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As dificuldades do Plano Austral: a inflação retorna* * Artigo publicado em Ámbito Financiero, Buenos Aires, 17.7.1986. * * Traduzido por Marina Brasil Rocha.

The difficulties of the Austral Plan: inflation returns

RESUMO

Depois de algum sucesso inicial, o Plano Austral começa a mostrar sua fraqueza. Esta nota fornece uma análise dos últimos números da inflação e o que vem a seguir para o processo de estabilização na Argentina

PALAVRAS-CHAVE:
Plano austral; inflação; estabilização

ABSTRACT

After some initial success, the Austral Plan is starting to show its weakness. This note provides an analysis of the latest inflation figures and what is next for the stabilization process in Argentina.

KEYWORDS:
Austral plan; inflation; stabilization

Transcorria o mês de agosto do ano passado quando escrevi um artigo referente ao Plano Austral, dando-lhe o título: “Está morta ou adormecida?”, em óbvia alusão à inflação.1 1 Revista Mercado, 29.8.1985. Em alguns de seus parágrafos destacava o esforço que faziam as autoridades para “desativar” expectativas demasiado otimistas, próprias da euforia geral que se havia gerado em vastos setores da população. Em todo caso, tratavam de enfatizar os esforços que se deviam fazer para alcançar a estabilidade de preços, esforços de que deviam ser participes todos os argentinos e não apenas os membros da equipe econômica.

É o caso de se recordar que esse sentimento, com a relação à estabilidade, era compartilhado por visitantes ilustres oriundos dos meios acadêmicos, financeiro e governamental, todos dos Estados Unidos da América do Norte. Alguns, como o Prêmio Nobel da Economia professor Franco Modigliani, chegaram a qualificar como de verdadeiro milagre os resultados que mostrava, então, o Plano Austral.2 2 Revista Mercado, 21.11.1985

Ao mesmo tempo que tais visitas ocorriam, um veículo especializado publicou uma pesquisa realizada entre economistas locais com relação à taxa esperada de inflação para 1986. Meu prognóstico foi de uma taxa média de 5%, cifra compartilhada por outro colega.3 3 Prensa Económica, dez. 1985. Refiro-me ao dr. Aldo Dadone.

INDICADORES

Passaram-se alguns meses desde então, e os indicadores revelam que as minhas reservas e previsões lamentavelmente se confirmam. Hoje, os termos do debate não passam pela estabilidade ou inflação, mas, sim, se estamos diante de um patamar em torno desse valor ou de uma tendência de sinal· positivo. Parece-me oportuno antecipar minha conclusão. Acredito que a inflação tomou um rumo crescente, que deixou para trás a previsão oficial de 28% ao ano para o índice combinado de preços de atacado e de varejo, e que se encontra implícita nas linhas orçamentárias.

A afirmação baseia-se na observação dos seguintes valores. Nos preços de varejo, a taxa média mensal entre agosto de 1985 e dezembro do mesmo ano foi de 2,5%; a do primeiro trimestre deste ano foi de 3,1% e a do segundo trimestre, de 4,4%, com um fechamento em junho de 4,5% e um valor esperado para julho ligeiramente superior a 5%. Nos preços de atacado, os valores correspondentes aos mesmos períodos são, respectivamente, de 0,6%, 0,7%, 3,4%, fechando junho com 4,6%.

Naturalmente, trata-se de índices médios, que estão revelando a presença de alterações cada vez mais intensas na estrutura de preços relativos, que constitui o antecedente mais significativo para efeito de extrapolar tendências. E isto coincide com a própria visão das autoridades, já que, ao implementarem o programa conforme o modelo neo-estruturalista, implicitamente reconheciam que a inflação de qualquer período é função da variabilidade dos preços relativos no período imediatamente anterior, ao qual se agrega o componente inercial a que esta dá lugar.

RESISTÊNCIA

Ao nível a que havia chegado a inflação em junho de 1985, que era de 30,5% ao mês nos preços de varejo e de 42,4% nos preços de atacado, era óbvio concordar com tal conclusão e, consequentemente, opor resistência a se chegar à estabilidade partindo de um enfoque ortodoxo da matéria. Precisamente, a carga inercial se encarregara de impedir tal intento.

Podia-se, pois, estar de acordo com o congelamento inicial de preços e a complementação aplicada ao colocar em vigor a “tabela de deságio”. O êxito posterior dependia de alguns outros ingredientes. O primeiro, se acertara no desenho da estrutura de preços congelada; o segundo, o equilíbrio da parte fiscal com um forte privilégio à contração do gasto público; o terceiro, dotando de um forte viés gerador de divisas o setor externo; e o quarto, um cronograma de efetivos incentivos à formação de capital.

Lamentavelmente, nenhum destes elementos tem-se feito presente, e·a curto prazo ficou evidente que toda a estratégia se esgotava no congelamento inicial e na neutralidade distributiva contida no deságio dos contratos anteriores a junho. Ao não se colocar em marcha mecanismos complementares para romper com rigidez estrutural, o tempo começou a trabalhar contra os objetivos iniciais.

É que a estrutura de preços congelada resultou ser de equilíbrio instável toda vez que os preços industriais apresentavam vantagens em relação aos agropecuários e, entre estes, os dos alimentos frescos, assim como o do gado, estavam atrasados em relação aos do cereais. Considerando-se que o mercado de alimentos é sumamente competitivo e responde a variações nas condições de oferta e demanda, assim como a reduzida margem de controle do Estado para influir sobre elas, a recuperação que se teria de produzir alteraria o equilíbrio inicial, sobretudo em matéria salarial.

Caso distinto foi o referente aos preços industriais, porque ali não só o controle é mais efetivo, como também o Estado controlou variáveis estratégicas que compõem os custos de produção, por exemplo, os salários, o sistema de câmbio e as tarifas de serviços públicos e combustíveis. A desvalorização do dólar frente às demais moedas possibilitou um longo período de estabilidade para o austral.

A análise anterior permite a compreensão do comportamento díspar dos índices de preços no atacado e no varejo até o primeiro trimestre deste ano. Mas quando, a partir de abril, começa o período de “administração de preços”, a melhor expressão de “reindexação”, os primeiros começam a acelerar sua taxa de crescimento até que, no mês de junho, ultrapassam os de varejo.

A melhoria das receitas em termos reais e a política monetária expansiva justificam, neste contexto, a expansão observada no nível de atividade econômica em setores particulares da economia, especialmente na indústria. A expansão dos meios de pagamento possibilitou uma rápida remonetização do sistema, mas deve-se notar que a partir da ascensão dos preços no primeiro trimestre começa a evidenciar-se uma queda na demanda por ativos monetários não remunerados, conferindo à economia um perigoso rumo que força, no segundo semestre, uma contração da liquidez com o concomitante incremento dos juros, o que permite afirmar que o nível da atividade econômica está próximo de seus limites.

Por sua vez, a situação do setor externo não é nada alentadora. É certo que os acordos alcançados até agora com os credores internacionais e a recomposição de reservas observada no BCRA justificam o grau de tranquilidade que se observa no mercado de divisas. Mas, ao mesmo tempo, os sinais que o governo emite indicam a possibilidade de um processo de sobrevalorização do câmbio. Se isto persistir, a inflação conterá um componente que a manterá reprimida.

REFORMULAÇÃO

Diante deste panorama, acredito que se impõe uma rápida reformulação do programa econômico, porquanto: 1) a luta intersetorial, favorecida pela vigência de estruturas corporativas, deverá aumentar e levará a um processo de reindexação que aumentará em valores com o correr dos meses; 2) o investimento não terá a dinâmica que se pretende porque as taxas de juros a impedem e porque a modificação dos preços relativos prossegue fortemente influenciada por decisões administrativas; 3) porque a intenção de conseguir o equilíbrio das contas públicas por meio da arrecadação congela uma alocação de recursos no Estado que· se associa à baixa produtividade; 4) porque, ao não se promoverem as exportações e substituição de importações, a cada vez mais reduzida capacidade de importação impõe tetos também cada vez mais baixos à atividade econômica.

Vale a pena ter presente a experiência argentina entre os anos 1955 e 1974, último ano com dois dígitos de inflação até o advento do plano austral. Em todos estes anos, a taxa média de inflação anual foi de 3I,9%, um valor que hoje preencheria as aspirações de todos.

O quadro que se segue revela que nos 19 anos considerados, 13 registram valores inferiores a 30% e três abaixo de 40%. Nos 15 anos da série houve crescimento da economia a valores muito superiores à taxa de crescimento demográfico. Apenas 1966 registra sinal positivo, mas negativo em termos de produto por habitante. Em troca, três dos anos considerados apresentam crescimento negativo do PIB.

COMPATIBILIDADE

Com risco de parecer superficial, fica claro para mim que taxas moderadas de inflação (moderadas para o nosso padrão) são relativamente estáveis entre nós e compatíveis com o crescimento, ou melhor, assim tem sido.

Segundo meu ponto de vista, a variação dos preços relativos não tem força suficiente para gerar inflação inercial frente a valores inferiores a 40% de inflação anual. Tampouco a tem presença circunstancial de um valor tão alto como o registrado em 1959, quando a sociedade não havia desenvolvido referências culturais inflacionárias.

Qual é, portanto, o elemento presente agora e ausente então, que prejudica o esforço realizado e nos pode pôr de novo frente a um quadro inflacionário agudo, se assim definimos aquele que temos à vista com 70% de inflação anual?

Diante das circunstâncias já anotadas, entendo que não é outro senão o endividamento externo que atua sobre o sistema de uma maneira dual. Por um lado, no circuito financeiro de moeda nacional, ao requerer recursos para financiar o orçamento no item juros da dívida externa, que gira em torno de 7% do PIB. Sem dívida externa, o orçamento estaria praticamente equilibrado, ou ainda, propiciaria um ligeiro superávit. O que realmente importa é que esta é um verdadeiro filtro de fluxo de rendas, já que beneficia os residentes do exterior sem contrapartida local alguma.

Por outro lado, porque submete a uma tensão permanente o mercado de divisas do lado da demanda, posto que a transferência é uma moeda estrangeira, que, por sua vez, o país produz cada vez em menor quantidade, dada a queda de suas exportações. Com serviços praticamente rígidos e exportações em queda, nosso poder negociador frente aos organismos financeiros é certamente débil e, consequentemente, não é por acaso que o ajuste se dá via compressão das importações.

O equilíbrio que assim se perde, já há algum tempo, pretende sustentar-se nas políticas exercidas a partir do modelo conhecido como “enfoque monetário do balanço de pagamentos”, por meio da arbitragem entre taxas de juros e cotação do dólar, com o fim de estimular os canais de oferta de divisas. A longo prazo, um esquema inviável para a realidade econômica nacional, que não consegue, por meios reais, ampliar a capacidade de gerar excedentes com o fim de capitalizar o país.

Do acima exposto e também devido à tendência crescente nos índices de inflação resulta que, no necessário replanejamento da política econômica, não podem estar ausentes o tratamento da dívida externa e a participação do FMI no processo de sua renegociação. Sei que isto é certamente difícil, mas já não somos só nós que adotamos esta linha de pensamento. Isto, insisto, à margem dos necessários ajustes internos em relação aos quais nossa responsabilidade é plena e absolutamente indelegável.


Inflação e crescimento no período 1956-1973
  • 1
    Revista Mercado, 29.8.1985.
  • 2
    Revista Mercado, 21.11.1985
  • 3
    Prensa Económica, dez. 1985. Refiro-me ao dr. Aldo Dadone.
  • *
    Artigo publicado em Ámbito Financiero, Buenos Aires, 17.7.1986.
  • 6
    JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1986
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