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Natureza econômica de uma catástrofe natural: características e impacto da seca nordestina de 1979-80

Economic nature of a natural catastrophe: characteristics and impact of the 1979-80 northeastern drought

RESUMO

O artigo avalia a natureza socioeconômica da seca de 1979/80 no Nordeste a partir de levantamento realizado pela Fundação Joaquim Nabuco. Pretende mostrar a essência das dificuldades que a seca traz à população de suas vítimas oficiais - os inscritos no Programa Emergencial coordenado pela SUDENE, cuja amostra foi entrevistada. Uma conclusão do estudo revela que os efeitos de uma seca são mais intensos quanto mais pobres são os estratos sociais afetados. Outra conclusão indica que a produção de culturas de subsistência dos refugiados oficiais teve um declínio de cerca de 70 por cento em 1978/80.

PALAVRAS-CHAVE:
Seca; clima; propriedade da terra; produção agrária

ABSTRACT

The paper assesses the socio-economic nature of the 1979/80 drought in the Northeast on the basis of a survey conducted by the Joaquim Nabuco Foundation. It purports to show the essence of the difficulties that drought brings to the population of its official victims - those enrolled in the Emergency Program coordinated by SUDENE, a sample of which was interviewed. A conclusion of the study reveals that the effects of a drought are more intense, the poorer the affected social strata. Another conclusion indicates that the official refugees’ production of subsistence crops had a decline of around 70 percent in 1978/80.

KEYWORDS:
drought; land ownership; agricultural output

A visão que aqui se oferece do impacto socioeconômico da seca de 1979/80, no Nordeste do Brasil, para ser mais completa deveria ampliar-se para o período 1979/83, durante o qual incidiu sobre a região o último grande flagelo climático. Entretanto, dispõe-se de dados apenas para os dois primeiros anos da seca, quando foi efetuado um levantamento de campo pela Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ).1 1 O levantamento teve suporte financeiro, inicialmente, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Ceará e, mais tarde, da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também ofereceu assistência financeira à pesquisa, durante breve intervalo, através de seu Programa do Trópico Semi-Árido. Embora restrita ao período 1979/80, a pesquisa da FUNDAJ é atual e relevante, uma vez que caracteriza as vítimas da seca e demarca com relativa precisão os prejuízos que elas sofrem com o fenômeno. Entretanto, ela só permite uma visão subestimada do impacto do quinquênio de estiagem, uma vez que a gravidade da seca, através de sua repetição sequenciada em anos contíguos, acentuou-se em seguida a 1979/80, chegando até à ameaça de total falta de água em muitas partes do Nordeste, em 1983, com a necessidade de deslocamentos maciços e população à procura de sobrevivência e particularmente de fontes de água para matar sua sede. Mostrando o que ocorreu na fase inicial da seca, a pesquisa permite refletir, porém, sobre o que terá sido para as vítimas dela seu impacto na fase final. De fato, cada seca do Mordeste tem sido uma reprodução das mesmas dores e angústias, do mesmo rol de flagelados, das mesmas debilidades e inseguranças - como se percebe, por exemplo, através de pesquisa socioeconômica efetuada sobre a seca de 1970.2 2 V. Dirceu Pessoa e Clóvis Cavalcanti, Caráter e Efeitos da Seca Nordestina de 1970 (Recife, SUDENE­SIRAC, 1973), pp. 110 et seqs.

Chegou próximo de 460 mil - de acordo com dados da SUDENE - o número total de trabalhadores alistados no auge da seca nas frentes de serviço do Programa de Emergência, em 1979. Essa é a população oficialmente catalogada como das vítimas da seca, a ela correspondendo um total de 2,2 milhões de pessoas atingidas, numa área de 539 mil quilômetros quadrados. Em outubro de 1980, por sua vez, havia 661 mil alistados no Programa de Emergência, totalizando 3,3 milhões de pessoas atingidas numa área de 762 mil quilômetros quadrados, equivalente à superfície total do Chile.3 3 Em 1981, 1982 e 1983, respectivamente, foram estes os totais de alistamentos no Programa de Emergência: 1169 mil, 702 mil e 3130 mil pessoas. O Programa de Emergência, que consistia basicamente em oferecer trabalho em propriedades rurais particulares aos trabalhadores inscritos, ao lado de algumas obras públicas,4 4 Em 1979, havia 95% de trabalhadores do Programa em tarefas ligadas à exploração das propriedades rurais inscritas, com 5% nas tarefas de obras públicas. gastou cerca de 372 milhões de dólares, a preços de junho de 1980, entre seu início, em abril de 1979, e outubro de 1980.5 5 Os gastos totais do período 1979/83 ascendem a 818,9 bilhões de cruzeiros (a preços de agosto de 1983), ou seja, 1204 milhões de dólares (dados da SUDENE). Esse gigantesco esforço governamental tende a diluir-se em meio ao oceano de indivíduos que, de repente, veem-se tangidos de suas ocupações habituais no campo, as quais são inviabilizadas pela não-ocorrência de chuvas, na área, nos momentos adequados. Nas seções seguintes deste trabalho, aborda-se inicialmente a caracterização do indivíduo açoitado pela seca - um desempregado rural sem qualquer disfarce - para, em seguida, dimensionarem-se certos parâmetros do impacto socioeconômico da seca de 1979/80. Vale ressaltar aqui que os dados da primeira seção, na maioria dos casos, referem-se unicamente a 1979 - eles não foram levantados novamente em 1980 por dizerem respeito a uma situação estrutural que não se altera visivelmente de um ano a outro - e os da segunda cobrem 1979 e 1980, havendo sido coletados em ocasiões distintas e de amostras diferentes.6 6 A amostra de 1979 estendeu-se a 839 trabalhadores das frentes de serviço (propriedades rurais e obras públicas), sendo distribuída regionalmente em função da importância relativa do número de flagelados da seca da lista oficial das diversas unidades federadas do Nordeste. Princípio análogo presidiu ao levantamento de dados da amostra de 1980, constituída de apenas 264 indivíduos (por razões decorrentes da grande homogeneidade do universo, já conhecido do ano anterior). Os dados de 1979 foram coletados de novembro de 1979 a fevereiro de 1980; os de 1980, de dezembro de 1980 a janeiro de 1981. Convém ainda esclarecer que a análise das vítimas da seca, adiante feita, desenvolve-se em torno do segmento de indivíduos alistados no Programa de Emergência. Trata-se do estrato populacional mais atingido pela estiagem - mas evidentemente não do único. Esse estrato serve para definir o impacto socioeconômico da seca na sua dimensão mais aguda.

QUEM SÃO OS FLAGELADOS DA SECA DO NORDESTE

Nos alistamentos do Programa de Emergência foi quase monopolística a presença do sexo masculino: 96,7 por cento das entrevistas da pesquisa em 1979 foram com homens (a seleção da amostra era probabilística). Assim, sabido como é que na composição da mão-de-obra rural nordestina por sexo a presença das mulheres é muito mais significativa,7 7 Os dados a respeito são conclusivos. No Nordeste, em 1979, a população economicamente ativa no setor rural era integrada de mulheres em 28,3% (cf. FlBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1979. Vol. 4 - tomo 5, Região V, p. 11). a dimensão social do flagelo não pode ser adequadamente apreendida através de consulta ao rol dos alistados da Emergência. Nesta, à ênfase dada pelo Governo, para alistamento prioritário e, às vezes, exclusivo dos homens, é atitude que os entrevistados da pesquisa não deixaram de criticar.8 8 Vejam-se estes depoimentos, colhidos por pesquisadores no campo: “Um dos maiores sacrifícios [na seca] é trabalhar sozinho na Emergência para dar de comer a oito pessoas.”“A mulher não se inscreve. Isso aí é uma coisa errada. [ ... ] Aqui, se a mulher não se alista, então o homem devia ganhar mais.” “Se a mulher pudesse se alistar também, era bom.” Entre os trabalhadores do programa oficial predomina marcadamente - com 71% dos efetivos de trabalhadores - a categoria dos chefes de família, de conformidade com os resultados da pesquisa, resultados esses que espelham a preferência, dada nas inscrições, aos homens. Outra característica do contingente de trabalhadores da Emergência, revelada pela pesquisa, é a liderança do grupo etário de 25 a 49 anos, o qual perfaz 50,5% da mão-de-obra empregada. Há também uma proporção importante (pouco mais de um quinto do total) de indivíduos maiores de 50 anos no efetivo alistado, o que bem comprova a natureza crítica, decisiva, da ocupação nas frentes de serviço para a sobrevivência na seca das famílias sertanejas.9 9 Sertanejo é o habitante do Sertão, a terra tão bem retratada em Os Sertões, de Euclides da Cunha (de 1902) e em Vidas Secas, de Graciliano Ramos (de 1938). O Sertão aparece com bastante acuidade no recente La Guerra dei Fin del Mundo (de 1981), de M. Vargas Llosa. Todavia, a composição da população economicamente ativa (PEA) que a pesquisa evidencia está longe de refletir o perfil da força de trabalho rural da área atingida pela seca. De fato, se se toma como padrão de referência o panorama ostentado pela PEA em atividades agrícolas no Nordeste como um todo que o IBGE estima para 1979,10 10 Cf. IBGE, Pesquisa Nacional etc., op. cit., loc. cit. constata-se a seguinte situação:

É visível, pois, o desajuste entre a distribuição etária da mão-de-obra rural nordestina - da qual não deve diferir a do Sertão semiárido - e a que se emprega nas frentes de serviço. Nesta última, por exemplo, excluem-se os menores de 14 anos, que representam, por sua vez, quase um sétimo da PEA rural do Nordeste; entre 25 e 49 anos está pouco mais da metade dos alistados, quando no Nordeste a PEA rural só acusa aí dois quintos dos trabalhadores; comparecem os maiores de 50 anos com um quinto das inscrições (20,2%), contra 15,9% no todo dos trabalhadores rurais da região. A presença de indivíduos com 18 e 19 anos de idade, além disso, equivale a 10,4% dos alistados, uma importância relativa muito superior à do mesmo grupo etário na PEA rural do Nordeste (6,5%). Não é sem motivo que a população atingida pela seca alude à necessidade do emprego de menores de 14 anos,11 11 Exemplos de comentários ouvidos: “O erro maior [na Emergência) que acho aqui na Paraíba é o menino com 14 anos não poder se alistar.”· “No caso das famílias com sete, oito filhos, a Emergência devia alistar os filhos de 13 anos a mais, ou então se os filhos fosse tudo de menor idade, dar uma ajuda ao chefe: pagar mais a ele.” “Essa seleção [de trabalhadores inscritos] beneficiou mais as famílias grandes com filhos acima de 14 anos.” tentando fazer ver os problemas que decorrem de sua exclusão do Programa de Emergência. Existe, portanto, uma distinção qualitativa entre a população que a seca alcança - homens, mulheres, crianças, adultos - e aquela que as estatísticas do Programa de Emergência registram, formada só por homens. Nesse sentido, a pesquisa aqui relatada subestimaria a extensão e a profundidade humana da seca real.

Quanto às ocupações exercidas pela população alistada nas frentes de serviço,12 12 Sobre a dificuldade de separar ocupações da mão-de-obra sertaneja, procurando caracterizar o perfil do trabalhador do Sertão, ver Dirceu Pessoa, Desenvolvimento Rural do Nordeste do Brasil. Parte I - O Sistema Fechado (Recife, IPEA, abril de 1979, xerox), p, 68. a situação encontrada acha-se contida nos números do Quadro 1. Observe-se que esse quadro mapeia a mão-de-obra dos flagelados em termos da situação em que ela se encontrava no momento da eclosão da seca. Por outro lado, o perfil traçado constitui aproximação do panorama concreto, em virtude da impossibilidade de, em uma entrevista que consome menos de duas horas e está interessada num rosário de questões, separar-se com nitidez o elenco de atividades que cada entrevistado efetivamente desempenha. Talvez por isso seja extremamente alta a incidência, no Quadro 1, de indivíduos sem outra ocupação além da principal (77,3%): é que não se pôde obter informação que permitisse, no momento da entrevista, definir com precisão, ocupações secundárias para o entrevistado.13 13 O problema transparece em estudos de caso que foram realizados paralelamente ao levantamento dos dados aqui usados. Na verdade, é somente através de conversas demoradas e repetidas com a população que se descobrem nuanças de sua condição ocupacional. Em sete casos estudados pela pesquisadora Maria Auxiliadora Lins Pontes, por exemplo, apenas uma vez aparece um trabalhador que esteja em uma só condição ocupacional - a de parceiro. Descontados os inevitáveis senões que se infiltram no Quadro 1, é categórica a conclusão de que a seca flagela principalmente agricultores não-proprietários: 75,1% dos inscritos no Programa de Emergência estão nessa categoria, uma proporção que, em 1970, foi de 69,3%.14 14 V. Dirceu Pessoa e Clóvis Cavalcanti, op. cit., p. 111. Vale sublinhar que o Quadro 1 não identifica os tipos de não-proprietários encon- trados no Sertão (assalariados, arrendatários, foreiros, parceiros, posseiros, mora­dores). A tarefa foi empreendida em 1980, oferecendo os seguintes resultados:

Quadro 1:
Nordeste: Ocupação principal e outras ocupações dos trabalhadores alistados, por tipo de ocupação 1978 - em porcentagem

Nessa ocasião, a parcela dos não-proprietários atingidos pela seca (63,3% do total de alistados) fica em patamar abaixo do assinalado em 1979 (75,1%) e 1970 (69,3%). Essa diferença se deve, em parte, ao cuidado tido nos levantamentos de campo de 1980, quando se fez um esforço adicional para catalogar todas as posses de terra de trabalhadores do Programa de Emergência. Nunca é demais lembrar as dificuldades de classificação por ocupações da força de trabalho do Sertão. Todavia, os dados de 1979 e 1980 não deixam dúvidas quanto ao feito de que a massa dos flagelados da seca se compõe de não-proprietários, entre estes prevalecendo as condições de parceiro e morador (71,8% do efetivo de não-proprietários em 1980). No setor rural do Nordeste semiárido, os parceiros e moradores, dependendo da fonte de informação,15 15 Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE). correspondem de 25% a 40% da população economicamente ativa. Quer dizer, quem mais sofre com a seca, o contingente humano mais vulnerável à seca no Nordeste, são os efetivos de trabalhadores que não contam com uma base de patrimônio fundiário. Os pequenos proprietários, junto com foreiros e arrendatários, perfazem de 50% a 67%. da PEA rural do Sertão.16 16 Idem. Na seca, como se viu acima (dados de 1980), eles não chegam a 38% dos trabalhadores alistados. É inequívoca, portanto, a constatação verificada em 1980, confirmando os resultados de 1979, de que a seca é um flagelo tanto maior quanto mais pobres os escalões sociais envolvidos. Nesse sentido, a evidência é de que os proprietários inscritos na Emergência em 1980 parecem ainda mais pobres do que os do ano anterior, haja vista, segundo os dados da pesquisa, que o tamanho médio das terras possuídas em 1980 media 29,8 ha, enquanto em 1979 essa grandeza era de 35,6 ha. Teria havido aí, com o agravamento da estiagem em 1980, uma inscrição maior de pequenos proprietários que, em 1979, ainda haviam podido sobreviver às custas dos próprios meios. De qualquer forma, a conclusão clara, taxativa, patente, do exame dos dados é de que ultrapassa de 90% das inscrições o volume de pequenos proprietários (donos de menos de 20 ha e de áreas pouco acima disso) e trabalhadores sem terra abrigados no Programa de Emergência, haja vista, ainda segundo a pesquisa, que os não-proprietários e os proprietários de até 20 ha perfaziam 87,1% do contingente inscrito em 1979 e 86,2% em 1980. É essa, sem dúvida, a essência da massa humana - uma população desprovida de recursos - que a seca tange de seu mister habitual para o esquema assistencialista provido pelas frentes de serviço.

IMPACTO SOCIOECONÔMICO DA SECA: 1979 e 1980

A primeira impressão do impacto socioeconômico que a grande estiagem de 1979 provocou nas suas vítimas mais efetivas pode ser extraída da observação do Quadro 2. Trata-se do prejuízo causado às lavouras da produção própria dos trabalhadores alistados, nas frentes de serviço.17 17 Entende-se por “produção própria” o volume de bens obtidos individualmente pelo trabalhador, livre dos pagamentos de parceria, ou seja, aquela quantidade de que ele podia dispor livremente, seja para consumo, seja para venda. Como patenteia a tabela, a quantidade média por indivíduo inscrito na Emergência sofreu, entre 1978 e 1979, um declínio de 67%, no caso do feijão; de 72%, no do milho; de 81%, no do arroz; de 65%, no do algodão. Note-se, por outro lado, que foi grande o rol dos produtores de 1978 que, no ano seguinte, deixaram de colher qualquer coisa. Assim, à redução do volume produzido por trabalhadores alistados em 1979 com relação a 1978, já de si bastante significativa como índice da séria repercussão causada pela seca, deve-se adicionar o desaparecimento de elevado contingente de produtores, acima de 50% em todos os cultivos do Quadro 2, exceto arroz. Ademais, se se recorda que feijão e milho, como culturas de subsistência, e algodão, como cultura comercial, constituem o tripé sobre o qual se assenta o alicerce da condição econômica do sertanejo, pode-se bem avaliar o abalo que acarreta para essa população uma queda de produção dos itens referidos na proporção de dois terços ou mais. O significado desse prejuízo não se mede tanto em termos monetários quanto em termos das mercadorias, especialmente milho e feijão, de que o homem do campo flagelado pela seca não vai poder dispor. É a ausência do alimento tradicional, que se armazena ao final do inverno para o consumo anual, com efeito, que desnuda a tragédia embutida no cataclisma da seca.18 18 Sobre a importância do milho e do feijão, algumas observações de entrevistados na pesquisa de campo: “Na seca o cumê [feijão e milho] é mais limitado e a gente, com isso, se sente mais fraco para trabalhar nesse serviço pesado.” “A seca prejudica a gente porque tudo é pago e com uma carestia muito grande.” “Quando o inverno é fraco, derruba os legumes [feijão e milho]. Em dezembro é tempo de plantação. A planta nasce, se cria. Aí, no segurá do legume, a chuva não vem. Aí é seca.” “A vida da gente num ano seco muda muito: nós não fica com recurso nenhum de alimento.” “Quando a seca vem, se sofre muito. Num inverno bom o camarada lucra um milhinho, uma batata, que é um refrigero para o pobre.” O Quadro 2, nesse particular, espelha eloquentemente o alcance da tragédia de 1979, tendo em vista o desaparecimento de cerca de sete décimos das reservas (de milho e feijão) que a população assolada pela seca teria para alimentar-se naquele ano. É como diz um trabalhador entrevistado, incluído na amostra da pesquisa: “seca para mim é eu chegar dentro da minha casa e não ter o que comer’’.

Quadro 2:
Nordeste Quantidade de produção própria de lavouras dos trabalhadores alistados, por produto 1978 e 1979

No tocante às perdas de produção animal que a população flagelada sofre, nada indica que a seca provoque maior abalo, pelo menos durante o ano de sua incidência. A pecuária, de fato, sofre efeitos mais dilatados no tempo do que as lavouras e é menos atingida por um ano de inverno ruim, se a chuva for suficiente - como aconteceu em 197919 19 V. Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais / Serviços Integrados de Assessoria e Consultoria Ltda. / Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Ceará/SUDENE, Nordeste e Ceará: Estudo Climatológico da Seca de 1979 (Recife, SIRAC, FUNDAJ, SAAb, SUDENE, 1981), p. 76. - para a formação de aguadas e pastos. Por outro lado, a pecuária, inclusive produtos derivados, como registram os resultados da pesquisa,20 20 Mais precisamente, foram estes os números revelados pelo levantamento da FUNDAJ, em porcentagens: responde por menos de um quinto da formação da renda do trabalhador sertanejo típico. E não é numeroso o contingente de trabalhadores alistados na Emergência que possuem rebanhos. Basta comparar a informação relativa ao número de proprietários de cada grupo de rebanho do Quadro 3 com o total de entrevistados na pesquisa em 1979 (839 pessoas), para perceber que somente no caso dos suínos pouco mais de um quarto da população pesquisadas possui rebanho próprio. Na verdade, no Sertão nordestino, a posse de grandes efetivos de animais é atributo do grande proprietário rural.

Quadro 3:
Nordeste Número médio (por informante) de cabeças dos rebanhos próprios dos trabalhadores alistados 1978 e 1979

No Quadro 3 assinala-se significativa queda no número total de cabeças possuídas pela população estudada entre 1978 e 1979, sobretudo no caso dos suínos (declínio de 17%). Trata-se de diminuição, contudo, que não se compara com a dos produtos listados no Quadro 2. Incidentalmente, os dados fornecidos na nota de rodapé 20 reforçam essa constatação, acusando incisiva perda de posição relativa das lavouras na formação da renda anual dos trabalhadores flagelados, entre 1978 (53,8%) e 1979 (16,2%). Enquanto isso, a contribuição da pecuária e seus derivados permanece estabilizada do ano normal ao ano seco (18,3% e 18,1%, respectivamente). A nota de rodapé 20 serve ainda para deixar evidenciada a importância do salário da Emergência na neutralização dos efeitos negativos do desaparecimento de parte da produção das lavouras, haja vista a importância, em 1979, do item “outras rendas próprias”, que inclui esse pagamento. Na nota em questão, tal item constituiu, em 1979, 64,5% da renda anual do trabalhador, contra 24,8% em 1978, uma clara demonstração do efeito neutralizador do Programa de Emergência daquele ano nos ganhos da mão-de-obra rural sertaneja. No entanto, a neutralização ocorrida dá-se em termos monetários, o que não corresponde exatamente ao prejuízo humano que representa para o sertanejo vítima da seca a perda de mercadorias tão prezadas como o milho e o feijão, seus “refrigérios”, cuja ausência na dispensa doméstica dá a dimensão cruel da seca a nível da população escalada.

Uma tentativa de avaliação econômica concisa do prejuízo que a seca de 1979 trouxe aos trabalhadores alistados nas frentes de serviço - e, certamente, uma medida do prejuízo que uma grande seca nordestina acarreta na população flagelada em seu primeiro ano de incidência - é oferecida pelo Quadro 4. Têm-se aí as rendas anual e mensal, em 1978 e 1979, da mão-de-obra envolvida.21 21 Não são simples os problemas enfrentados para a obtenção das cifras do Quadro 4. Parte substancial do que ali aparece corresponde ao autoconsumo, mensurado a preços de mercado. Tais preços são aqueles aos quais a produção destinada ao mercado foi vendida - venda que nem todo pequeno produtor realizou. No caso de produtor que tivesse produção vendida, para determinação do valor da produção que não destinou produção à venda, o preço usado foi uma média das informações de preço colhidas no local da entrevista desse produtor. Deve-se lembrar, por outro lado, que as informações de 1978 e 1979 foram levantadas no período da pesquisa de campo, ou seja, outubro de 1979 a fevereiro de 1980, estando sujeitas aos equívocos naturais em inquéritos que pedem aos informantes dados com certa defasagem. Atente-se para o detalhe de que os dados do primeiro ano correspondem a médias anuais, enquanto os dados do segundo estão influenciados pela situação em outubro de 1979 a fevereiro de 1980, período durante o qual se realizaram os levantamentos da pesquisa e os trabalhadores desempenhavam tarefas distintas de sua rotina habitual, auferindo igualmente rendas extras. Essa última ressalva é importante para efeitos comparativos, uma vez que a informação apresentada pelo Quadro 4, com referência a 1979, talvez não deva ser considerada como uma média anual. Assim, o Quadro 4 coloca a renda mensal de 1979 contra dois termos de comparação - o salário-mínimo médio do ano e o referente ao período da pesquisa. Aparentemente, a situação dos trabalhadores flagelados que estavam inscritos no Programa de Emergência apresentar-se-ia, em 1979, algo mais auspiciosa do que em 1978, haja vista que a renda daquele ano equivalia a uma vez e meia o salário-mínimo, se o termo de comparação for o salário de janeiro a dezembro, ficando, porém, praticamente no nível da relação de 1978 (1,11 vez), se o termo de comparação for, como parece mais plausível, o salário-mínimo de outubro de 1979-fevereiro de 1980. Na verdade, nenhuma das duas bases de referência mostra-se perfeita para a tentativa de confronto, o certo talvez se encontrando numa combinação de ambas. Nesse caso, teria havido elevação da renda dos trabalhadores inscritos na Emergência vis-à-vis do salário-mínimo. Tal subida constitui, porém, um fenômeno de natureza monetária, estando sujeito a influências de preços que não puderam ser devidamente precisadas. De qualquer forma, parece que o que aconteceu para os trabalhadores inscritos, em termos de renda monetária, foi uma forte ajuda proporcionada pelo salário de emergência, o qual teria mais do que compensado o prejuízo causado pela perda das lavouras. Isso não alivia, sem embargo, a natureza crítica da não-colheita de milho e feijão, fenômeno de fato determinante da condição de indigência do sertanejo e de sua instabilidade violenta defronte da seca.

Quadro 4:
Nordeste Rendas mensal e anual médias dos trabalhadores alistados, a preços correntes 1978 e 1979 - em cruzeiros

Nesse sentido, as condições vividas pelos trabalhadores do Sertão nordestino experimentaram adversidade ainda mais notória em 1980, no segundo ano da grande seca deste século, de acordo com a evidência suprida pelo Quadro 5. Em primeiro lugar, com respeito a cada lavoura do Quadro 5, é marcante a diminuição do número de produtores de um ano a outro, no período considerado (1978/80). Na última data, restavam apenas 53% dos que, em 1978, produziam feijão; 49% dos que produziam milho; 58% dos que produziam arroz; e 67% dos que produziam algodão. Em outras palavras, houve substancial redução do número de produtores rurais dos bens mais importantes da pauta de culturas agrícolas do Polígono das Secas, em face da prolongada adversidade climática.

Quadro 5:
Nordeste Número de produtores e produção própria de lavouras dos trabalhadores alistados, por produto 1978, 1979 e 1980

Todavia, o efeito de declínio da atividade rural sertaneja é mais notório no que tange a volume de produção. De fato, milho e feijão sofreram reduções de 82% e 72%, respectivamente, em 1978/80, e algodão - a principal cultura comercial da área - declinou de 69% em quantidade colhida, no mesmo período. O ano de 1980, inclusive, representou um geral agravamento das condições assinaladas em 1979, porquanto todas as lavouras do Quadro 5 exibem inquestionável tendência regressiva entre as duas safras. Os números dessa tabela, vale ressaltar, não conferem exatamente com os do Quadro 2, apesar da relativa consistência entre os dados das duas tabelas referentes à quantidade média colhida por trabalhador alistado em 1978. É que cada quadro se ergueu sobre amostra diferente. No entanto, há uma significativa revelação feita por ambos quanto ao impacto econômico que uma seca representa, desmantelando tanto a lavoura comercial sertaneja - algodão - quanto a base em que a exploração da mesma se assenta, que são milho e feijão. No caso dessas duas últimas lavouras, o desmantelamento verificado no Quadro 5 manifesta-se ainda maior, servindo para reforçar o caráter severo da seca como distúrbio de maiores proporções para a população pobre, por atingir com maior força o esteio de sua subsistência.

Todavia, o prejuízo com a perda de culturas comerciais e de subsistência não se concentra numa dada categoria de trabalhador da terra. A esse respeito, conforme se depreende do Quadro 6, os dados da pesquisa são esclarecedores, apontando uma equitativa repartição do declínio das diversas lavouras entre as distintas condições de exploração da agropecuária, tanto em 1978/80, quanto em 1978/79 e 1979/80. Ou seja, o fato de ser pequeno proprietário não torna o produtor menos vulnerável à recessão pluviométrica do que se ele fosse parceiro ou morador. A diferença aparece quando se tomam os valores de quantidade média produzida. Na verdade, a configuração da produção própria, média, de cada produto considerado, por trabalhador alistado, em função de sua condição na agropecuária, em 1978, de acordo com os dados da pesquisa, era, em números redondos, a seguinte:22 22 Utilizou-se apenas a informação de 1978, por ser a do ano não-seco do período e porque nos demais anos a posição relativa dos diversos produtores, como se pode presumir de uma consulta aos Quadros 5 e 6, não se alterou

Quadro 6:
Nordeste Queda da produção própria de lavouras dos trabalhadores alistados, por produto e por condição na agropecuária 1978/80 - em porcentagem

Trocando em miúdos: proprietário, parceiro e morador perdem de forma equivalente defronte de uma seca. Mas a quantidade que um proprietário - dos que se alistam nas frentes de serviço para sobreviver com o salário da Emergência, pequeno proprietário, portanto - produz é sempre, em cada ano, superior à que um parceiro ou morador tem como própria. Menção nesse particular merece a constatação da pesquisa de que em 1979, na seca, o proprietário alistado produzia em média mais feijão (57 kg) do que o morador (33 kg) em 1978, no ano regular, e apenas um pouco menos que o parceiro (66 kg) no último ano. No caso do milho, a produção do proprietário em 1979 (150 kg) é maior do que a média dos parceiros em 1978 (142 kg). E no caso do algodão, a superioridade do proprietário é ainda mais visível (12 arrobas, contra 5 do parceiro).

Não obstante, deve ser sublinhado que, em termos globais, há uma homogeneidade bem maior da situação econômica enfrentada pelos trabalhadores inscritos na Emergência durante o ano de 1980, independentemente de sua condição na agropecuária. Efetivamente, de acordo com a pesquisa da FUNDAJ, os dados de rendimento mensal das diversas condições da mão-de-obra na agropecuária assim se apresentavam, em 1980:

Vê-se, pois, que o ganho mensal médio de um trabalhador proprietário é apenas um décimo superior à média de todos os trabalhadores, com os dados referentes aos parceiros (8% inferior) e aos moradores (4% menor) situando-se ligeiramente abaixo da mesma média. Média essa, aliás, cujo valor localiza-se abaixo do montante do salário-mínimo do momento da pesquisa (dezembro de 1980-janeiro de 1981), que era de 4.450 cruzeiros, e abaixo mesmo da média do salário-mínimo no período maior, de maio de 1980 a janeiro de 1981 (3.505 cruzeiros), a que se reportam os dados levantados. Viu-se anteriormente, com a ajuda do Quadro 4, que a renda média do trabalhador alistado nas frentes de serviço, em 1979, ultrapassava em 12% o salário-mínimo da ocasião da pesquisa. Em 1980, a mesma renda média equivalia a 73% do salário-mínimo do instante pesquisado e a 92% do salário-mínimo do período coberto pelos dados (maio de 1980 a janeiro de 1981). Houve, por conseguinte, notável decréscimo do poder aquisitivo do flagelado da seca no ano de 1980, dado. pelo baixo valor do salário da Emergência23 23 O salário médio do Programa de Emergência em 1980, computado pela pesquisa, foi de 2.856 cruzeiros, ou seja, 64% do salário-mínimo da ocasião das entrevistas (4.450 cruzeiros). A título de esclarecimento, em março de 1984, no final da Emergência, o salário de socorro (CrS 15.300) era só 30% do salário-mínimo da maior parte da área atingida (CrS 50.256). e pelo prejuízo sofrido no tocante à produção de lavouras (Quadro 5).

Uma medida indireta do baixo patamar da condição econômica do trabalhador da Emergência é sugerida pelos dados da renda média que um trabalhador vitimado gostaria de obter - foi-lhe feita essa indagação no inquérito - para sobreviver decentemente. O valor dessa renda montava, em dezembro de 1980-janeiro de 1981, a 7.703 cruzeiros mensais, ou seja, 2,37 vezes o ganho real efetivamente obtido na ocasião (3.244 cruzeiros). Numa época normal, supondo que prevaleça então a relação estimada do ganho de 1978 relativamente ao salário-mínimo (que foi de 1,106 vezes, de conformidade com o Quadro 4), a magnitude dos rendimentos do trabalhador alistado chegaria a 4.922 cruzeiros (isto é, 1,106 multiplicado por 4.450 cruzeiros, que era o salário-mínimo do momento, dezembro de 1980-janeiro de 1981). Quer dizer, a renda normal do sertanejo que a seca flagela representa menos de dois terços do valor desejado para uma sobrevivência com um mínimo de dignidade. O exercício aqui efetuado, com balizamento numa cifra imaginária da preferência dos sertanejos castigados pela seca, tem em mira mostrar a distância que separa a realidade concreta - áspera, austera, restrita -, desses indivíduos, da satisfação de suas necessidades de sobrevivência. É interessante sublinhar que as posições relativas dos diferentes níveis de condição na agropecuária, captadas pela pesquisa de campo, mantêm um padrão consistente com as rendas efetivamente recebidas por essas diversas condições. E é interessante assinalar também que o rendimento médio desejado pelo flagelado (7.703 cruzeiros) corresponde apenas a 116 dólares mensais, cifra que, convertida para renda familiar anual e, daí, para renda per capita, dá tão-somente 382 dólares.24 24 Supõe-se 1,7 pessoa trabalhando por família, com o ganho mensal de 116 dólares. Admitiu-se ainda, de acordo com os dados da pesquisa, uma família de 6,2 pessoas. Não há dúvida, pois: o flagelado da seca é pobre, paupérrimo, e seu horizonte de aspirações - despojado, sem ambições, realistas - pouco pretende incorporar do progresso material experimentado pelas elites brasileiras.

CONCLUSÕES

Na visão aproximada do transtorno que uma seca do Nordeste causa à população do sertão, foi visto, a partir da experiência de 1979 e 1980 - os dois primeiros anos do período crítico de 1979/83 -, quando 2,2 e 3,3 milhões de pessoas, respectivamente, foram atingidas, que a classe de trabalhadores mais duramente castigada pela seca é a dos agricultores não-proprietários. De fato, essa categoria, cuja importância numérica oscila entre 33% e 50% da PEA rural sertaneja, representava 75% dos flagelados oficiais em 1979 e 69% em 1980. Os dados da pesquisa apontam de modo geral para a evidência de que a seca é um fenômeno tanto mais contundente quanto mais indefesos os escalões sociais envolvidos. São os indivíduos dessa condição, entre os quais se incluem os mini fundistas, a mão-de-obra que se aglomera nos postos de assistência abertos pelo governo para alistamento nas frentes de serviço do Programa de Emergência.

Entre um ano normal (1978) e um seco (1979), os dados consultados mostram que a produção própria de artigos de subsistência das vítimas da seca sofre um declínio violentíssimo: entre 67% e 81%, em média, no caso de feijão, milho e arroz, que são a essência da mesa do homem do sertão do Nordeste. A produção comercial (algodão) também cai de forma severa: uma perda média de 65% em 1978/79. Dessa maneira, a pobreza do trabalhador rural transforma-se em indigência, impondo o dever da caridade pública, ação que humilha o sertanejo conhecido por sua altivez.25 25 Cf. os versos do baião de Zé Dantas e Luiz Gonzaga: “Mais doutô uma esmola / A um home qui é são/ Ou lhe mata de vergonha/ Ou vicia o cidadão.” Convém lembrar que as quedas médias de produção comercial e de subsistência contêm casos em que o prejuízo sofrido é de 100% - como aconteceu entre 1978 e 1979 com 41% e 47% dos produtores de feijão e milho, respectivamente (ver Quadro 2). No caso da perda de lavouras alimentares, o salário de emergência, que compensa em termos monetários a deterioração da renda do flagelado da seca, devolvendo-lhe nominalmente o poder de compra que se diluiu quando o milho, o feijão e o arroz desapareceram do celeiro sertanejo, constitui um recurso que não neutraliza a instabilidade em que a vítima da seca é jogada, à mercê agora do mercado com seus preços fora de controle. É aí que fica patente a indigência sertaneja, tornada concisa no comentário de um entrevistado ao dizer que, sem ser falta de chuva ou sol ardente, “seca para mim é eu chegar dentro de minha casa e não ter o que comer.”

  • 1
    O levantamento teve suporte financeiro, inicialmente, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Ceará e, mais tarde, da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também ofereceu assistência financeira à pesquisa, durante breve intervalo, através de seu Programa do Trópico Semi-Árido.
  • 2
    V. Dirceu Pessoa e Clóvis Cavalcanti, Caráter e Efeitos da Seca Nordestina de 1970 (Recife, SUDENE­SIRAC, 1973), pp. 110 et seqs.
  • 3
    Em 1981, 1982 e 1983, respectivamente, foram estes os totais de alistamentos no Programa de Emergência: 1169 mil, 702 mil e 3130 mil pessoas.
  • 4
    Em 1979, havia 95% de trabalhadores do Programa em tarefas ligadas à exploração das propriedades rurais inscritas, com 5% nas tarefas de obras públicas.
  • 5
    Os gastos totais do período 1979/83 ascendem a 818,9 bilhões de cruzeiros (a preços de agosto de 1983), ou seja, 1204 milhões de dólares (dados da SUDENE).
  • 6
    A amostra de 1979 estendeu-se a 839 trabalhadores das frentes de serviço (propriedades rurais e obras públicas), sendo distribuída regionalmente em função da importância relativa do número de flagelados da seca da lista oficial das diversas unidades federadas do Nordeste. Princípio análogo presidiu ao levantamento de dados da amostra de 1980, constituída de apenas 264 indivíduos (por razões decorrentes da grande homogeneidade do universo, já conhecido do ano anterior). Os dados de 1979 foram coletados de novembro de 1979 a fevereiro de 1980; os de 1980, de dezembro de 1980 a janeiro de 1981.
  • 7
    Os dados a respeito são conclusivos. No Nordeste, em 1979, a população economicamente ativa no setor rural era integrada de mulheres em 28,3% (cf. FlBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1979. Vol. 4 - tomo 5, Região V, p. 11).
  • 8
    Vejam-se estes depoimentos, colhidos por pesquisadores no campo: “Um dos maiores sacrifícios [na seca] é trabalhar sozinho na Emergência para dar de comer a oito pessoas.”“A mulher não se inscreve. Isso aí é uma coisa errada. [ ... ] Aqui, se a mulher não se alista, então o homem devia ganhar mais.” “Se a mulher pudesse se alistar também, era bom.”
  • 9
    Sertanejo é o habitante do Sertão, a terra tão bem retratada em Os Sertões, de Euclides da Cunha (de 1902) e em Vidas Secas, de Graciliano Ramos (de 1938). O Sertão aparece com bastante acuidade no recente La Guerra dei Fin del Mundo (de 1981), de M. Vargas Llosa.
  • 10
    Cf. IBGE, Pesquisa Nacional etc., op. cit., loc. cit.
  • 11
    Exemplos de comentários ouvidos: “O erro maior [na Emergência) que acho aqui na Paraíba é o menino com 14 anos não poder se alistar.”· “No caso das famílias com sete, oito filhos, a Emergência devia alistar os filhos de 13 anos a mais, ou então se os filhos fosse tudo de menor idade, dar uma ajuda ao chefe: pagar mais a ele.” “Essa seleção [de trabalhadores inscritos] beneficiou mais as famílias grandes com filhos acima de 14 anos.”
  • 12
    Sobre a dificuldade de separar ocupações da mão-de-obra sertaneja, procurando caracterizar o perfil do trabalhador do Sertão, ver Dirceu Pessoa, Desenvolvimento Rural do Nordeste do Brasil. Parte I - O Sistema Fechado (Recife, IPEA, abril de 1979, xerox), p, 68.
  • 13
    O problema transparece em estudos de caso que foram realizados paralelamente ao levantamento dos dados aqui usados. Na verdade, é somente através de conversas demoradas e repetidas com a população que se descobrem nuanças de sua condição ocupacional. Em sete casos estudados pela pesquisadora Maria Auxiliadora Lins Pontes, por exemplo, apenas uma vez aparece um trabalhador que esteja em uma só condição ocupacional - a de parceiro.
  • 14
    V. Dirceu Pessoa e Clóvis Cavalcanti, op. cit., p. 111.
  • 15
    Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE).
  • 16
    Idem.
  • 17
    Entende-se por “produção própria” o volume de bens obtidos individualmente pelo trabalhador, livre dos pagamentos de parceria, ou seja, aquela quantidade de que ele podia dispor livremente, seja para consumo, seja para venda.
  • 18
    Sobre a importância do milho e do feijão, algumas observações de entrevistados na pesquisa de campo: “Na seca o cumê [feijão e milho] é mais limitado e a gente, com isso, se sente mais fraco para trabalhar nesse serviço pesado.” “A seca prejudica a gente porque tudo é pago e com uma carestia muito grande.” “Quando o inverno é fraco, derruba os legumes [feijão e milho]. Em dezembro é tempo de plantação. A planta nasce, se cria. Aí, no segurá do legume, a chuva não vem. Aí é seca.” “A vida da gente num ano seco muda muito: nós não fica com recurso nenhum de alimento.” “Quando a seca vem, se sofre muito. Num inverno bom o camarada lucra um milhinho, uma batata, que é um refrigero para o pobre.”
  • 19
    V. Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais / Serviços Integrados de Assessoria e Consultoria Ltda. / Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado do Ceará/SUDENE, Nordeste e Ceará: Estudo Climatológico da Seca de 1979 (Recife, SIRAC, FUNDAJ, SAAb, SUDENE, 1981), p. 76.
  • 20
    Mais precisamente, foram estes os números revelados pelo levantamento da FUNDAJ, em porcentagens:
  • 21
    Não são simples os problemas enfrentados para a obtenção das cifras do Quadro 4. Parte substancial do que ali aparece corresponde ao autoconsumo, mensurado a preços de mercado. Tais preços são aqueles aos quais a produção destinada ao mercado foi vendida - venda que nem todo pequeno produtor realizou. No caso de produtor que tivesse produção vendida, para determinação do valor da produção que não destinou produção à venda, o preço usado foi uma média das informações de preço colhidas no local da entrevista desse produtor. Deve-se lembrar, por outro lado, que as informações de 1978 e 1979 foram levantadas no período da pesquisa de campo, ou seja, outubro de 1979 a fevereiro de 1980, estando sujeitas aos equívocos naturais em inquéritos que pedem aos informantes dados com certa defasagem.
  • 22
    Utilizou-se apenas a informação de 1978, por ser a do ano não-seco do período e porque nos demais anos a posição relativa dos diversos produtores, como se pode presumir de uma consulta aos Quadros 5 e 6, não se alterou
  • 23
    O salário médio do Programa de Emergência em 1980, computado pela pesquisa, foi de 2.856 cruzeiros, ou seja, 64% do salário-mínimo da ocasião das entrevistas (4.450 cruzeiros). A título de esclarecimento, em março de 1984, no final da Emergência, o salário de socorro (CrS 15.300) era só 30% do salário-mínimo da maior parte da área atingida (CrS 50.256).
  • 24
    Supõe-se 1,7 pessoa trabalhando por família, com o ganho mensal de 116 dólares. Admitiu-se ainda, de acordo com os dados da pesquisa, uma família de 6,2 pessoas.
  • 25
    Cf. os versos do baião de Zé Dantas e Luiz Gonzaga: “Mais doutô uma esmola / A um home qui é são/ Ou lhe mata de vergonha/ Ou vicia o cidadão.”
  • JEL Classification: Q54; Q25; Q15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1986
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