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A crise econômica atual: um ensaio de interpretação marxista

The current economic crisis: an essay on a Marxist interpretation

RESUMO

A década de 70 é marcada pelo nascimento de uma tríplice crise: uma crise econômica, uma crise de política econômica e uma crise da teoria econômica até então esmônica. O crescimento acentuado da economia capitalista mundial, e a diminuição considerável da amplitude dos movimentos cíclicos, durante o pós-guerra, parecem ter validado os conceitos keynesianos que chegaram ao poder após a crise de 1929 e a subsequente Segunda Guerra Mundial. Em 1974-75 tudo mudou. A crise reapareceu com toda a sua profundidade, juntamente com um sentimento de ceticismo quanto à eficácia da intervenção do Estado. Ao mesmo tempo com toda sua força ressurgia a tese “liberal” e monetarista que havia sido destronada pelo impacto dos acontecimentos dos anos 30 e pela crítica de Keynes. O objetivo deste artigo é enquadrar-se no debate que existe hoje sobre a crise e a intervenção do Estado e propor uma interpretação das dificuldades econômicas desencadeadas pela crise de 1974-75, a partir dos elementos teóricos deixados por Marx.

PALAVRAS-CHAVE:
Crise; marxismo

ABSTRACT

The 70s are marked by the birth of a threefold crisis: an economic one, a crisis in economic policy, and a crisis in the economic theory which had, until then, been esmonic. The sharp growth in the world capitalist economy, the considerable decrease in the range of cyclic movements, during the post-war period, seem to have validated the Keynesian concepts arrived in power following the 1929 crisis and the subsequent Second World War. ln 1974-75 everything changed. The crisis reappeared in all its depth, along with it there set in a feeling of skepticism regarding the efficacity of state intervention. At the same time with all their might there reemerged the “liberal” and monetarist thesis which had been dethroned by the impact of the events of the 30s and Keynes’s criticism. The purpose of this paper is to fit into the framework of the debate that exists today regarding the crisis and state intervention and to propose an interpretation of the economic difficulties triggered off by the 1974-75 crisis, from the theoretical elements left by Marx.

KEYWORDS:
Crisis; Marxism

A CRISE

O mundo debate-se numa profunda crise econômica. Governos, partidos políticos, homens de saber, todos discutem em busca de uma explicação e de uma saída. Os economistas culpam-se uns aos outros, enquanto a imprensa divulga implacavelmente os números.

Por todo o lado reduz-se a produção, aumentando a capacidade ociosa. Muitas empresas entram em falência ou encerram as suas portas, enquanto o desemprego atinge porcentagens alarmante (cerca de 10% na CEE, por exemplo). Diante deste negro quadro do “salve-se quem puder”, os investimentos reduzem-se a níveis muito baixos (no período de 1973 a 1982 a taxa anual média de variação da FBCF, no conjunto da OCDE, não foi além dos 0,4%, nível 14 vezes inferior ao verificado no período de 1950-1973).

Se bem que estes sintomas sejam conhecidos há muito pelo mundo capitalista e estudados suficientemente pela teoria econômica, outros há que tornam ainda mais complexa a situação atual.

Em primeiro lugar, a tendência geral para a queda dos preços, que se observava em circunstâncias semelhantes, deixa de verificar-se. Pelo contrário, surpreendentemente, observa-se agora uma tendência inversa, para a elevação generalizada. Em 1980 e 1981, anos da alta recessão mundial, aliás, à semelhança do que havia ocorrido na recessão de 1974-75, a inflação volta a atingir, de forma generalizada, níveis de dois dígitos (12,2% e 10% em 1980 e 1981, respectivamente, para a zona do OCDE). A inflação mantém-se simultaneamente, com a recessão.

Em segundo lugar, não se observa a recuperação da economia, apesar de passarem os anos. A crise arrasta-se e as previsões não são nada animadoras.

Em terceiro lugar, as medidas de política econômica deixaram de ter efeito significativo, desmoralizando os governos, que se sucedem, eleitos e derrubados por um intranquilo e implacável eleitorado. O velho receituário de inspiração keynesiana, tão provado e cantado pela ciência econômica, perdeu misteriosamente sua eficácia.

A crise econômica continua e reflete-se em todas as esferas da vida social dando lugar a conflitos de classe, cada vez mais agudos, ao aumento das tensões internacionais, à instabilidade política, trazendo assim para a ordem do dia a possibilidade de revoluções e guerras. Fala-se por toda a parte em crise da sociedade, crise do Estado, crise das instituições, crise da família etc. A crise instala-se no nosso quotidiano.

A crise da política econômica

Passados os primeiros anos do pós-guerra, enquanto cicatrizavam as feridas, preparavam-se as bases materiais para o relançamento da economia mundial, sob a liderança dos Estados Unidos da América. Até aos 70, a economia do mundo ocidental atingiu taxas de crescimento de 5% ao ano, em média. Surgiram novos setores, novas fontes de energia, de matérias-primas, revolucionaram-se os meios de transporte e comunicação, novas tecnologias foram descobertas e utilizadas.

O suporte de todo este desenvolvimento foi a intervenção do Estado através da política econômica de inspiração keynesiana. Ao nível da teoria, os keynesianos apresentavam-se como os grandes vitoriosos nos debates que se travaram nos anos 30, quando a grande crise econômica lançou por terra as concepções teóricas então dominantes.

A vitória teórica em breve transformar-se-ia em vitória política e, ei-los, os keynesianos, a conduzirem a economia manipulando instrumentos como o sistema monetário e financeiro, as despesas públicas, a planificação, a gestão da força de trabalho etc.

É importante não desprezar também a grande ajuda que representou a destruição provocada pela guerra, desorganizando as economias dos mais poderosos países capitalistas (com exceção dos EUA), destruindo instalações, máquinas e equipamentos, estoques de matérias-primas, mercadorias e força de trabalho, e abrindo um imenso espaço econômico, a ser preenchido pelo capital (dos vencedores, é claro).

A economia mundial vai bem até aos anos 70. Contudo, já a partir dos finais dos anos 60, começam a surgir sintomas preocupantes. Estes sintomas vão-se agravando, passam pela grande explosão dos preços do petróleo, em finais de 1973 e, em 1974, manifesta-se violentamente a crise.

A crise de 1974- 75 representa a primeira fase da crise da política econômica. Após muitos anos de desenvolvimento sem preocupações, verificam-se quebras absolutas nos indicadores do produto, na produção e no comércio. O desemprego alastra-se maciçamente enquanto o número de falências aumenta. É o quadro clássico da crise. Observa-se, porém, pela primeira vez, um acontecimento paradoxal: a inflação mantém-se e acentua-se durante a recessão. Surge o novo fenômeno batizado de stagflation.

Esta nova crise vem contrariar os prognósticos dos economistas. Acreditavam eles que a ciência econômica havia atingido um grau de desenvolvimento capaz de controlar a evolução da economia. O eminente professor R. A. Gordon, da Universidade da Califórnia, por exemplo, falando sobre as crises, em 1952, escreve no seu livro Business Fluctuations: “... embora nosso conhecimento das causas seja imperfeito, a maior parte dos economistas concorda que sabemos o bastante para manter a economia americana muito mais estável do que no passado. Nós todos concordamos que jamais teremos novamente uma Grande Depressão e que mesmo flutuações menores devem e podem ser evitadas” (Gordon, 1952Gordon, R. Aaron (1952) - Business Fluctuation, Nova Iorque, Harper & Brothers Publishers, 1952., p. 3).

A crise veio, porém, demonstrar que a sabedoria dos economistas não era tanta assim.

As medidas tradicionais anticrise são de novo acionadas, mas, e aqui começa a segunda fase da crise da política econômica, a recuperação não se processa nos moldes esperados. A agravar a situação dá-se a derrocada completa do sistema monetário internacional, instaurado em Bretton-Woods, com as consequentes repercussões no comércio internacional.

A situação deteriora-se lentamente e a tímida recuperação deságua no imenso oceano da crise de 1980. A política econômica entra na terceira fase da sua crise pois, segundo os prognósticos, a crise de 1980 não deveria ocorrer.

O problema não fica por aí. Para desespero de todos, a economia foge totalmente a qualquer controle e a política econômica deixa de ter qualquer eficácia. A economia transforma-se num barco desgovernado e à deriva; inaugura-se com isto a quarta fase da crise da política econômica.

A crise da teoria econômica

A falência da política econômica representa efetivamente a falência da teoria econômica que a inspira. O mundo ocidental é lançado num impasse. Onde encontrar uma teoria válida? Sucedem-se os congressos e reuniões de economistas. Debatem-se as diferentes correntes em busca da verdade, e nessa busca vale quase tudo.

O retorno dos liberais

A crise da teoria econômica manifestou-se, antes de mais, no ressurgimento em força das chamadas teses liberais, durante muito tempo consideradas obsoletas, face aos sucessos obtidos pela intervenção do Estado na atividade econômica.

Por paradoxal que possa parecer, é precisamente contra esta intervenção que mais se levantam os teóricos liberais, responsabilizando-a pelas dificuldades que a economia mundial capitalista atravessa.

A crise dos anos 70 e, em particular, a inflação que a acompanhou, teriam sido provocadas pela excessiva expansão monetária verificada na maior parte dos países e, muito em especial, pela expansão verificada nos EUA, a partir dos anos 60, cujos efeitos negativos se teriam transmitido ao conjunto da economia mundial através do sistema de câmbios fixos instaurado em Bretton-Woods (Claassen, 1978Claassen, Emil; Salin, Pascal (1978) - L’occident en déssaroi, Paris, Dunod, 1978.). Por outro lado, os aumentos do preço do petróleo teriam vindo agravar a situação, na medida em que provocaram a reorientação da economia para atividades menos consumidoras de energia.

As políticas tradicionais de relançamento da demanda efetiva seriam, neste contexto, completamente ineficazes e só agravariam a situação.

Primeiro, porque iriam acentuar o processo inflacionário pela via das antecipações, racionais ou não, dos trabalhadores e dos empresários.

Segundo, porque impediriam os mecanismos automáticos de regulação de efetuar as correções necessárias.

Não deixa de ser extremamente significativa, a este respeito, a afirmação de Milton Friedman, que a seguir reproduzimos:

“Nas circunstâncias atuais a ligação entre os aspectos da inflação e do crescimento consiste fundamentalmente no fato de ambos traduzirem o crescente peso econômico do Estado e a interferência do governo na economia privada. O governo apropria-se de uma parcela cada vez maior dos recursos econômicos, aumenta os impostos, regulamenta e controla a indústria e tudo isso, a meu ver, trouxe consigo a inflação e as baixas taxas de crescimento. A inflação e a estagnação são, portanto, a consequência de uma mesma causa, mas são problemas distintos” (Friedman, 1982Friedman, (1982) - Entrevista ao Der Spiegel, reproduzida no Diário de Notícias, de 1.3.82, Lisboa.).

A solução para os problemas econômicos estaria assim, não na expansão monetária, mas no rigoroso controle do crédito e da massa monetária. Por outro lado, o Estado deveria limitar a sua intervenção e assegurar o livre funcionamento dos mecanismos de mercado, impedindo a formação de monopólios, incentivando a concorrência, estimulando o aumento da produtividade e, sobretudo, assegurando o funcionamento do mercado de trabalho pela liberalização dos despedimentos.

Em suma, a superação das dificuldades econômicas passaria, não por uma política de expansão da demanda e do consumo, mas por uma política de recessão e de acentuação da crise de modo a eliminar os elementos mais fracos e incapazes. A persistência dos problemas econômicos e a crise dos anos 80 teriam sobretudo a ver com o atraso com que estas medidas teriam sido adotadas pelos diferentes governos, com a persistência de injeções monetárias e a continuação das práticas intervencionistas.

As teses keynesianas

Para os teóricos de inspiração keynesiana as dificuldades econômicas atuais têm por origem a deficiência da demanda efetiva.

Para esta deficiência teriam contribuído decisivamente, por um lado, a acumulação de recursos financeiros nos países produtores de petróleo, em resultado dos aumentos do preço deste produto, por outro lado, as políticas monetárias restritivas, postas em prática pelo países importadores de petróleo, a fim de equilibrarem as suas balanças de pagamentos. Os próprios empresários, face às fracas expectativas de ganhos futuros, teriam sido levados a reduzir a produção acentuando deste modo a queda da demanda efetiva.

Alguns procuram ir mais longe na explicação das dificuldades econômicas, ao apresentarem a crise atual como uma crise de sobre investimento, resultante do modo particular como a economia mundial se terá desenvolvido no período do pós-guerra (Barrêre, 1983Barrére, Alain (1983) - “Les fondements de l’économie monétaire de production”, Comunicação ao Colóquio “Keynes Aujourd’hui: Théories et Politiques”, Universidade de Paris I, Sorbonne, CNRS, Paris, 12/15 de setembro de 1983.).

Este período teria sido marcado por uma forte acumulação de capital fixo durável, por um progresso técnico contínuo do tipo capital using, por elevadas taxas de rotação dos equipamentos (a fim de aproveitar os progressos técnicos e minorar os efeitos da obsolescência), tudo isto num quadro de uma inflação latente generalizada.

O processo de acumulação, ao desenvolver-se neste contexto, teria exigido a expansão contínua da massa de investimentos e teria produzido uma alta acentuada do custo global de substituição (em resultado da utilização de equipamentos mais perfeitos, da inflação e do aumento das margens de risco).

Em consequência ter-se-ia produzido um afastamento crescente entre a evolução do produto bruto (que engloba todos os custos de produção, incluindo o custo de uso-amortização e a evolução da renda líquida (que engloba os custos dos fatores e o lucro líquido e se reparte em despesas de consumo e poupança).

Este menor crescimento da renda líquida estaria na base das deficiências da demanda efetiva que provocaram a queda da rentabilidade do capital, a diminuição do volume de emprego e a crise.

A coincidência da inflação com a recessão ficaria a dever-se, a esta luz, ao fato de o aumento dos encargos de capital ser acompanhado pela diminuição do crescimento. Maiores custos ao repartirem-se por menos produtos provocariam o aumento dos preços.

O agravamento das dificuldades nos anos 80 não seria alheio, neste contexto, à generalização das práticas recessionistas a partir de 1977 (Kaldor, 1983Kaldor, N. (1983) - “The role of effective demand in the short run and the long run”, Comunicação ao Colóquio “Keynes Aujourd’hui: Théories et Politiques”, Universidade de Paris I, Sorbonne, CNRS, Paris, 12/15 de setembro de 1983.).

Para os teóricos de inspiração keynesiana, a saída da crise continua a estar na expansão da demanda efetiva, no aumento do investimento, na descida das taxas de juro etc. Esta política depara-se, no entanto, na presente situação, com enormes dificuldades que resultam da situação de endividamento externo em que se encontram muitos países e que, portanto, seguem políticas de contenção de importações.

Nenhum país está assim em condições de, por si só, prosseguir uma política expansionista em relação às exportações, agravando deste modo as suas próprias dificuldades. O relançamento econômico espera, assim, por uma política de estímulo da demanda, concertada à escala mundial, complementada por políticas internas que impeçam os salários de aumentar mais do que a produtividade. Chega-se mesmo a falar da necessidade de um New Deal Planetário (Cheysson, 1981Cheysson, Claude - (1981) “Para um desenvolvimento progressivo. Um ‘New Deal’ Planetário”. Diário de Lisboa, 9.6.81.).

Por outro lado, esta política concertada exigiria, como condição prévia, a criação de um sistema monetário internacional do tipo proposto por Keynes em 1945, que retirasse a hegemonia à moeda americana: uma organização central que funcionasse como Câmara de Compensações Internacional, uma moeda própria e a obrigação por parte dos bancos centrais de aceitar esta moeda (Triffinn, 1983Triffin, Robert (1983) - “Une tardive autopsie du plan Keynes de 1943. Merites el carences”. Comunicação ao Colóquio “Keynes Aujoud’hui: Théories et Politiques”, Universidade de Paris 1, Sorbonne, CNRS, 12/15 de setembro de 1983.).

Os “neomarxistas”

As particularidades da crise econômica, a sua amplitude e profundidade, a inexistência de uma alternativa política imediata que se traduza na transformação do sistema econômico capitalista nos países desenvolvidos, refletiram-se, como não podia deixar de ser, no pensamento marxista. Surgiram teses de pendor mais ou menos eclético, em que as categorias e conceitos marxistas se conjugam com análises tipicamente keynesianas. Estão neste caso as teses da regulação, desenvolvidas na França, a partir dos anos 70 (Aglietta, 1976Aglietta, Michel (1976) - Régulation et crises du capitalisme, Paris, Calman-Levy, 1976., 1978; Boyer, Mistral, 1978Boyer, R.; Mistral, J. (1978) - Accumulation, inflation, crises, Paris, PUF, 1978.; Benassy, Boyer, Gelpi, 1981; Lipietz, 1981Lipietz, Alain (1981) - “Derriére la crise la tendace à la baisse du taux de profit (L’apport de quelques travaux français récents)”, Cepremap, n. 8115, 1981.).

Estas teses giram em torno de dois conceitos fundamentais.

Um, é o conceito de regulação, definido como “... o processo dinâmico de adaptação da produção e da demanda social, conjugação de ajustamento econômicos associados a uma configuração dada de relações sociais, formas institucionais e estruturas” (Benassy, Boyer, Gelpi, 1979Benassy, J. P.; Boyer, R.; Gelpi, R. M. (1979) - Regulation des économies capitalistes et inflation, Cepremap, Série des tirés a part, n. 64.).

Considera-se com esta definição que os ajustamentos econômicos sobre cada mercado particular derivam de instituições ou de estruturas específicas, dotadas de certa autonomia, que não podem ser reduzidas à simples projeção de um mecanismo global, do tipo “jogo da oferta e procura”.

O outro, é o conceito de relação salarial, definido como “... o conjunto das condições que regem o uso e a reprodução da força de trabalho, da hierarquia das qualificações, da mobilidade da força de trabalho ou ainda da formação e utilização do rendimento salarial” (Boyer, 1981aBoyer, R. (1981a) - Les transformations du rapport salarial dans la crise. Une interprétation de ses aspects sociaux et économiques, Cepremap, Séries des tirés a part, n. 85, 1981.).

A crise dos anos 30 teria marcado o fim de uma regulação de tipo concorrencial, caraterizada por ajustamentos econômicos através do preço, operando mercado a mercado, por uma relação salarial de tipo individual, por uma concorrência baseada no preço e por uma fraca intervenção do Estado.

O ciclo econômico seria inerente a esta regulação concorrencial.

Por um lado, a forte dependência da distribuição de renda em relação à conjuntura estaria na base das desproporções incessantes entre investimento e consumo.

Por outro lado, o fato de a liquidez ser independente das necessidades financeiras, em resultado da vigência do padrão-ouro, levaria à impossibilidade de o crédito desempenhar qualquer papel contracíclico.

Estes dois fatores conjugados implicariam amplas flutuações da demanda global que se traduziriam no aparecimento periódico de crises. A ausência de qualquer mecanismo atuando sobre a demanda, na fase da crise, explicaria o seu caráter cíclico.

A crise de 29 seria o resultado da crescente incompatibilidade entre os progressos da produtividade, decorrentes da generalização dos processos de trabalho baseados no “taylorismo” e no “fordismo”, e a persistência de uma relação salarial de tipo individual, induzindo fracos acréscimos salariais (Boyer, 1978Boyer, R. (1978) - “Les salaires en longue période”. Économie et Statistique, n. 103, 1978.).

Um novo tipo de regulação começaria a firmar-se a partir da crise de 29, tornando-se dominante no período do pós-guerra.

Ela seria caracterizada pela existência de processos de validação social da produção e das rendas, por uma relação salarial coletiva, por uma concorrência do tipo oligopolista, e por uma intervenção forte do Estado na vida econômica, atuando sobretudo sobre a demanda.

A existência do curso forçado, do salário-mínimo ajustável, das convenções salariais, do salário indireto, dos preços administrados teria tornado possível uma relativa adequação ex-ante entre a dinâmica das capacidades produtivas e a evolução da demanda global, que teria estado na base da estabilidade do crescimento econômico no período do pós-guerra.

Este tipo de regulação, designado de monopolista, teria permitido o desenvolvimento de um regime de acumulação intensivo, em que a produção de mais-valia relativa era acompanhada por um aumento do salário real. Altas taxas de mais-valia teriam coexistido com um consumo de massa assegurando assim a realização do produto social e a manutenção das taxas de lucro.

A partir do final dos anos 60, contudo, o aumento da luta de classes no seio do processo de trabalho teria levado ao bloqueamento da diminuição do custo salarial.

A impossibilidade da produção de mais-valia relativa teria afetado, por sua vez, o desenvolvimento das relações de troca entre as duas seções de produção. A seção produtora de meios de produção deixaria de produzir mutações técnicas com saída numa diminuição do tempo de trabalho direto capaz de compensar a subida da composição orgânica. O resultado teria sido a descida da taxa de lucro, verificada efetivamente na maior parte dos países capitalistas desenvolvidos no final dos anos 60 (Boyer, 1981Boyer, R. (1981b) - “Origine, originalité et enjeux de la crise en France. Une méthode d’analyse et une interprétation”, ed. mime, 1981.).

A inflação que acompanha todo este processo teria por base a formação do preço de tipo oligopolista.

A aplicação duma margem rígida aos custos crescentes (rigidez à descida do salário, aumento do preço das matérias-primas, amortizações aceleradas etc.), complementada por uma gestão permissiva da moeda e do crédito, implicaria a tendência para a subida dos preços, acentuada nas fases de depressão.

A crise de 1974 seria, assim, o resultado do esgotamento progressivo das formas sociais e institucionais que tinham permitido o desenvolvimento do regime de acumulação intensiva, a partir da Segunda Guerra Mundial. A crise não seria uma simples crise de natureza cíclica, mas uma crise estrutural - seria a crise do modo de regulação monopolista.

A internacionalização do processo de produção e a transnacionalização do capital teriam contribuído, segundo alguns autores (Bernis, 1978Bernis, G. Destanne de (1978) - “Les firmes transnationales et la crise”, In: Greffe, X., Reiffers, J. L., - L ‘occident en désarroi. Ruptures d’un systême économique, Paris, Dunod, 1978.), para a perda de eficácia das regulações nacionais, acentuando o caráter estrutural da crise.

Neste contexto, a recuperação esperaria pelo estabelecimento de novos processos de trabalho, pela transformação da relação salarial típica do fordismo, pela institucionalização de novas formas de concorrência e novas modalidades de intervenção estatal. Ela esperaria também pela criação de um novo sistema monetário e financeiro internacional e pela supranacionalização das formas de regulação.

Com características semelhantes às teses da regulação, desenvolveu-se, sobretudo nos Estados Unidos, uma outra corrente teórica que procura explicar a crise a partir da tendência para a descida da taxa de lucro. E a chamada tese da compressão do lucro (profit squeeze) (Weisskopf, 1979Weisskopf, Thomas E. (1979) - “Marxian crisis theory and the rate of profit in the post war U. S. economy”, Cambridge Journal of Economics, vol. 3, n. 4, 1979.).

O processo que conduz à crise poderia ser esquematizado do seguinte modo:

Descida da taxa de lucro diminuição das expectativas de lucros diminuição do investimento crise diminuição das taxas de crescimento do produto e do emprego.

Para explicar a descida da taxa de lucro colocar-se-iam três hipóteses, supostamente consideradas três variantes de uma “teoria marxiana das crises”:

  • Hip. 1 - Subida da composição orgânica;

  • Hip. 2 - Dificuldades de realização;

  • Hip. 3 - Luta de classes pela repartição.

A análise da evolução da economia americana no período do pós-guerra teria permitido chegar à conclusão de que, quer a tendência de longo prazo (1949-1975), para a diminuição da taxa de lucro, quer as diminuições cíclicas desta mesma taxa teriam a ver com o aumento da força dos assalariados no processo de distribuição de renda.

As outras variantes pouco ou nada influenciariam o movimento da taxa de lucro, quer a longo, quer a curto prazo.

Ao serem analisados os possíveis mecanismos através dos quais o aumento da força dos assalariados poderia ter contribuído para o declínio da taxa de lucro, são introduzidas duas subvariantes tendo por base uma, a força ofensiva, e a outra a força defensiva.

A primeira é definida em termos da capacidade da classe trabalhadora em conseguir ganhos reais de salários superiores ao aumento da produtividade. A segunda, como a capacidade da classe trabalhadora em transferir para a classe capitalista uma parte maior da perda real da renda, resultante de mudanças adversas dos preços relativos (um declínio nos termos de troca, p. ex.).

A curto prazo, o aumento da “força do trabalho” englobaria elementos ofensivos e defensivos. A diminuição da taxa de lucro verificada na fase final da expansão, ficar-se-ia a dever ao crescimento mais rápido dos salários reais em relação à produtividade, como resultado do esgotamento progressivo do exército industrial de reserva.

No contexto de longo prazo, o elemento defensivo teria sido o preponderante.

A deterioração crescente dos termos de troca do setor não financeiro americano teria sido absorvida numa parcela maior pelos lucros do que pelos salários.

Esta tendência de longo prazo para a descida da taxa de lucro na economia americana estaria ligada ao declínio da hegemonia dos Estados Unidos no mundo.

A CRÍTICA

A crítica da crise

Não deixa de ser surpreendente o impacto que a crise atual tem na teoria econômica, quando é sabido que há mais de dois séculos as diferentes economias capitalistas conhecem este fenômeno e uma infinidade de autores têm-no vindo a tratar e a estudar desde o início do século passado (Ribeiro, 1983Ribeiro, Nelson R. (1983) - “A crise actual: acidente ou necessidade”, Revista Economia - EC, n. 45, Lisboa, 1983.). Mesmo nos manuais mais recentes pode-se ler que: “As condições econômicas raramente se mantêm constantes. A prosperidade pode suceder-se o pânico ou uma rápida depressão. A expansão econômica dá lugar à recessão ... “(Samuelson, 1977Samuelson, Paul A. (1977) - Economia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, 3ª. ed., p. 385, v.l.).

Apesar disto, a ciência econômica continua a enfrentar situações absurdas, como a ocorrida nos anos 30. Naquela ocasião, apesar dos meritórios estudos acadêmicos realizados, a “economia oficial”, armada que estava com a “crença simplista na Lei de Say” (Samuelson, 1977Samuelson, Paul A. (1977) - Economia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, 3ª. ed., p. 1297), negava a existência das crises generalizadas de superprodução.

A violência dos acontecimentos dos anos 30 levou ao abandono da crença simplista. Lamentavelmente, ao que parece, a crença foi, porém, substituída por outra e o Deus continuou o mesmo.

O relativo sucesso da política econômica adotada a partir de então, fez com que surgissem e se afirmassem expressões como capitalismo pós-cíclico. Estas expressões depressa se transformaram em convicção e não tardou muito tempo até os economistas anunciarem a nova era.

O professor Haberler, por exemplo, afirmava em 1963: “Em suma é simplesmente inacreditável a inépcia com que em quase todos os países se cuidou de grande depressão, tanto no plano internacional quanto no interno. Sem falsa modéstia, pode-se dizer que desde então os economistas aprenderam alguma coisa e que hoje é virtualmente impossível a repetição dos terríveis erros cometidos. Com o Fundo Monetário Internacional presente, a desvalorização competitiva e parcelada é inteiramente inimaginável. Daí se concluir que uma catástrofe do gênero da grande depressão é praticamente inconcebível em nossos dias” (Haberler, 1965Harberler, G. (1965) - “Os ciclos econômicos e o crescimento da economia dos Estados Unidos da América”, Revista Brasileira de Economia, n. I, 1965, Rio de Janeiro, Fund. Getúlio Vargas., p. 11). (O grifo é nosso.)

Mais recentemente, em 1973, nas vésperas da explosão, o professor Samuelson, orgulhosamente, proclamava que:

“... a ciência econômica sabe como utilizar a política monetária e fiscal a fim de evitar que quaisquer recessões se desenvolvam assustadoramente e se transformem em depressões crônicas permanentes” (grifos do autor) (Samuelson, 1977Samuelson, Paul A. (1977) - Economia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977, 3ª. ed., p. 410 , vol. 1), e em seguida, deixando contudo, uma saída de emergência para qualquer surpresa desagradável, complementava: “embora nada seja impossível numa ciência inexata como a Economia, as probabilidades de uma grande depressão - uma depressão prolongada, cumulativa e crônica como as que se verificaram das décadas de 1930, 1890 ou 1870 - reduziram-se para um número absolutamente negligível” (Samuelson, p. 409, vol. 1).

A crença no capitalismo pós-cíclico e no controle da economia tornou-se dominante no mundo ocidental. A utilização hábil das estatísticas contribuiu para demonstrar cientificamente o desaparecimento dos ciclos e das crises. A ciência econômica virou-se decisivamente para a elaboração de modelos, cada vez mais sofisticados, do funcionamento da economia, aperfeiçoaram-se as previsões, tudo com o objetivo de dotar os governantes com meios eficazes de intervenção.

Numa situação destas, o ensaio de 1974-75 e o grande jogo iniciado em 1980 (e que se prolonga até hoje) tinham de constituir-se em grande surpresa. Repete-se o acontecimento de 1930 e a teoria econômica está novamente em crise.

A surpresa só pode, porém, atingir aqueles que observavam a realidade através das grossas lentes da ideologia. Sem estas barreiras, teria sido possível ver que as crises nunca foram abolidas e que se repetiam regularmente. Todo o instrumental da política econômica apenas conseguiu deformar o ciclo, reduzindo sua amplitude, misturando algumas das fases, dificultando com isto a sua observação. Isto, porém, teria forçosamente um alto preço a pagar pois impediu que as variações cíclicas desempenhassem o seu papel regulador das contradições internas do sistema.

A política econômica nada mais fez do que mascarar os sintomas da enfermidade. Desempenhou o papel da aspirina, reduzindo os sintomas, mas não curando a doença que, mais cedo ou mais tarde, se manifestaria com intensidade redobrada, num organismo debilitado.

A crítica das teorias

A teoria econômica continua, no entanto, incapaz de tirar as lições da sua própria história.

O debate atualmente travado reproduz, no essencial, os velhos argumentos e mostra-se incapaz de apontar uma saída para os problemas.

Em certo sentido, assiste-se a um retrocesso, de que é manifesto exemplo o peso que as teses liberais e monetaristas voltaram a adquirir. A defesa do sistema continua a limitar os progressos do pensamento científico.

Neste ponto, procuraremos apresentar algumas linhas de crítica às teorias atrás expostas.

Os liberais e os keynesianos

Não obstante as suas diferenças, três grandes características comuns são detectáveis nas análises de tipo keynesiano e liberal, por nós apresentadas nos seus traços mais significativos anteriormente.

Em primeiro lugar, a crise não é considerada como uma crise cíclica inerente ao funcionamento da economia capitalista.

Todas as análises revelam espanto diante da crise, que aparece como algo inesperado, fora do quadro de todas as previsões. As explicações são, por isso, particulares, viradas para uma crise particular, ou seja, para um fenômeno novo relativamente a uma evolução que o não fazia prever.

Embora não haja em nenhuma das teorias a negação explícita do desenvolvimento cíclico da economia, existe, na prática, o esquecimento de que tal ocorre, o que faz com que esta crise não seja recebida como uma crise cíclica com particularidades, mas como algo inteiramente novo e, de certa maneira, acidental.

Em segundo lugar, a crise aparece como um produto dos erros humanos. Na origem da crise estão sempre os erros da política econômica e, daí, a procura de um bode expiatório - os erros de previsão, as políticas inadequadas, o comportamento dos agentes são, em geral, os fatores apontados como causas do fenômeno.

Em terceiro lugar, e em consequência, estas análises encerram uma concepção idealista e subjetiva do desenvolvimento econômico.

Estas três características revelam-se com maior força ainda nos próprios relatórios das organizações econômicas internacionais. Cita-se, a título de exemplo, o famoso relatório McCraken, “Para o pleno emprego e a estabilidade dos preços”, elaborado sob a égide da OCDE em 1976:

“Para resumir, as causas imediatas dos graves problemas que conhecemos ao longo do período 1971-1976 podem explicar-se em grande parte pela análise econômica clássica. É verdade que se produziram mudanças profundas nos comportamentos e nas relações de força, tanto no plano internacional, como no interior dos países. No entanto, segundo nossa análise a evolução recente explica-se no essencial pela excepcional conjugação, no tempo, de uma série de acontecimentos infelizes, que sem dúvida não se repetirá na mesma escala e cujo efeito foi amplificado por certos erros da política econômica que poderiam ter sido evitados” (McCraken, 1976McCraken, Paul et al (1976) - “Pour le plein emploi et la stabilité de prix”, OCDE, 1976., p. 17).

Estas posições negam a existência de leis objetivas na economia, que determinam o desenvolvimento dos fenômenos econômicos independentemente da vontade e da consciência dos homens. Em particular, negam a existência de contradições objetivas que determinam o desenvolvimento do sistema econômico e que estão na origem dos problemas.

Todo o desenvolvimento econômico se põe em termos das opções dos agentes ou das políticas adotadas. O subjetivo sobrepõe-se sempre ao objetivo. Mesmo quando se aproximam das verdadeiras causas do fenômeno, como é o caso de algumas teses keynesianas, são incapazes de levar às últimas consequências as conclusões das suas análises.

A defesa da sacrossanta propriedade privada impede-os de procurarem saída fora dos limites estreitos do sistema capitalista. Daí a natureza utópica de muitas das suas propostas.

Como se não bastasse a incapacidade da política econômica nacional, vêm agora propor uma política econômica de âmbito mundial e, inclusive, um New Deal Planetário (Cheysson, 1981Cheysson, Claude - (1981) “Para um desenvolvimento progressivo. Um ‘New Deal’ Planetário”. Diário de Lisboa, 9.6.81.).

Mesmo que fosse possível, esta política não iria resolver os problemas. Pelo contrário, só iria acentuar o caráter mundial da economia e consequentemente ampliar e aprofundar todas as contradições já existentes no sistema econômico capitalista. O ciclo econômico sincronizar-se-ia cada vez mais e as consequências da crise aumentariam de dimensão.

Os neomarxistas

Embora se reivindiquem do marxismo, as análises da regulação e do profit squeeze revelam-se singularmente contraditórias com os princípios teóricos elaborados por Marx.

Comecemos pela primeira destas análises e pelo seu conceito fundamental, regulação.

a) O conceito de regulação

A definição que é dada de regulação (Benassy, Boyer, Gelpi, 1979Benassy, J. P.; Boyer, R.; Gelpi, R. M. (1979) - Regulation des économies capitalistes et inflation, Cepremap, Série des tirés a part, n. 64.) aparece como um amontoado confuso e impreciso de conceitos, pertencentes a níveis diversos, que vão do econômico ao político, passando pelo psicológico, sociológico e institucional.

Em nenhum momento destas análises é feita uma explicitação clara da relação que existe entre os conceitos relações sociais, formas institucionais e estruturas, nem do grau de importância de cada um no processo concreto de regulação.

Este conceito de regulação, tal como é aplicado (adaptação da produção à demanda), traz em si o velho conceito de equilíbrio. Tudo se passaria como se houvesse um conjunto de forças que levassem a economia ao equilíbrio.

Definida deste modo, a regulação apresenta-se como uma lei do desenvolvimento equilibrado do capitalismo, o que é manifestamente contraditório com a teoria marxista.

O próprio sistema capitalista não se apresenta como sistema único. Existirão efetivamente vários capitalismos, cada um regido pela sua própria lei de equilíbrio.

Assim é definido um capitalismo concorrencial, cuja lei de equilíbrio seria a regulação concorrencial, o capitalismo monopolista cuja lei de equilíbrio seria a regulação monopolista, e um capitalismo futuro, cuja lei de equilíbrio é por enquanto desconhecida, uma vez que, à luz desta concepção, só se conseguirá defini-la a posteriori.

Com a definição destes três tipos de regulação e, portanto, de três leis de equilíbrio, estão a definir efetivamente três sistemas econômicos diferentes, que só por acaso apresentam a mesma designação de capitalismo.

Todas as leis gerais descobertas por Marx, que caracterizam o funcionamento de um único sistema - o modo de produção capitalista -, ficam abolidas. Entre elas, pela sua importância, destacaremos a lei das crises.

Para os teóricos da regulação, o ciclo econômico só é comportável na regulação concorrencial e apenas porque não estão suficientemente desenvolvidos os mecanismos conscientes de intervenção da atividade econômica. A intervenção do Estado, a luta de classes, as técnicas de prospecção de mercados, de formação de preços e de previsão geral, encontram-se aí fracamente desenvolvidas.

O ciclo econômico não é algo inerente ao sistema capitalista. A sua existência é relacionada com a ausência de qualquer mecanismo de intervenção da fase da crise. Logo, o desenvolvimento dos mecanismos conscientes de intervenção deverá levar à sua abolição.

Não é assim por acaso que nas análises sobre a regulação monopolista é subestimada a existência de flutuações cíclicas no período pós-guerra, acentuando-se sobretudo as taxas de crescimento. A utilização deste tipo de estatísticas leva por si só ao desaparecimento do ciclo.

A subestimação do ciclo tornou-se possível enquanto este não atingiu determinadas proporções. Mas a partir do momento em que a crise volta a adquirir grandes dimensões, como foi o caso em 1974-1975, não podendo mais ser escondida, surge a necessidade de explicar algo que não podia acontecer.

A explicação terá que ser necessariamente encontrada a posteriori e terá que ser forçosamente singular, uma vez que o fenômeno é considerado único. Daí o falar-se em crise do modo de regulação monopolista.

b) O conceito de relação salarial

Está implícita na definição de relação salarial (cf. Boyer, 1981aBoyer, R. (1981a) - Les transformations du rapport salarial dans la crise. Une interprétation de ses aspects sociaux et économiques, Cepremap, Séries des tirés a part, n. 85, 1981.) a negação da condição de mercadoria à força de trabalho, daí o falar-se de uso da força de trabalho e não de consumo.

Por outro lado, falar de formação da renda, hierarquia de qualificações, mobilidade, utilização da renda, significa buscar uma explicação para a determinação do salário fora dos limites da teoria do valor.

O salário deixa de ser a expressão monetária do valor da força de trabalho, para passar a ter uma determinação extraeconômica, dependente da correlação de forças que se estabelece no processo de repartição por um lado, e da política econômica adotada, por outro.

Assim definido, o conceito de relação salarial faz desaparecer a relação de compra e venda da mercadoria, força de trabalho, que representa a relação de classe fundamental da sociedade capitalista e a caracteriza.

Negar a existência desta relação é negar a existência do próprio sistema.

c) A origem da crise

A origem da crise é colocada no esgotamento dos ganhos de produtividade, provocada pelo desenvolvimento da luta de classes no seio do processo de produção. Por produtividade entendem o volume de produção por homem/unidade de tempo.

Na teoria marxista, as variações desta ratio devem-se às variações da produtividade ou às variações da intensidade do trabalho.

Para Marx, o aumento da produtividade não acarreta nenhum esforço suplementar para o trabalhador (na generalidade dos casos até diminui esse esforço), provocando inevitavelmente a queda do valor de cada unidade produzida uma vez que o aumento da produção não se traduz num aumento do valor novo criado.

O aumento da intensidade, pelo contrário, provoca o aumento do esforço do trabalhador e, portanto, um aumento do valor novo criado. Nada obriga, neste caso, a que haja uma diminuição do valor de cada unidade do produto.

O aumento da produtividade em nada prejudica o trabalhador, não fazendo sentido responsabilizar a luta de classes pela paralização do processo.

Já o mesmo não se passa em relação à intensidade, cujo aumento encontra uma barreira objetiva na resistência física dos trabalhadores. Este aumento diz, contudo, respeito à extração de mais-valia absoluta e, por conseguinte, a afirmação de que o aumento da produtividade é detido pela luta de classes é uma afirmação completamente destituída de sentido.

De qualquer forma, a paragem dos ganhos de produtividade, longe de constituir uma barreira à introdução de novas técnicas e novos processos de trabalho, seria, pelo contrário, um forte estímulo a esta introdução. Se tal não acontece há que procurar a explicação.

d) A questão do salário real

De acordo com os autores, um dos fatores que mais teria contribuído para o apagamento do ciclo teria sido a progressão relativamente paralela da produtividade e do salário real.

Os aumentos de produtividade na base do “fordismo” teriam permitido baixar o custo salarial e aumentar o salário real.

Neste contexto, a baixa do custo salarial seria o resultado da produção de um número maior de produtos com a mesma despesas em salário. A subida do salário real, por seu lado ficaria a dever-se a um maior consumo de produtos por unidade de salário, devido à queda dos preços ou (e) à elevação do salário nominal.

Como o que faz manter o processo são os ganhos de produtividade, isto implica que, nesta divisão, a parte que cabe aos capitalistas será necessariamente maior do que a que cabe aos trabalhadores, ou seja, que os ganhos dos capitalistas são mais que proporcionais aos ganhos dos trabalhadores.

Se do ponto de vista do trabalhador um maior consumo de produtos poderá significar um maior bem-estar, do ponto de vista do capital isto não tem nenhum significado já que, mantendo-se esta mais que proporcionalidade, o aumento do consumo dos trabalhadores não terá qualquer influência na solução dos problemas criados com o aumento mais que proporcional da produção resultante do aumento da produtividade.

A origem da paragem dos ganhos de produtividade terá assim que ser procurada noutro lugar que não na luta de classes (aliás, responsabilizar a luta de classe significa no atual contexto responsabilizar os trabalhadores pela crise, o que não anda muito longe das teses defendidas pelos neoclássicos). Destacaremos para já dois fatores que não serão alheios a essa paragem.

O primeiro diz respeito às consequências da monopolização da economia, que por si só representa um forte entrave ao progresso técnico.

Modificam-se as formas de concorrência, os acordos entre grupos sobre níveis de produção e de preços generalizam-se, torna-se mais fraco o estímulo à adoção de novos processos de produção, diminui o papel da mais-valia extraordinária. É bem conhecido o número elevado de patentes que são adquiridas pelos grupos monopolistas com o único objetivo de impedir a sua utilização.

O segundo fator tem a ver com o potencial produtivo instalado dos diferentes setores, que é de tal ordem que apresenta, nas atuais condições, elevadas taxas de subutilização. A adoção de técnicas mais produtivas, ao aumentar ainda mais os níveis de produção exacerbaria a concorrência obrigando à eliminação de alguém do mercado.

Por outro lado, a adoção de novas técnicas, num quadro de desenvolvimento acelerado do progresso técnico como o que caracteriza os nosso dias, levaria à necessidade de novos investimentos antes de os antigos estarem completamente amortizados, o que não deixaria de criar problemas.

Desde que se consiga evitar a utilização de novas técnicas pelo concorrentes, torna-se possível a manutenção do equipamento antigo e assegurar o retorno completo do capital. Tal é conseguido através de acordos entre os grupos.

Esta situação tem como consequência principal a desaceleração do processo de encomendas ao Setor 1, o que contribui para a estagnação econômica geral.

A explicação das dificuldades econômicas deve, portanto, ser procurada nas leis que regem o movimento do capital, nas leis que regem o modo de produção capitalista. Não na luta de classes.

É o movimento da economia que gera as condições materiais sobre as quais se movem as diferentes classes sociais e se trava a luta de classes. Não o contrário.

Responsabilizar a luta de classes pelas dificuldades econômicas é virar a realidade ao avesso, é desfazer o meticuloso trabalho de Marx, pondo novamente a dialética de cabeça para baixo. É abandonar a dialética marxista e voltar a refugiar-se, na melhor das hipóteses, no idealismo hegeliano.

As teses do profit squeeze, ao explicarem a crise pela descida da taxa de lucro e esta pela força do trabalho, nas suas variantes ofensiva e defensiva, estão caindo nesta mesma posição, pelo que as críticas já formuladas até aqui lhes podem ser aplicadas.

No seu conjunto, estas teses ao negarem as leis objetivas da economia, caem num subjetivismo que às aproximam das posições keynesianas e neoclássicas, das quais pretendem demarcar-se sendo, a este nível, passíveis de críticas semelhantes.

DA CRÍTICA À TEORIA

A construção de uma teoria da crise atual exige, a nosso ver, a superação de alguns preconceitos e vícios de ordem metodológica.

Em primeiro lugar, é necessário partir de uma concepção objetiva da economia, do reconhecimento da objetividade dos fenômenos econômicos.

Em segundo lugar, é necessário reconhecer à existência de leis objetivas que regem o movimento e o desenvolvimento desses fenômenos, leis estas que independem da consciência e da vontade dos homens.

Em terceiro lugar, impõe-se ultrapassar as limitações ideológicas que se traduzem na aceitação, como eternas, das relações de produção capitalistas e reduzem o pensamento científico às estreitas fronteiras do sistema capitalista.

O caráter da crise

São precisamente as limitações de natureza metodológica que têm impedido muitos economistas de apreenderem a crise atual como uma manifestação particular do fenômeno mais geral das crises cíclicas de superprodução. A exclusão a priori desta hipótese de trabalho, tem constituído a grande barreira ao progresso da investigação.

No estudo que iremos desenvolver a seguir, partiremos da hipótese de que a crise atual é uma forma particular de manifestação da crise cíclica de superprodução, nas condições do capitalismo monopolista dos nossos dias.

A crise de superprodução apresenta-se, antes de mais, como uma superprodução generalizada de mercadorias. A mercadoria, (M), forma particular do produto do trabalho humano, deverá por isso constituir o ponto de partida da análise.

Marx, ao estudar as crises, mostra que é na contradição entre o Valor de Uso, (VU), e Valor, (V), existente no interior da mercadoria (definida como unidade dialética formada pelo par de·contrários (VUxV), que se encontra, em estado embrionário, o germe do fenômeno das crises.

Este germe desenvolveu-se, na medida em que se desenvolveu a própria forma-mercadoria do produto do trabalho, acabando por contaminar todo o tecido social (Mendonça, Ribeiro, 1985Mendonça, Antonio A.; Ribeiro, Nelson R. (1983) - “O marxismo e a crise económica actual”, Comunicação ao Colóquio “O marxismo no limiar dos anos 2000”, Universidade Popular do Porto, 4.11.1983, in: Branco, J. de F. et alii, O marxismo no limiar do ano 2000, Lisboa, Caminho, 1985, pp. 33-100.).

O primeiro salto qualitativo deste processo de desenvolvimento deu-se com o aparecimento do dinheiro (D). A partir deste momento, o ato de troca direta, M-M, cindiu-se em dois atos opostos - a compra e a venda - passíveis de serem separados no tempo e no espaço. Surgiu a circulação M-D-M e com ela, a possibilidade formal abstrata do fenômeno das crises cíclicas.

Com o desenvolvimento da sociedade capitalista, a forma mercadoria estendeu-se à força de trabalho e ao próprio capital. Sendo o capitalismo a sociedade mercantil altamente desenvolvida, o germe da crise encontrou aí o meio ideal para se desenvolver até atingir um estado patogênico.

Por outro lado, o capitalismo trouxe consigo um emaranhado de profundas contradições (de entre as quais salientamos, pela sua importância, a contradição produção/consumo e a anarquia da produção) que levaram à transformação da possibilidade de crise em necessidade absoluta. A partir de certo momento a explosão das contradições tornou-se inevitável e a crise surgiu como fenômeno: “As crises não são mais do que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes (no capitalismo), erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito” (Marx, 1890Marx, Karl (1890) - O Capital, Livro I, vol. 1, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, s.d., tradução a partir da 4ª. edição alemã., p. 286).

A crise de superprodução - lei econômica do capitalismo

A crise repete-se periodicamente e a economia capitalista desenvolve-se por ciclos. Esta é uma lei do sistema capitalista que, como tal, vigorará enquanto ele existir, por mais eficiente que seja a política econômica posta em prática.

Como lei econômica, ela é o meio necessário de o capitalismo encontrar, dentro dos seus próprios limites, uma solução transitória para o aguçamento das suas contradições e, particularmente, da sua contradição fundamental, a contradição entre o caráter social da produção e da apropriação privada capitalista.

A crise exerce, assim, um papel saneador do conjunto da economia. A sua principal função é a destruição das forças produtivas excedentes (excedentes, na medida em que não permitem o processo de valorização do capital).

A crise provoca a destruição do capital sob a forma mercadoria (destruição de estoques ou liquidação a baixo preço}, sob a forma produtiva (falências de empresa, obsolescência de equipamentos etc.) e mesmo sob a forma de dinheiro. Se antes o retorno do capital à forma de dinheiro representava uma garantia de conservação do seu valor, atualmente com os fenômenos ligados à crise do sistema monetário (desvalorizações, inflação etc.) tal garantia deixou de existir, obrigando o capital a recorrer a velhos métodos de entesouramento (compra de ouro, terras, obras de arte etc.) e, cada vez mais, a atividade especulativas e fraudulentas.

Esta situação é profundamente contraditória com a própria essência do capital, acarretando por isso novos problemas.

A crise representa também um mecanismo de seleção natural, ao liquidar os capitais mais fracos e abrindo, deste modo, o espaço econômico para a utilização de novas tecnologias, novos equipamentos e novos métodos de produção.

Os espaços abertos constituem um importante fator de saída da própria crise, na medida em que permitem novos investimentos que vão estimular o setor produtor de meios de produção.

As novas encomendas a este setor marcam, em todas as crises, o início da retomada da economia, arrastando neste processo os outros setores.

A onda de novos investimentos leva à imobilização sob a forma de capital fixo de parte considerável do capital, constituindo esta imobilização a base material da periodicidade do ciclo.

As particularidades da crise atual e as perspectivas da sua evolução

A observação do desenvolvimento da economia capitalista mundial, no período pós-guerra até aos nossos dias, leva-nos a extrair as seguintes conclusões:

  • Primeira: a economia capitalista continua a desenvolver-se de forma cíclica, com períodos alternados de expansão e depressão, não obstante se terem produzido profundas alterações nas formas de manifestação do ciclo.

  • Segunda: a crise de 1974-75 constituiu um marco de viragem importante. As práticas de intervenção do Estado através da política econômica, que tiveram certa eficácia no período do pós-guerra, tornaram-se inócuas na contenção do ciclo.

  • Terceira: o período de crescimento acelerado do pós-guerra até ao final dos anos 60 parece ter traduzido uma acumulação de tensões que explodiram em 1974 e que são responsáveis pela prolongada estagnação atual.

A explicação completa das razões desta estagnação exigiria um estudo aprofundado das características do capitalismo atual. Mantendo-nos dentro dos objetivos do presente artigo iremos destacar apenas duas, que consideramos mais importantes: a ação dos monopólios e a intervenção do Estado.

A ação dos monopólios e a intervenção do Estado

A tendência dos últimos decênios tem sido para a crescente dominação dos grupos monopolistas sobre toda a economia. Esta tendência reforçou-se em resultado da própria ação das crises cíclicas, que com o seu papel saneador, contribuíram decisivamente para a concentração e centralização do capital.

O processo de concentração ultrapassou as fronteiras entre os países, originando a formação de poderosos grupos multinacionais cuja ação passou a marcar de forma decisiva a evolução da economia mundial.

A monopolização da economia modificou substancialmente as formas de concorrência entre os capitais. À concorrência cega e desenfreada, sobrepôs-se a formação de vários tipos de associações entre as grandes empresas, visando exercer um maior controle sobre a produção e o mercado.

A fixação do preço e das quotas de produção, o domínio sobre as fontes de matérias-primas, o desenvolvimento das técnicas de prospecção dos mercados e de gestão em geral, permitiram um ajustamento mais rápido e mais eficaz da produção à demanda, tendo como consequência a atenuação da contradição produção/consumo. Estes mesmos fatores na medida em que ampliaram a planificação da empresa, agora gigante, a um grupo maior de empresas, contribuíram, por outro lado, para minorar os efeitos da anarquia da produção.

A modificação das formas de concorrência levou também à diminuição do papel da mais-valia extraordinária, motor do progresso técnico.

As dificuldades no mercado passaram a ser cada vez mais repartidas entre os grupos, através de acordos, sendo as falências substituídas por reduções da produção.

Em contrapartida, o Setor I, produtor de meios de produção, deixou de contar com um precioso estímulo ao seu desenvolvimento.

Se a monopolização da economia levou, deste modo, à atenuação da contradição produção-consumo e à atenuação da anarquia da produção, formas de manifestação da contradição fundamental do sistema capitalista, não levou à atenuação desta última contradição. Pelo contrário, a socialização da produção atingiu níveis inigualáveis, enquanto a apropriação privada capitalista se restringiu a um número cada vez menor de grandes magnatas.

A intervenção do Estado dirigiu-se também no sentido da atenuação das manifestações da contradição fundamental.

As encomendas públicas, os gastos militares, a generalização das formas de salário indireto, contribuíram, entre outros fatores, para uma certa estabilização da demanda global.

Por outro lado, a sofisticação das formas de previsão, as tentativas de planejamento, os investimentos públicos, atuaram como estabilizadores dos movimentos da produção.

A gestão do sistema monetário e de crédito revelou-se também um poderoso fator de atenuação das oscilações da economia.

A ação do Estado veio, assim, conjugar-se com a ação dos monopólios no sentido de atenuar a contradição produção-consumo e conter a anarquia da produção.

Agudizou-se, portanto, a contradição fundamental do capitalismo, por um lado, e, por outro, dificultou-se as formas de manifestação deste aumento de tensão.

Para onde nos leva a crise atual

A diminuição da intensidade das crises trouxe como consequência a redução do seu papel saneador da economia, fazendo com que as tensões se fossem acumulando ao longo dos anos. Criou-se uma situação semelhante à da panela de pressão com as válvulas obstruídas.

A partir de certo momento a explosão destas tensões tornou-se necessária· e inevitável, esperando apenas por um agente detonador.

Acontecimentos como a suspensão da convertibilidade do dólar, ou do aumento do preço do petróleo, longe de constituírem causas da crise, foram antes de mais os sintomas da sua aproximação inevitável.

Qualquer explicação que tenha por base fenômenos deste tipo está a inverter a relação de causa e efeito, tomando por causa aquilo que é apenas a manifestação da crise que se aproxima. Este tipo de análises, bastante generalizado, é a demonstração da incapacidade de certas correntes de teoria econômica de ultrapassarem o domínio imediato da aparência dos fenômenos.

A crise de 1974 aparece como a explosão das tensões referidas. No entanto, as medidas de política econômica adotadas mantiveram esta explosão sob controle, evitando que o fenômeno se manifestasse com a profundidade que era necessária para cumprir o seu papel.

A própria resistência dos trabalhadores contribuiu para isto ao evitar que o preço da crise fosse lançado, como noutros tempos, sobre os seus ombros.

A explosão controlada de 1974 deu origem a uma recuperação fictícia. A produção e o comércio voltaram a aumentar, mas, em contrapartida, acentuaram-se a inflação e o desemprego. Neste contexto, a recaída de 1980, longe de constituir uma surpresa, é, antes de mais, uma consequência necessária de todo este processo.

A política econômica tem evitado que a crise atinja as proporções necessárias, para possibilitar um novo arranque por intermédio da dinamização do setor de meios de produção. Além disso a destruição maciça das forças produtivas necessária para esse novo arranque não ocorreu ainda. Por fim a utilização de baixas taxas dos equipamentos antigos tem evitado que novos investimentos sejam feitos, com as consequentes encomendas ao Setor I o que levaria a sair da crise. O resultado é o arrastamento da depressão e o desespero dos economistas.

Neste quadro, não é por acaso que voltam a surgir as posições liberais. Elas correspondem hoje a uma necessidade do capitalismo.

Este liberalismo não tem, contudo, nada a ver com o laissez-faire do passado. Ele é o laissez-faire das firmas transnacionais e do capitalismo monopolista (Mendonça, 1982Mendonça, Antonio A. (1982) - “Liberalismo versus intervencionismo”, Diário de Lisboa, 22/9/82.).

O capital precisa de espaço. É preciso destruir forças produtivas, máquinas, equipamentos, matérias-primas, força de trabalho, a fim de criarem-se espaços econômicos que permitam a retomada do movimento com a reanimação da força que o move, a procura do lucro.

Neste afã de destruição, os países mais poderosos têm procurado exportar a crise para os mais fracos, enquanto eles próprios multiplicam as medidas protecionistas. Parece existir o temor de que o aprofundamento necessário da crise, seja de tal modo violento, que possa pôr em causa os próprios fundamentos do sistema. No entanto o arrastamento da estagnação tem vindo a obrigar os diferentes governos, por mais relutantes que sejam, a adotarem medidas de carácter recessionista.

As leis da economia impõem-se como uma força cega à ação dos homens. No quadro do capitalismo não existe nenhuma alternativa à atual situação que não passe pela destruição maciça de forças produtivas.

Não resta, porém, nenhuma dúvida que o sistema encontrará uma saída. A questão é saber-se quem pagará o preço dela e qual será este preço.

Podemos, por exemplo, imaginar uma saída evolutiva. Agravar-se-ão as dificuldades, o desemprego, a fome, as falências, enquanto se cumprem a destruição e o saneamento das empresas mais fracas, dos artesãos, dos países mais pobres. Se os milhões de desempregados e famintos aguentarem pacientemente, pagando o preço, o sistema voltará a recuperar-se e entraremos em novo ciclo.

Podemos também supor que os trabalhadores não estejam dispostos a pagar o preço que lhes é pedido e procurem uma saída para além das fronteiras do sistema. Não é por outra razão que a revolução social está na ordem do dia.

É, no entanto, necessário ter presente que a guerra tem historicamente constituído um meio eficaz de operar a destruição requerida. A multiplicação atual dos focos de tensão não surge por acaso. É também por isto que a luta mundial pela paz está na ordem do dia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1986
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