizou uma taxa de desconto maior do que a consultoria A, mas a sua avaliação foi superior. Cabe ainda apontar que, nos casos da Cosipa e da Açominas, a consultoria A utilizou, na verdade, duas taxas: uma de 14% para o fluxo operacional, e outra de 18% para o fluxo incremental a partir de novos investimentos.

Afora a controvérsia sobre qual a taxa de desconto que deveria ser utilizada, deve-se notar que as taxas foram relativamente homogêneas. Não parece muito claro, aliás, porque se utilizou taxas similares para Acesita e CST, empresas que atuam em mercados tão diferenciados e com condições financeiras, tecnológicas e gerenciais tão divergentes. A mesma observação é pertinente para Cosipa e Açominas. Por outro lado, parece pouco racional que, para a Cosipa, cujos equipamentos estão mais depreciados e neste sentido requerendo maiores investimentos, tivesse sido utilizado um período de amortização superior ao da Usiminas e da CSN.

No caso da Piratini, a taxa de desconto utilizada foi bastante alta: 20%. Mesmo considerando o pequeno porte da empresa, isto não parece ser suficientemente forte para atingir este patamar de desconto. Cabe lembrar que as outras siderúrgicas privatizadas tiveram uma taxa de desconto da ordem de 16%.

O ponto nevrálgico da polêmica sobre a avaliação é a taxa de desconto. Alguns criticaram as taxas utilizadas, apontando que elas foram muito elevadas em comparação com a experiência internacional. Um estudo elaborado pelo Cedeplar/UFMG apontou que a taxa de desconto de 16,5%, utilizada para avaliar a Acesita em US$ 4 76,6 milhões, teria subestimado o valor da empresa. Utilizando-se uma taxa de 7%, pretensamente aplicada em nível mundial para as empresas do setor siderúrgico, atingir-se-ia um valor de US$ 920 milhões (Pires e Lemos, 1992PIRES, J. R. & M. B. LEMOS (1992) Acesita: uma avaliação econômico-financeira. Belo Horizonte, Convênio Cedeplar/lpead/Prefeitura Municipal de Timóteo., pp. 94-98). Essa informação foi, todavia, contestada pelo Banco Icatu, encarregado da avaliação econômico-financeira da Acesita. Segundo o banco, a taxa de desconto aplicada no mercado internacional para empresas do setor siderúrgico é de 13,5% (Gazeta Mercantil, 15.10.92, p. 13). Além disso, segundo Passanezi Fº (1992PASSANEZI Fº, R. (1992) Saneamento financeiro e privatização da siderurgia brasileira. Campinas, Instituto de Economia/Universidade Estadual de Campinas (Dissertação de Mestrado)., p. 92), o Banco Mundial utiliza taxas de desconto entre 18% e 25% para operações do gênero. A mesma crítica pode, entretanto, ser endereçada a qualquer um dos polos: a utilização genérica da expressão “experiência mundial”, sem citar casos específicos.

A bem da verdade, desconhece-se um número relativamente amplo de taxas de desconto utilizadas em outras privatizações de siderúrgicas, para que se possa chegar a um resultado conclusivo. Reforçando o argumento, na análise das experiências de privatização de 27 siderúrgicas, em nível mundial, conseguiu-se obter a taxa de desconto de apenas duas: Norsk Jernverk (Noruega, taxa de desconto de 10%, mas com carência de pagamento de três anos) e Pacífico (Chile, taxa de 16% e pagamento à vista). É muito pouco para se chegar a qualquer conclusão sustentável. Deve-se lembrar ainda que a ISCOR foi avaliada através de seu Balanço Patrimonial.

Embora exista a tentação de se adotar algum indicador, do tipo receita de privatização por capacidade instalada, para se avaliar o sucesso (ou fracasso) financeiro para o Estado, este exercício apresenta vários problemas.12 12 Passanezi Fº (1992, p. 92), por exemplo, aponta que o preço de venda da British Steel foi de US$ 300/ tonelada, enquanto o preço mínimo de venda da Usiminas foi estimado na base de US$ 450/tonelada Primeiro, grau de diversificação diferenciado: enquanto algumas empresas são apenas siderúrgicas, outras atuam em outros segmentos como mineração, bens de capital, etc. Na Outokumpu, por exemplo, a atividade siderúrgica responde por apenas 1/4 do faturamento. Segundo, a questão da diversidade tecnológica. É bastante questionável comparar o valor de receita de privatização por tonelagem instalada de usinas semi-integradas com a das integradas. Além disso, o mix de produtos é muito diferenciado.

Terceiro, as dívidas assumidas são parte essencial para se obter o preço real de venda da antiga siderúrgica. No Canadá, ao se dividir a receita de privatização por capacidade instalada, obteve-se uma razão de US$ 27 por tonelada (Sidbec-Dosco) e US$ 90 por tonelada (Sydney Steel). Ao se computar as dívidas, estes valores passam respectivamente para US$ 117 e US$ 90 por tonelada. Infelizmente, não se obteve o valor das dívidas para todas as experiências.

Quarto, instrumentos de pagamentos diferenciados. De um modo geral, os países que se valeram de ofertas públicas de ações exigiram o pagamento à vista. No caso da British Steel, contudo, 48% do pagamento foi em cash e o restante com 10 meses. Nas privatizações de três países latino-americanos, foram aceitos títulos (da dívida interna e externa) como meio de pagamento. No México, ambos os títulos foram deflacionados pelo deságio praticado no mercado. No Brasil, aos títulos da dívida externa foram aplicados um deságio fixo de 25%, enquanto os títulos da dívida interna foram aceitos pelo valor de face.13 13 Brumer (1994) indica o deságio para os leilões de venda de controle acionário: Usiminas (50%), Tubarão (50%), Acesita (55%), CSN (45%), Cosipa (35%) e Açominas (60%). Na Argentina, os títulos da dívida externa e interna foram utilizados sem qualquer deflação relativa ao deságio.

Deve-se apontar que, particularmente na Finlândia, a privatização ocorre preferencialmente através da emissão de novas ações, visando capitalizar a empresa. Em dezembro de 1993, o governo vendeu 7,4% do controle da Outokumpu, por US$ 149 milhões, mas não recebeu nenhum recurso, pois todo o produto foi proveniente de novas ações. Em julho de 1994, foram vendidos mais 38,2% da empresa, sendo que 75% foram injetados na empresa e o restante recebido pelo governo. A outra siderúrgica finlandesa em processo de privatização utilizou-se da mesma estratégia: em abril de 1994, o governo vendeu 12,4% da empresa, por US$ 145 milhões, que foram totalmente utilizados para a capitalização da empresa (Tapio, 1994TAPIO, M. (1994) Privatization of State-Owned Enterprises in Finland. Tokyo (mimeo).). Assim, o saneamento financeiro acaba sendo simultâneo ao processo de privatização, e não anterior como em outras experiências.

Algumas experiências, como Sibdec-Dosco, ISCOTT e a do México aceitaram o compromisso de investimentos futuros como parte do pagamento. No primeiro caso, a proposta do grupo vencedor da licitação totalizou US$ 246 milhões, sendo: US$ 32,5 milhões em pagamento à vista; US$ 21,7 milhões como injeção de capital de giro; US$ 72,3 milhões em investimentos nos próximos cinco anos; e US$ 119,4 milhões em assunção de dívidas (Ispat, 1994ISPAT (1994) Proposed Acquisition of Sidbec-Dosco: Presentation to Québéc Government. Montréal (mimeo)., p. 5). Na privatização da ISCOTT, além do pagamento de US$ 70,05 milhões, o comprador se comprometeu a investir US$ 83,5 milhões, no período de 3 anos, aumentando a capacidade instalada de 0,7 para 1 milhão de toneladas (Metal Bulletin, 1995METAL BULLETIN (1995) nº’ 7946., nº 7946, p. 20).

A principal siderúrgica mexicana privatizada é a Altos Hornos México (AHMSA). Ela foi vendida por US$ 145 milhões cash mais o compromisso formal de investimentos de US$ 498 milhões, elevando a capacidade da usina de 2,7 para 3,1 milhões de toneladas. A dívida assumida foi de US$ 350 milhões. Nesta operação, houve apenas mais uma proposta: US$ 143 milhões cash, US$ 37 milhões correspondente ao valor presente de pagamentos a prazo e US$ 329 milhões em compromissos de inversão (Secretaría de Hacienda y Crédito Público, 1994SECRETARIA DE HACIENDA Y CRÉDITO PÚBLICO (1994) Desincorporación de Entidades Paraestatales. México, Fondo de Cultura Económica., pp. 223-225). No caso mexicano, os preços mínimos de venda das empresas não foram divulgados. Aliás, a avaliação da empresa é usada apenas como termo de referência, pois a empresa pode até ser vendida por um preço menor (Diaz, 1992DIAZ, F. G. (1992) “México: da crise da dívida externa ao desenvolvimento sustentado”. In Brasil: o desafio da abertura. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas., p. 78).

Mas, certamente, as quatro operações mais inusitadas, quanto ao instrumento de pagamento, foram as da Sydney Steel, Norsk Jernverk, Temi e Piombino. No caso da primeira, em novembro de 1994, foi constituída uma joint-venture entre o governo provincial da Nova Escócia e a estatal chinesa Minmetals. Promoveu-se uma capitalização na empresa, da ordem de US$ 45 milhões, metade para cada sócio. Após três anos de operação, em 1998, a Minmetals poderá exercer a opção de compra da siderúrgica canadense mediante o pagamento de mais US$ 22,5 milhões. Qualquer prejuízo ao longo deste período será deduzido no preço final da compra (Metal Bulletin, 1994METAL BULLETIN (1994) nº’ 7863, 7895, 7930., nº 7930, p. 25).

Na privatização da Norsk Jernverk, o pagamento foi originalmente previsto para julho de 1993, com uma carência de 3 anos. Todavia, em dezembro de 1992, face às dificuldades financeiras do adquirente, o parlamento norueguês aprovou a ampliação do prazo de pagamento em mais 2 anos (Metal Bulletin, 1992METAL BULLETIN (1992) nº’ 7673, 7739, 7742., nº 7739, p. 16). Adotou-se uma carência no pagamento da Temi, superior a 2 anos. Na venda da Piombino, em setembro de 1992, a liquidação financeira foi feita com 40% das ações da empresa compradora (Lucchini), não envolvendo pagamento em numerário (Metalli, 1992METALLI (1992) nº 43., nº 43, p. 1).

A última parte desta seção refere-se à discussão sobre a modelagem de venda utilizada. Como já apontado, algumas experiências (China Steel, Outokumpu, Rautaruukki, Aceros Pacífico, SSAB), recorreram à modelagem sequencial. Teoricamente, esta estratégia teria duas vantagens: a) sob a pressão da iniciativa privada, a empresa melhoraria sua performance, e o Estado ganharia com a venda ao longo do tempo, pela elevação dos preços das ações; b) evitar-se-ia o risco de venda de grande parte do controle acionário num momento de mercado pouco adequado.14 14 A volatilidade do mercado acionário pode atingir patamares surpreendentes. No caso da China Steel, ela promoveu a venda da quarta tranche em março de 1994. O preço unitário de cada ação era de 21,71 novos dólares de Taiwan. A oferta correspondia a 7,49% do capital da empresa, mas a demanda foi inferior à oferta, sendo a diferença subscrita pelos underwritters. A quinta tranche foi realizada em setembro de 1994, com um preço unitário da ação em 21,98 novos dólares de Taiwan. A oferta foi equivalente a 3,30% do capital e a procura foi superior em 32 vezes a oferta. Deve-se lembrar que não se verificou grandes flutuações cambiais, nem inflexão dos preços dos produtos siderúrgicos no mercado mundial neste período.

Daquelas cinco privatizações, em pelo menos quatro delas (China Steel, Outokumpu, Rautaruukki e SSAB) não se verificou a eventual tendência de elevação de preços das ações. Mas o caso brasileiro reforça a ideia de que é mais indicado vender gradativamente o capital acionário. Para isto, analisar-se-á a trajetória do preço médio das ações da CSN. No primeiro e principal leilão, em abril de 1993, foi ofertado 65,0% da empresa, embora tenha sido vendido apenas 60,3%. O resultado financeiro deste leilão foi de US$ 1,057 bilhão, ou seja, cada 1% da empresa foi vendido por US$ 17,6 milhões. A segunda venda foi através de oferta pública de ação, em junho de 1993, tendo arrecadado US$ 139,1 milhões, por 10,0% do capital. Ou seja, cada 1 % da empresa foi vendido por US$ 13,9 milhões. Mas, como ainda sobravam 8,8% da empresa, foram realizados outros dois leilões: março de 1994 (vendeu 5,3% da empresa, obtendo US$ 127 milhões, custo de 1% de US$ 24,0 milhões) e abril de 1994 (venda de 3,5% da empresa, arrecadando US$ 83,3 milhões, custo de 1% de US$ 23,8 milhões).

É necessário enfatizar o preço da venda das sobras da CSN.15 15 Recorreu-se ao caso da CSN por dois motivos. Primeiro, a venda posterior de sobras. CST, Piratini, Acesita e Açominas não promoveram tais vendas, pois o edital de privatização não as contemplava. Assim, apenas Usiminas, CSN e Cosipa promoveram estas vendas. Segundo, a estrutura patrimonial. Enquanto Usiminas e Cosipa possuem ações ordinárias e preferenciais, o capital social da CSN é constituído apenas por ações ordinárias. Obteve-se um valor maior por lote equivalente de ações. Mesmo reconhecendo que o tamanho foi relativamente pequeno frente ao total ofertado no leilão de venda do controle acionário, não se pode descartar também que as ações deste último devem ser mais valorizadas, porque estava em jogo o controle da empresa. É difícil analisar o resultado final destes dois fatores opostos. Mas, supondo que, eles se anulem, resta a questão da liquidação financeira, sendo que no leilão de venda do controle, pôde-se utilizar títulos (“moedas podres”), ao passo que nos dois leilões de sobras, apenas moeda corrente. Assim, computados pelo custo do comprador, o leilão de sobras foi pelo menos duas vezes maior do que o leilão de venda do controle.16 16 Elena Landau, atual Diretora de Privatização do BNDES, em entrevista a Carlos Alberto Sardenberg, diz textualmente: “As sobras de ações de CSN foram vendidas pelo dobro do valor obtido pelas ações no leilão de privatização. A empresa privatizada valoriza e o governo lucra com isso.” (Folha de S. Paulo, 30.05.94, p. lO, primeiro caderno). A valorização em dólar das ações das siderúrgicas privatizadas, até 11 de janeiro de 1995, era de: Usiminas PN (601%), CST PN (404%), CSN ON (38%), Acesita ON (-13%) e Cosipa PNB (-18%), mesmo sem considerar o deságio das moedas de privatização utilizadas (Exame, 1995, nº 576, p. 76).

Além disso, deve-se lembrar que o Estado optou por manter 40% do capital da Cosipa, a ser vendido posteriormente, esperando uma valorização futura das ações. Ora, este argumento é relevante, não apenas para a Cosipa, mas para todas as empresas. Assim, tão ou mais importante do que criticar a taxa de desconto, a metodologia da avaliação do valor de venda das empresas e os efeitos da utilização de “moedas podres”, dever-se-ia ser questionado o tamanho do lote vendido e a consequente perda do controle acionário num só dia. Numa palavra: a evidência da CSN é um atestado de que a venda sequencial pode trazer um grande benefício ao Estado em termos de arrecadação com a venda das empresas.

Neste sentido, devem-se ser entendidas duas questões. A primeira, de ordem política e promocional. A venda através de sucessivos lotes certamente possui menor impacto em termos de valor arrecadado do que a “venda única”. Isto era especialmente relevante no governo Collor, dada a importância conferida à redução do tamanho do Estado. A segunda, dos reais motivos que levaram o Estado a manter 40% do capital da Cosipa. Apesar do discurso quanto à espera de valorização futura das ações, muito mais importante parece ter sido a estratégia de diminuir o montante a ser dispendido pelo comprador. Assim, esta opção deve ser entendida mais com uma tática de “facilitar a venda”, do que a busca de melhor resultado financeiro para o Estado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou promover uma avaliação do processo de privatização das siderúrgicas brasileiras, a partir de uma comparação internacional. Na primeira seção, foram mostradas algumas características de 27 siderúrgicas privatizadas em outros países. Apontou-se ainda as perspectivas deste processo para o ano de 1995 e as empresas siderúrgicas que já foram formalmente incluídas no rol das privatizáveis.

As seções seguintes correspondem à avaliação propriamente dita. As principais conclusões obtidas, apesar da grande diversidade institucional que marcou os programas de privatização das usinas siderúrgicas em nível mundial, foram:

  • Foram utilizados três tipos de modelagens distintos nas privatizações promovidas na siderurgia mundial: pulverizada, concentrada e sequencial. A modelagem mais utilizada em número de casos foi a concentrada, que também foi a adotada no Brasil.

  • Constatou-se uma correlação entre as modelagens e os métodos de venda adotados. Ofertas públicas foram utilizadas nos casos de modelagem pulverizada e sequencial. Leilão, licitação e venda direta nos de modelagem concentrada.

  • A transparência é muito ligada ao método de venda utilizada. Pelo fato de a experiência brasileira ter utilizado o leilão, pode-se concluir que ele foi transparente, no contexto da indústria mundial.

  • A duração do tempo “preliminar”, isto é, o tempo entre a decisão e a primeira operação de privatização, não tem relação com a transparência nem com ações judiciais contrárias, mas com os problemas específicos de cada empresa.

  • A duração do tempo “preliminar”, na siderurgia brasileira, foi compatível com a experiência mundial. E, ao se considerar as tentativas fracassadas, chega-se inclusive a um resultado satisfatório.

  • A restrição ao capital estrangeiro na privatização das siderúrgicas brasileiras correspondeu a um caso intermediário, frente aos mais e menos restritivos.

  • A venda de ações aos empregados não foi uma prática utilizada pela maioria das empresas siderúrgicas privatizadas. Dos casos conhecidos, o Brasil adotou o maior desconto para a compra dos funcionários. A repercussão desta política foi, certamente, a de diminuir as resistências dos trabalhadores ao processo de privatização, influindo, desta forma, na duração do tempo “preliminar”.

  • Não se conseguiu um número satisfatório das taxas de desconto utilizadas em outros países para se chegar a uma conclusão sobre a avaliação das siderúrgicas brasileiras.

  • Discutiu-se ainda as dificuldades da utilização de um indicador do tipo receita de privatização por capacidade instalada, para se avaliar o sucesso (ou fracasso) de uma operação de desestatização.

  • Os instrumentos de pagamento utilizados na siderurgia mundial foram também muito variados. No caso brasileiro, aceitou-se títulos da dívida interna e externa, sem a deflação pelo deságio de mercado no caso dos títulos da dívida interna, o que constitui o elemento menos transparente do processo brasileiro. Mas a experiência brasileira aproximou-se da da Argentina e foi menos inusitada do que pelo menos quatro privatizações.

  • De um modo geral, o processo de privatização das siderúrgicas brasileiras foi um caso intermediário no que se refere à duração do tempo “preliminar”, à restrição ao capital estrangeiro e aos instrumentos de liquidação financeira. Assumiu-se uma situação mais extrema com a relação a dois quesitos: a) foi um dos mais transparentes; b) concedeu o maior desconto aos funcionários.

  • A principal crítica que pode ser endereçada ao processo foi à modelagem de venda. Mostrou-se como a privatização sequencial pode ser benéfica em termos de arrecadação ao Estado. De um lado, evita-se o risco da venda num momento pouco propício. De outro, o Estado pode ganhar com a valorização das ações ao longo do tempo, embora isto não tenha se verificado em outros países.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • TAPIO, M. (1994) Privatization of State-Owned Enterprises in Finland. Tokyo (mimeo).
  • 1
    Segundo Savas (1987, apud Braga, 1992BRAGA, A. C. G. (1992) O processo de privatização brasileiro, um estudo de caso: Usiminas. Rio de Janeiro, Escola Brasileira de Administração Pública/Fundação Getúlio Vargas (Projeto de Dissertação de Mestrado)., p. 58), a palavra privatização evoca polarização prematura e argumentos radicais. O termo privatização é tão controverso que não existe consenso nem sobre sua grafia, no idioma inglês: são utilizados “privatisation” e “privatization”.
  • 2
    Moreira (1994MOREIRA, T. (1994) “O processo de privatização mundial: tendências recentes e perspectivas para o Brasil”. Revista do BNDES, nº 1., p. 99) resume assim a questão: “Importa considerar que existem hoje, no mundo, mais de 50 tipos diferentes de privatização, realizadas para cumprir metas muito distintas e em ampla variedade de circunstâncias políticas e econômicas. Privatização pode significar qualquer uma ou toda uma variedade de iniciativas políticas”.
  • 3
    Não foram analisadas as privatizações de pequenas siderúrgicas brasileiras: Cosim (planta de tubos sem costura, de 36 mil toneladas, em setembro de 1988, por US$ 4,1 milhões), Cimetal (usina integrada a carvão vegetal, de 200 mil toneladas, em novembro de 1988, por US$ 58,8 milhões), Cofavi (usina semi-integrada, à base de aciaria elétrica, de 320 mil toneladas, em julho de 1989, por US$ 8,2 milhões), Usiba (usina integrada a redução direta, à base de aciaria elétrica, de 350 mil toneladas, em outubro de l989, por US$ 54,2 milhões) e Cosinor (usina semi-integrada, à base de aciaria elétrica, de 84 mil toneladas, em novembro de 1991, por US$ 15 milhões). O método de venda em todos estes processos foi o leilão público, embora nos casos da Cosim e Cimetal, tenham sido vendidos os ativos e não as ações das empresas.
  • 4
    Guerra e Ferraz Netto (1991GUERRA, S. B. & FERRAZ NETTO, J. Q. (1991) “Privatização e desenvolvimento econômico (II)”. Conjuntura Econômica, vol. 45, nº 7., p. 85) apontam outro fator explicativo para a tendência mundial de privatização de siderúrgicas: a ênfase (do progresso tecnológico setorial) teria se deslocado da apropriação crescente de economias de escala para a qualidade e o mix dos produtos, reduzindo a necessidade de grandes investimentos e o correspondente aporte financeiro do Estado.
  • 5
    Algumas privatizações de usinas siderúrgicas de pequeno porte não foram consideradas neste levantamento: DL Steel (Gana, 1990, US$ 100 mil), GIHOC Steelworkers (Gana, 1991, US$ 2,1 milhões), Inacero (Honduras, 1992, US$ 2,2 milhões), Caribbean Steel (Jamaica, 1992, US$ 7,4 milhões) - ver Sader (1994SADER, F. (1994) Privatization Techniques and Foreign Investment and Developing Countries, 1988-93. Washington DC, World Bank, draft.). Além dessas, a privatização de 55% da Steel Corporation, de Sri Lanka, realizada em maio de 1994, com uma receita de US$ 20 milhões, não foi incluída, por absoluta falta de informação (Privatisation International, 1994, nº 70, p. 31.
  • 6
    Kim et alii (l994KIM, I. C. et alii (1992) “Privatization of South Korea ‘s Public Enterprises”. Journal of Developing Areas, vol. 28, nº 2., p. l63), analisando a privatização na Coréia do Sul, utilizam cinco categorias de privatização: a) mudança gerencial; b) completa; c) sequencial; d) parcial; e) reajustamento funcional. Para a experiência da siderurgia mundial, seriam importantes apenas as categorias completa, sequencial e parcial. Neste trabalho, optou-se por segmentar a privatização completa em dois casos: pulverizada e concentrada.
  • 7
    Sader (1994SADER, F. (1994) Privatization Techniques and Foreign Investment and Developing Countries, 1988-93. Washington DC, World Bank, draft.) aponta que, nas privatizações realizadas nos países em desenvolvimento, no período 1988- 93, menos de 0,1% da receita foi proveniente deste método de venda. Os métodos mais utilizados foram: vendas diretas (57,8%) e ofertas públicas de ações (38,5%). Spraos (1993SPRAOS, J. (1993) “Um passeio temático pela privatização, com ilustrações europeias”. In ZINI Jr., (org.), O mercado e o estado no desenvolvimento econômico nos anos 90. Brasília, IPEA (Série IPEA, 137)., p. 124) denomina as vendas diretas vendas comerciais.
  • 8
    A única privatização de uma siderúrgica brasileira, que se utilizou de licitação (envelope fechado), na qual foram avaliados o valor financeiro e a proposta técnica, foi a de Nossa Senhora Aparecida, uma usina semi-integrada com capacidade de 90 mil toneladas. Formalmente, não se tratou de uma privatização, dado que 51% do capital votante, na época da licitação, estavam nas mãos da família Thomaz. Mas, como consequência da concretização do negócio, o BNDES transformou seus créditos junto à empresa (cerca de US$ 70 milhões) em ações, sendo que a participação no capital total foi incrementada de 35% para 65%, embora em apenas 15% de capital votante. Assim, a participação acionária da família Thomaz reduziu-se a 3,3% das ações com direito a voto. O negócio se concretizou em julho de 1988. O Grupo Villares ofereceu US$ 12,9 milhões, por 67% do capital votante e 23% do capital total. O Villares acabou adquirindo as ações residuais da família Thomaz por US$ 1,7 milhão, visando evitar um confronto jurídico.
  • 9
    Certamente, a falta de apropriação explícita do deságio das “moedas podres” foi o ponto onde o processo de privatização das siderúrgicas brasileiras foi menos transparente. Passanezi Fº (1992PASSANEZI Fº, R. (1992) Saneamento financeiro e privatização da siderurgia brasileira. Campinas, Instituto de Economia/Universidade Estadual de Campinas (Dissertação de Mestrado)., pp. 92-93) comenta que, no caso da Usiminas, a estrutura financeira do programa sobrevalorizou as moedas de privatização (por não considerar seu deságio), mas superavaliou o preço de venda da empresa em relação ao seu valor de mercado de forma a compensar o fato anterior. Assim, o governo teria se apropriado pelo menos parcialmente do deságio das moedas de privatização. Além disso, ter-se-ia sacrificado a transparência em favor da agilidade do processo. A questão dos instrumentos de liquidação financeira será retomada na seção 4.
  • 10
    Cabe lembrar que o controle acionário da NZ Steel foi renegociado posteriormente. Em agosto de 1989, um consórcio denominado Helenus comprou 100% da empresa, por US$ 197 milhões. A BHP Steel (Austrália) detinha 31% das ações ordinárias do Helenus. Em abril de 1992, a BHP Steel adquiriu mais 50% das ações ordinárias e todas as preferenciais (Metal Bulletin, 1992METAL BULLETIN (1992) nº’ 7673, 7739, 7742., nº 7673, p. 25). Assim, a NZ Steel passou a ser controlada por uma empresa australiana.
  • 11
    Esta participação proeminente dos trabalhadores na Aceros Pacífico foi decorrência de uma operação de redução de capital promovida pela empresa. O objetivo original do governo, em novembro de 1984, era vender 51% do capital das empresas através da emissão de novas ações. Em setembro de 1985, contudo, apenas 17,4% das ações emitidas tinham sido adquiridas, sendo 15,7% pelos funcionários. Em março de 1986, a Aceros Pacífico comprou parte de suas ações em poder de seu sócio majoritário, cancelando-as. A participação do capital privado elevou-se, com isto, de 11% para 48%. Consequentemente, os empregados passaram a deter uma participação tão expressiva no capital acionário da empresa (Hachette et alii, 1992HACHETTE, D. et alii (1992) Seis casos de privatización en Chile. Banco Interamericano de Desarrollo (Serie de Documentos de Trabajo, 117)., pp. 148-156).
  • 12
    Passanezi Fº (1992PASSANEZI Fº, R. (1992) Saneamento financeiro e privatização da siderurgia brasileira. Campinas, Instituto de Economia/Universidade Estadual de Campinas (Dissertação de Mestrado)., p. 92), por exemplo, aponta que o preço de venda da British Steel foi de US$ 300/ tonelada, enquanto o preço mínimo de venda da Usiminas foi estimado na base de US$ 450/tonelada
  • 13
    Brumer (1994BRUMER, W N. (1994) “Presentation”. Steel Survival Strategies IX. NewYork, American Metal Market-World Steel Dynamics.) indica o deságio para os leilões de venda de controle acionário: Usiminas (50%), Tubarão (50%), Acesita (55%), CSN (45%), Cosipa (35%) e Açominas (60%).
  • 14
    A volatilidade do mercado acionário pode atingir patamares surpreendentes. No caso da China Steel, ela promoveu a venda da quarta tranche em março de 1994. O preço unitário de cada ação era de 21,71 novos dólares de Taiwan. A oferta correspondia a 7,49% do capital da empresa, mas a demanda foi inferior à oferta, sendo a diferença subscrita pelos underwritters. A quinta tranche foi realizada em setembro de 1994, com um preço unitário da ação em 21,98 novos dólares de Taiwan. A oferta foi equivalente a 3,30% do capital e a procura foi superior em 32 vezes a oferta. Deve-se lembrar que não se verificou grandes flutuações cambiais, nem inflexão dos preços dos produtos siderúrgicos no mercado mundial neste período.
  • 15
    Recorreu-se ao caso da CSN por dois motivos. Primeiro, a venda posterior de sobras. CST, Piratini, Acesita e Açominas não promoveram tais vendas, pois o edital de privatização não as contemplava. Assim, apenas Usiminas, CSN e Cosipa promoveram estas vendas. Segundo, a estrutura patrimonial. Enquanto Usiminas e Cosipa possuem ações ordinárias e preferenciais, o capital social da CSN é constituído apenas por ações ordinárias.
  • 16
    Elena Landau, atual Diretora de Privatização do BNDES, em entrevista a Carlos Alberto Sardenberg, diz textualmente: “As sobras de ações de CSN foram vendidas pelo dobro do valor obtido pelas ações no leilão de privatização. A empresa privatizada valoriza e o governo lucra com isso.” (Folha de S. Paulo, 30.05.94, p. lO, primeiro caderno). A valorização em dólar das ações das siderúrgicas privatizadas, até 11 de janeiro de 1995, era de: Usiminas PN (601%), CST PN (404%), CSN ON (38%), Acesita ON (-13%) e Cosipa PNB (-18%), mesmo sem considerar o deságio das moedas de privatização utilizadas (Exame, 1995EXAME (1995) nº 576., nº 576, p. 76).
  • 17
    JEL Classification: L33; L61; L10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1997
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