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Subsídios para a política financeira* * Este é um dos relatórios preparados no início de 1985 pela COPAG - Comissão do Plano de Governo - para o presidente Tancredo Neves.

Subsidies for financial policies

RESUMO

Esta é uma reprodução dos planos do governo para organizar o sistema financeiro e a dívida interna.

PALAVRAS-CHAVE:
Sistema financeiro; dívida

ABSTRACT

This is a reproduction of the government plans for organizing the financial system and the internal debt.

KEYWORDS:
Financial system; debt

A INSTABILIDADE DO SISTEMA FINANCEIRO

O sistema financeiro nacional carrega hoje um forte potencial de instabilidade. Além da ansiedade provocada por casos recentes de inadimplência, os principais fatores responsáveis por essa situação são os seguintes:

  1. as incertezas associadas a uma inflação elevada e ascendente (cerca de 286 por certo no último trimestre, anualizada);

  2. a taxa de juro real para capital de giro em torno de 35 por cento ao ano, que vem provocando séria deterioração nas relações do sistema financeiro com o setor produtivo. Isto gera pressões de custo insuportáveis para as empresas, que procuram defender-se elevando suas margens brutas de lucro na tentativa ou de liquidar antecipadamente seus débitos, ou reciclar as dívidas a custos reais crescentes;

  3. as crescentes dificuldades para o refinanciamento da dívida governamental simultâneas com um forte aumento do crédito dos bancos comerciais ao setor público;1 1 Entre 1978 e 1983 os empréstimos dos bancos comerciais ao setor público passaram de 17 a 44 por cento do total de empréstimos feitos; no caso dos bancos comerciais privados o salto foi de 1,9 a 30 por cento.

  4. a ponderável dolarização da estrutura do sistema financeiro2 2 A participação dos empréstimos externos no passivo dos bancos comerciais subiu de 27,6 para 47,4 por cento entre 1979 e 1984. No caso dos bancos privados o salto foi maior: 32,2 para 61 por cento. , tornando-o extremamente dependente das vicissitudes da situação cambial do país;

  5. a quase esterilização da política monetária face à notável estreiteza da base monetária e dos meios de pagamento e à excessiva e crescente participação dos fundos indexados no total dos ativos financeiros3 3 A relação entre os meios de pagamento (M1) e o PIB declinou cerca de três vezes - de 9,6 para 3,2 por cento - entre 1978 e 1984. No mesmo período, a participação de M1 no conjunto dos ativos financeiros declinou de 32,5 para 9,8 por cento. Paralelamente, a participação dos fundos indexados nesse conjunto saltou de 49 para 79 por cento. , simultânea à sua também crescente liquidez.

Para a compreensão deste último aspecto é importante ressaltar que o conceito clássico de agregado monetário (M1) perdeu grande parte do seu sentido face a existência de ativos indexados, rentáveis, sem risco, com liquidez imediata e que se expandem automaticamente segundo a inflação (devido à correção monetária). Neste processo, uma parcela crescente da liquidez (já reduzida devido à política monetária contracionista) passa a ser “represada” no próprio circuito financeiro.

A base monetária tornou-se mínima em comparação com a dimensão de certas fontes de expansão e contração de liquidez. É o caso dos subsídios anuais a alguns produtos, que podem aproximar-se do montante da base monetária; do mesmo modo, as variações líquidas de reservas cambiais ou a flutuação de depósitos na 432 e 230 podem superar o estoque de liquidez primária. Um aumento de 1,3 bilhão de dólares de reservas em 1985 bastaria, segundo a programação monetária do governo, para duplicar o crescimento da base.

Assim, seja por sua grande sensibilidade a pequenos impulsos de expansão, seja por encontrar-se parcialmente indexada, a base monetária tem uma grande autonomia de crescimento. Sendo assim, o fator corretivo mais acessível tende a ser a colocação líquida de públicos, com suas consequências negativas sobre a taxa de juros e o endividamento público.

A correção da instabilidade exigirá uma ação decidida e cuidadosa por parte do novo governo. Tão mais cuidadosa porquanto a crise já é manifesta (SUNAMAM e SULBRASILEIRO) e pode ter outros desdobramentos a curto e médio prazos em vários segmentos do mercado financeiro (Bancos estaduais, BNCC e Cooperativas, Bancos privados em frágeis condições de caixa), criando-se focos de tensão e elevação do risco (e, portanto, da taxa de juros), e provocando a geração descontrolada de liquidez devido à cobertura de “rombos” sob pena de alastramento das crises localizadas.

É urgente, pois, que se inicie um acompanhamento imediato junto ao Banco Central no sentido de se procurar identificar os eventuais elos mais frágeis do sistema, visando particularmente a ampliar os canais para uma ação preventiva mais efetiva por parte daquela instituição. Tal acompanhamento deve também procurar avaliar o envolvimento dos agentes financeiros com aqueles segmentos do setor produtivo que mais duramente sofreram com a recessão. ·

Por outro lado, a simples enumeração das condições de instabilidade do sistema financeiro demonstra a amplitude das medidas que deveriam ser tomadas no sentido de uma reforma monetária e financeira profunda, que acompanhe o controle da inflação e represente uma condição para um crescimento econômico sustentado.

Nas páginas que seguem abordaremos dois aspectos da questão financeira, relacionados com o endividamento público e a taxa de juros. Uma análise mais abrangente e aprofundada da instabilidade do sistema financeiro, com as correspondentes proposições de política econômica, deveria ser objeto de uma comissão de alto nível a ser formada logo no início do governo.

O ENDIVIDAMENTO PÚBLICO

  • 1) O novo governo encontrará as contas públicas em situação de forte desequilíbrio, traduzido no tamanho do seu endividamento e na precariedade de suas formas de financiamento. É preciso reconhecer que, além da indisciplina das despesas públicas face às possibilidades das receitas, três fatores contribuíram de forma decisiva para o problema do endividamento nos anos recentes:

  1. a absorção pelo setor público da parte significativa do ônus pelo ajustamento externo da economia brasileira. Este é o caso, por exemplo, das empresas estatais, que, grandes devedoras ao exterior, viram seus passivos aumentar acentuadamente como consequência das duas maxidesvalorizações. Lembre-se, ainda, que o governo assumiu parte substancial do custo em cruzeiros dessas máxis em relação à dívida externa privada, devido aos depósitos em moeda estrangeira ao abrigo da Resolução 432 e da Circular 230.4 4 Cerca de três quartas partes da dívida externa brasileira registrada em 1983 recaíam sobre o setor público. Os depósitos em moeda estrangeira representavam em julho de 1984, 12,2 bilhões de dólares, dos quais 6,8 bilhões pertenciam ao setor privado. Isso, na prática, representou a cobertura do risco cambial do setor privado;

  2. a subida dos juros, principalmente os externos, onerando significativamente os encargos financeiros do setor público. Como efeito combinado deste fator e do anterior, os encargos financeiros das empresas públicas federais aumentaram 75 por cento em termos reais, entre 1981 e 1984. Neste ano, os referidos encargos perfizeram Cr$ 10,8 trilhões. A folha de salários e encargos sociais dessas empresas em 1984 foi de Cr$ 9,1 trilhões;

  3. a recessão econômica, que provocou uma queda da receita tributária (apesar dos aumentos de impostos) proporcionalmente maior do que a diminuição das despesas. A moderada recuperação observada em 1984 não resolveu o problema, porquanto baseou-se no dinamismo das exportações industriais, que estão isentas de impostos indiretos e recebem subsídios (que implicam despesas) fiscais e creditícios. Além disso, é importante notar, a aceleração da inflação tendeu a provocar, devido às defasagens, uma diminuição da receita tributária real. Este problema ocorreu em 1983 e poderá repetir-se em 1985.

  • Em 1984, além dos desequilíbrios das contas públicas, dois fatores conjunturais pressionaram os juros e as contas públicas. Primeiro, a acumulação de reservas, que exigiu, para efeito de controle da expansão da base monetária, colocação de títulos públicos e elevação do compulsório dos depósitos a prazo. Segundo, as incertezas associadas às perspectivas de mudança de governo e aos riscos de uma desindexação futura. O “prêmio de risco”, no caso, foi da ordem de 3 a 5 pontos percentuais sobre a taxa de juros anual.

  • 2) É preciso esclarecer que o endividamento público, ao mesmo tempo que tende a agravar-se face à elevação dos juros, tem representado um fator determinante para essa mesma elevação, especialmente levando-se em consideração que:

  1. foram consideravelmente reduzidas as possibilidades de financiamento externo, reforçando as pressões do setor público sobre o mercado financeiro doméstico;

  2. a liquidez real da economia contraiu-se drasticamente nos últimos anos, como consequência das tentativas de controle da inflação e das possibilidades de converter cruzeiros em ativos indexados, líquidos, seguros e rentáveis;

  3. uma importante tentativa para elevar a receita tributária governamental (e reduzir o déficit) residiu precisamente no aumento de impostos que oneram os juros, tanto pelo aumento de alíquotas como pela maior eficácia na arrecadação (Decreto-Lei no. 2.072).

  • 3) O endividamento público tem três componentes fundamentais: as obrigações em moeda estrangeira do Banco Central (líquidas das reservas), os empréstimos bancários ao setor público e a dívida mobiliária. (Ver Tabela anexa).

A quantificação global da dívida é difícil de ser feita com precisão, dados os problemas de dupla contagem entre os dois primeiros componentes. Em todo caso, é interessante sublinhar que o terceiro componente - a dívida mobiliária junto ao público - não é o mais significativo.

De fato, o volume da dívida mobiliária em poder do público não é grande em termos relativos (em torno a 10 por cento do PIB) quando comparado a outros países. O problema da dívida, no caso, consiste mais nas características do mercado de títulos públicos no Brasil que tornam muito delicada sua rolagem.

Os compradores voluntários finais dos papéis públicos no Brasil são escassos; na ponta do mercado há aceitação a títulos a médio e longo prazos, ficando a grande maioria dos títulos em poder do sistema financeiro. Parte das carteiras desses títulos é de natureza compulsória, sendo que o restante serve como lastro nas operações de overnight. Ou seja, compram-se os papéis de médio e longo prazo para financiá-los com recursos de curto prazo.

Isto torna o sistema instável, pois como a carteira de títulos públicos representa muitas vezes o capital da instituição financeira, qualquer oscilação de preços para baixo tende a criar situações difíceis, como a que ocorreu com as ORTN cambiais no início de 19845 5 A cotação atual desses títulos no mercado secundário (80 por cento do valor de face) é 26 por cento inferior ao preço pago ao Banco Central no início de 1984. , obrigando a autoridade monetária a frequentes operações de bail-out.

  • 4) Um outro aspecto crítico, com reflexos imediatos sobre o sistema financeiro e a precariedade do endividamento público refere-se à indexação. Na prática, ao permitir que todos os títulos financeiros (inclusive aplicações no overnight) sejam indexados às variações de ORTN, o governo destruiu o poder de competitividade dos títulos de médio e longo prazo. Hoje, qualquer que seja o prazo, os diferentes papéis têm garantia de juros reais, o que certamente pressiona para cima as taxas de juros dos papéis de prazo maior.

  • 5) Os serviços relacionados com o endividamento público constituem um item de grande peso no total das despesas governamentais, contribuindo, portanto, de maneira fundamental, para a formação do déficit público. De início, convém evitar ao máximo duas possibilidades óbvias para financiar esse déficit: a pura e simples emissão de dinheiro e a colocação adicional de títulos, ou seja, enfrentar os problemas do endividamento público com mais dívida interna.

  1. A mera emissão de moeda, ao aumentar a liquidez da economia, poderia reduzir a curto prazo as taxas de juro real. Mas, persistindo as expectativas de aceleração da inflação (e a consequente fuga à retenção de dinheiro) a referida emissão poderia provocar um forte impulso sobre os preços, que redundaria numa verdadeira hiperinflação.

  2. O crescente recurso à colocação de títulos também seria inconveniente, por seus efeitos sobre os juros reais e sobre a instabilidade do sistema financeiro. De fato, independentemente dos problemas que mencionamos no item 3, a incerteza crescente associada à consciência cada vez mais clara da precariedade da situação atual leva à exigência de taxas de juros cada vez mais elevadas e de prazos de maturação mais curtos, circunstâncias que, obviamente, agravam a própria situação que as gerou. Isto, quando o governo não se vê na contingência de injetar recursos para garantir a compra dos seus próprios títulos, num processo que aumenta a dívida sem controlar a moeda.

Uma terceira alternativa a ser descartada seria a de realizar expurgos na correção monetária, que aliviassem o serviço da dívida pública. Tais expurgos, se fossem significativos, poderiam provocar uma cadeia de quebras no sistema financeiro. Por outro lado, caso fossem moderados (por exemplo, cinco por cento), não teriam um efeito econômico significativo (redução de Cr$ l.5 trilhão no déficit público, em cruzeiros de março de l985), mas continuariam exercendo efeitos negativos, tais como:

  1. exacerbação das incertezas e riscos, com impac­tos adversos sobre a inflação e o déficit público;

  2. elevação das taxas de juros, para compensar o efeito do expurgo;

  3. expansão da demanda por ativos reais e dolarizados.

  • 6) Uma outra estratégia, mais fácil e por isso tentadora para alguns, seria a do “deixar estar para ver como fica” ou seja, manter a política de 1984. Tal atitude, no contexto do agravamento das pressões inflacionárias, inclusive face à escassez de estoques (devido aos juros elevados) e ao encurtamento dos períodos de reajuste de preços e salários, traria o risco da hiperinflação, sem mencionar suas consequências sobre a instabilidade do sistema financeiro, abrindo-se assim a possibilidade de a dívida interna liquidar-se mediante um quebra-quebra geral. Isto poderia ocorrer caso continuasse a política do atual governo por mais um ou dois anos.

  • 7) Nessas circunstâncias, o melhor caminho para enfrentar o problema do endividamento e do déficit público deveria combinar outras alternativas de política econômica, atacando-se o referido problema em várias frentes simultâneas. Fundamentalmente, se visaria a:

  1. diminuir as transferências de recursos ao exterior, atenuando-se assim um poderoso fator que, nas condições atuais, representa urna forma de pressão sobre o mercado financeiro, mediante uma renegociação da dívida externa nos termos assinalados no documento da comissão sobre o tema;

  2. realizar uma rigorosa racionalização de despesas públicas com vistas a economias de custeio, eliminação de desperdícios, cortes de investimentos não prioritários e remanejamento de gastos públicos em direção à área social (elevada utilização de mão-de-obra e insumos nacionais) e a setores que oferecessem rápido retorno;

  3. obtenção de receita tributária adicional, pela redução de prazos de recolhimento de impostos e medidas tributárias de emergência através de impostos extraordinários diretos sobre renda e patrimônio;

  4. diminuição dos juros reais, através de medidas indicadas mais adiante e do alívio da carga tributária sobre os principais instrumentos de captação bancária. Esta redução de imposto pode ser compensada pela incidência de alíquotas inversamente proporcionais aos preços da aplicação;

  5. incentivar capitalização das empresas públicas, com vistas a reduzir seu endividamento junto ao sistema bancário;

  6. aumentar a colocação voluntária dos títulos públicos junto aos detentores da poupança financeira. O principal instrumento para atingir o objetivo seria o de limitar a indexação pós-fixada apenas aos títulos públicos (e privados) de prazo médio e longo (acima de um ano).

No esquema proposto seria reintroduzido o uso obrigatório do cruzeiro para os títulos com menos de um ano, com exceção dos depósitos de poupança. Os bancos poderiam captar depósitos a prazo fixo a partir de 90 dias, mas com taxas prefixadas. O prazo mínimo de carência das cadernetas passaria para 90 dias. É evidente que seria necessário tomar medidas para evitar que os ativos indexados a posteriori fossem monetizáveis via mercado aberto.

  • 8) Cumpre lembrar, por último, que a continuidade do crescimento econômico baseado no mercado interno tende, per se, a exercer um efeito positivo sobre as finanças públicas como um todo.

Há ainda uma importante consideração a ser feita a respeito do financiamento do déficit público. Embora os dados sejam frágeis e obscuros, há estimativas que indicam um déficit operacional do setor público de cerca de quatro por cento do PIB em 1984.6 6 No conceito acordado com o FMI, o referido déficit é hoje próximo a zero. Mas, por um lado, exclui as despesas de juros dos depósitos da 432 e da 230 e, por outro, calcula a correção monetária incorretamente, ao usar o valor de face, ao invés do valor efetivo de venda de títulos. Para eliminar esse déficit em um ano seria necessário aumentar a carga tributária e/ou contrair o gasto público em proporções tais que, mesmo sem considerar seus fundamentos econômicos mais detidamente, parecem fora de qualquer cogitação para um governo de transição democrática.

Cumpre notar que o gasto público já foi acentuadamente comprimido nos últimos anos. As despesas fiscais caíram cerca de 17 por cento em termos reais entre 1980 e 1984. Os investimentos das empresas públicas federais diminuíram em cerca de 30 por cento entre 1981 e 1984. As despesas com pessoal dessas empresas diminuíram 30 por cento. Enquanto isso, seus encargos financeiros aumentaram 75 por cento. Como já mencionamos, tais encargos superam folgadamente a folha de salários.

A política anti-inflacionária

  • 1) Sem deixar de lado a importância de melhorar os resultados operacionais do setor público, o enfrentamento do déficit que deriva da correção monetária exigirá um ataque direto no sentido de derrubar a inflação, através de um pacto social. À medida que se consiga uma queda da inflação mediante uma ação inicial sobre os juros (ver mais adiante) e um subsequente acordo social abrangente sobre juros, preços e salários, poder-se-á obter uma redução paralela do déficit nominal, como consequência da menor correção monetária. Ao cair o déficit, reduzir-se-ia a necessidade da emissão de obrigações líquidas do governo, de que se alimenta a própria inflação. A desinflação, portanto, persistiria, e o caminho estaria aberto para a recuperação econômica.

  • 2) A política de reduzir a inflação mediante um acordo social teria dois componentes: um defensivo, outro ativo. O aspecto defensivo deve residir na modificação de expectativas, na política neutra de reajuste dos preços públicos, em evitar tanto os choques de oferta (inclusive mediante eventual importação de alimentos) como também o encurtamento dos períodos de reajuste de preços e salários. Além disso, caberia: (i) evitar cortes de subsídios que tenham impactos significativos sobre os preços; (ii) não elevar impostos indiretos; (iii) promover, em colaboração com a indústria e o comércio, um sistema de vigilância de preços; (iv) controlar os dispêndios do setor público com vistas a compatibilizá-los com as desigualdades nas condições de oferta conforme os setores; (v) praticar uma política seletiva de importações de insumos (ver documento sobre política industrial).

Ao lado dessas políticas, ainda com caráter defensivo, seria necessário tomar duas outras iniciativas com o objetivo de aumentar a eficiência das políticas ativas, vale dizer:

  • revisar o IGP como indicador de inflação e da correção das ORTN, pela sua sistemática de cálculo e por sua composição;

  • promover uma transformação da SUNAB de sorte a estruturá-la como um órgão catalisador do processo de vigilância dos preços ao nível do varejo, que seria feita basicamente pela sociedade civil, e de punição com base nos poderes da Lei Delegada n. 4.

  • 3) A fase ativa da política anti-inflacionária deve pressupor o equacionamento das contas externas, redução dos juros reais, melhora da situação financeira do setor público e o adequado controle da liquidez interna. A influência dessas condições sobre o êxito daquela política é óbvia.

Por outro lado, a redução dos custos financeiros e a reversão das expectativas inflacionárias, induzida pela redução do déficit público, poderia facilitar o engajamento dos setores industrial e de serviços no programa. Tal engajamento deve se dar mediante uma negociação em torno de urna nova política de preços, baseada no alongamento dos prazos entre os reajustes.

A redução dos juros reais e o maior espaçamento dos reajustes de preços nos setores privado e público permitiriam reduzir a pressão inflacionária, para cuja consolidação poderia contribuir urna política salarial adequada. A viabilidade dessa orientação poderá ser assegurada pelo fato de a política ativa ter começado pelos juros e depois pelos preços administrados, e de ter produzido resultados, obtendo, assim, credibilidade.

O PROBLEMA DOS JUROS

  • 1) A redução da taxa de juros real deve constituir um objetivo central e imediato da política econômica do novo governo. Tal redução é fundamental no sentido de:

  • i) diminuir o custo do endividamento público e, portanto, seu crescimento real;7 7 Apenas a título de ilustração, mencionemos que, às atuais taxas de juros, a dívida mobiliária governamental dobraria em termos reais num prazo de quatro anos.

  • ii) abrir espaço para um crescimento econômico não inflacionário. Atualmente, os obstáculos ao crescimento da produção industrial não se localizam tanto na capacidade produtiva (apesar dos pontos de estrangulamento existentes) como nas dificuldades de financiar volumes crescentes de produção e circulação. A expansão do capital de giro, os investimentos em estoques e distribuição de mercadorias, bem como o financiamento a clientes, são feitos a taxas de juros reais extremamente elevadas, que, ou são repassadas aos preços finais, ou impossibilitam o crescimento da produção e o atendimento da demanda, em ambos os casos com impactos inflacionários.8 8 Além disso, a redução dos juros reais facilitaria a formação de estoques reguladores de produtos agrícolas e diminuiria os subsídios às exportações industriais.

  • iii) aumentar a viabilidade de um pacto social corno forma de frear o processo inflacionário. Dadas as políticas salariais recentes e a vulnerabilidade da esfera produtiva às elevadíssimas, taxas de juros reais, a redução destas constitui uma pré-condição necessária para formular e executar urna política de rendimentos.

  • 2) É fundamental ter presente que a redução dos juros reais deve ser gradual. Urna redução demasiado brusca e forte dos juros poderia gerar pressões de demanda sobre estoques e sobre bens duráveis, de corte claramente inflacionário.9 9 Além de permitir ganhos especulativos no mercado financeiro. Em tal caso deveria ser aplicado um tratamento fiscal extraordinário (tipo wind fall tax).

  • 3) No capítulo referente ao financiamento público mencionamos quatro medidas fundamentais para a redução de juros. Recapitulando:

  • iv) aliviar a carga tributária que hoje incide so­re os principais instrumentos de captação bancária;

  • v) fortalecer os papéis de longo prazo, estender o prazo para cadernetas de poupança e proibir CDB pós-fixados com menos de um ano;

  • vi) diminuir a pressão do endividamento público sobre o mercado financeiro.

  • vii) definição imediata de uma clara regra de indexação.

Evidentemente, a redução de carga tributária deve ser acompanhada por medidas que induzam os bancos a repassarem essa redução para as taxas de aplicação e não a incorporarem a seu spread.

As medidas 4 (i) e (ii) indicadas adiante auxiliariam nesse sentido.

Parece evidente que a menor pressão do endividamento público sobre o mercado financeiro e as menores taxas de juros constituem um círculo virtuoso fundamental a ser atingido.

Neste particular, é necessário também incentivar a capitalização da empresa privada nacional, inclusive mediante o redirecionamento da poupança voluntária e compulsória.

Por outro lado, a avaliação geral é que a definição de uma regra clara de indexação reduzirá o patamar de juros exigido pelo mercado na rolagem da dívida interna e nos custos de captação bancária, com consequente impacto sobre as demais taxas de mercado.

Por último, cabe observar que o alongamento dos prazos mínimos de aplicação dos diversos ativos existentes: poupança, fundos de renda fixa, letras de câmbio e CDB representa uma condição fundamental para o êxito de uma política de redução das taxas de juros. Tal redução exige uma adequação das rentabilidades líquidas obtidas nas aplicações financeiras alternativas para evitarem-se movimentos bruscos de grande massa de recursos entre segmentos distintos do mercado financeiro.

Outras duas providências fundamentais para diminuir os juros são as seguintes:

  1. a flexibilização das atuais barreiras institucionais para a mobilidade dos recursos entre os diferentes segmentos do mercado, como é o caso da liberação de parte dos recursos (adicionais) das cadernetas de poupança10 10 As cadernetas de poupança equivalem hoje a 30 por cento do total de ativos financeiros da economia. para aplicação no mercado de crédito;

  2. modificação na Resolução 432 e na Circular 230 visando aliviar o governo dos encargos configurados pelos riscos cambiais. Por um lado, na medida que os bancos deixem de ter a opção de saque a qualquer instante referente aos recursos captados pela Resolução 63 no Banco Central (Circular 230), serão induzidos a repassá-los com comissões inferiores às atuais, sob pena de ter que assumir os encargos. Alternativamente, poderá ser criado um seguro de câmbio.11 11 Não seria recomendável o lançamento de ORTN cambiais para hedge dos bancos. Por outro lado, pode-se pensar na alternativa de conceder aos bancos um prazo (por exemplo, um mês) para repassar os recursos, durante o qual o Banco Central cobriria os seus custos e a partir do qual a cobertura iria diminuindo, de maneira a forçar os bancos a acelerarem seus repasses.

Tabela 1:
Individamento do setor público
Tabela 2:
Depósitos registrados em moeda estrangeira no banco central
  • 1
    Entre 1978 e 1983 os empréstimos dos bancos comerciais ao setor público passaram de 17 a 44 por cento do total de empréstimos feitos; no caso dos bancos comerciais privados o salto foi de 1,9 a 30 por cento.
  • 2
    A participação dos empréstimos externos no passivo dos bancos comerciais subiu de 27,6 para 47,4 por cento entre 1979 e 1984. No caso dos bancos privados o salto foi maior: 32,2 para 61 por cento.
  • 3
    A relação entre os meios de pagamento (M1) e o PIB declinou cerca de três vezes - de 9,6 para 3,2 por cento - entre 1978 e 1984. No mesmo período, a participação de M1 no conjunto dos ativos financeiros declinou de 32,5 para 9,8 por cento. Paralelamente, a participação dos fundos indexados nesse conjunto saltou de 49 para 79 por cento.
  • 4
    Cerca de três quartas partes da dívida externa brasileira registrada em 1983 recaíam sobre o setor público. Os depósitos em moeda estrangeira representavam em julho de 1984, 12,2 bilhões de dólares, dos quais 6,8 bilhões pertenciam ao setor privado.
  • 5
    A cotação atual desses títulos no mercado secundário (80 por cento do valor de face) é 26 por cento inferior ao preço pago ao Banco Central no início de 1984.
  • 6
    No conceito acordado com o FMI, o referido déficit é hoje próximo a zero. Mas, por um lado, exclui as despesas de juros dos depósitos da 432 e da 230 e, por outro, calcula a correção monetária incorretamente, ao usar o valor de face, ao invés do valor efetivo de venda de títulos.
  • 7
    Apenas a título de ilustração, mencionemos que, às atuais taxas de juros, a dívida mobiliária governamental dobraria em termos reais num prazo de quatro anos.
  • 8
    Além disso, a redução dos juros reais facilitaria a formação de estoques reguladores de produtos agrícolas e diminuiria os subsídios às exportações industriais.
  • 9
    Além de permitir ganhos especulativos no mercado financeiro. Em tal caso deveria ser aplicado um tratamento fiscal extraordinário (tipo wind fall tax).
  • 10
    As cadernetas de poupança equivalem hoje a 30 por cento do total de ativos financeiros da economia.
  • 11
    Não seria recomendável o lançamento de ORTN cambiais para hedge dos bancos.
  • *
    Este é um dos relatórios preparados no início de 1985 pela COPAG - Comissão do Plano de Governo - para o presidente Tancredo Neves.
  • JEL Classification: H63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1985
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