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A teoria monetária de Marx: uma interpretação pós-keynesiana

Marx’s economic theory: a post-Keynesian interpretation

RESUMO

As reflexões de Marx sobre o dinheiro e seu papel nas economias capitalistas estão espalhadas por suas obras. Em particular, constituem a maior parte do 3º volume do Capital e dos Grundrisse. Nessas duas obras, Marx apresenta os fundamentos de uma teoria do dinheiro muito próxima das visões de Keynes. No artigo, essa semelhança é mostrada através da sistematização da teoria monetária de Marx em linhas (pós)keynesianas. A demanda por dinheiro mostra-se enraizada não apenas no motivo da transação, mas também nas propriedades de liquidez do dinheiro. Essas propriedades tornam-se importantes nas economias capitalistas caracterizadas pela incerteza do mercado. Tanto Marx quanto Keynes usam o conceito de dinheiro para quebrar a lei de Say. Uma diferença essencial entre os dois autores é mostrada em relação à função de medida de valor do dinheiro e são desenvolvidas maneiras de reconciliá-los nessa questão.

PALAVRAS-CHAVE:
Marx; pós-Keynesianismo; teoria monetária; história do pensamento econômico

ABSTRACT

Marx’s thoughts about money and its role in capitalist economies are scattered throughout his works. In particular, they constitute a major part of the 3rd volume of Capital and of the Grundrisse. In these two works, Marx presents the foundations for a theory of money that is very close to Keynes’s views. In the paper, this similarity is shown through the systematization of Marx’s monetary theory along (post) Keynesian lines. The demand for money is shown to be rooted not only in the transaction’s motive but also in the liquidity properties of money. These properties become important in capitalist economies characterized by market uncertainty. Both Marx and Keynes use the concept of money to break Say’s law. An essential difference between the two authors is shown to relate to the measure-of-value function of money and ways to reconcile them on this issue are developed.

KEYWORDS:
Marx; post-Keynesianism; monetary theory; history of economic thought

A moderna teoria econômica marxista foi profundamente influenciada pela publicação da Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda, de John Maynard Keynes. Os efeitos depressivos da concentração de renda exercidos através da propensão a consumir, descritos por Keynes, tornaram-se parte central dos modelos subconsumistas de Sweezy, Baran, Kalecki, Steindl e outros. Mesmo entre os opositores de Keynes tornou-se impossível ignorar o princípio da demanda efetiva.

Por várias razões, os aspectos monetários da obra de Keynes foram virtualmente esquecidos por seus seguidores, à exceção de um pequeno grupo de fundamentalistas baseado principalmente em Cambridge. Por uma certa ironia da história, Keynes acabou se tornando o líder de uma corrente de economistas para quem a moeda é apenas uma complicação, uma qualificação à discussão da dinâmica capitalista definida basicamente em termos reais.

Esta linha de abordagem, que privilegia os mercados reais e relega aspectos monetários a posições subalternas, foi largamente adotada pelos autores marxistas que sofreram a influência dos modelos keynesianos. Na verdade, a ênfase tradicional na explicação marxista (mas não necessariamente na de Marx) da dinâmica capitalista sempre foi dada a fatores reais como a taxa de exploração, a composição orgânica do capital etc., em abordagem onde variáveis monetárias ou financeiras servem a pouco mais do que dar algum colorido histórico às conclusões obtidas.

A partir dos anos 60 tem se tornado cada vez mais claro que teorias que dicotomizem fatores reais e monetários na explicação da dinâmica capitalista e que releguem os últimos a uma posição secundária não dão conta satisfatoriamente dos processos capitalistas. Esta descoberta se deve em particular ao redescobrimento de Keynes, à releitura de suas obras, não apenas a Teoria Geral mas também seu Tratado sobre a Moeda e os ensaios escritos do início dos anos 30 (coletados no volume Essays on Persuasion) até 1937, quando Keynes, no debate com seus críticos, esclareceu os elementos essenciais de seu pensamento.1 1 Este aspecto essencial da teoria de Keynes foi recentemente ressaltado por Sir John Hicks. Veja-se Hicks, 1983, p. 43.

Os autores que se dedicam à exploração e ao desenvolvimento das ideias originais de Keynes são atualmente chamados de pós-keynesianos. Para a teoria pós-keynesiana o elemento mais revolucionário da obra de Keynes é menos a propensão a consumir do que a análise da preferência pela liquidez e a eficiência marginal do capital. A questão fundamental é: por que o público decide reter um ativo tão desprovido de atrativos como a moeda? A resposta de Keynes é de que a incerteza sobre o futuro cria a demanda por segurança e confere importância ao conceito de liquidez. O dinheiro numa economia moderna tem elasticidades de produção e substituição negligíveis (Keynes, 1964Keynes, Lord (John M.), (1964) The general theory of employment, interest and money, Nova Iorque, Harbinger., cap. 17). Se a incerteza sobre o futuro faz com que o público ou parte dele decida reter sua riqueza em forma de dinheiro ao invés de ativos produtíveis por trabalho, o resultado é a redução da produção destes últimos e o desemprego dos trabalhadores que os produziriam. Este desemprego primário seria então amplificado pelo multiplicador.

Também na obra de Marx o dinheiro exerce papel· fundamental, apesar da relativa indiferença de autores marxistas com relação ao comportamento da moeda. Marx, como Keynes, recusou a dicotomia real x monetário e lançou as bases para uma teoria monetária bastante similar à de Keynes, hoje revivida pelos pós-keynesianos.2 2 Entre os poucos que perceberam a semelhança entre Marx e Keynes neste ponto. ressalta-se Dillard. Cf. Dillard, 1984. Nas páginas que se seguem pretende-se mostrar esta similaridade, reconstruindo a teoria monetária de Marx como apresentada em seus trabalhos. O interesse de tal demonstração está na discussão da possibilidade de integrar o princípio da demanda efetiva, como Keynes o estudou, na análise marxista da dinâmica capitalista. A fim de preservar a coerência da exposição, as referências à literatura pós-keynesiana serão apresentadas principalmente em rodapés.

A VALIDAÇÃO PELO MERCADO DE DECISÕES INDIVIDUAIS

Tradicionalmente, a teoria monetária de Marx tem sido abordada em termos do surgimento da forma-dinheiro na circulação simples de mercadorias (Marx, 1976Marx, Karl, (1976) Capital, Volume l, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., parte 1).3 3 As referências a O capital e ao Grundrisse referem-se, exceto quando indicado, à edição inglesa, da Editora Penguin (as referências completas estão ao fim do artigo}, traduzidas pelo autor. A característica mais óbvia deste tratamento é o alto grau de abstração em que é desenvolvido. No terceiro volume de O Capital, porém, assim como no Grundrisse (Marx, 1981Marx, Karl, (1981) Capital, vol. III, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., e Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review.), Marx procede a uma detalhada discussão do papel da moeda e das relações financeiras no modo de produção capitalista (MPC), permitindo levar adiante com alguma segurança a discussão de sua teoria monetária.

O método de Marx é lógico-histórico. Em sua obra, isto implica recusar teorias que se baseiem em leis de comportamento humano imutáveis, derivadas de algo a-histórico como a essência humana. Ao invés do agente racional walrasiano, suspenso no tempo e no espaço, os agentes econômicos em Marx têm motivações e comportamentos historicamente determinados, evoluindo e se alterando com a sucessão de formas de organização social. Por esta razão conceitos como moeda, apesar de presentes em várias fases históricas, têm significados diferentes em cada uma delas. Para Marx conceitos como produção, moeda apenas adquirem seu pleno potencial explicativo quando localizados historicamente (cf., por exemplo, Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., “Introduction”).

O ponto de partida da teoria monetária de Marx é: “Esta bem simples categoria [isto é, moeda] ... faz sua aparição histórica em sua plena intensidade apenas nas condições mais desenvolvidas da sociedade. ( ... ) É inerente ao simples caráter da moeda em si mesma que ela possa existir como um momento desenvolvido da produção apenas onde e quando exista o trabalho assalariado. ( ... ) Trabalho assalariado de um lado, capital do outro, são, assim, apenas outras formas de desenvolvimento do valor de troca e da moeda (corno a encarnação do valor de troca)”.4 4 Marx, 1977, pp. 103, 223, 225. Esta necessidade, ainda que exposta em termos institucionalistas, é também enfatizada por pós-keynesianos. Os pós-keynesianos dizem que a consideração da incerteza no capitalismo define novos papéis para a moeda. Estes novos papéis só podem ser compreendidos historicamente ou em termos das instituições específicas criadas para lidar com a incerteza. Neste sentido, o comportamento dos agentes deve ser explicado socialmente, ao invés de meramente generalizar atitudes de Robinson Crusoé para situações de capitalismo avançado. Cf. Davidson, 1982, p. 241; Minsky, 1980.

É apenas no MPC que a produção se orienta para a criação de valores.de troca. O ciclo das mercadorias se torna D-M-D’ (dinheiro-mercadoria-mais dinheiro) ao invés de M-D-M. Isto significa que produção e troca são agora dirigidos para a geração (e acumulação) de mais-valia (igual à diferença entre D’ e D na expressão acima) ao invés da simples criação de valores de uso. Além disso, a mais-valia deve poder assumir a forma-dinheiro, isto é, ser conversível em dinheiro através da realização (venda) da produção.

A necessidade de realização se coloca porque a produção (e a divisão do trabalho) no capitalismo é coordenada de modo inconsciente, através do trabalho privado de agentes isolados. Em tais condições, o “equilíbrio entre as esferas individuais de trabalho” (Rubin, 1979Rubin, Isaac (1979) Ensayo sobre la teoria marxista del valor, Cidade do México, Síglo XXI.)5 5 A teoria social marxista, incluindo-se aí sua teoria econômica, foi desenvolvida ao longo de caminhos bastante diversos pelos sucessores de Marx. Em particular, uma longa polêmica entre marxistas concentrou-se na questão de se a obra de Marx deve ser vista como um continuum iniciado por suas obras de juventude (onde é grande a ênfase dada à questão da alienação) ou se alguma ruptura dramática teria se dado na própria evolução intelectual de Marx, separando o jovem hegeliano do maduro materialista. Este autor não tem qualquer pretensão de intervir nesta polêmica em seus méritos intrínsecos. A segunda corrente citada, porém, que vê os agentes econômicos como meros “portadores de relações sociais”, reduzindo a praticamente nada o papel de decisões e ações individuais, não é compatível em nenhum grau com uma visão pós-keynesiana. Um trabalho como este, em que um autor pós-keynesíano tenta estabelecer pontos de contato com a economia marxista tem de se basear na primeira escola, apoiada em textos “de juventude” de Marx (p.e., On The Jewish Question; Excerpts from James Mill’s Elements of Political Economy; Economic and Philosophical Manuscripts; todos em Marx, 1977b) e no Grundrisse, além, naturalmente de O Capital. Rubin, Mészáros, Colletti, ou mesmo Aglietta em algum grau representam, no que nos concerne, esta posição. Por esta razão eles são utilizados nesta secção, ainda que não haja qualquer intenção de propor que isto é, afinal, “o que Marx realmente quis dizer”. é alcançado através da troca de mercadorias, isto é, através do mercado. Assim, a função do mercado é reconhecer, ex-post facto, como social a atividade produtiva de cada esfera. Isto equivale ao reconhecimento social do trabalho gasto na produção de cada mercadoria. No MPC este reconhecimento se dá pela realização da produção (isto é, a troca de mercadorias por moeda). E apenas através destas “mediações de segunda ordem” (Mészáros, 1975Mészáros, István, (1975) Marx’s theory of alienation, Nova Iorque, The Merlin Press.) que o trabalho individual se torna trabalho social.

A produção (ou a decisão de produzir, como diria Keynes) se subordina, assim, às expectativas de realização: “Nós sabemos que os produtores de mercadorias, em sua atividade produtiva, levam em consideração o mercado e a situação de demanda durante o processo de produção direta. Eles produzem exclusivamente para transformar seu produto em dinheiro, e, assim, transformar seu trabalho concreto e privado em trabalho social e abstrato. Mas este modo de inserção do trabalho de cada indivíduo no mecanismo social é apenas preliminar e conjectural. Ele tem ainda de se submeter ao duro exame do processo de troca. Este exame pode mostrar resultados positivos ou negativos ao produtor de mercadorias”. (Rubin 1979Rubin, Isaac (1979) Ensayo sobre la teoria marxista del valor, Cidade do México, Síglo XXI., pp. 204-5)

Introduz-se, assim, diretamente a necessidade de o empresário decidir seus níveis de produção à base de conjecturas, de expectativas em uma situação marcada pela incerteza. Incerteza significa ignorância sobre o futuro e sobre as consequências de cada decisão. Expectativas, nestas condições, podem ser desapontadas.

Em economias de mercado, decisões são tomadas em firmas individuais, cujo objetivo é lucro.6 6 Este é o aspecto essencial do que Keynes chamou de “economia empresarial” (Keynes, 1979, pp. 63-8, 76-102) ou “economia monetária de produção” (Keynes, 1973, pp. 408-11). Em um rascunho da Teoria Geral, Keynes chega a mencionar explicitamente ao circuito D-M-D’ de Marx (Keynes, 1979, pp. 81-2). Na Teoria Geral, porém, as expectativas de curto prazo, que orientam decisões de produção (mas não as de investimento) têm seu papel reduzido. (Cf. Keynes, 1973, p. 582; Davidson e Kregel, 1980.) Neste contexto, a incerteza do futuro afeta de modo importante o grau de confiança nas expectativas que informam aquelas decisões.7 7 O aspecto distintivo da teoria pós-keynesiana da moeda é a importância atribuída à incerteza do futuro na determinação do comportamento dos agentes (cf. Shackle, 1968; Robinson, 1972; Kregel, 1976). A variável fundamental a ser considerada é “tempo”: real ou histórico. Tempo em Keynes é a passagem do passado imutável ao futuro desconhecido. Os processos capitalistas de produção tomam tempo. As ações têm de ser decididas no presente para mostrar resultados no futuro, sobre o qual a informação é necessariamente (e inevitavelmente) insuficiente. As decisões tornam-se, assim, irremediavelmente especulativas. Sobre o conceito de tempo na teoria pós-keynesiana, veja-se Carvalho, 1983-84; e 1984-85). Marx aborda o problema em sua discussão do conceito de alienação, segundo o qual a ausência de coordenação consciente da atividade social é inerente a uma sociedade em que as relações sociais são reificadas.8 8 “Reificação” é a transformação das relações sociais em “alguma coisa”, um objeto externo ao ser humano. Uma de suas formas é o “fetichismo” que “significa ... simplesmente ver a riqueza como algo fora do homem e independente dele: como algo que possui o caráter de objetividade absoluta” (Mészáros, 1975, p. 132). Nas palavras de Lukács: “A essência da estrutura mercantil... está baseada no fato de que uma conexão, uma relação entre pessoas assume o caráter de uma coisa e, assim, de uma ‘objetividade ilusória’”. Isto, por causa de suas próprias rigorosas leis que aparecem inteiramente fechadas e racionais, oculta todo traço de sua essência fundamental: o de ser uma relação entre homens”. Lukács, 1960, p. 110. Nestas economias, assim, “falhas de coordenação” (cf. Leijonhufvud, 1981) podem ocorrer pois, na ausência de coordenação ex-ante, a correção de decisões individuais só pode ser estabelecida ex-post facto. Insista-se, porém, que não se está propondo a identidade entre os conceitos marxistas de reificação e keynesiano de incerteza, mas a coincidência de uma de suas dimensões. Os atores econômicos, nestas condições, tomam decisões sem saber como seus parceiros ou competidores reagirão. É apenas depois de um dado lapso de tempo que a avaliação de uma decisão tomada pode ser realizada: “ ... o nosso produtor de mercadorias produz bens para serem vendidos, para o mercado. Por esta razão, já no processo de produção direta ele tem de avaliar as possíveis condições do mercado, isto é, se vê obrigado a tomar em consideração a atividade produtiva de outros membros da sociedade, na medida em que (esta) influi sobre o movimento dos preços das mercadorias no mercado. ( ... ) Assim, já no processo de produção direta (o produtor) se vê obrigado a adaptar sua atividade produtiva (de antemão) às possíveis condições do mercado” (Rubin, 1979Rubin, Isaac (1979) Ensayo sobre la teoria marxista del valor, Cidade do México, Síglo XXI., p. 57).9 9 As dificuldades de se proceder a esta adaptação, dados os requerimentos para a preconciliação de planos, são exploradas por Shackle, 1968, p. 13; e 1976, pp. 112, 273. Um dos problemas fundamentais, segundo Shackle, é o de que entre “as possíveis condições de mercado” figuram proeminentes os planos ou estratégias de competidores que por incluir possíveis reações à decisão de nosso produtor, não podem ser conhecidas antes que este tenha decidido seu curso de ação.

A dimensão temporal é essencial na teoria monetária de Marx. Ela lhe permitirá refutar a lei de Say do mesmo modo que permitiu a Keynes. Para os pós-keynesianos: “Na ausência de uma moeda com as elasticidades nulas exigidas, cada receptor de renda teria de aplicar sua poupança em mercadorias, pois, sem tal moeda, a decisão sobre qual objeto reprodutível comprar com o objeto sendo vendido não pode ser adiada. Em tal economia neoclássica mítica, os receptores de renda devem armazenar valores naqueles bens físicos que eles acreditarem ser os mais “produtivos” .... A lei de Say prevalece, e a alocação de recursos entre bens de consumo e de capital dependerá inteiramente das propensões a poupar dos receptores de renda” (Davidson, 1972Davidson, Paul, (1972) Money and the real world, Londres, Macmillan., p. 154).

Marx discute este ponto assim: “Do mesmo modo que o valor de troca da mercadoria tem uma dupla existência, como mercadoria particular e como moeda, isto também se dá com o ato de troca, partido em dois atos mutuamente independentes: a troca de mercadorias por moeda, troca de moeda por mercadorias; compra e venda. Dado que estas últimas atingiram agora formas de existência espacial e temporalmente separadas e mutuamente indiferentes, sua identidade imediata termina ..... A partição da troca em compra e venda torna possível, para mim, comprar sem vender (retendo mercadorias) ou vender sem comprar (acumulação de moeda). Ela torna especulação possível” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 200).

Referindo-se explicitamente à lei de Say, escreveu Marx: “A concepção (que se deve realmente a James Mill), adotada por Ricardo do tedioso Say ... de que superprodução não é possível ou de que pelo menos nenhum congestionamento do mercado é possível, é baseada na proposição de que produtos são trocados por produtos, ... e isto levou à conclusão de que a demanda é determinada apenas pela produção ou também de que demanda e oferta são idênticas .... A moeda não é apenas o ‘meio pelo qual a troca é efetuada’, mas (é) ao mesmo tempo o meio pelo qual a troca de produtos por produtos é dividida em dois atos, que são independentes entre si, e separados no tempo e no espaço” (Marx, 1978Marx, Karl, (1978) Theories of surplus value, vol. II, Moscou, Progress Publishers., pp. 493, 504).

A moeda no MPC cria a “possibilidade geral das crises”.10 10 Para Marx isto cria apenas a possibilidade geral das crises, mas não explica a própria crise (Marx, 1978, pp. 502,515). Embora o assunto pertença à teoria dos ciclos mais do que à teoria monetária per se, é interessante notar que mesmo aqui a posição de Marx coincide com a de Keynes. Para este é o colapso da eficiência marginal do capital que explica as crises (Cf. Keynes, 1964, pp. 143-4). Por ser um ativo, a moeda pode romper a unidade entre compra e venda, distribuindo-as por diferentes pontos do tempo.

O conceito de reificação (como o conceito de fetichismo da mercadoria) nos permite discutir, de um ponto de vista marxista, porque a ausência de informação sobre o futuro é tão importante no MPC. O resultado da reificação das relações sociais de produção é transferir ao mercado a tarefa de organizar a alocação e utilização de recursos (inclusive o trabalho social). É no mercado que o produtor individual descobrirá se suas decisões de produção, orientadas por expectativas de lucro, eram corretas ou não. (É imaterial se os desvios são percebidos primariamente através de preços ou de quantidade em desequilíbrio.)

O conceito de alienação de Marx é muito mais complexo do que o de incerteza de Keynes. Ambos, no entanto, servem para mostrar que o problema da realização, da conversão de mercadorias em dinheiro, é o modo essencial de validar as decisões dos produtores. Em Marx, como em Keynes, em nenhum sentido “produção se troca por produção” (Ricardo, 1971Ricardo, David, (1971) On the principles of political economy and taxation, Penguin.). A validação de decisões pelo mercado, em Marx, resulta da natureza alienada da produção capitalista, subordinada à produção de valores de troca.

A MOEDA EM MARX

Sob o signo do valor de troca como único objetivo da produção, desenvolve-se a relação monetária. Agora, a moeda deixa de ser apenas um meio de troca (função exercida também em outros modos de produção) para se tornar o único instrumento de validação social do trabalho gasto em cada esfera de produção. Ela se torna a encarnação da generalidade do valor de troca em contraste com o particularismo dos valores de uso.

É necessário que o veículo desta generalidade surja do processo de troca. É preciso haver algo em que a relação monetária possa se materializar. A própria evolução do processo de troca exige que algo seja particularizado como o portador desta relação. Esta função, via de regra, foi desempenhada por metais preciosos. As peculiaridades do ouro ou da prata, enquanto objetos explicam sua escolha para representar a relação monetária. Elas não se confundem, porém, com as características da moeda, que é essencial e primariamente uma relação social, não um objeto.

Em Marx, a reificação das relações sociais de produção atinge seu ápice quando as relações monetárias estão plenamente desenvolvidas. A moeda se torna a representante material da riqueza, em uma forma geral, independente de atores individuais. Esta materialização oculta seu significado quando o dinheiro emerge como o objetivo da produção capitalista.

Esta será a própria definição de moeda para Marx, baseada na noção de representação geral da riqueza social, valor de troca que se torna independente das particularidades dos valores de uso e que, por isso mesmo, constitui-se na única prova da demanda social por estes últimos. De acordo com Marx, “os próprios economistas dizem que as pessoas conferem a uma coisa (dinheiro) a confiança que elas não conferem umas às outras. Mas por que elas confiam na coisa? Obviamente porque esta coisa é uma relação entre pessoas objetivada; porque é valor de troca objetivado, e valor de troca não é nada mais do que uma relação entre as atividades produtivas das pessoas” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 160).

A moeda, como valor de troca materializado, é diretamente social, em contraste com valores específicos. Isto implica que, em contraste com mercadorias específicas, a moeda é definida pela sua liquidez.

A moeda, além disso, é também um ativo, um veículo de conservação de riqueza no tempo: “Com a moeda, por outro lado, sua substância, sua materialidade, é ela mesma sua forma, em que representa a riqueza. Se a moeda aparece como a mercadoria geral em todos os lugares, também o faz em qualquer tempo. Ela mantém-se como riqueza em qualquer tempo. Esta é sua durabilidade específica. É o tesouro que não enferruja nem é comido pelas traças. Todas as mercadorias são apenas dinheiro transitório: o dinheiro é a mercadoria permanente. A moeda é a mercadoria onipresente, a mercadoria é dinheiro apenas local. Mas a acumulação é essencialmente um processo que tem lugar no tempo” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 231).

O tempo, assim, é uma dimensão fundamental. A moeda é um meio de reter riqueza no tempo, no sentido de que sua convertibilidade é garantida pela sua própria definição, em contraste com mercadorias específicas. Esta é “sua durabilidade específica” enquanto moeda. O dinheiro se torna, então, não apenas o meio de circulação das mercadorias existentes, mas também a conexão com as mercadorias que serão produzidas no futuro.

Em suma, sua durabilidade específica, isto é, sua durabilidade enquanto poder de compra, faz da própria moeda um objeto de demanda. Mas, por que reter riqueza nesta forma? Keynes fez-se a mesma pergunta e sua resposta é: incerteza (Keynes, vol. XIV). A resposta de Marx se baseia numa propriedade da moeda: liquidez. Mercadorias são formas acidentais de riqueza. Apenas o dinheiro é sua forma geral: ‘’ ... a acumulação de outras mercadorias não tem o caráter de acumulação de riqueza em geral, mas de acumulação de riqueza específica. ( ... ) Por outro lado, a fim de realizar a mercadoria acumulada para a forma de riqueza geral, para apropriar riqueza em todas as suas formas específicas, eu tenho de proceder a troca da mercadoria que acumulei. Tenho de ser comerciante de grãos, ou gado etc. O dinheiro, como o representante geral da riqueza me absolve disto” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 233; veja-se também p. 218).

O sentido pleno da citação é compreendido se a examinamos no quadro global que estamos expondo. Lembremo-nos que atividades específicas têm de ser validadas através da realização da produção. Se a riqueza já está em forma monetária, não apenas poupa-se o esforço necessário para circular mercadorias, mas, e principalmente, elimina-se o risco da não realização, sempre possível com valores de uso particulares.11 11 A liquidez da moeda a torna objeto de retenção, permitindo adiar a compra de mercadorias (Shackle, 1968, p. 23). É assim uma “máquina do tempo” para liquidez (Davidson, 1972 e 1982). O dinheiro oferece, assim, a segurança que mercadorias particulares não podem garantir. É a incerteza sobre a convertibilidade (sua liquidez) de mercadorias particulares que justifica a retenção de moeda.

A incerteza está enraizada na influência da moeda nos processos capitalistas de produção. Somas de dinheiro são necessárias para financiar o processo produtivo. Por outro lado, os compromissos pelos quais o dinheiro é obtido são saldados com as receitas da realização da produção. Ambas as operações envolvem incerteza. Sobre a realização: “A mercadoria não requer apenas demanda, mas demanda que pode pagar em dinheiro. Deste modo, se seu preço não pode ser realizado, se ela não pode ser transformada em dinheiro, a mercadoria torna-se desvalorizada’’ (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 198). Isto pode acontecer, por exemplo, quando a demanda efetiva é insuficiente. Se o capital-mercadoria não puder ser convertido em moeda, os compromissos não serão honrados e a crise se espalha através de abruptos aumentos na demanda por moeda. Como descrito por Engels: “Se uma crise se abre, tem-se simplesmente uma questão de meios de pagamento. Mas dado que cada pessoa depende de alguma outra para a obtenção daqueles meios de pagamento, e ninguém sabe se o outro estará em posição de pagar nas datas devidas, uma verdadeira corrida se inicia por aqueles meios de pagamento que podem ser encontrados no mercado, i.e., notas bancárias” (Marx, 1981Marx, Karl, (1981) Capital, vol. III, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 661).

A conexão entre as funções de representação geral da riqueza e de meio de pagamento sugere que o conceito de moeda só pode ser apreendido se se discute o conjunto completo de suas características e papéis, a despeito das dificuldades criadas por tal exigência.

Marx afirma que a moeda, enquanto uma categoria em sua plena intensidade, tem quatro propriedades: 1) ela serve de medida para a troca de mercadorias; 2) ela é meio de troca; 3) a moeda é a representante das mercadorias, sendo, assim, objeto de contratos; 4) ela é a mercadoria geral, enquanto valor de troca objetivado, coexistindo com as mercadorias particulares (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 146).

Como meio de troca, a moeda desempenha dois papéis: é meio de circulação e meio de pagamento. Por ser meio de pagamento e representante das mercadorias, o conceito de moeda é intimamente ligado ao de contratos. Em sua função de meio de pagamento o que está em jogo é precisamente sua capacidade de saldar contratos. Só o dinheiro pode fazer isso, já que é o meio de circulação e a representação geral da riqueza.

O desempenho continuado daquelas funções pressupõe um grau importante de estabilidade do valor da moeda, ou, o que é o mesmo, de estabilidade dos preços das mercadorias no tempo. Isto é uma condição essencial para a existência de contratos: eles são denominados em moeda, na expectativa de que seu valor se manterá pela duração do contrato.12 12 A ênfase na conexão entre moeda e contratos é característica dos trabalhos de Paul Davidson. Veja-se Davidson, 1972, 1977, 1978. Por exemplo, “o dinheiro só importa em um mundo - o nosso - onde há vários e relacionados contratos para o futuro em termos monetários” (Davidson, 1980, p. 14). Variações no valor da moeda durante este intervalo dão origem a efeitos-renda para as partes contratantes: “A alta ou baixa do valor do ouro e prata seriam bastante irrelevantes se o mundo pudesse começar de novo a cada momento e se, deste modo, obrigações prévias de pagar certas quantidades de ouro não sobrevivessem às flutuações do valor do ouro” (Marx, p. 136).

Para Marx, o dinheiro deve ser algo concreto, para que possa ser acumulado. Deve existir algo que seja moeda (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 165). Este ponto é crucial porque é aqui que se cria o risco de se confundir as características do objeto escolhido para ser o portador da relação monetária com as propriedades da própria relação.13 13 Naturalmente, não é indiferente para a moeda como um conceito saber qual o que vai representá-la. Mas é preciso não inverter a determinação: as características da moeda enquanto relação social dão os limites para a escolha do objeto que poderá exercer este papel. Para os pós-keynesianos, este objeto deve ter elasticidades de produção e substituição negligíveis. Saber do possível erro não se constitui em garantia de que ele não será cometido, e exemplo disto é o próprio Marx. O tratamento deste ponto demanda que trilhemos, com cautela, o caminho indicado por Marx.

A primeira das quatro funções da moeda é a de ser medida de valor na troca de mercadorias. Para Marx, “vista (a moeda) como medida, a (sua) substância material... é essencial” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 203). Por quê? Porque para ser medida do valor a mercadoria-moeda (a mercadoria que emerge do processo de troca como moeda) se torna o numerário. Deste modo, os preços monetários nada mais são que preços relativos estabelecidos em termos da mercadoria-moeda. Preços relativos, para Marx, são determinados pelo trabalho socialmente necessário à produção de cada mercadoria (diretamente ou transformados em preços de produção).

A solução para o enigma dos preços monetários é, assim, dada pela escolha da unidade de medida correspondente ao trabalho socialmente necessário à produção da mercadoria que se torna moeda: “a unidade real é o tempo de trabalho objetivado ... nas mercadorias que são moeda” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 794).

A moeda representa esta unidade real porque tempo de trabalho não pode ser usado diretamente como medida porque ele existe apenas seja como uma potencialidade (subjetivamente) ou já materializado nalguma mercadoria.14 14 Veja-se as observações críticas feitas por Marx à proposta de Proudhon em favor de uma moeda ‘’tempo de trabalho” (Marx, 1946). Por outro lado, é o tempo. de trabalho objetivado em uma unidade ideal da mercadoria-moeda que importa, não a quantidade de moeda efetivamente em circulação: “em sua função de medida do valor, a moeda serve apenas numa capacidade imaginária ou ideal” (Marx, 1976Marx, Karl, (1976) Capital, Volume l, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 190).

Em suma, os preços monetários dependem das condições de produção da mercadoria-moeda. Isto equivale a supor que, como medida de valor, a moeda pode desempenhar seu papel como se estivéssemos em um sistema de troca direta (barter). Na ausência de mudanças técnicas, todos os preços relativos em termos da mercadoria-moeda são fixos e a moeda representa então as outras mercadorias de proporções definidas, tornando-se viável estabelecer contratos.

A “substância material” da moeda não é, porém, particularmente importante para as funções da moeda restantes (como meio de circulação e como materialização de valor de troca). Na verdade, como meio de circulação, o valor da moeda não depende de sua substância (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 167). Aqui a moeda é um símbolo de valor e o que é importante é que ela seja aceita socialmente enquanto tal. O próprio conceito de velocidade de circulação, diz Marx, mostra a importância do lado simbólico: ‘’Suponha que 100 táleres são necessários para circular estas mercadorias em 6 horas; isto é, cada táler paga o preço de 100 táleres em 6 horas. Agora, o que é essencial é que 100 táleres estejam presentes, a quantia de 100 das unidades metálicas que deem a soma total dos preços das mercadorias: 100 destas unidades. Que estas unidades consistam de prata é irrelevante para o processo em si. Isto já é visível no fato de que um único táler representa, no ciclo da circulação, uma massa de prata 100 vezes maior do que é contido nele na realidade..... É na verdade apenas um símbolo para o peso de prata contido em 100 táleres .... Mas se um falso $ estivesse circulando em lugar de um ($) real, ela desempenharia absolutamente o mesmo serviço na circulação como um todo, como se fosse genuíno” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., pp. 209 -10).

Finalmente, enquanto materialização de uma relação social, o caráter simbólico do dinheiro é ainda mais importante, e seu papel pode ser desempenhado por qualquer material em que a relação seja grafada.

MOEDA E PREÇOS: A MOEDA E SUA SUBSTÂNCIA

Considerando-se o conjunto das funções da moeda, podemos traçar, neste ponto, uma distinção fundamental entre as teorias monetárias de Marx e de Keynes. Em ambos os autores, a moeda é primordialmente uma relação social, relacionada à circulação de mercadorias no espaço e no tempo (acumulação). Em Marx, contudo, esta relação é estabelecida em termos de uma mercadoria-moeda segundo a qual se determinam os preços relativos que se tornarão preços monetários à base da quantidade de trabalho objetivada em cada mercadoria. Nestas condições, apenas o ouro (como a mais típica mercadoria-moeda) poderia ser objeto de uma verdadeira “preferência pela liquidez”. Papel-moeda poderia fazê-lo apenas enquanto fosse convertível à vista em ouro.

Papel-moeda seria um mero símbolo do ouro, um substituto a ser usado para circular mercadorias. Por ser um substituto, a quantidade de papel-moeda em circulação não deve exceder o valor do ouro que circularia se não houvesse papel-moeda.

Implicação mais importante: não faria sentido entesourar ou acumular papel-moeda. Dado que ele não é uma mercadoria (ou, melhor, tem um valor de face que nada tem a ver com seu valor intrínseco, em termos de trabalho objetivado), o papel-moeda não seria seguro como o ouro. O valor do ouro, diz Marx, não oscila quando a quantidade de ouro em circulação varia. O valor do papel-moeda dependeria inevitavelmente de sua quantidade. Neste sentido, em termos de papel-moeda, Marx se aproxima bastante do quantitativismo.

Estas são as conclusões que parecem emergir do tratamento que Marx dá à moeda no primeiro volume de O Capital. Parece que não há alternativas ao quantitativismo porque ao papel-moeda falta a condição necessária para desempenhar a função de medida do valor: ‘’apenas enquanto o papel-moeda representar o ouro, que como todas as outras mercadorias tem valor, é ele um símbolo do valor” (Marx, 1976Marx, Karl, (1976) Capital, Volume l, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 225).

Fosse este o fim da estória, a teoria monetária de Marx teria pouca relevância em termos modernos. Para investigarmos se é possível evitar esta conclusão, é necessário rediscutir a questão da substância do dinheiro.

Comecemos pelo reexame da necessidade de uma substância para que a moeda possa ser uma medida de valor, em seu duplo aspecto: 1) como uma ligação, através dos preços correntes, entre mercadorias existentes no processo de troca; 2) como uma ligação, através da relação entre preços a vista (spot) e futuros (forward), entre mercadorias no presente e no futuro, tornando possível aos agentes aceitar compromissos contratuais. A resposta dada por Marx dependia da instituição da moeda mercadoria. Como podem Keynes e os pós-keynesianos evitar esta opção?

Para Keynes, papel-moeda ou moeda-mercadoria podem ser medidas de valor, ao menos enquanto a mercadoria escolhida como moeda for caracterizada por negligíveis elasticidades de produção e substituição (Keynes, 1964Keynes, Lord (John M.), (1964) The general theory of employment, interest and money, Nova Iorque, Harbinger., cap. 17). As mercadorias são agrupadas em bens de consumo corrente e ativos. Os preços dos primeiros estão ancorados nos custos de produção, em particular no salário nominal. O preço dos ativos depende das expectativas de retorno de cada ativo (Keynes, 1971Keynes, Lord (John M.), (1971) A Treatise on Money, vol. l , Collected writings of John Maynard Keynes, vol. V, Londres, Macmillan ., Livro 3; Minsky, 1982Minsky, Hyman P., (1982) Can it happen again? Armonk, Sharpe., p. 94). Os salários monetários são, além disso, elementos de ligação entre os dois conjuntos de preços, tendo, assim, no sistema de Keynes papel similar ao do ouro no sistema de Marx. “O salário monetário é o fulcro em que se apoia toda a estrutura de tudo que é expresso em termos de moeda - todos os preços, rendas de todo o tipo, e todos os valores monetários” (Kahn, 1978Kahn, Lord (Richard F.), (1978) “Some aspects of the development of Keynes’s thought”, Journal of Economic Literature., p. 552).

Os custos salariais são a base do sistema de preços e, assim, o alicerce sobre o qual o valor da moeda é estabelecido. Nesta abordagem, tanto a possibilidade de mensuração como a condição para a realização de contratos dependem do comportamento da moeda em termos de unidades salariais: “A existência de contratos em dinheiro para entrega e pagamento futuros é fundamental aos conceitos de liquidez e moeda. Em tal cenário, variações nas taxas de salários monetário - a unidade salarial de Keynes - determinam variações nos custos de produção e no nível de preços associado com a produção dos bens que os empresários em busca de lucros estão dispostos a realizar” (Davidson, 1978Davidson, Paul, (1978) “Why money matters”, Journal of Post-Keynesian Economics, 1 (1)., p. 58).

Aparentemente, o contraste entre as visões de Keynes e Marx reproduz o antagonismo entre as teorias do valor de Smith e de Ricardo, trabalho comandado versus trabalho incorporado, agora aplicado à teoria da moeda.

Esta analogia é, porém, inadequada. O que estava em jogo na controvérsia entre Smith e Ricardo era a busca de um padrão de valor que fosse invariante a mudanças tecnológicas e de distribuição de renda. Buscava-se definir um modo de comparação entre sistemas de preços naturais, posições de equilíbrio de longo prazo (Garegnani, 1976Garegnani, Piero, (1976) “On a change in the notion of equilibrium in recent work on value and distribution”, in M. Brown e outros (eds.), Essays in modern capital theory, Amsterdã.). Uma teoria do valor fecunda para análises monetárias, porém deve enfatizar aspectos diferentes.

Na realidade, o estudo da moeda surge como relevante exatamente nas condições em que o equilíbrio descrito pela teoria do valor não opera: “Se as precondições pelas quais o preço das mercadorias é (igual ao) seu valor de troca preenchidas e dadas ... a questão da moeda se torna inteiramente secundária” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 153).

É nos momentos de crise que os modos de inserção da moeda no processo capitalista de produção se tornam claros, exatamente porque é durante as crises que a convertibilidade de mercadorias em dinheiro se torna impossível. A questão é assim posta por Engels: “a riqueza da sociedade consiste simplesmente da riqueza daqueles indivíduos que são seus proprietários privados. Ela apenas se mostra social pelo fato de que estes indivíduos trocam valores de uso qualitativamente diferentes entre si a fim de satisfazer suas necessidades. Na produção capitalista, eles podem fazer isto por meio da moeda. Assim, é apenas por meio da moeda que a riqueza do indivíduo é realizada como riqueza social; a natureza social daquela riqueza está incorporada na moeda, neste objeto” (Marx, 1981Marx, Karl, (1981) Capital, vol. III, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 707). Esta citação de Engels antecede estas palavras de Marx: “Esta existência social que ela tem surge como algo adicional, como uma coisa, objeto ou mercadoria em si e conjuntamente com os outros elementos da riqueza social” (Marx, 1981Marx, Karl, (1981) Capital, vol. III, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 707).15 15 Em Marx, 1974, lê-se, após aquelas palavras, “quando a produção se desenvolve sem problemas, nos esquecemos disto” (p. 536).

Em que isto se relaciona com a questão da moeda-mercadoria? A questão central está no “poder de compra da moeda”, o que o explica e determina seu nível. É aqui que Marx parece ter dado um passo em falso. Tendo partido da premissa de que o dinheiro é valor de troca que se torna independente de qualquer forma específica, valor de troca em sua generalidade, e que é representado por alguma mercadoria que emerge do processo de troca mais ou menos involuntária, Marx então estende sua teoria do valor diretamente para a determinação do valor da moeda. Deste modo, ele é levado a dizer que esta determinação obedece à lei do valor, em termos do tempo de trabalho necessário à produção das mercadorias.

Esta explicação não faz sentido quando lidamos com papel-moeda que é apenas um símbolo de valor, destituído de valor intrínseco. Para a moeda-mercadoria, o valor da moeda (os preços monetários das mercadorias) é explicado como um preço de equilíbrio obtido quando mercadorias se trocam em proporção ao tempo de trabalho contido em cada uma delas.

Já se referiu que, para Marx, situações de equilíbrio são precisamente aquelas em que “a questão da moeda se torna inteiramente secundária”. Além disso, o procedimento de Marx equivale a subordinar a generalidade da moeda à particularidade da mercadoria que age como seu veículo a ser trocada pelo ser valor verdadeiro. Neste sentido, a moeda poderia se tornar a representação geral da riqueza apenas através das especificidades de uma dada mercadoria. É claro que se as mercadorias estão sendo trocadas à base de seus valores verdadeiros, os preços monetários são apenas preços relativos em termos de um numerário, em um sistema equivalente a uma economia de troca direta (barter), onde seria absurdo reter moeda enquanto tal. Em suma, determinar preços monetários pelos seus valores (no sentido de Marx)16 16 O ponto aqui é que é em condições de desequilíbrio que preços monetários e a própria moeda se tornam importantes para a dinâmica do sistema. Tanto valores como preços de produção, porém, são soluções equilíbrio (sobre preços de produção como solução de equilíbrio, Marx, 1981, pp. 261, 273-4, 280). Por esta razão, esta distinção não altera o que foi aqui proposto. é determiná-los nas condições em que preços monetários são conceitualmente supérfluos.

O problema parece ser o de que para Marx o dinheiro é uma forma do valor e, enquanto tal, precisa ter uma substância. Esta substância, porém, é a riqueza social, não o ouro. Não fosse assim, a generalidade da moeda não poderia ser estabelecida.

O próprio Marx, porém, oferece as bases para uma alternativa quando adverte que “(a moeda) se torna uma mercadoria como outras mercadorias, mas ao mesmo tempo não é uma mercadoria como as outras” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 151). Por um lado, quando o valor de troca é materializado em algo - a moeda - este se torna objeto de demanda e oferta como qualquer mercadoria. Como mercadoria geral, porém, o dinheiro possui características que afetam os preços relativos dos outros bens. A moeda não é neutra como em economias de troca direta porque “produções não são trocadas por produções”. “Se uma mercadoria é para ser vendida pelo seu valor de mercado, i.é., em proporção ao trabalho socialmente necessário contido nela, a quantidade social de trabalho social que é aplicada para produzir o volume global desta mercadoria deve corresponder à quantidade da necessidade social por ela, i.é., à necessidade social, com dinheiro para sustentá-la” (Marx, 1981Marx, Karl, (1981) Capital, vol. III, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 294, grifos meus).

Em sistema sem coordenação central como o capitalista não há condições de assegurar de antemão o equilíbrio referido na alocação setorial de trabalho. Isto é válido mesmo para as fases de prosperidade. Diferentemente dos valores (no sentido de Marx) a importância do conceito de preços monetários só se estabelece quando se reconhece a possibilidade de que expectativas de demanda solvável não se concretizem. O dinheiro, como meio de validação social da produção, permite e recria constantemente a diferença entre preços monetários e valores.

É mais apropriado, numa visão marxista, postular que a substância da forma-dinheiro não é a mercadoria em que ela é representada, mas a quantidade de riqueza à disposição da sociedade (inclusive a força de trabalho potencial) em que o dinheiro pode ser convertido. Se isto é correto, a proporção em que o dinheiro pode ser convertido em outras mercadorias é libertada da necessidade de corresponder ao valor de uma dada mercadoria-moeda. Essa proporção depende dos preços das mercadorias.

É obvio que, neste estágio da discussão da relação moeda/riqueza, o argumento é circular. Para quebrar a circularidade, no entanto, não é necessário apelar para uma relação entre valores reais como feito por Marx. Isto pode ser evitado se houver um (ou mais do que um) preço cuja determinação é, em algum sentido, exógena ao mercado e que afete decisivamente a estrutura de preços como um todo. É isto que é feito por Keynes quando os salários monetários são singularizados como o preço crucial.

Também para Marx o salário é o principal preço numa economia capitalista: “o maior processo de troca não se dá entre mercadorias, mas entre mercadorias e trabalho” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 155). O volume de trabalho que pode ser adquirido por uma certa quantia de dinheiro é a principal preocupação dos empresários: “o que importa sobretudo não é o valor que (o capital-dinheiro) efetivamente tem, a quantidade de trabalho objetivada nele, mas este valor como uma mera medida do trabalho total que ele pode colocar em movimento, que não está expresso nele” (Marx, 1981Marx, Karl, (1981) Capital, vol. III, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 144). “O dinheiro, então, na medida em que já exista como capital, é simplesmente um direito sobre futuro (novo) trabalho...... Aqui o capital já não entra em relação com trabalho corrente, mas com trabalho futuro. E ele já não aparece dissolvido em seus elementos simples no processo de produção, mas como dinheiro; porém, não mais como dinheiro que é meramente a forma abstrata de riqueza geral, mas como um direito sobre a possibilidade real de riqueza geral - a capacidade de trabalho, e, mais precisamente, capacidade de trabalho no processo de vir-a-ser (das werdende Arbeitsvermogen)” (Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 367).

Resulta bastante claro, pelas citações apresentadas, que o que importa é a convertibilidade do capital-dinheiro (isto é, dinheiro enquanto capital) em capital-mercadorias, inclusive a força de trabalho. Isto depende, a cada momento dos preços vigentes naquele instante. A importância dos salários monetários é dada não apenas por ser, diretamente, o preço da força de trabalho, mas também por ser um preço chave na determinação dos preços das mercadorias restantes.

Isto mostra que para desenvolver a teoria monetária de Marx é necessário ir além da discussão de resultados de equilíbrio. É preciso mudar o foco da formação de valores para a formação de preços de mercado. Enquanto um fator desequilibrante, a moeda é importante para a determinação dos preços de mercado quando a alocação de trabalho determinada pelos produtores à base de suas expectativas particulares não reflete necessariamente a estrutura da demanda solvável social.

Este caminho libera Marx da moeda-mercadoria. Em situações de desequilíbrio, não é necessário que a moeda seja uma mercadoria, porque não são os valores que se manifestam nos preços de mercado. Por outro lado, em equilíbrio não importa o que é moeda: qualquer coisa pode ser numerário ou mesmo um meio de troca.

Esta alternativa é plenamente compatível com o principal aspecto da visão de Marx sobre a moeda, ou seja, de que esta é uma relação social alienada. Mesmo se representada por uma mercadoria a moeda é sempre o símbolo de uma relação social. Enquanto a moeda for aceita socialmente não importará o que a representa. Ainda que a existência de papel-moeda (ao lado de dinheiro bancário em condições modernas) implique algum grau de coordenação consciente, através de instituições como o banco central, a relação monetária continua representando a forma externa pela qual o caráter social da produção se apresenta a cada produtor individual. O que é essencial é que o dinheiro continua sendo a conexão reificada entre produtores no tempo e espaço.

A interpretação sugerida aqui é também compatível com a intuição de Marx em seus escritos de juventude, quando indicou que amarrar o conceito de moeda a materiais específicos era uma atitude supersticiosa e que “papel-moeda e os numerosos representantes da moeda ... são as mais perfeitas formas de moeda e um estágio necessário no progresso do sistema monetário” (Marx, 1977bMarx, Karl, (1977b) Early writings, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 262). Em O capital, quando se referiu a sistemas monetários modernos, Marx escreveu: “Enquanto papel, a existência monetária das mercadorias tem uma existência puramente social. É a que traz a salvação. Fé no valor monetário como o espírito imanente das mercadorias, fé no modo de produção e sua disposição predestinada, fé nos agentes individuais de produção como meras personificações do capital que se autovaloriza” (Marx, 1981Marx, Karl, (1981) Capital, vol. III, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 727, ênfase no original).

Nas obras de Keynes ou dos pós-keynesianos seria difícil encontrar uma afirmação mais clara do caráter social da relação monetária e mais direta da indicação de que a visão de Marx sobre a moeda não precisará se restringir à moeda-mercadoria.

MOEDA E EQUILÍBRIO: O PRIMEIRO VOLUME DE O CAPITAL

É na parte 1 de O Capital que a posição aqui criticada é desenvolvida. Contudo nesses capítulos é bastante claro que Marx não está desenvolvendo uma teoria monetária, além das considerações feitas a respeito da gênese da forma-dinheiro. Marx está preocupado em mostrar que em economias mercantis generalizadas há geração e apropriação de mais-valia mesmo se as mercadorias são avaliadas pelo trabalho nelas contido, o que chamamos aqui, seguindo Marx, de situação de equilíbrio. A forma dinheiro é aqui apresentada como uma mera manifestação do valor.

É sem dúvida uma das raízes da dificuldade em se desenvolver uma teoria monetária marxista, apesar da profusão de textos de Marx a respeito, a ideia de que o conceito de moeda pode ser explorado em condições de equilíbrio. Mas como vimos, neste contexto, tudo que é possível (apesar de bastante importante) é esclarecer o caráter social da relação monetária: “A divisão social do trabalho (no MPC) faz com que a natureza de seu trabalho seja tão limitada quanto suas necessidades são variadas. Esta é precisamente a razão por que o produto de seu trabalho lhe serve somente como valor de troca. Mas ele não pode adquirir validade social universal como uma forma equivalente senão se convertido em moeda” (Marx, 1976Marx, Karl, (1976) Capital, Volume l, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 201).

É apenas quando Marx abandona as condições estritamente controladas dos capítulos iniciais de O Capital que a possibilidade de construção de uma teoria monetária emerge. Que a análise inicial é desenvolvida em condições especiais é reconhecido pelo próprio Marx: “ ... ao lidar com a moeda nós assumimos que as mercadorias eram vendidas pelos seus valores; não havia razão alguma para considerar que preços divergem dos valores, dado que estávamos preocupados simplesmente com a mudança deforma que as mercadorias sofrem quando elas são transformadas em moeda e ai transformadas de novo em mercadorias” (Marx, 1981Marx, Karl, (1981) Capital, vol. III, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., p. 294, grifos meus). Como o testemunham autores como Hilferding e Brunnhoff, o que poderia ter sido, no entanto, apenas o uso de um recurso expositivo a ser descartado em diferentes circunstâncias acabou por se incorporar às bases de sua teoria monetária.

NOTA CONCLUSIVA

Pretendemos mostrar neste artigo que o apego de Marx à moeda-mercadoria decorre da escolha errada de caminhos em um momento crucial do desenvolvimento de sua teoria monetária. Seguindo pistas abertas por Keynes e pelos pós-keynesianos e baseando-nos na semelhança entre as propostas de Keynes e Marx em pontos fundamentais de suas visões da dinâmica do sistema capitalista, propusemos método alternativo de análise, baseado na ideia de que a significação de processos monetários é aprofundada quando se abandona o estudo das condições estritamente controladas das situações de equilíbrio.

A construção de uma teoria monetária marxista nas linhas propostas demandaria a discussão de dois pontos fundamentais: 1) o desdobramento das teses expostas para incluir as instituições bancárias e financeiras; 2) a construção de uma teoria de preços de mercado, preços monetários, em economias com as características descritas na primeira seção deste trabalho. Destas duas áreas, é na segunda que a carência atual de estudos se mostra mais problemática.

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  • 1
    Este aspecto essencial da teoria de Keynes foi recentemente ressaltado por Sir John Hicks. Veja-se Hicks, 1983Hicks, Sir John, (1983) “Keynes e il sistema ecónomico mondiale”, in F. Vicarelli (ed.), Atualitá di Keynes, Roma, Laterza., p. 43.
  • 2
    Entre os poucos que perceberam a semelhança entre Marx e Keynes neste ponto. ressalta-se Dillard. Cf. Dillard, 1984Dillard, Dudley, (1984) “Keynes and Marx: a centennial appraisal”, Journal of Post-Keynesian Economics, 6 (3)..
  • 3
    As referências a O capital e ao Grundrisse referem-se, exceto quando indicado, à edição inglesa, da Editora Penguin (as referências completas estão ao fim do artigo}, traduzidas pelo autor.
  • 4
    Marx, 1977Marx, Karl, (1977) Grundrisse, Harmondsworth, Penguin/New Left Review., pp. 103, 223, 225. Esta necessidade, ainda que exposta em termos institucionalistas, é também enfatizada por pós-keynesianos. Os pós-keynesianos dizem que a consideração da incerteza no capitalismo define novos papéis para a moeda. Estes novos papéis só podem ser compreendidos historicamente ou em termos das instituições específicas criadas para lidar com a incerteza. Neste sentido, o comportamento dos agentes deve ser explicado socialmente, ao invés de meramente generalizar atitudes de Robinson Crusoé para situações de capitalismo avançado. Cf. Davidson, 1982Davidson, Paul, (1982) International money and the real world, Nova Iorque, Halstead., p. 241; Minsky, 1980Minsky, Hyman P., (1980) “Capitalist Financial Processes and the lnstability of Capitalism”, Journal of Economic Issues..
  • 5
    A teoria social marxista, incluindo-se aí sua teoria econômica, foi desenvolvida ao longo de caminhos bastante diversos pelos sucessores de Marx. Em particular, uma longa polêmica entre marxistas concentrou-se na questão de se a obra de Marx deve ser vista como um continuum iniciado por suas obras de juventude (onde é grande a ênfase dada à questão da alienação) ou se alguma ruptura dramática teria se dado na própria evolução intelectual de Marx, separando o jovem hegeliano do maduro materialista. Este autor não tem qualquer pretensão de intervir nesta polêmica em seus méritos intrínsecos. A segunda corrente citada, porém, que vê os agentes econômicos como meros “portadores de relações sociais”, reduzindo a praticamente nada o papel de decisões e ações individuais, não é compatível em nenhum grau com uma visão pós-keynesiana. Um trabalho como este, em que um autor pós-keynesíano tenta estabelecer pontos de contato com a economia marxista tem de se basear na primeira escola, apoiada em textos “de juventude” de Marx (p.e., On The Jewish Question; Excerpts from James Mill’s Elements of Political Economy; Economic and Philosophical Manuscripts; todos em Marx, 1977bMarx, Karl, (1977b) Early writings, Harmondsworth, Penguin/New Left Review.) e no Grundrisse, além, naturalmente de O Capital. Rubin, Mészáros, Colletti, ou mesmo Aglietta em algum grau representam, no que nos concerne, esta posição. Por esta razão eles são utilizados nesta secção, ainda que não haja qualquer intenção de propor que isto é, afinal, “o que Marx realmente quis dizer”.
  • 6
    Este é o aspecto essencial do que Keynes chamou de “economia empresarial” (Keynes, 1979Keynes, Lord (John M.), (1979) The general theory and after: a supplement, Collected writings of John Maynard Keynes, vol. XXIX, Londres, Macmillan., pp. 63-8, 76-102) ou “economia monetária de produção” (Keynes, 1973Keynes, Lord (John M.), (1973) The general theory and after. Part 1: Preparation, Collected writings of John Maynard Keynes, vol. XIII, Londres, Macmillan., pp. 408-11). Em um rascunho da Teoria Geral, Keynes chega a mencionar explicitamente ao circuito D-M-D’ de Marx (Keynes, 1979Keynes, Lord (John M.), (1979) The general theory and after: a supplement, Collected writings of John Maynard Keynes, vol. XXIX, Londres, Macmillan., pp. 81-2). Na Teoria Geral, porém, as expectativas de curto prazo, que orientam decisões de produção (mas não as de investimento) têm seu papel reduzido. (Cf. Keynes, 1973Keynes, Lord (John M.), (1973) The general theory and after. Part 1: Preparation, Collected writings of John Maynard Keynes, vol. XIII, Londres, Macmillan., p. 582; Davidson e Kregel, 1980Davidson, P. e Kregel, J., (1980) “Keynes’s paradigm: a theoretical framework for monetary analysis”, in E. Neil (ed.), Growth, profits and property, Cambridge University Press..)
  • 7
    O aspecto distintivo da teoria pós-keynesiana da moeda é a importância atribuída à incerteza do futuro na determinação do comportamento dos agentes (cf. Shackle, 1968Shackle, George L. S., (1968) A scheme of economic theory, Cambridge University Press.; Robinson, 1972Robinson, Joan, (1972) Economic heresies, Londres, Macmillan.; Kregel, 1976Kregel, Jan A., (1976) “’Sraffa et Keynes’ le taux d’interet et le taux de profit”, in Actes du colloque Sraffa, Paris, Presses Universitaires de France.). A variável fundamental a ser considerada é “tempo”: real ou histórico. Tempo em Keynes é a passagem do passado imutável ao futuro desconhecido. Os processos capitalistas de produção tomam tempo. As ações têm de ser decididas no presente para mostrar resultados no futuro, sobre o qual a informação é necessariamente (e inevitavelmente) insuficiente. As decisões tornam-se, assim, irremediavelmente especulativas. Sobre o conceito de tempo na teoria pós-keynesiana, veja-se Carvalho, 1983-84Carvalho, Fernando, (1983) “The concept of time in Shacklean and Sraffian economics”, Journal of Post-Keynesian Economics, 84, 6 (2).; e 1984-85Carvalho, Fernando, (1984) “Alternative analysis of short and long run in post-keynesian economics”, Journal of Post-Keynesian Economics, 85, 7 (2).).
  • 8
    “Reificação” é a transformação das relações sociais em “alguma coisa”, um objeto externo ao ser humano. Uma de suas formas é o “fetichismo” que “significa ... simplesmente ver a riqueza como algo fora do homem e independente dele: como algo que possui o caráter de objetividade absoluta” (Mészáros, 1975Mészáros, István, (1975) Marx’s theory of alienation, Nova Iorque, The Merlin Press., p. 132). Nas palavras de Lukács: “A essência da estrutura mercantil... está baseada no fato de que uma conexão, uma relação entre pessoas assume o caráter de uma coisa e, assim, de uma ‘objetividade ilusória’”. Isto, por causa de suas próprias rigorosas leis que aparecem inteiramente fechadas e racionais, oculta todo traço de sua essência fundamental: o de ser uma relação entre homens”. Lukács, 1960Lukács, Georg, (1960) Histoire et conscience de classe, Paris, Editions de Minuit., p. 110. Nestas economias, assim, “falhas de coordenação” (cf. Leijonhufvud, 1981Leijonhufvud, Axel, (1971) Information and coordination, Oxford, Oxford University Press.) podem ocorrer pois, na ausência de coordenação ex-ante, a correção de decisões individuais só pode ser estabelecida ex-post facto. Insista-se, porém, que não se está propondo a identidade entre os conceitos marxistas de reificação e keynesiano de incerteza, mas a coincidência de uma de suas dimensões.
  • 9
    As dificuldades de se proceder a esta adaptação, dados os requerimentos para a preconciliação de planos, são exploradas por Shackle, 1968Shackle, George L. S., (1968) A scheme of economic theory, Cambridge University Press., p. 13; e 1976Shackle, George L. S., (1976) Epistémica y economia, México, Fondo de Cultura Económica., pp. 112, 273. Um dos problemas fundamentais, segundo Shackle, é o de que entre “as possíveis condições de mercado” figuram proeminentes os planos ou estratégias de competidores que por incluir possíveis reações à decisão de nosso produtor, não podem ser conhecidas antes que este tenha decidido seu curso de ação.
  • 10
    Para Marx isto cria apenas a possibilidade geral das crises, mas não explica a própria crise (Marx, 1978Marx, Karl, (1978) Theories of surplus value, vol. II, Moscou, Progress Publishers., pp. 502,515). Embora o assunto pertença à teoria dos ciclos mais do que à teoria monetária per se, é interessante notar que mesmo aqui a posição de Marx coincide com a de Keynes. Para este é o colapso da eficiência marginal do capital que explica as crises (Cf. Keynes, 1964Keynes, Lord (John M.), (1964) The general theory of employment, interest and money, Nova Iorque, Harbinger., pp. 143-4).
  • 11
    A liquidez da moeda a torna objeto de retenção, permitindo adiar a compra de mercadorias (Shackle, 1968Shackle, George L. S., (1968) A scheme of economic theory, Cambridge University Press., p. 23). É assim uma “máquina do tempo” para liquidez (Davidson, 1972Davidson, Paul, (1972) Money and the real world, Londres, Macmillan. e 1982).
  • 12
    A ênfase na conexão entre moeda e contratos é característica dos trabalhos de Paul Davidson. Veja-se Davidson, 1972Davidson, Paul, (1972) Money and the real world, Londres, Macmillan., 1977Davidson, Paul, (1977) “Money and general equilibrium”, Économie Appliquée, n. 4., 1978Davidson, Paul, (1978) “Why money matters”, Journal of Post-Keynesian Economics, 1 (1).. Por exemplo, “o dinheiro só importa em um mundo - o nosso - onde há vários e relacionados contratos para o futuro em termos monetários” (Davidson, 1980Davidson, Paul, (1980) “The dual-faceted nature of the Keynesian revolution”, Journal of Post-Keynesian Economics, 2 (3)., p. 14).
  • 13
    Naturalmente, não é indiferente para a moeda como um conceito saber qual o que vai representá-la. Mas é preciso não inverter a determinação: as características da moeda enquanto relação social dão os limites para a escolha do objeto que poderá exercer este papel. Para os pós-keynesianos, este objeto deve ter elasticidades de produção e substituição negligíveis.
  • 14
    Veja-se as observações críticas feitas por Marx à proposta de Proudhon em favor de uma moeda ‘’tempo de trabalho” (Marx, 1946Marx, Karl, (1946) Misere de la philosophie, Paris, Editions Sociales.).
  • 15
    Em Marx, 1974Marx, Karl, (1974) O capital, vol. I, Cidade do México, Fondo de Cultura Económica., lê-se, após aquelas palavras, “quando a produção se desenvolve sem problemas, nos esquecemos disto” (p. 536).
  • 16
    O ponto aqui é que é em condições de desequilíbrio que preços monetários e a própria moeda se tornam importantes para a dinâmica do sistema. Tanto valores como preços de produção, porém, são soluções equilíbrio (sobre preços de produção como solução de equilíbrio, Marx, 1981, pp. 261, 273-4, 280). Por esta razão, esta distinção não altera o que foi aqui proposto.
  • 17
    JEL Classification: E11; E12; B24.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1986
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