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Café brasileiro: não a um novo acordo internacional

Brazilian coffee: no to a new international agreement

RESUMO

Quatro anos após a quebra do Acordo Internacional do Café, este artigo é uma tentativa de avaliar a posição do governo brasileiro. O Brasil era, em 1989, o país muito contra a renovação do acordo. Para fazer isso, foi feito um exame das evidências empíricas durante os últimos trinta anos. Essas evidências mostraram perdas na produção, exportação e participação de mercado do café no Brasil. Na prática, o Brasil foi o único país a suportar o ônus do acordo cafeeiro. Os outros países lucraram com os custos do Brasil. Também é mostrada a grande vantagem comparativa da produção de café no Brasil e que ajustes devem ser feitos nas políticas domésticas.

PALAVRAS-CHAVE:
Café; acordos comerciais; organização internacional do café

ABSTRACT

Four years after the breakdown of the International Coffee Agreement this paper is an attempt to evaluate the position of the Brazilian government. Brazil was, in 1989, the country very much against the renewal of the agreement. To do that an examination was made of the empirical evidence during the last thirty years. Such evidence showed losses in Brazil’s coffee production, exports and market share. In practice, Brazil was the only country to carry the burden of the coffee agreement. The other countries profited at Brazil’s costs. It is also shown the large comparative advantage of coffee production in Brazil and that adjustments should be made in domestic policies.

KEYWORDS:
Coffee; commercial agreements; international coffee organization

1. INTRODUÇÃO

Quase quatro anos já se passaram desde o rompimento do Acordo Internacional do Café-AIC (ocorrido em julho de 1989) no que diz respeito a suas cláusulas econômicas. Esse acordo existiu desde 1962, com uma temporária suspensão de suas regras econômicas entre 1972 e 1980.

Em função da importância do café na economia brasileira (produto, emprego e exportações), assim como do caráter radical da mudança efetuada, uma forte polêmica surgiu em nosso país. Essa polêmica passou a envolver produtores, cooperativas, entidades de classe e exportadores, referindo-se ao acerto/desacerto da decisão do governo brasileiro em julho de 1989. No decorrer de 1992, o Brasil e os outros países, produtores e consumidores, retomaram as negociações para a reintrodução do acordo.

Este artigo tem como objetivo avaliar a posição do nosso governo, entre 1989 e 1991, de rompimento com o AIC, apresentando evidências que darão suporte ao acerto dessa decisão. Em outras palavras, nossa pretensão é mostrar que, com base nas evidências empíricas dos últimos trinta anos, o Brasil não deve retornar ao AIC, mas, sim, explorar sua grande vantagem comparativa na produção cafeeira.

2. O BRASIL E O ACORDO INTERNACIONAL DO CAFÉ

O Brasil ainda é o maior produtor mundial de café, mas durante a vigência do AIC desde 1962 perdeu uma boa parte de sua parcela na produção (Tabela 1). Essa é a primeira importante evidência contra o Brasil no AIC de 1962, ou seja, caímos de quase 50% para menos de 30% da produção mundial.

Tabela 1
Evolução das parcelas do Brasil e alguns países na produção mundial de café, 1948/50-1987/89 (em %)

Mesmo que no início dos anos 60, quando nossa parcela na produção total ainda era da ordem de 50%, o acordo tivesse uma certa racionalidade econômica, a situação de mercado, como evidenciada pelos dados da Tabela 1, foi-se alterando. Em seu início o AIC fazia sentido para o Brasil como instrumento de política comercial para aumentar sua receita de divisas (junto com os outros produtores). Isso, hoje não vale mais, em face da forte diminuição de nossa parcela no mercado, o que implica uma maior elasticidade-preço da demanda externa pelo café brasileiro (demanda elástica).

Para os produtores agrícolas, ao contrário, o acordo nunca foi economicamente vantajoso. Pelas próprias características dos acordos internacionais de produtos, sendo a principal o sistema de cotas de exportação, o produtor não pode, sem um rígido controle de oferta, se beneficiar dos maiores preços no mercado internacional. Isso, se ocorresse, geraria um crônico excesso de produção. Por essa razão é que se introduziu a “cota de contribuição” nas exportações de café, também conhecido como “confisco cambial”. Esse foi o instrumento que causou perdas à cafeicultura, ao dela retirar, como um tributo, uma parte de sua renda.

Por que o Brasil perdeu importância na produção mundial? Acordos de commodities têm sido inúmeras vezes tentados1 1 HOMEM DE MELO, F. An Analysis of the World Cocoa Economy. Tese de Ph.D em Economia, North Carolina State University, EUA, 1973. , mas quase sempre têm fracassado. O do café, em 1989, foi o último exemplo de uma sucessão de fracassos. Existe, nesses acordos, o incentivo para que alguns países não participem, os chamados free riders ou “caroneiros”, tanto do lado dos produtores quanto dos consumidores. O objetivo desses países não-participantes é o de auferir, em não participando, maiores benefícios líquidos do que se participassem.

Delfim Netto2 2 DELFIM NETTO, A. “O problema do café no Brasil”. São Paulo: IPE-USP, Ensaios Econômicos no.16, 1981. em 1959, portanto antes do AIC de 1962, já chamava a atenção para isso: “Dentro deste tipo de acordo, os produtores que se recusam a colaborar com seus concorrentes na escala mundial, tendem a se beneficiar dos aumentos de consumo”.

Problemas também passam a existir com os outros países produtores participantes desses acordos. Na realidade, nisso reside a origem dos problemas brasileiros no AIC. Isto é, para atrair e manter o maior número possível de países produtores vinculados ao acordo, o Brasil foi, “diplomaticamente”, cedendo sua participação relativa no total das exportações acordadas.

A esse respeito, mas em uma argumentação genérica, ainda em 1959, Delfim Netto3 3 Idem ibidem. mencionava: “Por outro lado, a determinação dos próprios países participantes vai se alterando à medida que percebem que estão entregando os acréscimos de consumo aos que estão fora do acordo, o que prejudicará a continuação do mesmo”.

Em várias ocasiões, as pressões dos outros países participantes foram feitas sobre o Brasil e sua cota de exportação. O Brasil, em várias circunstâncias, cedeu às pressões de outros países produtores e aceitou reduções de sua cota de exportação. Essa foi a estratégia brasileira para preservar o próprio acordo. Ou seja, o Brasil foi aceitando pagar o ônus do acordo na forma de menores cotas de exportação.

A própria crise final do AIC em 1989 é exemplo das pressões dos outros países produtores sobre o Brasil. Este, com a cota de contribuição, controlava sua produção. Os outros países, ao contrário, estimulados pelos maiores preços em dólares, aumentavam suas produções e pressionavam o Brasil para que cedesse partes adicionais de sua cota de exportação. A outra parte da crise envolveu alguns países consumidores, particularmente os EUA, na questão da qualidade do café. Em 1989, entretanto, o Brasil demonstrou firmeza no AIC, não cedendo nada de sua cota. Como consequência, as cláusulas econômicas do acordo não foram renovadas.

3. O DESEMPENHO DO BRASIL DURANTE O ACORDO

A forte diminuição da parcela brasileira na produção mundial (Tabela 1) é uma primeira importante evidência do péssimo desempenho brasileiro durante o acordo de 1962: de 50% nos anos 50 para 25-30% ao final dos anos 80.

Entretanto, a produção mundial de café mais do que dobrou durante 1951/87, tendo tido um aumento de 111% (estimação com uma função tendência). A produção brasileira, por sua vez, ficou estagnada (no sentido estatístico). Portanto, a parcela brasileira na produção cafeeira mundial reduziu-se pela metade em uma circunstância em que a produção mundial mais que dobrou.

Os outros países, estimulados pelos maiores preços em dólares, foram aumentando suas produções e, em seguida, iam pressionando o Brasil por maiores cotas de exportação, Todos os dez outros principais países produtores - Colômbia, Indonésia, México, Costa do Marfim, Etiópia, Uganda, Índia, El Salvador, Guatemala e Filipinas - registraram grandes aumentos de produção, no intervalo 119-2.892% durante 1951/87.

A segunda importante evidência negativa quanto ao desempenho brasileiro durante o acordo de 1962 diz respeito às exportações. De acordo com nossas estimações de uma função tendência, o total mundial da quantidade exportada cresceu 31% durante 1966/87, ou seja, um crescimento anual médio de 1,3%. O Brasil, entretanto, teve um declínio (em termos estatísticos) de 26% em suas exportações físicas.

De modo mais preciso, a estimação, por nós feita, das taxas anuais médias de crescimento das exportações físicas dos vários países e do total mundial, para o período 1966/87, forneceu o seguinte ranking (% ao ano):

• Indonésia: +6,9% • Índia: +6,1% • México: +4,2% • Colômbia: +3,1% • Guatemala: +2,6% • El Salvador: +1,4% • TOTAL MUNDIAL: +1,3% • Costa-do-Marfim: +1,1% • Etiópia: zero • Brasil: -1,4% • Uganda: -1,8%

Com esse desempenho negativo nas suas exportações, a parcela brasileira no total das exportações mundiais caiu substancialmente: de 32%, no quadriênio 1966/69, para apenas 20% no quadriênio 1985/88. É interessante notar, entretanto, que a Colômbia, o segundo maior produtor, achou, nesse mesmo período do acordo, um melhor caminho que o do Brasil, pois suas exportações cresceram 89,9% durante 1966/87 (3,1% ao ano).

Em seu conjunto, essas evidências são extremamente desfavoráveis ao desempenho brasileiro durante o AIC de 1962. Daí, portanto, não poderia ser baseada uma argumentação técnica a favor de ganhos, pelo Brasil, em um novo acordo internacional do café. Pelo contrário, tudo indica que, se um novo acordo for assinado, após um certo tempo esses mesmos problemas e pressões ressurgirão novamente.

A dura e negativa realidade dos últimos trinta anos é que o Brasil pode ser considerado como o único país efetivamente onerado pelo AIC de 1962. A Colômbia, como vimos acima, lucrou bastante. O Brasil, entretanto, foi, com suas posições defensivas e conciliatórias, abrindo espaços para os outros países no mercado de café.

Essa atitude e posicionamento do Brasil teve, entre nós, a denominação de política do “guarda-chuva”. Essa expressão tem sua lógica, “porque enquanto os demais países se beneficiavam com os preços externos melhores, o Brasil tinha que arcar, quase que sozinho, com os custos de manutenção dos estoques mundiais excedentes, que só diminuíam por força de alguma catástrofe climática4 4 LIBARDO, M. “Desafios da nova política brasileira para o café”. Informativo CFP - Especial, dezembro, 1990. ”.

O Brasil, portanto, pagou, como o maior produtor mundial, ao longo dos últimos trinta anos, um pesado preço pela sua participação no AIC de 1962 e sua quase que continuada renovação. O assunto café no Brasil passou a ser de enorme complexidade, pois as renovações do acordo passaram a envolver inúmeros países e interesses, internos e externos.

De uma questão econômica, envolvendo mercados, o café passou, interna e externamente, a ser muito mais uma questão política e diplomática. Uma enorme e custosa estrutura administrativa (IBC, por exemplo) tinha sua existência justificada pelo AIC.

4. O MERCADO APÓS O ROMPIMENTO DO ACORDO

Passados quase quatro anos de rompimento do AIC, entretanto, a pressão externa, principalmente da Colômbia, tem sido grande para que o Brasil aceite alguma forma de acordo. Também é grande a ironia, pois foi o Brasil quem teve o mais adequado comportamento desde o rompimento em julho de 1989, não desovando seus estoques no mercado internacional. Em 1992, por decisão da maioria, produtores, cooperativas e exportadores, concordaram com que o governo brasileiro retomasse as negociações para um novo acordo.

Internamente, por sua vez, a situação da cafeicultura continuou bastante difícil em termos de preços recebidos e de rentabilidade, principalmente em 1990 e 1991. Essa situação provocou o surgimento, na própria cafeicultura, de um movimento a favor de um novo acordo regulador, como sendo a maneira de solucionar o problema dos preços baixos.

É muito perigoso, entretanto, defender um novo acordo para, a curto prazo, obter uma elevação do preço externo do café. Acordos reguladores dos mercados de produtos primários, certos ou errados, são instrumentos de longo prazo e não devem, sob pena de sérias distorções, ser utilizados com objetivos de curto prazo.

É evidente que a elevação dos preços externos que ocorreria na eventualidade de um novo acordo contribuiria para melhorar a situação financeira dos cafeicultores. Em pouco tempo, todavia, o “confisco” cambial precisaria ser reintroduzido, ou um severo controle administrativo da oferta interna precisaria ser implementado. Caso isso não fosse feito, logo o país teria um excesso de oferta na produção cafeeira.

O significado de um novo “confisco” cambial é que a cafeicultura não poderia, permanentemente, lucrar com um novo acordo. O controle da oferta, por seu lado, dificilmente poderia, administrativamente, ser feito nas condições brasileiras. Mesmo se o fosse, entretanto, os produtores mais eficientes tenderiam a ser prejudicados. A cafeicultura não pode ter ilusões a esse respeito.

Com relação aos preços externos de café, eles tiveram substanciais reduções após o rompimento do acordo em julho de 1989. Comparando-se as médias dos períodos janeiro-maio de 1989 e 1990, o preço do café na Bolsa de Nova York caiu de US$ 2.916/t para US$ 2.015/t, ou seja, uma redução de 30,9%.5 5 HOMEM DE MELO, F. “Café brasileiro: a ilusão do acordo internacional”. Folha de S. Paulo, 24 de dezembro de 1991. Nos cinco primeiros meses de 1991 a média foi quase igual, de US$ 2.013/t. Queda bem maior ocorreu no período janeiro-maio de 1992, pois o preço médio foi de apenas US$ 1.571/t. Ao final de 1992 houve uma recuperação, alcançando US$ 1.743/t em dezembro.

A partir de julho de 1989, com o rompimento do AIC, o Brasil não desovou seus estoques (governamentais) no mercado cafeeiro internacional. Enquanto isso, os demais países produtores aumentaram, entre julho de 1989 e junho de 1990, suas exportações em cerca de dez milhões de sacas, ou seja, um aumento de 14,3% na exportação mundial, que então chegou a 80 milhões de sacas. Isso é que explica as quedas no preço externo do café (excesso de oferta no mercado mundial).

Passada a fase pior, todavia, as exportações brasileiras começaram a reagir. No ano de 1991, por exemplo, alcançaram o expressivo total de 21,5 milhões de sacas. A principal questão que fica, entretanto, é se o Brasil pode, durante alguns anos, suportar e conviver com um preço externo (Bolsa de Nova York) da ordem de US$ 2.000/t. Posteriormente, com a diminuição da produção em outros países, o preço externo tenderia a aumentar.

Em nossa avaliação, a resposta é afirmativa. Isso significa que o Brasil não deveria retornar ao acordo internacional sobre café. O conjunto dos produtores brasileiros ganharia mais ficando com o sistema de mercado. Essa afirmação está baseada em: a) uma menor tributação, já em vigor, nas exportações; b) a tendência, em andamento, de eliminação da defasagem cambial; c) melhores condições de evolução da produtividade na lavoura, e d) a possibilidade de definição de uma política cafeeira interna.

Com relação ao primeiro ponto, dois impostos que antes existiam foram eliminados com o rompimento do AIC em julho de 1989: a) o “confisco” cambial ou cota de contribuição; e b) o DRDV - Direitos de Registro de Declaração de Venda. Isso permitiu condições melhores para os preços recebidos pelos produtores (ou quedas menores)

Apesar disso, a rentabilidade na produção cafeeira continuou muito deprimida. Como explicar isso? A resposta está no Gráfico 1. Pode-se perceber que, após o rompimento do AIC em julho de 1989, o cruzeiro estava experimentando uma forte valorização. Isso contribuía, portanto, para deprimir os preços recebidos pelos produtores.

GRÁFICO 1
Evolução da taxa de câmbio real: dólar norte-americano e cesta de moedas, 01/1995-12/1992 (1985=100)

Essa situação cambial mudou radicalmente a partir de março de 1990, com expressivas desvalorizações reais do cruzeiro, apesar de que uma certa defasagem cambial ainda existe, tanto em relação ao dólar (maior) como à cesta de moedas (menor). Isso permitiu uma certa sustentação dos preços internos de café, apesar das quedas externas. Dada a provável continuidade das desvalorizações reais nos próximos anos, os preços internos do café tenderiam a melhorar sem o retorno do Brasil ao acordo.

Em terceiro lugar, analisemos a questão das produtividades, ou seja, o aspecto tecnológico na produção cafeeira. Apesar de todos os problemas enfrentados, a cafeicultura brasileira foi capaz, nos últimos 25-30 anos, de obter consideráveis aumentos de produtividade da terra, superando praticamente todos os demais importantes países produtores.

O desempenho dos onze principais países produtores em suas produtividades durante 1961/87, em termos de suas taxas anuais médias de crescimento dos rendimentos físicos (quilos de café por hectare cultivado), está retratado a seguir, em ordem decrescente (% ao ano, estimação com uma função tendência):

• Uganda: +1,67% • Brasil: +1,60% • Índia: +1,50% • Guatemala: +1,49% • Colômbia: +1,36% • Filipinas: +1,13% • MÉDIA MUNDIAL: +1,07% • México: +0,89% • El Salvador: zero • Indonésia: zero • Etiópia: -1,77% • Costa-do-Marfim: -2,92%

Notemos que esse favorável desempenho brasileiro em produtividade cafeeira ocorreu em adversas condições de taxa de câmbio e de preços de insumos, em função da política de substituição de importações. Essa situação vantajosa deveu-se, em muito, aos trabalhos de pesquisa agronômica desenvolvidos pelo Instituto Agronômico de Campinas e pelo Instituto Brasileiro do Café, entre outros.6 6 PASTORE, J. et al (1976) “Condicionantes da produtividade da pesquisa agrícola no Brasil”. Estudos Econômicos 6(3).

Daqui para a frente, as perspectivas de produtividade no Brasil são até melhores que no passado. Isso porque a relação de trocas na produção cafeeira deverá melhorar. De um lado, as previstas desvalorizações reais do cruzeiro aumentarão o preço recebido. De outro, as reduções, em andamento, nas tarifas de importação de matérias-primas, insumos e máquinas agrícolas reduzirão o preço real dos insumos utilizados. Em consequência, a utilização de insumos modernos será estimulada, e a produtividade fortalecida.

A melhoria de produtividade na produção cafeeira, já ocorrida e a ocorrer, indica que o Brasil terá, nos próximos anos, relativamente a seus competidores, melhores condições de manter ou ampliar sua produção, mesmo com menores preços em dólares no mercado internacional, pois terá vantagens de custos. Vale lembrar ainda que, para o produtor brasileiro, o preço relevante é o preço em cruzeiros, não em dólares. O preço em cruzeiros deverá aumentar pelas desvalorizações reais dessa moeda.

5. OS AJUSTES INTERNOS PARA UM FUTURO SEM O AIC

Com base no que foi analisado acima, é nossa avaliação que o Brasil deveria explorar suas vantagens comparativas no mercado internacional de café. Isso implica a existência de mercados livres, onde as decisões econômicas relevantes possam ser tomadas sem as restrições artificiais dos últimos trinta anos.

Isso, entretanto, não implica a inexistência de uma política cafeeira interna. Ao contrário, de modo semelhante a outros produtos, essa política interna, faz-se necessária e é urgente. A seguir analisaremos alguns aspectos dessa política, em adição ao que já foi mencionado quanto ao aspecto cambial.

5.1 Política tributária

Como acima mencionado, dois impostos - a cota de contribuição e o DRDV - foram eliminados pelo governo federal após o rompimento do AIC em julho de 1989. Restam, entretanto, um terceiro imposto, o ICMS incidente (em 13%) nas exportações de café, assim como esse mesmo imposto nas compras de insumos utilizados na produção cafeeira e, ainda, dois outros impostos, o FINSOCIAL e o PIS, nas alíquotas, respectivamente, de 2,0% e 0,65%, incidentes cumulativamente nas transações com insumos utilizados na lavoura cafeeira.

Esses impostos estão diminuindo nossa capacidade de competição externa, visto que não há plena compensação na forma de maiores preços no mercado internacional. Além do governo federal, esse é um problema que também envolve os governos estaduais.

5.2 Política tecnológica

Graças aos trabalhos de pesquisa agronômica de algumas instituições públicas brasileiras e à capacitação técnica de nossos cafeicultores, o Brasil tem vantagens comparativas de custo de produção relativamente a seus concorrentes. É muito provável que seja essa a verdadeira razão pela qual a maioria desses países deseja um novo acordo. Ou seja, eles são favoráveis a um novo acordo por sua incapacidade competitiva em um mercado cafeeiro livre. Limitar a produção brasileira seria favorável a eles.

É preciso, entretanto, dar um novo impulso às atividades de pesquisa agronômica com café. Isso deveria envolver a criação de um centro nacional de pesquisas de café. O aumento de nossa competitividade no mercado cafeeiro internacional dependerá de nossas iniciativas no campo tecnológico, relativamente aos demais países produtores. Nós precisamos e podemos ser ainda mais eficientes na produção de café nos próximos vinte anos.

5.3 Política de preços e de crédito

Após o rompimento do Acordo Internacional do Café em julho de 1989, o governo praticamente deixou a cafeicultura à própria sorte. Os recursos do Funcafé foram retidos com o primeiro plano econômico do governo Collor, em um dos piores momentos de preços internos de café. A anterior política de preços deixou de existir. Hoje a cafeicultura precisa de uma definição sobre uma política de preços mínimos, com diferenciações por qualidade, de preços de liberação de estoques (17 milhões de sacas) e de financiamentos (sem subsídios) ao custeio, à comercialização e ao investimento. Algum alívio foi dado ao setor em 1992 com relação ao endividamento.

Em 1991 a cafeicultura foi até mesmo discriminada na concessão dos poucos recursos de crédito disponíveis. A descapitalização do setor, entretanto, é muito grande. A receita bruta auferida pelos produtores brasileiros teve uma evolução fortemente declinante nos últimos anos, principalmente antes do rompimento do AIC (causada pela valorização do cruzeiro), como a seguir é mostrado:

• 1985: US$ 5,255 milhões • 1986: US$ 5,596 milhões • 1987: US$ 3,235 milhões • 1988: US$ 1,652 milhão • 1989: US$ 1,426 milhão • 1990: US$ 1,252 milhão • 1991: US$ 1,285 milhão

É nesse contexto de descapitalização aguda que se faz necessária uma política de preços, de estoques e de crédito. Essa participação governamental não é inconsistente com o regime de mercado livre que defendemos. Ao contrário, virá complementar o sistema de mercado e promover o desenvolvimento da cafeicultura.

6. CONCLUSÕES

Este artigo procurou demonstrar o acerto da decisão do governo brasileiro, em julho de 1989, de romper o sistema de cláusulas econômicas do acordo internacional do café. Para se chegar a essa conclusão, utilizamos evidências empíricas sobre perdas brasileiras na produção e na exportação de café nos últimos trinta anos. O Brasil foi o único país a carregar, na prática, o ônus do AIC. Os outros lucraram às nossas custas.

Adicionalmente, mostramos a grande vantagem comparativa brasileira no mercado internacional do café, assim como que nossa vantagem competitiva pode ser bastante aumentada com ajustes internos nas áreas cambial, tributária, de preços e de crédito. Tudo indica que, percebendo isso, os outros países estão nos pressionando para adotarmos, com um novo acordo, uma estratégia cerceadora de nosso grande potencial na produção de café.

  • 1
    HOMEM DE MELO, F. An Analysis of the World Cocoa Economy. Tese de Ph.D em Economia, North Carolina State University, EUA, 1973.
  • 2
    DELFIM NETTO, A. “O problema do café no Brasil”. São Paulo: IPE-USP, Ensaios Econômicos no.16, 1981.
  • 3
    Idem ibidem.
  • 4
    LIBARDO, M. “Desafios da nova política brasileira para o café”. Informativo CFP - Especial, dezembro, 1990.
  • 5
    HOMEM DE MELO, F. “Café brasileiro: a ilusão do acordo internacional”. Folha de S. Paulo, 24 de dezembro de 1991.
  • 6
    PASTORE, J. et al (1976) “Condicionantes da produtividade da pesquisa agrícola no Brasil”. Estudos Econômicos 6(3).
  • 7
    JEL Classification: L66; Q17.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1993
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