1. A GRAVIDADE DA CRISE
A crise profunda na qual está mergulhada a sociedade brasileira não pode continuar. Desde o início da década atual o produto interno per capita anual está estagnado em aproximadamente 2 mil dólares e as únicas coisas que crescem no país são a inflação e as desigualdades sociais. Enquanto a economia está à deriva, o governo Sarney despende nossos preciosos recursos no pagamento dos juros de uma dívida externa questionada por vários governos e autoridades internacionais, e na rolagem incompetente de uma dívida interna de cerca de 70 bilhões de dólares.
O governo Sarney insiste em praticar uma política econômica conservadora, de ajuste interno e externo, que desestimula os investimentos, corrói salários, desestrutura o parque produtivo, sem obter qualquer sucesso no combate à inflação.
São poucos, hoje, os que ganham com essa situação calamitosa da economia brasileira. Lá fora estão os banqueiros internacionais, que recebem cerca de 10 bilhões de dólares por ano. Aqui dentro estão os especuladores financeiros, que enriquecem à custa da dívida pública, os banqueiros, os grandes monopólios e setores empresariais que vivem à sombra dos subsídios e favores do governo.
Como surgiu essa dívida externa e interna, que exaure as energias da Nação e imobiliza o Estado, tornando-se, assim, o epicentro da crise econômica brasileira?
Ela resultou diretamente da estratégia de expansão capitalista adotada no Brasil nos últimos 20 anos, que consistiu .na captação de empréstimos externos e internos por parte do Estado, e seu repasse para a chamada iniciativa privada. Nesse sentido, implantou-se uma parafernália de subsídios, incentivos, isenções fiscais e tarifárias, financiamentos com juros negativos, e um sem-número de vantagens econômicas, que resultaram no enriquecimento dos oligopólios nacionais e estrangeiros. A megalomania militar do “Brasil Grande” se encarregou de ampliar essa dívida construindo usinas nucleares, hidrelétricas de grande porte e outras obras faraônicas, de eficiência econômica questionável.
As empresas estatais também entraram nesse jogo, sendo compelidas a fornecer aço, energia elétrica, serviços de comunicações e transporte a preços subsidiados, e foram obrigadas a tomar empréstimos externos, que eram repassados para outros setores.
Quando estourou a crise do petróleo de 1979 e os juros internacionais atingiram as maiores cotações de todos os tempos, o Brasil transformou-se num grande exportador de capitais, e chegou a transferir para o exterior, nos últimos 10 anos, cerca de 70 bilhões de dólares. Mais do que todos os recursos que haviam entrado no país nos anos imediatamente anteriores.
Diante das dificuldades, o último governo militar atirou-se nos braços do FMI e inaugurou uma temporada de políticas ortodoxas, que seriam seguidas fielmente pelos administradores da “Nova República”. Quase uma década de “esforço exportador”, com toda a economia voltada para pagar o serviço da dívida, resultou num retrocesso socioeconômico talvez inédito na história do Brasil. O produto interno per capita regrediu enquanto o nível de vida da população despencou para patamares ainda inferiores àqueles que eram praticados no auge da ditadura militar. E a inflação mostrou-se totalmente indiferente aos tratamentos ortodoxos de restrição de crédito e controle dos meios de pagamento, parecendo até se revigorar a cada novo choque ou pacote econômico.
E o que fez o governo da “Nova República”?
Ao invés de empenhar-se nas reformas estruturais e consertar as profundas distorções da economia brasileira, enveredou pelo caminho do clientelismo e da adulação dos credores externos. Tentou contrabalançar sua falta de legitimidade e fraqueza política inchando a máquina do Estado com cabos eleitorais e correligionários fiéis, abrindo os cofres do governo para obras não prioritárias como a Ferrovia Norte-Sul, concedendo empréstimos privilegiados para empresas pré-falimentares e abrindo linhas de crédito a fundo perdido com fins nitidamente eleitoreiros.
O máximo que este governo conseguiu fazer foi propor a diminuição das alíquotas de Imposto de Renda sobre os grandes rendimentos, que são de até 45% e, na proposta em tramitação, cairiam para 25%, e apresentar projetos de diminuição dos recursos dos Estados e Municípios, de modo a agravar ainda mais os problemas regionais.
Por fim, acabou elegendo os funcionários públicos como bodes expiatórios da crise, não naturalmente aqueles que o próprio governo introduziu com os vários trens da alegria, mas os honestos servidores que trabalham com salários aviltados, acusando-os de altos salários e tentando alijá-los da correção da URP.
O agravamento progressivo da crise econômica, conjugado com a incapacidade do governo em encontrar soluções, conduziu o país à beira da hiperinflação, e a uma crise política de consequências imprevisíveis.
2. PARA QUE UM PLANO DE EMERGÊNCIA
O governo Sarney encontra-se em crise profunda e apresenta-se débil, desacreditado e incapaz de enfrentar os problemas que impedem o crescimento, aprofundam a escalada inflacionária e impõem perdas aos trabalhadores.
Neste quadro, a hiperinflação é uma possibilidade com consequências imprevisíveis. No entanto, o governo federal prefere dar cumprimento ao pacto que firmou com o FMI e insiste em continuar acumulando reservas e recursos cambiais para pagar os credores internacionais; trata a inflação com a política do “feijão-com-arroz”, eleva as tarifas públicas acima dos índices de preços, efetua a rolagem da dívida pública a juros elevados e vem impondo uma política de arrocho dos salários (sobretudo do funcionalismo e dos empregados das estatais). Além disso, ameaça descarregar sobre os Estados e Municípios o peso insuportável de seu acordo com o FMI.
Em 15 de novembro os trabalhadores e o conjunto da sociedade brasileira se opuseram claramente à irresponsabilidade do governo federal. As eleições municipais ganharam um sentido nacional de voto plebiscitário, contra o governo e sua política econômica. O Partido dos Trabalhadores foi o grande vitorioso por sua posição coerente de oposição, por seu compromisso irrestrito na defesa dos interesses da população e, nestas condições, sente aumentar suas responsabilidades e obrigações diante do difícil momento que o país atravessa.
O Partido dos Trabalhadores compreende que será a eleição de um novo governo sob a presidência de Lula e com um programa partidário legitimado e apoiado ativamente pela população que permitirá o enfrentamento efetivo das grandes questões nacionais e da grave crise econômica e política do país.
No entanto, frente à irresponsabilidade governamental e aos riscos de hiperinflação e de crise institucional, o Partido dos Trabalhadores chama desde agora todas as forças progressistas e democráticas do país, especialmente o movimento sindical e popular, para a discussão de um Plano Econômico Alternativo de Emergência.
O Partido dos Trabalhadores se vê na obrigação de apresentar uma proposta para impedir a hiperinflação, estancar a sangria de recursos do país, retomar o crescimento econômico, salvaguardando o nível de vida e as condições de trabalho da população, severamente corroídos pela escalada dos preços e pela ameaça de um processo recessivo.
Este Plano não deve ser concebido como um “pacote econômico fechado” como tantos outros que o governo enfiou goela abaixo da população brasileira, mas como uma proposta preliminar a ser discutida e amadurecida pelas forças sociais e políticas que apostam nas transformações democráticas deste país.
Nossas propostas de emergência, oferecidas ao debate e, como esperamos, encampadas por amplos setores democráticos, mostram que há condições de romper com o imobilismo da política do “feijão-com-arroz “, de repelir a submissão às exigências do FMI e de recuperar o crescimento econômico, combatendo a inflação e assegurando a recuperação progressiva dos salários.
Isto s6 é possível, porém, com um governo que tenha a confiança dos agentes econômicos e o apoio da população. Não é o caso do governo Sarney. Por isso mesmo lutamos pela antecipação das eleições presidenciais. Quanto mais cedo tomar posse o novo presidente, mais cedo poderemos ver estas medidas aplicadas.
3. AJUSTE EXTERNO
3.1. Dívida Externa
A dívida externa tem sido o principal condicionante da crise brasileira, à medida que os pagamentos de juros e a amortização do principal transferem anualmente para o exterior o equivalente a 4,5% do PIB, diminuindo a capacidade de investimento e, portanto, o ritmo de crescimento. Por outro lado, os superávits comerciais gerados para o pagamento desses juros constituem um dos principais focos inflacionários, no momento em que o Banco Central tem de fornecer aos exportadores quantias em cruzados equivalentes aos saldos comerciais, o que aumenta o volume de moeda em circulação. Para obter esse enorme fluxo de cruzados, o governo tem duas alternativas: emite mais papel-moeda, intensificando a pressão inflacionária, ou capta esse numerário no mercado financeiro, pela colocação de novos títulos públicos, aumentando a dívida interna e puxando a taxa de juros para cima. Nesse sentido, a dívida interna é o outro lado da moeda da dívida externa e cresce por causa dela. Por isso, a renegociação soberana da dívida externa eliminará um dos principais focos de crescimento da dívida interna. Diante desse quadro, propomos:
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Rompimento do acordo com o FMI e suspensão imediata do pagamento da dívida externa;
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Convocação imediata da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Externa, que deverá fazer um histórico da dívida, apontar as causas do seu crescimento e apurar responsabilidades;
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Convocação de uma Conferência Internacional de todos os países devedores interessados em enfrentar de forma alternativa a problemática da dívida externa, para definir uma estratégia comum de atuação e a criação de um Comitê de Devedores para anular os acordos anteriores e reencaminhar. o processo de negociação;
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Não reconhecimento do Comitê de Negociação formado pelos bancos credores, que tem demonstrado intransigência e menosprezo pelos interesses do país, e constituição de uma nova instância de negociação ao nível dos governos e dos Bancos Centrais dos países que sediam os bancos credores;
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Exigir a participação do Brasil e de outros grandes devedores nas reuniões dos governos dos países credores para a discussão da dívida externa;
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Tomar como base de negociação o valor real da dívida, desvalorizada pelo deságio do próprio mercado internacional, que hoje equivale a cerca de 60% do valor de face dos títulos da dívida brasileira. Desta maneira, a dívida cairá dos aproximadamente 110 bilhões de dólares atuais, para algo em torno de 44 bilhões de dólares;
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Os juros correspondentes do valor do deságio (60%) serão depositados num Fundo Público de Investimentos e Políticas Sociais, a ser definido mais adiante, que deverá gerir estes e outros recursos oriundos deste Plano de Emergência;
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Os juros correspondentes ao valor da dívida real (restantes 40%) serão depositados no Banco Central, no aguardo das negociações.
3.2. Conversão da dívida formal e informal
A conversão da dívida tem se constituído num foco inflacionário na medida em que o Banco Central tem de fornecer cruzados equivalentes aos dólares convertidos, e num mecanismo de manipulação de divisas estrangeiras, que foge ao controle do governo. Mas o mais grave é que a conversão transforma uma dívida vincenda e de alto risco, questionada e em grande parte negada pelos devedores, em patrimônio seguro. Nestas condições, a conversão paga a dívida e desestimula os investimentos que poderiam fluir normalmente para o país nos moldes tradicionais. De outro lado, a conversão significará o compromisso de uma transferência futura de recursos para o exterior, que continuará a pressionar negativamente a formação das reservas cambiais do país.
Nesse sentido propomos:
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A suspensão imediata da conversão formal e informal da dívida externa, e o seu reestudo de acordo com o estabelecimento de novas normas de negociação;
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Congelamento dos recursos destinados às operações de reempréstimos (relending). Estas operações, aceitas no último acordo com o FMI, permitem aos bancos credores reemprestar, em moeda nacional, parcelas equivalentes ao valor do principal renegociado na rolagem da dívida externa. Nestas condições, o país, além de pagar os juros da dívida, acaba permitindo a ingerência dos credores na política creditícia oficial e transfere recursos adicionais oriundos das comissões e taxas das operações de reempréstimos.
3.3. Política cambial e tarifária
Será estabelecida uma nova Política Cambial e Tarifária que priorize as medidas internas de combate à inflação e retomada do crescimento. Isso implica não só diminuir o fluxo de mercadorias brasileiras mandadas para fora, para haver maior oferta no mercado interno, mas também o barateamento das importações, principalmente de insumos básicos (alumínio, cobre, etc.), de máquinas e equipamentos para a indústria, e de alimentos, para quebrar os monopólios internos e baixar os preços. Nesse sentido propomos:
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a) Maior espaçamento das desvalorizações do cruzado, e utilização do índice único, a ser definido adiante;
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b) Diminuição e, em certos casos, até eliminação das tarifas de importação das indústrias já implantadas. As alíquotas de importação deverão ser tanto menores quanto mais consolidada estiver a indústria doméstica, e vice-versa, ampliando-se a concorrência dos setores já consolidados e garantindo-se alíquotas protecionistas para os setores em implantação e com tecnologia de ponta;
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e) Liberação para o ingresso de novas empresas, nos setores oligopolistas que hoje exercem uma reserva de mercado disfarçada, como no caso da indústria automobilística. Manutenção de reserva de mercado em setores estratégicos em implantação, como a informática, e outros com tecnologia de ponta.
4. AJUSTE INTERNO
4.1. Política de preços e salários
Atualmente, os preços e salários estão refletindo as várias pressões inflacionárias da economia, como a elevação dos custos de insumos básicos e matérias-primas promovida pelos oligopólios nacionais e estrangeiros, e demais elementos que caracterizam o conflito distributivo no Brasil. Nesse contexto, propomos:
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A adoção de um índice único para corrigir preços, salários e correção monetária, pré-fixado mensalmente, de comum acordo entre sindicatos de trabalhadores, empresários e o governo, com reposição imediata, para os salários, dos eventuais erros e resíduos da prefixação. Os índices pré-fixados deverão indicar uma inflação descendente, procurando diminuir mês a mês. A adoção do índice único só poderá se efetivar de forma combinada com as outras medidas de combate à inflação e, sobretudo, com o estabelecimento de um contrato coletivo nacionalmente articulado, como está expresso no item 4.1.2. a seguir.
4.1.1. Controle dos oligopólios
Os oligopólios nacionais e estrangeiros são os segmentos do mercado que costumam ser responsáveis pela puxada dos preços, devido ao seu poder de manipulação do mercado e políticas de mark-up (elevação do preço unitário das mercadorias para compensar a queda das vendas). Tradicionalmente, essas grandes empresas costumam burlar o controle dos preços, por meio de artimanhas nas planilhas de custos (lançar um produto pretensamente novo, que nada mais é do que o antigo maquiado, etc., suborno de funcionários e outros métodos dessa natureza. Nesse sentido, propomos:
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O estabelecimento de um efetivo controle de preços dos setores oligopolistas da economia;
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Elaboração de uma lista de produtos a serem controlados, que poderá ser aumentada ou diminuída, dependendo do comportamento dos fornecedores;
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Remodelação dos atuais órgãos de fiscalização (como a SUNAB e o CIP) e a criação de novos órgãos e novos mecanismos de controle, que deverão assegurar a participação dos trabalhadores através das Centrais Sindicais;
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Os novos órgãos de fiscalização deverão elaborar estudos minuciosos da evolução dos preços e planilhas de custos, com base inclusive nos dados disponíveis do ICM, permitindo ajustamentos para mais e para menos;
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Criação de uma legislação mais rigorosa, permitindo desde o confisco de mercadoria (à semelhança da Lei Delegada n.º 4), até a aplicação de medidas punitivas drásticas;
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Criação de mecanismos para que a população participe da fiscalização desde o local de trabalho até o comércio varejista, com possibilidade efetiva de denúncia dos infratores e apuração de responsabilidades.
4.1.2. Recuperação dos salários e contrato coletivo de trabalho
A estabilização do processo inflacionário será uma condição fundamental para impedir a corrosão acelerada dos salários e permitir uma recuperação de seus valores reais. Estancar a inflação e promover o desenvolvimento econômico em novas bases é o único caminho seguro para a valorização do salário real da classe trabalhadora. Na perspectiva de assegurar uma política de combate à inflação e arrocho de salários, será apresentado um plano de recomposição dos salários, especialmente do salário-mínimo, além de garantias reais para estimular as negociações coletivas.
O PT considera que a implantação de um processo de negociação que permita o estabelecimento de um Contrato Coletivo Nacionalmente Articulado, nos moldes em que vem sendo definido e proposto pela Central única dos Trabalhadores, é instrumento eficaz de redefinição das relações trabalhistas no país, que abrirá novos horizontes para a recomposição dos salários e melhor distribuição da renda nacional. A abertura imediata do processo de negociações para definir a política de recomposição progressiva dos salários será um compromisso do governo e empresários, devendo ser considerado em todo o processo de negociações o esforço de combate à inflação e retomada do desenvolvimento em novas bases.
4.2. Dívida pública
O PT condena o princípio recessivo do “Orçamento Equilibrado” a qualquer custo social, defendido pelos conservadores. Nesse sentido, um certo nível de déficit público é admissível, desde que bem administrado e exercendo um efeito anti-recessivo na economia. A Itália e outros países desenvolvidos possuem déficits orçamentários até maiores que o brasileiro, enquanto porcentagem do PIB, mas garantem altas taxas de crescimento e os gastos em políticas públicas, convivendo com uma inflação anual inferior a 10%. Esse, evidentemente, não é o caso do déficit brasileiro, que além de fugir ao controle e ser fruto do clientelismo tem como elemento determinante a dívida externa e seus reflexos sobre a dívida pública interna. As altas taxas de inflação que vigoram no Brasil e a falta de confiança dos investidores na aquisição de títulos de longo prazo exigem uma rolagem diária de um enorme volume de papéis públicos, muitas vezes com taxas de juros elevadas, para atrair os investidores. Entretanto, as medidas de combate à inflação, combinadas com a diminuição do superávit comercial, criarão condições mais favoráveis para a administração da dívida pública. Nesse sentido propomos:
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O saneamento das finanças públicas com corte de gastos supérfluos e melhor aplicação das verbas públicas sem sacrificar investimentos em áreas sociais;
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Alongamento da dívida mobiliária, pela colocação de títulos de longo prazo, com juros maiores e garantia de resgate. Esse alongamento se concretizará à medida que os investidores adquirirem confiança no governo;
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Pagamento de juros menores para as aplicações de curto prazo, em contraposição à política ortodoxa de juros altos, que eleva o montante da dívida;
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Colocação compulsória de títulos de longo prazo junto a bancos comerciais, instituições de crédito e empresas que participem de concorrências públicas;
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Desestímulo às aplicações especulativas, como o black, ouro e imóveis, pelo maior atrativo das aplicações produtivas. O dólar paralelo será desestimulado com a suspensão das operações de conversão, e a maior fiscalização do subfaturamento das exportações.
4.3. Política administrativa
Nos últimos anos, a Administração Central do Estado foi inchada pelo clientelismo e empreguismo da “Nova República”, que introduziu inúmeros funcionários sem concurso, aumentando os gastos com pessoal de cerca de 5% do PIB, em 1984, para cerca de 8% na atualidade. Atualmente convive, no setor público, um grande conjunto de funcionários concursados e mal remunerados, ao lado dos funcionários fantasmas e protegidos do governo, que só aparecem nas folhas de pagamento. Nesse sentido propomos:
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Auditoria nas contratações, com demissão dos funcionários fantasmas e eliminação da política fisiológica do empreguismo;
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Revisão, com ampla discussão e total abertura de informações para a sociedade, dos critérios de remuneração no setor público, visando maior equidade e redução das disparidades existentes;
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Remanejamento de funcionários concursados, dos setores ociosos para os carentes, e admissão só por concurso público.
4.4. Empresas estatais
As empresas estatais, têm sido objeto da maior controvérsia e são frequentemente consideradas responsáveis por parte dos problemas que conduziram à crise brasileira. Entretanto, na maioria das vezes, a pretensa ineficiência dessas empresas deveu-se à política de preços artificialmente baixos, imposta pelo governo para subsidiar os setores privados, com custos menores de insumos e serviços públicos. Assim, as empresas estatais do setor siderúrgico, hidrelétrico e de comunicações operaram com preços defasados em até 50% abaixo do seu preço real, entre 1977 e 1984. Ainda por cima, arcaram com o custo dos financiamentos externos que foram obrigados a contrair e repassar para outros setores do governo.
Os gastos com pessoal têm se mantido estáveis, em torno de 2% do PIB, tendo aumentado apenas em 1987. Evidentemente, a “Nova República” criou novos cargos altamente remunerados nas empresas estatais, ampliando diretorias e cargos de confiança, que contrastam com os funcionários de carreira que garantem a eficiência dessas empresas.
Estas empresas, portanto, não são responsáveis pela inflação, como querem fazer crer o governo Sarney e credores internacionais, interessados em promover uma política descontrolada de privatizações. Ao contrário, trata-se de saneá-las financeira e administrativamente, de democratizar sua gestão· e de privatizar aquelas que não prestam serviços públicos, não exploram as riquezas do subsolo nem atuam em setores estratégicos da economia. Além disso, há empresas fora das categorias mencionadas e que foram estatizadas por se encontrarem em dificuldades financeiras. Estas podem e devem ser privatizadas, fornecendo recursos para a aplicação na área social. Assim, propomos:
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Suspensão e revisão da política indiscriminada de privatização;
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Revisão das contratações sem concurso da “Nova República” e supressão dos salários dos marajás;
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Democratização da gestão das empresas estatais, com participação dos trabalhadores nos mecanismos de decisão, e dos usuários na formulação de políticas;
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Revisão das tarifas das estatais e demais empresas de serviços públicos;
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Revisão dos subsídios, via preços indiretos, fornecidos às empresas privadas.
4.5. Política fiscal e tributária
A política fiscal e tributária do Estado esteve voltada, ao longo de muitos anos, para a sustentação dos oligopólios industriais e financeiros, que prosperaram e enriqueceram à custa do empobrecimento do Estado e do grosso da população. Por isso, a crise econômica de que se fala hoje atinge somente o conjunto da população trabalhadora, pequenos e médios empresários e as finanças do Estado, enquanto as grandes empresas e altas finanças vivem numa verdadeira ilha de prosperidade, cercada de miséria por todos os lados. As grandes empresas nunca estiveram tão bem financeiramente, com o menor índice de endividamento das últimas décadas, e abundantes recursos financeiros para investir, que são descarregados na especulação financeira. Há setores empresariais na economia brasileira que quase não pagam impostos de qualquer natureza e ainda obtêm créditos de longo prazo, com juros subsidiados. É o caso, por exemplo, do setor exportador, que paga uma alíquota de Imposto de Renda de apenas 5% sobre o lucro apurado, e ainda pode usar mecanismos de subfaturamento, convertendo parte dos dólares pelo mercado paralelo. Neste contexto propomos:
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Revisão geral de incentivos fiscais e subsídios com a suspensão da maioria deles, principalmente .no caso do setor exportador e outros que já estejam consolidados e possuam essas regalias há muito tempo;
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Manutenção dos incentivos e subsídios para os setores em· implantação e tecnologia de ponta, assim como para as micro e pequenas empresas;
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Regulamentação urgente do imposto sobre as grandes fortunas em tramitação no Congresso;
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Ampliação substancial do Imposto de Renda sobre ganhos de capital da pessoa física, abrangendo lucros sobre operações financeiras, operações com ações, lucro imobiliário e taxação de grandes propriedades;
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Implantação de um imposto especial sobre o lucro dos bancos e instituições fínanceiras em geral;
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Estabelecimento imediato, como disposição transitória, de empréstimo compulsório sobre os ganhos de capital e grandes fortunas;
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Cobrança imediata do Imposto Territorial Rural devido pelos latifundiários e aplicação (através do Fundo de Investimentos e Políticas Sociais) dos recursos obtidos na desapropriação fundiária e assentamentos para reforma agrária;
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Combate rigoroso à sonegação fiscal como parte da política de recuperação das finanças públicas.
4.6. Política agrícola e gêneros de primeira necessidade
O governo deverá estabelecer uma política especial para os gêneros de primeira necessidade, estimulando a sua produção, facilitando o armazenamento e auxiliando na comercialização. Uma política anti-inflacionária só terá sucesso se houver abundância de alimentos, matérias-primas e produtos primários em geral, a preços baixos para o consumidor e com remuneração assegurada para o produtor. Nesse sentido propomos:
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Criação de linhas especiais de financiamento para a pequena e média propriedade agrícola, com crédito abundante e juros baixos:
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Garantia de preços mínimos que estimulem a produção e estabeleçam uma perspectiva de longo prazo para o produtor rural;
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Facilitar o armazenamento e a criação de estoques reguladores que protejam produtores e consumidores contra a especulação;
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Linhas especiais de crédito e facilidades para as cooperativas e associações de pequenos produtores;
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Complementação da oferta interna de produtos primários com importações, quando houver problemas de abastecimento no mercado doméstico.
4.7. Fundo de investimentos e políticas sociais
O corte de subsídios e incentivos, juntamente com a reforma fiscal e tributária e o saneamento das contas do Estado, deverão aumentar a arrecadação e fornecer recursos para a retomada do crescimento e a ampliação das políticas sociais do Estado. A essas receitas deverão somar-se os juros da dívida externa que incidem sobre o valor do deságio, que ficarão à disposição do Estado, e serão colocados num Fundo de Investimentos e Políticas Sociais, a ser diretamente fiscalizado pelo Congresso.
Propomos ainda a conversão parcial e negociada de títulos da dívida pública mobiliária em cotas do Fundo. Esta conversão, negociada com os grandes credores, ajudará a afastar a ameaça da hiperinflação, a dar maior estabilidade à economia e contribuirá na alavancagem dos investimentos indispensáveis à retomada do crescimento com distribuição de renda.
A criação de um Fundo especial de Investimentos permitirá dar uma destinação transparente e eficaz aos recursos públicos e evitará que os mesmos sejam desperdiçados em projetos duvidosos. Nesse sentido, propomos:
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Criação de um Fundo, com os recursos provenientes dos juros do deságio da dívida externa, das receitas fiscais e tributárias assinaladas no item 4.5. e da conversão negociada e parcial de títulos da dívida pública;
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Os recursos do Fundo serão alocados, prioritariamente, nos setores estratégicos da economia, infraestrutura, modernização do parque produtivo, implementação de uma política de preservação de recursos naturais, especialmente da Amazônia, e na formulação de políticas sociais voltadas para os setores mais carentes e marginalizados da sociedade brasileira nas áreas de educação, saúde, habitação e saneamento;
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O Fundo também alocará recursos, inclusive já previstos em orçamento, no sentido de efetivar uma política fundiária que contemple a regularização das áreas · de conflito e desapropriação para fins de reforma agrária;
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O Fundo será fiscalizado diretamente pelo Congresso Nacional, com prestação de contas dos investimentos e dos resultados;
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Os rendimentos eventualmente auferidos pelos recursos do Fundo poderão ser usufruídos pelos seus investidores conforme regulamentação prévia.
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Plano aprovado pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores em 10 de dezembro de 1988. Este plano foi coordenado por Aloísio Mercadante, Plínio de Arruda Sampaio e José Dirceu.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Jan 2024 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 1989