Acessibilidade / Reportar erro

Sociedades cooperativas de interesse coletivo: inspiração para o cooperativismo brasileiro do futuro?

Cooperative societies of collective interest (scic): inspiration for the brazilian cooperativism of the future?

Resumo

Este trabalho analisa as caraterísticas e funcionamento das sociedades cooperativas de interesse coletivo (Scic) francesas e suas possíveis contribuições para o aprimoramento do cooperativismo brasileiro. De natureza qualitativa, a metodologia emprega uma abordagem descritiva e exploratória, com uso de dados primários e secundários, visitas a organizações sociais e entrevistas realizadas na França entre 2022 e 2023. Desde o final do século XIX, diversos fatores fizeram as cooperativas multissocietárias, na qual diferentes tipos de público formam seu quadro social, praticamente desaparecerem do cenário cooperativista mundial. Em 2001, o parlamento francês resgata a multissocietariedade cooperativa, por meio da lei das Scic. Os resultados desta investigação indicaram que as Scic estão em plena expansão nos espaços urbanos e rurais franceses, mobilizando pessoas físicas e organizações públicas e privadas em torno de empreendimentos coletivos. As Scic estão gerando inovações no modelo estatutário cooperativo e no modo de governança, favorecendo a criação de diversos tipos de negócios, muitos dos quais de caráter intersetorial e de abrangência territorial. Conclui-se que uma adaptação desse formato organizacional ao quadro jurídico-institucional brasileiro estimulará projetos cooperativos inovadores em várias áreas, com destaque para iniciativas focadas na transição ecológica dos sistemas alimentares e no desenvolvimento sustentável dos territórios rurais.

Palavras-chave:
cooperativas sociais; desenvolvimento territorial sustentável; ação coletiva; cooperativas multissocietárias; sistemas alimentares

Abstract

This work analyzes the characteristics and functioning of French cooperative societies of collective interest (Scic) and their possible contributions to the improvement of Brazilian cooperativism. Qualitative in nature, the methodology employs a descriptive and exploratory approach, use of primary and secondary data, visits to social organizations and interviews carried out in France between 2022 and 2023. Since the end of the 19th century, several factors have shaped multi-member cooperatives, in which different types of public form its social framework, practically disappearing from the global cooperative scene. In 2001, the French parliament rescued cooperative multi-society through the Scic law. The results of this investigation indicated that Scic are expanding in French urban and rural spaces, mobilizing individuals and public and private organizations around collective enterprises. Scic are generating innovations in the cooperative statutory model and in the mode of governance, favoring the creation of different types of businesses, many of which are intersectoral in nature and have territorial coverage. It is concluded that an adaptation of this organizational format to the Brazilian legal-institutional framework will stimulate innovative cooperative projects in several areas, with emphasis on initiatives focused on the ecological transition of food systems and the sustainable development of rural territories.

Key words:
Social cooperatives; sustainable territorial development; collective action; multi-corporate cooperatives; food systems

1 Introdução

As cooperativas surgiram formalmente na Europa em meados do século XIX, como uma forma de combater as desigualdades sociais e promover a justiça econômica. Geralmente construídas por grupos sociais com distintas origens políticas e sociais, as primeiras cooperativas eram formadas pela união de trabalhadores, consumidores das camadas pobres e médias da população e pequenos empreendedores (Namorado, 2013Namorado, R. (2013). O mistério do cooperativismo: da cooperação ao movimento cooperativo. Coimbra: Almedina.). Aos poucos, o movimento cooperativo se expandiu por todos os continentes, agrupando cooperativas em torno de um conjunto de valores, princípios, identidade e uma marca comum (Bancel, 2022Bancel, J. (2022). L’enjeu de l’identité coopérative à l’heure où la mondialisation est bousculée. Recma, 364, 16-26.). Mesmo tendo esses ideais em comum, as cooperativas desenvolveram uma grande variedade de arranjos institucionais e de estratégias de governança para envolver os associados e se relacionar com o ambiente social e econômico onde atuam (Organização das Nações Unidas, 2014Organização das Nações Unidas. (2014). Measuring the size and scope of the cooperative economy: results of the 2014 global census on co-operatives. New York: ONU. Recuperado em 15 de abril de 2023, de https://www.entreprises.coop/system/files/inline-files/report_davegrace_onu_april_2014_0.pdf
https://www.entreprises.coop/system/file...
; Duverger, 2019Duverger, T. (2019). Les trajectoires de la coopération aux XIXe-XXe siècles: un mode original d’institution des communs. In C. Ferraton & D. Vallade (Eds.), Les communs, un niveau regard sur l’économie social et solidaire? Collection Territoires en Mutation (pp. 25-38). Montpellier: Presses Universitaires de la Méditerranée.; Coop Fr, 2023Coop Fr. (2023). Panorama des entreprises coopératives. Edition 2022. Paris: Coop Fr.). Ainda que se constate uma diversidade de práticas e estratégias de atuação, a grande maioria das cooperativas abandonou seu perfil multissocietário, passando a adotar o modelo unissocietário, pelo qual suas ações são direcionadas para um único tipo de público associado. Essa condição acabou limitando o alcance social das cooperativas e a sua capacidade de atuar no desenvolvimento dos territórios (Draperi & Margado, 2016Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.; Cáceres, 2023Cáceres, D. H. (2023). Social enterprises in the social cooperative form. In H. Peter, C. V. Vasserot & J. A. Silva (Eds.), The international handbook of social enterprise law: benefit corporations and other purpose-driven companies (pp. 173-192). Genebra: Springer.).

As sociedades cooperativas de interesse coletivo (Scic) surgiram na França em 2001, com o objetivo de fornecer uma retaguarda jurídica para empreendimentos cooperativos que desejem combinar, na mesma organização, a utilidade social, o vínculo territorial e a presença de diferentes públicos (Margado, 2005Margado, A. (2005). Les SCIC, une coopérative encore en devenir. Recma, 295, 17-30.; Emin & Guibert, 2009Emin, S., & Guibert, G. (2009). Mise en œuvre des sociétés coopératives d’intérêt collectif (Scic) dans le secteur culturel. Diversités entrepreneuriales et difficultés managériales. Innovations, 30, 71-97.). As regras das Scic rompem com a cultura da especialização, uma prática muito presente nos negócios cooperativistas contemporâneos, como também na presença de uma única categoria social de aderentes. Nesse sentido, as Scic resgatam uma antiga tradição observadas nas cooperativas no século XIX: a pluralidade nas atividades e a diversidade no perfil do público associado. O principal combustível que dá vida a uma Scic é a definição das categorias de associados: “o vínculo que cada um estabelece com a cooperativa, das suas expectativas e da contribuição que essa categoria oferece em competências” (Draperi & Margado, 2016, pDraperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.. 31).

Margado (2002)Margado, A. (2002). Scic, société coopérative d’intérêt collectif. Recma, 284, 9-30. assinala que a Scic se diferencia das demais formas jurídicas empregadas no cooperativismo francês e na quase totalidade de outros países, incluindo o Brasil, porque abriga arranjos organizacionais exclusivamente multissocietários, geridos por mecanismos de governança que estimulam a gestão compartilhada dos diferentes públicos associados. Assim, a Scic nasceu para fidelizar a união de várias pessoas físicas e/ ou jurídicas em torno de uma mesma organização para atuar em torno de um projeto comum (Margado, 2005Margado, A. (2005). Les SCIC, une coopérative encore en devenir. Recma, 295, 17-30.). Seu modelo associa, obrigatoriamente, os beneficiários desse projeto, os assalariados ou produtores, e um terceiro público interessado no empreendimento, que pode ser composto por voluntários, usuários, pesquisadores, investidores, representantes do poder público, e outras pessoas físicas e jurídicas, a depender da gama de atividades desenvolvidas pela organização (Draperi & Margado, 2016Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.).

Atualmente, as Scic já conformam um amplo mosaico de empreendimentos dedicados à produção de bens e à prestação de serviços tanto no meio rural quanto no meio urbano francês (Confederation Generale des Scop et des Scic, 2024Confederation Generale des Scop et des Scic. (2024). Les Scic. Recuperado em 15 de abril de 2023, de https://https://www.les-scic.coop/.
https://https://www.les-scic.coop/...
). Nos aglomerados urbanos, cooperativas Scic estão se tornando a retaguarda legal de mercearias, minimercados, lojas e outros tipos de estabelecimentos comerciais que distribuem e revendem alimentos nas grandes e pequenas cidades (Union Regionale des Scop Auverne-Rhone-Alpes, 2023Union Regionale des Scop Auverne-Rhone-Alpes. (2023). Garantir une production alimentaire locale de qualité et l’accès au métier de paysanne : l’exemple de la Ferme de Sarliève. Lyon: Communiqué de Presse. Scop Auverne- Rhone Alpes.). Embasam, igualmente, projetos coletivos para produção e consumo de energia renovável, assim como estruturam negócios urbanos, como livrarias, bares, lojas de artesanato, restaurantes, pequenos comércios, processadoras e distribuidoras de alimentos, companhias artísticas, prestadores de serviços nas áreas da saúde, educação, cultura, transporte, entre outros (Confederation Generale des Scop et des Scic, 2024Confederation Generale des Scop et des Scic. (2024). Les Scic. Recuperado em 15 de abril de 2023, de https://https://www.les-scic.coop/.
https://https://www.les-scic.coop/...
). No meio rural, as Scic abrigam empreendimentos variados, como as fazendas agroecológicas compartilhadas, nas quais se entrelaçam, no mesmo espaço físico, públicos distintos dedicados a promover múltiplas atividades, como a produção e comercialização de alimentos saudáveis, execução de projetos socioeducativos e ambientais, exploração de destinos turísticos etc. (Bonnemaizon & Béji-Bécheur, 2018Bonnemaizon, A., & Béji-Bécheur, A. (2018) Démocratie du statut à l’action. Étude de cas d’une SCIC dans le secteur des musiques actuelles.Revue Française de Gestion, 276(7), 123-142.). Outras Scic envolvem agricultores, organizações de apoio sociotécnico e financeiro para implantar projetos visando a instalação de jovens no meio rural (Suarez et al., 2022Suarez, N., Triboulet, P., Arnaud, C., Terrisse, P. C. (2022). Les réponses des Scic aux enjeux agricoles émergeants: panorama et dynamiques. Recma, 363(1), 64-82.). Em algumas regiões, as Scic ajudam ainda a fidelizar pessoas físicas e jurídicas, entes governamentais e outros atores interessados em empreender projetos mais robustos, como os relacionados à gestão de sistemas alimentares territoriais (SAT) e iniciativas voltadas ao desenvolvimento territorial sustentável. Para Duverger (2019)Duverger, T. (2019). Les trajectoires de la coopération aux XIXe-XXe siècles: un mode original d’institution des communs. In C. Ferraton & D. Vallade (Eds.), Les communs, un niveau regard sur l’économie social et solidaire? Collection Territoires en Mutation (pp. 25-38). Montpellier: Presses Universitaires de la Méditerranée., muitas cooperativas Scic estão nascendo como alternativa organizacional para gerir bens comuns e fomentar projetos de interesse comunitário.

Todos esses propósitos das Scic se coadunam com o debate sobre as potencialidades e responsabilidades das cooperativas no século XIX, assinaladas pela Agenda 2030 e pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), ambas iniciativas lançadas pela Organização das Nações Unidas (Becuwe et al., 2020Becuwe, A., Chebbi, H., & Pasquet, P. (2020). La gouvernance coopérative, condition du référentiel durable d’une organisation?La Revue des Sciences de Gestion, 6(306), 11-18.).

Como o estatuto multissocietário não é praticado pelo cooperativismo brasileiro, pesquisas a respeito das motivações que justificaram a construção do modelo são fundamentais para quem deseja entender a sua relevância. Para isso, é necessário compreender as implicações que o estatuto multissocietário gera em termos conceituais, como também os efeitos práticos que a Scic tem gerado nos meios sociais e econômicos onde é instalada. Ou seja, esse esforço demanda reflexões teóricas e investigação empírica sobre os caminhos sociais e políticos que o cooperativismo francês e mundial vem trilhando nos últimos anos, como também sobre as implicações que a introdução dessa inovação representa para o contexto brasileiro, especialmente diante de um cenário em que as discussões sobre produção, consumo e qualidade dos alimentos e sobre a sustentabilidade dos ambientes rurais tornam-se cada vez mais prementes.

Durante o seu delineamento, esta pesquisa se pautou por 3 questões correlatas: 1) como funcionam e quais são as principais diferenças estatutárias e no modo de governança das cooperativas multissocietárias Scic em relação aos modelos unissocietários? 2) em que medida uma adaptação do modelo das Scic ao marco legal do cooperativismo brasileiro pode contribuir para o seu aprimoramento? 3) a cooperação multissocietária e o modo de governança das Scic potencializam a criação e execução de projetos relacionados ao desenvolvimento sustentável de territórios rurais e à transição ecológica dos SAT?

A partir dessas interrogações, este trabalho tem como objetivo analisar as principais características estatutárias e operacionais das cooperativas Scic da França e as possibilidades que esse modelo pode gerar para o aprimoramento do cooperativismo no meio rural brasileiro1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Representa um dos resultados do pós-doutoramento efetuado pelo autor entre setembro de 2022 e julho de 2023 em Montpellier (França), por meio do projeto “Sistemas agroalimentares e políticas públicas: construção de inovações teóricas e metodológicas para análise de experiências internacionais”, aprovado no Edital n.12/2019 do Programa Capes/Cofecub. .

De natureza qualitativa, a metodologia da pesquisa se baseou numa abordagem descritiva e exploratória, com empregos de diversos instrumentos de pesquisa. A conceituação teórica adotou uma orientação interdisciplinar, com destaque na literatura francesa que trata do cooperativismo, desenvolvimento rural, sistemas alimentares e economia dos territórios. Para fundamentar a parte empírica, realizou-se visitas exploratórias em cooperativas francesas de diversos ramos e um trabalho de campo específico em 6 cooperativas Scic, onde foram entrevistados dirigentes e associados. A pesquisa foi completada por outras entrevistas com pesquisadores franceses dedicados aos temas dos SAT e do desenvolvimento rural.

Após esta introdução, o trabalho apresenta a fundamentação teórica, assinalando brevemente os processos históricos e políticos presentes no cooperativismo francês que resultaram na criação do modelo das Scic. A seguir, o texto descreve a metodologia e os procedimentos utilizados nas diferentes etapas da pesquisa, incluindo o trabalho de campo realizado. A quarta parte reúne os principais resultados da investigação, dando destaque às análises das experiências de Scic que atuam no meio rural e em SATs. No final desse tópico, analisa-se o potencial inovador das Scic para o Brasil, a partir de situações e exemplos que poderão orientar a sua aplicabilidade no país. Em suas conclusões, o texto recomenda que as cooperativas multissocietárias sejam mais conhecidas e difundidas no Brasil, como meio de fortalecer a ação coletiva de distintos públicos e em várias áreas de atuação, com destaque para iniciativas que busquem aprimorar a sustentabilidade dos sistemas alimentares e impulsionar o desenvolvimento de territórios rurais.

2 Fundamentação teórica

Em muitos países, as cooperativas geram um efeito de regulação econômica, ajudando a evidenciar as insuficiências e disfunções do capitalismo (Ansart et. al, 2014Ansart, S., Artis, A., & Monvoisin, V. (2014). Les coopératives: agent de régulation au cœur du système capitaliste? La Revue des Sciences de Gestion, 269-270(5-6), 111-119.). Ao contrário das sociedades comerciais limitadas, nas cooperativas os resultados econômicos auferidos não são destinados às mãos de proprietários individuais do capital e sim compartilhados pelos membros associados ou reinvestidos no próprio empreendimento (Bancel, 2022Bancel, J. (2022). L’enjeu de l’identité coopérative à l’heure où la mondialisation est bousculée. Recma, 364, 16-26.).

Na França, a produção e distribuição das riquezas geradas pelas sociedades cooperativas estão visíveis por toda parte. A partir do século XIX, as cooperativas constituídas por coletivos de trabalhadores, consumidores ou por pequenos empresários ocuparam espaços estratégicos na economia urbana e rural, moldando a cultura da população e das organizações que compõem o tecido social do país. Uma pesquisa realizada pelas Nações Unidas em 2014 analisou o sistema cooperativo de 145 países a partir de 03 indicadores: o número de cooperados em relação ao total da população; o número de empregos gerados; e o volume de negócios em relação ao PIB. Na média desses três índices, a França foi classificada como a segunda maior economia cooperativa do mundo, atrás da Nova Zelândia (Organização das Nações Unidas, 2014Organização das Nações Unidas. (2014). Measuring the size and scope of the cooperative economy: results of the 2014 global census on co-operatives. New York: ONU. Recuperado em 15 de abril de 2023, de https://www.entreprises.coop/system/files/inline-files/report_davegrace_onu_april_2014_0.pdf
https://www.entreprises.coop/system/file...
). Dados da Coop FR (maior entidade de representação do cooperativismo francês) indicam que as cooperativas agrícolas, de comerciantes e financeiras são líderes em seus setores de atuação (Coop Fr, 2023Coop Fr. (2023). Panorama des entreprises coopératives. Edition 2022. Paris: Coop Fr.).

O cooperativismo também contribuiu para a manutenção dos territórios rurais franceses, muitos deles localizados distante dos grandes polos urbanos e industriais, reforçando a regionalização e a descentralização do desenvolvimento socioeconômico do país. Dotadas de um marco legal especialmente construído para proteger seus interesses e das famílias agricultoras associadas, ao longo do século XX as cooperativas do meio rural foram agentes primordiais na modernização da agricultura francesa (Mauget, 2008Mauget, R. (2008). Les coopératives agricoles: un atout pour la pérennité de l’agriculture dans la mondialisation. Recma, 307, 46-57.). Com apoio das cooperativas, muitas comunidades rurais e unidades produtivas foram totalmente reconfiguradas. Por meio de um intenso processo de reestruturação fundiária, oferta de crédito e promoção da assistência técnica, as cooperativas proporcionaram aumentos significativos na produção e na produtividade agrícola, como também atuaram na agroindustrialização de inúmeros produtos, contribuindo decisivamente para a redução dos preços dos alimentos nas cidades e para o aumento das exportações agrícolas. Purseigle & Hervieu (2022)Purseigle, F., & Hervieu, B. (2022). Une agriculture sans agriculteurs. Paris: Presses de Sciences. apontaram que durante muitos anos, em função de seus compromissos sociais e regras de funcionamento, as cooperativas ajudaram a criar e manter as riquezas que fortaleciam a economia do território e gerava bem-estar às populações, dentro de um processo circular.

Nas últimas décadas, porém, as cooperativas francesas se viram diante de novos desafios, que colocam em xeque seu modus operandi tradicional. Elas precisavam se adaptar às crises no regime de produção capitalista, ao surgimento dos acordos internacionais de livre comércio e, mais recentemente, aos problemas derivados do aquecimento climático (Bancel, 2022Bancel, J. (2022). L’enjeu de l’identité coopérative à l’heure où la mondialisation est bousculée. Recma, 364, 16-26.). Nas cooperativas agrícolas e de consumidores, tais questões se somavam a mudanças dos padrões de consumo, na composição das famílias agricultoras e no perfil da população que habita os territórios rurais, entre outras (Purseigle & Hervieu, 2022Purseigle, F., & Hervieu, B. (2022). Une agriculture sans agriculteurs. Paris: Presses de Sciences.). No setor de alimentos, a formação do Mercado Comum Europeu alterou profundamente a formação dos preços de produtos como as frutas e legumes, fruto da forte concorrência advinda da abertura dos mercados a nações vizinhas. Pequenas e médias cooperativas agrícolas tiveram problemas para manter a rentabilidade de seus negócios, geralmente baseadas na comercialização de produtos tradicionais. Muitas delas acabaram sendo incorporadas ou liquidadas, gerando uma forte reestruturação do setor (Mauget, 2008Mauget, R. (2008). Les coopératives agricoles: un atout pour la pérennité de l’agriculture dans la mondialisation. Recma, 307, 46-57.).

Para lidar com essas transformações e a consequente complexidade das estratégias a serem adotadas (Thomas, 2008Thomas, F. (2008). Scic et agriculture Recma, 310: le temps des défricheurs. (4), 17-30.), as cooperativas francesas optaram por duas vertentes opostas. A primeira foi seguida por organizações cooperativas que apostaram em ações de “caráter externo”, preferindo concentrar suas estruturas e focar sua atuação em mercados globais (Saïsset & Cheriet (2012)Saïsset, L.-A., & Cheriet, F. (2012). Grandir, oui, mais comment? Analyse de la concentration par fusions des coopératives vinicoles du Languedoc-Roussillon. Recma, 326(1), 45-63.. Para tanto, aplicaram uma série de estratégias mercantis, tais como: ampliação do processo de verticalização das cadeias produtivas nas quais atuam; diversificação de seu portfólio com produtos cuja origem vem de seus próprios associados; estabelecimento de alianças com outras cooperativas para conquista de mercados; montagem de parcerias comerciais com empresas não cooperativas, principalmente com as que possuem experiência internacional (Mauget, 2008Mauget, R. (2008). Les coopératives agricoles: un atout pour la pérennité de l’agriculture dans la mondialisation. Recma, 307, 46-57.).

É comum observar que tais alianças das cooperativas com as organizações não cooperativas gerem um processo de isomorfismo institucional (DiMaggio & Powell, 1983DiMaggio, P., & Powell, W. (1983). The ironcage revisited institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 47-160.). Tal processo resulta, em alguma medida, num processo de distanciamento da cooperativa em relação a sua identidade, princípios e valores, gerando problemas de legitimidade social. Cooperativas que atuam nessa lógica acabam reforçando igualmente um fenômeno muito presente na economia contemporânea: a extração de valor. De acordo com o receituário que molda o processo de financeirização da economia atual, as grandes corporações transferem parte significativa de seus lucros aos acionistas, na forma de dividendos, bem como aos altos gerentes (CEOs) e diretores executivos, via salários e bonificações. Essas organizações abandonaram um princípio básico que moldava a cultura empresarial e o ambiente econômico até o final do século XX: direcionar o valor produzido pelas atividades para a geração de bens e serviços de interesse da sociedade (Mazzucato, 2020Mazzucato, M. (2020). O valor de tudo. São Paulo: Portfólio-Penguin.).

A intensidade desse processo de isomorfismo e as consequências derivadas do processo de financeirização das grandes cooperativas já atinge limites preocupantes (Draperi, 2017Draperi, J. F. (2017). De la coopérative à la coopération... Et réciproquement. Recma, 343(1), 4-6.). Nos últimos anos, a reputação das cooperativas vem sendo questionada em vários ambientes e espaços de decisão: “nas organizações internacionais de desenvolvimento, o modelo cooperativo perdeu muito terreno” (Bancel, 2022, pBancel, J. (2022). L’enjeu de l’identité coopérative à l’heure où la mondialisation est bousculée. Recma, 364, 16-26.. 25).

Por sua vez, as cooperativas da outra vertente apostaram em seus laços territoriais, preferindo se voltar às redes de proximidade para criar novas formas de compartilhar recursos e investimentos no seio das comunidades de origem (Filippi et al., 2008Filippi, M., Frey, O., & Mauget, R. (2008). Les enjeux des entreprises coopératives agricoles, la gouvernance coopérative face à l’internationalisation et la mondialisation des marchés? Les entreprises coopératives agricoles. In Colloque Safer (pp. 28-29). Paris: Safer.). Essas estratégias reforçavam uma atuação focada em produtos e serviços ajustados a necessidades de seus territórios e suas potencialidades. Algumas cooperativas desse grupo também se voltaram para o atendimento de necessidades de populações e grupos vulneráveis, assumindo-se como uma empresa solidária, de utilidade social (Cáceres, 2023Cáceres, D. H. (2023). Social enterprises in the social cooperative form. In H. Peter, C. V. Vasserot & J. A. Silva (Eds.), The international handbook of social enterprise law: benefit corporations and other purpose-driven companies (pp. 173-192). Genebra: Springer.). Entender como surgiram e de que modo as Scic se inserem nas lógicas da segunda vertente é o que se verá a seguir.

2.1 Scic: um projeto de longa maturação

No Pós-Guerra, a França e outros países europeus construíram políticas públicas tendo o Estado como ente garantidor dos direitos sociais universais e como promotor da igualdade. Os laços de convivialidade e formas de atendimento de demandas geradas por diferentes categorias de trabalhadores e por membros da sociedade em geral tinham nas organizações sociais, sindicais e cooperativas uma base institucional estratégica, que garantia a reprodução e a sustentabilidade sociopolítica das políticas de bem-estar. No início da década de 1970, a Europa assiste ao fim dos trinta anos gloriosos, interrompendo um período constante de queda nas desigualdades socioeconômicas. Em muitos países, crises econômicas sucessivas abalam os pactos sociais e culturais que mediavam as relações capital x trabalho e davam suporte institucional às políticas de bem-estar do Welfare State (Rosanvallon, 1981Rosanvallon, P. (1981). La crise de l’État-providence. Paris: Seuil.).

Draperi (2017)Draperi, J. F. (2017). De la coopérative à la coopération... Et réciproquement. Recma, 343(1), 4-6. destaca que a emergência do receituário neoliberal, que advém desse momento de crise, passou a ressaltar o empreendedorismo individual como o (melhor) caminho para a geração de renda e como “solução” para o emprego dos trabalhadores, afetando, por consequência, o valor simbólico e a continuidade das relações de cooperação e de solidariedade no meio social. Como forma de se contrapor a situação, atores do mundo associativo passaram a montar estratégias para reativar a ação coletiva no meio social e (re)construir projetos capazes reformatar a ação cooperativa em torno da Economia Social e Solidária (ESS). Frutos desse movimento, muitos arcabouços jurídicos e políticas públicas foram desenhados para atender esses propósitos (Cáceres, 2023Cáceres, D. H. (2023). Social enterprises in the social cooperative form. In H. Peter, C. V. Vasserot & J. A. Silva (Eds.), The international handbook of social enterprise law: benefit corporations and other purpose-driven companies (pp. 173-192). Genebra: Springer.). A partir da metade dos anos 1980, países como Portugal, Bélgica, França, Canadá (Quebec) e outros aprovaram legislações com o objetivo de incentivar a atuação cooperativa no desenvolvimento socioeconômico, priorizando públicos carentes e regiões deprimidas economicamente. Para normatizar tais processos, alguns países estabeleceram regras exigindo a criação de novos formatos organizacionais, enquanto outros permitiram a realização de adaptações estatutárias nas cooperativas existentes (Sibille, 2012Sibille, H. (2012). Contexte et genèse de la création des sociétés coopératives d’intérêt collectif (Scic). Recma, 324, 110-117.). É nesse momento que a Itália, Espanha e outras nações instauraram as chamadas cooperativas sociais, para fornecer serviços básicos a pessoas vulneráveis e comunidades negligenciadas pelas estruturas do Estado (Cáceres, 2023Cáceres, D. H. (2023). Social enterprises in the social cooperative form. In H. Peter, C. V. Vasserot & J. A. Silva (Eds.), The international handbook of social enterprise law: benefit corporations and other purpose-driven companies (pp. 173-192). Genebra: Springer.).

Em 1985, organizações ligadas ESS da França conseguiram aprovar no Parlamento a criação da União Econômica e Social (UES), uma estrutura cujo objetivo era impulsionar a intercooperação entre diferentes organizações que atuam no campo social (Margado, 2002Margado, A. (2002). Scic, société coopérative d’intérêt collectif. Recma, 284, 9-30.). Apesar da guarida jurídica, a experiência se mostrou malsucedida em termos práticos. Foi necessário esperar mais de 15 anos para que uma nova proposta relacionada ao cooperativismo com enfoque no desenvolvimento social ganhasse espaço na agenda do movimento cooperativo e do poder público francês. Isso ocorreu por meio do projeto das Scic.

2.1.1 Remodelar antigas práticas para renovar a ação coletiva cooperativa

Já nos primórdios do século XX, por diferentes razões, o processo unissocietário como prática organizacional das cooperativas europeias se intensificou, fazendo com que a vocação comunitarista fosse praticamente esquecida pelo movimento cooperativo (Draperi, 2017Draperi, J. F. (2017). De la coopérative à la coopération... Et réciproquement. Recma, 343(1), 4-6.). Em países onde o cooperativismo nasceu mais tarde, a atuação limitada a ramos e setores econômicos (filiére) também foi a tônica desde as primeiras experiências, tanto que as legislações cooperativas que surgiam nesses países nem previam o funcionamento de organizações multissocietárias. No meio rural, a modernização da agricultura do Pós-Guerra também contribuiu para aumentar o foco na especialização das atividades cooperativas. Essa concepção unissocietária prevaleceu, mesmo que em alguns países, como o Brasil, muitas cooperativas agrícolas atuassem em diferentes setores econômicos e envolvessem o público consumidores urbanos em suas trocas mercantis.

Em 2001, o Parlamento francês aprovou uma lei autorizando o funcionamento das Scic. A ideia teve o suporte técnico e político de duas estruturas cooperativas: as Cooperativas de utilização de material agrícola (Cuma) e as Sociedades cooperativas e participativas (Scop) (Coop Fr. 2023Coop Fr. (2023). Panorama des entreprises coopératives. Edition 2022. Paris: Coop Fr.; Confederation Generale des Scop et des Scic, 2024Confederation Generale des Scop et des Scic. (2024). Les Scic. Recuperado em 15 de abril de 2023, de https://https://www.les-scic.coop/.
https://https://www.les-scic.coop/...
). Contudo, nos primeiros anos as Scic não ganharam a adesão esperada no meio social, vivendo quase uma década de certo ostracismo. Foi somente a partir de 2010 que elas iniciaram uma trajetória de expansão e passaram a dar suporte para diversos tipos de negócios cooperativos (Draperi & Margado, 2016Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.).

As Scic são originais por conta de seu foco estar na integração compulsória de vários públicos na mesma cooperativa. Uma Scic associa pessoas físicas e/ ou jurídicas em torno de um projeto comum, que combina eficiência econômica, desenvolvimento local e utilidade social (Coop Fr, 2023Coop Fr. (2023). Panorama des entreprises coopératives. Edition 2022. Paris: Coop Fr.). A Scic permite associar seus próprios assalariados, produtores, beneficiários, voluntários, usuário etc. A legislação da Scic permite ainda a participação societária de entes do poder público (prefeituras, associações de municípios e outros entes governamentais), criando novas oportunidades de atuação das cooperativas como agente promotor do desenvolvimento territorial sustentável (Moraes et al., 2021Moraes, S., Búrigo, F. L., & Cazella, A. A. (2021). Cooperativismo de crédito e desenvolvimento sustentável: a aplicação do sétimo princípio cooperativista - interesse pela comunidade. Pegada - A Revista da Geografia do Trabalho, 22(2), 232-262.).

O interesse coletivo promovido pela Scic se manifesta quando diferentes grupos societários se motivam conjuntamente a desenvolver alguma (s) atividade (s), de forma a responder a uma necessidade que eles tenham identificado (Draperi & Margado, 2016Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.). Entretanto, o propósito altruísta das Scic, indicador do interesse público e do compromisso com a comunidade, não se confunde com o interesse geral (Margado, 2002, pMargado, A. (2002). Scic, société coopérative d’intérêt collectif. Recma, 284, 9-30.. 25). O compromisso com a comunidade, incluído na lei das Scic, não pode ser traduzido sem referência a uma regulamentação e uma jurisprudência específica (Draperi & Margado, 2016Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.). Por isso, embora seja considerada uma cooperativa social, é necessário distinguir o estatuto Scic de outros empreendimentos solidários de utilidade social (Bonnemaizon & Béji-Bécheur, 2018Bonnemaizon, A., & Béji-Bécheur, A. (2018) Démocratie du statut à l’action. Étude de cas d’une SCIC dans le secteur des musiques actuelles.Revue Française de Gestion, 276(7), 123-142.), que voltam seu atendimento para um público mais amplo, geralmente composto de pessoas vulneráveis, como é o caso dos modelos estatutários das cooperativas sociais aprovados em muitos países, entre os quais o Brasil (Cáceres, 2023Cáceres, D. H. (2023). Social enterprises in the social cooperative form. In H. Peter, C. V. Vasserot & J. A. Silva (Eds.), The international handbook of social enterprise law: benefit corporations and other purpose-driven companies (pp. 173-192). Genebra: Springer.).

A legislação das Scic também chama atenção pelo fato de que o caráter multissocietário da cooperativa não é uma opção dada aos associados. Um estudo de alcance internacional aponta que a participação do poder público e de pessoas voluntárias nas cooperativas sociais existem em muitos casos, mas a multissocietariedade não é obrigatória, pois “[…] apenas as legislações francesa e sul-coreana exigem a presença de membros pertencentes a diferentes grupos de pessoas” (Cáceres, 2023, pCáceres, D. H. (2023). Social enterprises in the social cooperative form. In H. Peter, C. V. Vasserot & J. A. Silva (Eds.), The international handbook of social enterprise law: benefit corporations and other purpose-driven companies (pp. 173-192). Genebra: Springer.. 191).

Para ser instituído o marco legal das Scic, foi necessário contemplar alterações em diversos dispositivos jurídicos, pois o seu modelo estatutário inédito exigiu que elas fossem reconhecidas como organizações híbridas, situadas entre as empresas de capital e as cooperativas tradicionais (Bonnemaizon & Béji-Bécheur, 2018Bonnemaizon, A., & Béji-Bécheur, A. (2018) Démocratie du statut à l’action. Étude de cas d’une SCIC dans le secteur des musiques actuelles.Revue Française de Gestion, 276(7), 123-142.). Além disso, as Scic precisaram dispor de um estatuto associativo, previsto na lei da cooperação de 1941, e constituir uma empresa de finalidade econômica, gerida pelo Código Geral do Comércio2 2 Todas a cooperativas francesas precisam definir seu modo de funcionamento comercial antes de começar a operar. No caso das Scic, a legislação permite a escolha entre três modelos societários: sociedade de responsabilidade limitada (SARL), sociedade anônima (SA) ou sociedade por ações simplificada (SAS). Cada uma dessas sociedades prevê diferentes formas de governança, a necessidade de uma direção executiva, gestão por meio de um conselho administrativo e outras, bem como responsabilidades e livros contábeis específicos. Quando assume a forma de uma SARL ou SAS, não há um montante mínimo na composição do capital social, mas quando assume a forma de SA esse montante é de pelo menos 18.500 euros (Confederation Generale des Scop et des Scic, 2024). .

Na França, uma lei geral de apoio a Economia Social Solidária, também conhecida como Lei Hamon, aprovada em 2014, prevê que associações, empresas mutuais, cooperativas e fundações possam ser reconhecidas como empresa solidária e de interesse social, condição que lhes outorga algumas vantagens fiscais e financeiras. A referida lei também remunera as cooperativas sociais que recrutam jovens para trabalhar na organização e assim apreender uma profissão. As Scic são entendidas como cooperativas preocupadas com a viabilização de negócios no plano territorial e por isso também foram enquadradas pela Lei Hamon como cooperativas de interesse social.

O estatuto das Sociedades agrícolas de interesse Coletivo (Sica) também permite associar produtores agrícolas e consumidores de sua produção. Contudo, a lei não considera a Sica como cooperativa de interesse social e nem exige a presença de públicos diferentes. Somente a Scic é multissocietária por excelência, sua própria razão de ser (Draperi & Margado, 2016Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.).

Uma das regras que demonstra a característica multisocietária da Scic é a que trata da composição dos seus públicos. A lei de 2001 previu que, na constituição de uma Scic, existem duas categorias de públicos obrigatórias: os beneficiários de produtos ou serviços ofertados pelo empreendimento e os assalariados da empresa cooperativa. Uma mudança parcial dessa regra ocorreu em 2014, quando foi a promulgada a Lei Hamon. A partir daí, quando uma Scic não possuir funcionários, os produtores (como os agricultores, por exemplo) podem substituir os assalariados como o segundo público obrigatório. Além disso, a lei de 2001 exigiu que pelo menos um terceiro público deve se somar obrigatoriamente aos dois primeiros, sendo a sua definição de livre escolha dos fundadores da cooperativa.

Por anos, problemas de divulgação e incompreensão a respeito do funcionamento desse modelo estatutário, considerado muito inovador, somado a alguns entraves burocráticos dificultaram a expansão das Scic. Pode-se citar como exemplo nesse sentido o dispositivo criado na origem da lei e extinto em 2012, que outorgava às prefeituras dos departamentos franceses o poder de autorizar o funcionamento das Scic em suas jurisdições, sendo que essa autorização precisava ser renovada a cada 5 anos (Draperi & Margado, 2016Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.).

Apesar das limitações, as cooperativas pioneiras bem-sucedidas conseguiram transmitir uma credibilidade crescente a respeito da viabilidade do formato estatutário das Scic. Aos poucos, os resultados dessas cooperativas começaram a ser expostos pelos próprios protagonistas, mas também pelos organismos cooperativistas e os dedicados à promoção do desenvolvimento sustentável (Confederation Generale des Scop et des Scic, 2024). Os dados apontam que a taxa de crescimento das Scic é atualmente bastante expressiva, considerando os padrões franceses. No final de 2022, existiam 1.359 Scic, o que significou um acréscimo de 6% em relação ao ano anterior (em 2020 eram 1.060). Grande parte das Scic existentes em 2022 realizava atividades voltadas à prestação de serviços (43,5%). Em segundo lugar, estavam as cooperativas que atuam no setor de comércio (12,7%), seguidas pelas das áreas de educação, saúde e ação social (11%) energia (7%), indústria (4,95), construção (2,4%), agricultura (2,3%) e transporte (1%) (Confederation Generale des Scop et des Scic, 2024).

Pode-se inferir pelos dados acima que atualmente as Scic são mais numerosas nos aglomerados urbanos. Em relação ao meio rural, as Scic depararam inicialmente com um ambiente permeado de tradições e legados políticos, culturais e jurídicos, que dificultaram a sua popularização. Ao gerar algumas mudanças nas institucionalidades existentes e fomentar a articulação entre diversos atores sociais do meio rural, além dos agricultores familiares, a concepção da Scic foi encarada com reservas pelos próprios membros das cooperativas agrícolas existentes. Em estudo pioneiro sobre o impacto das Scic no meio rural, Thomas previu que a sua expansão geraria uma "verdadeira ruptura" no setor agrícola francês (Thomas 2008, pThomas, F. (2008). Scic et agriculture Recma, 310: le temps des défricheurs. (4), 17-30.. 21).

Nos últimos anos, o meio rural francês vem passando por mudanças em vários sentidos. Observa-se que o padrão forjado no século XX, durante o processo de modernização da agricultura, baseado na propriedade de base familiar, por meio do qual o chefe da exploração e demais membros da família se dedicam quase de forma integral às atividades produtivas e a gestão do patrimônio, está em profunda transformação. Tais mutações criam um ambiente propício ao surgimento de novos arranjos societários para gestão patrimonial e formas inéditas de condução das unidades produtivas e dos negócios (Purseigle & Hervieu, 2022Purseigle, F., & Hervieu, B. (2022). Une agriculture sans agriculteurs. Paris: Presses de Sciences.). Grandes cooperativas agrícolas, de base unissocietária e focadas numa visão setorial, embora ainda muito ativas no meio rural, têm mais dificuldades para se adaptar a essas transformações. Por outro lado, a flexibilidade estatutária e a cultura multissocietária das Scic permitem “integrar práticas e atividades agrícolas em projetos de desenvolvimento local e, em especial, vislumbrar outra forma de combinar a cooperação agrícola e as políticas públicas à escala dos pequenos territórios” (Suarez et al., 2022, pSuarez, N., Triboulet, P., Arnaud, C., Terrisse, P. C. (2022). Les réponses des Scic aux enjeux agricoles émergeants: panorama et dynamiques. Recma, 363(1), 64-82.. 81).

Fatores relacionados ao grau de ineditismo das Scic, apontados acima contribuem para que os estudos acadêmicos dedicados ao seu modelo organizacional sejam ainda escassos, principalmente em relação ao meio rural: “do ponto de vista acadêmico, existe ainda um fosso entre [...] as iniciativas agrícolas criadas no modelo Scic e a ausência de um verdadeiro corpus científico que analise este fenómeno” (Suarez et al., 2022, pSuarez, N., Triboulet, P., Arnaud, C., Terrisse, P. C. (2022). Les réponses des Scic aux enjeux agricoles émergeants: panorama et dynamiques. Recma, 363(1), 64-82.. 26).

3 Metodologia

Este trabalho adota uma metodologia de natureza qualitativa, seguindo uma abordagem exploratória e descritiva. Para dar suporte ao procedimento, foram empregados diversos instrumentos de pesquisa, conforme se descreve a seguir. A fundamentação teórica tem um enfoque interdisciplinar, com destaque para autores citados pela literatura francesa que trata do cooperativismo, desenvolvimento rural, sistemas alimentares e economia dos territórios. Toda a parte empírica da pesquisa foi realizada na França, entre os meses de setembro de 2022 e julho de 2023.

Durante a sua etapa exploratória, adotou-se como instrumento da pesquisa a revisão de literatura, coleta e análise de informações secundárias, obtidas em documentos e sites das organizações cooperativas francesas, bem como dados de relatórios de pesquisas concluídas e em andamento disponibilizados pelos respectivos coordenadores. Esse trabalho exploratório foi complementado por observações e informações primárias obtidas pelo pesquisador por meio de visitas realizadas em associações rurais e cooperativas francesas de diversos ramos (Scic, agrícolas, produção de vinhos, óleos, lojas do produtor etc.). As primeiras abordagens nesse sentido foram efetuadas com a ajuda de pesquisadores franceses, sendo a seleção final das organizações visitadas nesta etapa definidas por critérios envolvendo a diversidade das experiências, proximidade geográfica e disponibilidade de agenda. Os propósitos principais eram compreender empiricamente a atuação das cooperativas no contexto atual e a visão a respeito do modelo das Scic dentro do mundo cooperativista francês. Durante essa etapa, mas também ao longo de toda a investigação, foi possível colher informações oriundas do contato com dezenas de pesquisadores franceses e da participação em diversos eventos científicos relacionados direta e indiretamente com as temáticas tratadas.

A partir dos elementos obtidos na etapa exploratória, estabeleceu-se um recorte mais preciso do objeto e delineou-se os passos seguintes do estudo. Para se ter uma visão específica do modelo das Scic e investigar a ação dessas cooperativas em torno dos SAT e na execução de projetos de desenvolvimento em territórios rurais, optou-se pela realização de um segundo trabalho de campo envolvendo somente organizações com esse perfil. Essas cooperativas foram escolhidas de modo a contemplar uma amostra diversificada, em relação aos tipos de produtos e serviços transacionados, porte do empreendimento, formas de governança, longevidade e vínculos com o mundo associativo e com as políticas públicas. Após a solução de questões de natureza logística, foram selecionadas 6 cooperativas Scic para dar sequência ao estudo, sendo 3 localizadas na região de Auvergne-Rhône-Alpes, 2 na região da Occitânia e 1 na Bretanha.

Ao longo da segunda etapa, foi possível realizar entrevistas aprofundadas com 11 atores chaves das 6 cooperativas selecionadas (4 dirigentes, 3 funcionários e 3 assessores), de modo a abranger diferentes olhares de pessoas que participam ativamente de cooperativas Scic. A escolha desse universo de pessoas se deu em função de seu conhecimento técnico, representatividade política e experiência profissional em torno das Scic De forma geral, as entrevistas trataram dos seguintes assuntos: origem e trajetória do entrevistado, razões que fundamentaram o uso do estatuto Scic, dificuldades para sua implantação, modelos de negócios gerados, mudanças dos aspectos legais, participação do quadro social, formas de governança, construção e aplicabilidade dos colégios de votos, vantagens das Scic perante outros modelos estatutários, impactos da Scic no desenvolvimento do território e nos SAT, planos de expansão das cooperativas, entre outros. A essas arguições, somaram-se, nessa etapa, mais 10 entrevistas com pesquisadores franceses que desenvolvem estudos sobre as temáticas do SAT e desenvolvimento rural em cooperativas Scic e outras organizações associativas. Um desses entrevistados foi arguido em duas ocasiões, por se tratar de um dos maiores conhecedores desse modelo estatutário na França e um dos mentores da lei das Scic. No caso dos pesquisadores, indagou-se sobre a sua visão respeito da ação das Scic no desenvolvimento social e econômico, potencialidades e limites do formato organizacional, resultados de pesquisas, presença das Scic em projetos com SATs e territórios rurais, entre outros.

Todas as entrevistas foram guiadas por roteiros semiabertos, sendo formuladas pequenas adaptações para cada tipo entrevistado. Os depoimentos foram gravados em aplicativos de celular, mediante autorização, e posteriormente ouvidos e analisados na íntegra, à luz dos objetivos deste trabalho. Das 21 entrevistas, 17 foram efetivadas presencialmente e 4 por videoconferência.

Os dados obtidos na segunda etapa serviram para se ter um panorama geral e uma visão mais concreta sobre o funcionamento das Scic, suas ações no meio rural e na temática alimentar. Tais informações foram coletadas de forma seletiva e incremental, já que questões relevantes aos propósitos da pesquisa (por exemplo: estrutura, modos de governança, participação, planos de negócios etc) tornaram-se recorrentes à medida que aumentou o número de cooperativas visitadas e de entrevistas. Os registros sobre 6 cooperativas pesquisadas foram compilados e analisados tanto de forma individual como associada. Porém, os resultados da pesquisa, apresentados a seguir, não foram elaborados no formato de estudo de caso (s) e nem as cooperativas foram abordadas de forma comparativa, pois o interesse era traçar um panorama abrangente de cooperativas que usam o estatuto Scic. Desse modo, neste artigo as cooperativas foram nominadas somente quando se julgou estritamente necessário. Durante a redação do artigo, também se resolveu elaborar quadros ilustrativos, por entender que esse formato ajudava a explicar situações particulares e que contribuíam para elucidar as questões tratadas pela pesquisa.

Como a maioria dos documentos pesquisados e das entrevistas foram realizadas em francês, as partes reproduzidas neste trabalho foram traduzidas para o português diretamente pelo autor, com ajuda de dicionários eletrônicos.

4 Resultados e discussão

Alguns elementos a respeito da malsucedida experiência da União Econômica e Social ajudam a entender o surgimento das Scic. Os mentores do projeto da UES pretenderam estimular o surgimento de organizações sociais que fossem capazes de aproveitar “a capacidade de inovação das associações, o conhecimento em gestão socioeconômica das cooperativas e os recursos das organizações mútuas” (Entrevistado 1). Embora ainda não estivesse embutida de maneira formal a noção da multissocietariedade, observa-se que a proposta da UES já contemplava a ideia de envolver públicos e culturas organizacionais distintas para realizar múltiplas ações. A UES tinha como propósito desenvolver um leque de atividades socioeducativas e econômicas bem amplas, que envolviam as áreas da educação, lazer, alimentação e apoio para trabalhadores assumirem empresas em processo de recuperação econômica.

Um entrevistado relatou que apesar dos bons propósitos, uma das causas para o insucesso da proposta da UES foi a cultura corporativa das organizações sociais francesas da época, que tinham por tradição atuar de certa forma independente, ou seja, por dentro de suas próprias estruturas. Por outro lado, “é provável que se a UES tivesse dado minimamente certo, o estatuto Scic nunca teriam nascido” (Entrevistado 1). Outra causa do insucesso foi a baixa adesão política que a proposta alcançou junto às redes de representação das cooperativas. Desse modo, para ter melhor sorte, um projeto de lei que almejasse criar um novo estatuto cooperativo precisaria de um esforço extra de sensibilização e articulação dos atores cooperativos, de modo o processo fosse construído de baixo para cima, envolvendo membros das cooperativas singulares, federações regionais e confederações. Por isso, os esforços visando à criação do estatuto das Scic passou logo a ser entendido como o “o resultado de um projeto pragmático e de um trabalho coletivo dos atores locais” (Suarez et al., 2022, pSuarez, N., Triboulet, P., Arnaud, C., Terrisse, P. C. (2022). Les réponses des Scic aux enjeux agricoles émergeants: panorama et dynamiques. Recma, 363(1), 64-82.. 67)

4.1 Como funcionam e quais principais inovações jurídico-institucionais das SCIC

A partir de 1999, um pequeno grupo formado por técnicos e dirigentes regionais das redes cooperativas das Cuma e das Scop se lança no desafio de elaboração e negociação de um novo projeto de lei que desse suporte à criação de cooperativas sociais, com foco na multissocietariedade. A mobilização desse grupo de trabalho foi bem-sucedida e culminou na aprovação do estatuto das Scic, dois anos mais tarde. Esse processo teve como referência as experiências das cooperativas pioneiras criadas no século XIX, uma série de visitas e estudos sobre as inovações estatutárias das cooperativas sociais de outros países e os debates realizados com organizações cooperativas e associativas francesas. Apesar desses estudos prévios, o modelo das Scic é totalmente original, quando comparado a estatutos cooperativos encontrados em outros países, sendo que “dentre as referências que pesquisamos a que mais se aproxima dos propósitos das Scic foram as cooperativas de solidariedade do Quebec, especialmente no seu que se refere ao seu foco no território” (Entrevistado 1). A proposta se fundamentou também nos resultados oriundos de 15 projetos-piloto: “tais experiências foram realizadas em associações, cooperativas e outros coletivos então existentes, que desejavam experimentar esse novo formato organizacional” (Entrevistado 1).

Outro aspecto inovador refere-se ao caráter impositivo, e não facultativo, do perfil multissocietário das Scics. Para tanto, a Lei de 2001 estipula que o seu quadro social seja composto por, no mínimo, 3 públicos diferentes. Existem duas categorias de públicos obrigatórias: os beneficiários de produtos ou serviços ofertados pela cooperativa e os assalariados que atuam na organização. No entanto, desde a promulgação da lei Hamon, em 2014, essa regra foi alterada. Desde então, quando uma Scic não possuir assalariados, os produtores que participam da cooperativa (como os agricultores, por exemplo) podem substituir os assalariados como público obrigatório: “essa mudança contribuiu para a expansão das Scic junto ao público de produtores rurais (agricultores) e outros grupos que pretendiam organizar pequenas cooperativas, sem contar com assalariados” (Entrevistado 4). A livre escolha do(s) outro(s) público(s) pelos fundadores da cooperativa, também é algo inédito e que ajudou a ampliar o interesse pelo modelo.

O número de cotas-partes que o associado de uma Scic precisa subscrever também pode variar, havendo limites para que os membros de um público societário não se tornem dominantes na composição do capital social. O legislador exige ainda que os proponentes da Scic elaborem um projeto justificando a criação da organização e contendo seus objetivos, modelo econômico a ser adotado e as formas de gestão previstas. Isso ajuda a sintetizar no papel o pensamento dos fundadores a respeito do empreendimento, pois um bom projeto deve reunir “as razões e finalidades autoatribuídas por um coletivo com o objetivo de justificar a sua existência e orientar a sua ação” (Le Velly, 2017, pLe Velly, R. (2017). Sociologie des systèmes alimentaires alternatifs: une promesse de différence. Paris: Presses des Mines. Collection Sciences Sociales. 32).

Uma das particularidades das Scic está nas regras que orientam a construção de seu modelo de governança: “uma Scic pode compor colégios de votos para encaminhar a tomada de decisões nas assembleias gerais e se basear nessa composição para orientar a composição de seu quadro diretivo” (Entrevistado 8). O argumento mais empregado para justificar a criação dos colégios é equilibrar o poder decisão da cooperativa, de acordo com o número de participantes que conformam os distintos públicos. Por exemplo, uma cooperativa que possua centenas de associados consumidores, dezenas de produtores e apenas alguns assalariados pode optar pela composição de 3 colégios de votos, de modo a ajustar o peso de influência desses públicos nas decisões assembleares. Todavia, existem outras formas para se estabelecer os pesos aos colégios, como o grau de danos ou de riscos suportados pelos diferentes públicos em caso de desaparecimento da organização (Dubrion, 2021Dubrion, B. (2021). Dépasser les tensions liées au multisociétariat: une analyse exploratoire institutionnaliste commonsienne du cas d’une Scic de la filière alimentaire. Revue Française de Socio-économie, 26(1), 195-214. La découverte.). Há também quem acredite que os pesos colegiais deveriam ter um regramento diferente:

Infelizmente, a ponderação de votos prevista na lei não se limitou a situações excepcionais: devíamos ter obrigado que a Scic que escolhesse esta opção justificasse por escrito, nos próprios estatutos, essa escolha, para que estas motivações sejam controladas e avaliadas ano após ano como efetivas e legítimas em relação ao projeto cooperativo (Entrevistado 1).

Constata-se que o tema ainda é controverso. Alguns entrevistados corroboraram a opinião acima, mas outros entendem que os colégios de votos das Scic são uma retaguarda positiva: “elas permitem uma diluição do poder e uma governança mais representativa e coerente com a ideia da multissocietariedade” (Entrevistado 2). Outro entrevistado afirma: os colégios são uma forma inovadora de encaminhar a tomada de decisões sobre temas polêmicos, além de oferecer uma regra para compor os conselhos de gestão (Entrevistado 5).

Ressalte-se que a lei determina que os colégios tenham no mínimo de 10% e no máximo 50% dos votos, sendo que uma Scic pode compor até 10 colégios, com pesos iguais ou diferentes. Na maior parte dos casos aqui analisados, os associados das Scic optaram pela criação de 3 a 5 colégios. Embora se possa recorrer sempre ao colégio de votos para a tomada de decisões, a maioria das cooperativas adota a recomendação dada por educadores, assessores e dirigentes das Scic ouvidos durante a pesquisa: os associados devem aprofundar as discussões entre os diferentes públicos, procurando encontrar o consenso nas decisões.

Geralmente existe uma proporcionalidade entre o peso de cada colegiado de voto e o número de dirigentes com assento nos órgãos das cooperativas (conselho de administração e comissões internas). Porém, esse critério de distribuição dos assentos nos conselhos não é obrigatório e nem era empregado por todas as cooperativas visitadas durante esta pesquisa.

A Tabela 1, a seguir, foi organizada pelo autor para explicar o modus operandi dos colégios de voto de uma Scic. Ela representa uma cooperativa fictícia, que atuaria na produção e distribuição de cestas de alimentos orgânicos. Pela simulação, a cooperativa abriga públicos compostos por pessoas físicas e por pessoas jurídicas que participam do empreendimento. Neste caso hipotético, a Scic é composta por sócios oriundos de 8 públicos diferentes, que se agrupam em 5 colégios de votos. Em função de suas caraterísticas de atuação, algumas pessoas jurídicas e físicas integram colégios separados (colégios D e E), mas, no caso dos produtores, existem pessoas físicas e jurídicas compondo o mesmo colégio (B). O peso dos votos desses colégios varia de 10% a 30%.

Tabela 1
Composição hipotética do quadro social e distribuição do poder de uma Scic que atua na produção e distribuição de alimentos.

Para ampliar o entendimento sobre a aplicação dos colégios de votos, o Quadro 1 explana um caso real, vivenciado por um entrevistado:

Quadro 1
O peso dos colégios de votos

A tomada de decisão se mostrou complexa, pois as posições individuais dos associados, dentro dos colegiados, também se mostraram divergentes. Depois de muitos debates, decidiu-se realizar uma votação adotando as regras dos colégios de votos. Na contagem, em primeiro lugar, cada colegiado apurou os votos dados pelos seus societários, a favor ou contra a mudança estatutária (sim e não). Nesse momento, cada sócio teve direito a um voto, seguindo a regra clássica do cooperativismo. Em seguida, ponderou-se o total de votos dados a favor e total dados contra, de acordo com o peso respectivo de cada colegiado de voto. Observou-se que a somatória dos votos ponderados dados ao sim foi maior. Com a decisão, agricultores associados que comercializavam produtos não certificados como bio tiveram um tempo para se enquadrar a nova regra. Vencido esse prazo, alguns deles se ajustaram e outros saíram da cooperativa, alegando não ter condição ou interesse de se converter à produção orgânica.

4.2 Scic e a sustentabilidade dos territórios rurais

O estatuto de uma Scic é flexível em termos escalares, podendo ser moldado tanto para atender objetivos mais gerais quanto mais focalizados: “existem dois tipos principais de Scic: uma que lida com atividades dentro dos setores e o outra que lida com projetos de grande escala no território, geralmente formada com apoio de outras organizações” (Entrevistado 1).

Toda a ação coletiva operacionalizada por meio de uma Scic no meio rural viabiliza a gestão do empreendimento agrícola e/ou do patrimônio fundiário de forma multissocietária. As entrevistas e dados recolhidos indicaram que já existem glebas de terras adquiridas por meio de cooperativas Scic. Essas cooperativas geralmente envolvem pessoas físicas e organizações que defendem o meio ambiente, a agricultura familiar e a produção de alimentos saudáveis. Em outros casos, o estatuto Scic gere fazendas compartilhadas, envolvendo filhos de agricultores e/ou jovens do meio urbano (neorurais). Juntos, eles constroem projetos aglutinando atividades produtivas, comercialização e prestação de serviços no campo. Em regiões rurais mais valorizadas, o capital financeiro disponibilizado a partir da constituição de uma Scic é a solução encontrada por membros de uma comunidade para manter a paisagem e garantir a produção de alimentos do território. Evitam assim que as terras sejam artificializadas para uso urbano ou se destinem à produção de matérias-primas para abastecer cadeias longas ou commodities para exportação.

Esses arranjos societários inovadores também viabilizam projetos na ótica da multifuncionalidade, com o uso sustentável dos recursos territoriais rurais, compatibilizando atividades agrícolas e não agrícolas, como o agroturismo e gestão de projetos articulados ao interesse público. Desde a aprovação da Lei Hamon, em 2014, as coletividades locais francesas (poderes executivos comunal, intercomunal e departamental) possuem autorização para ampliar sua contribuição na formação do capital social das Scic. Com isso, a participação financeira máxima do poder público passou de 20% para 50%.

As ações das Scic podem envolver entes governamentais e não governamentais da região interessados na promoção de projetos educativos, iniciativas socioambientais de proteção de recursos naturais e outras medidas de combate ao aquecimento climático e valorização dos produtos territoriais. O Quadro 2 retrata uma Scic com esses propósitos:

Quadro 2
Alimentos saudáveis, proteção social ao agricultor e natureza preservada

Também estão surgindo diversas cooperativas Scic dedicadas a (re)localização alimentar, na ótica da sustentabilidade. Geralmente esse tipo de cooperativa integra no mesmo empreendimento atividades de produção, transformação, distribuição e comercialização de alimentos. A Scic é o “caminho mais curto para a intercooperação, tão difícil de desenvolver quando se trata de organizações cooperativas distintas, principalmente cooperativas de produção agrícola, cooperativas de processamento artesanais e cooperativas de consumo” (Draperi & Margado, 2016, pDraperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.. 22). O Quadro 3 retrata uma experiência que atua nesse sentido:

Quadro 3
Multinegócios voltados à relocalização alimentar, geração de empregos e prestação de serviços educativos

Os grupos de regiões menos favorecidas economicamente também recorreram às Scics para promover a capacidade econômica e a transição ecológica dos SAT. A criação da Scic possibilitou que a iniciativa coletiva pudesse concorrer a editais públicos e executar projetos de interesse dos habitantes do território. A Scic Maison Paysanne, localizada no departamento de Aude, se destacou por atuar com esses múltiplos propósitos (ver Quadro 4).

Quadro 4
Scic coordena a execução de políticas públicas de valorização dos SAT

Observou-se também que na França “várias associações, cooperativas e mesmo empresas privadas estão recorrendo ao estatuto das Scic para reestruturar seus empreendimentos, em busca de modos de governança e de gestão operacional coerentes com seus planos de negócios” (Entrevistado 6). Apesar do impulso que as Scic estavam experimentando, seu estatuto ainda não era conhecido em vários contextos sociais. Como na França a legislação não obriga a filiação e registro das cooperativas num órgão central de representação do cooperativismo, durante a realização da pesquisa (2022/2023) os números disponíveis a respeito da presença das Scic no território francês eram imprecisos. Alguns entrevistados afirmaram conhecer várias Scics que tinham decidido não se filiar ao Sistema Scop/Scic, seja por escolha política de seus fundadores, seja por considerar insuficiente o trabalho de acompanhamento e assessoria prestado. Para eles, a situação subdimensionava a participação das Scic nas estatísticas oficiais e gerava certo enfraquecimento de sua representatividade política e social. Um depoimento colhido em 2023 afirmou que: “o número de Scic existentes deve ser pelo menos 20% superior ao total registrado nas estatísticas” (Entrevistado 4). Por sua vez, um pesquisador ouvido no mesmo ano acreditava que em sua região de atuação profissional, localizada no Sul da França, “o número de Scic não filiadas já era de aproximadamente 40%” (Entrevistado 7). Desse modo, a partir dos dados colhidos por esta pesquisa, é possível afirmar que as Scic estão em expansão na França, mas as taxas que medem esse crescimento em termos reais não estão disponíveis.

Como esta pesquisa sobre as Scic tem em conta a realidade brasileira, apresentam-se, a seguir, algumas observações e perspectivas sobre o uso do seu modelo estatutário no Brasil.

4.3 Potencial das cooperativas multissocietárias no Brasil

Um cenário de diferentes possibilidades surge quando se pensa na constituição de cooperativas inspiradas no modelo estatutário da Scic. Em primeiro lugar, cabe assinalar que as regras a respeito das cooperativas sociais, aprovadas no Brasil em 1999, não podem ser consideradas uma versão nacional das Scic. Por meio da Lei nº 9.86, de 10/11/1999, as cooperativas sociais “são constituídas com a finalidade de inserir as pessoas em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, fundamentam-se no interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos” (Brasil, 2023Brasil. (2023). Lei n. 9.867, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais, visando à integração social dos cidadãos, conforme especifica. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 24 de maio de 2024, dehttps://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1999/lei-9867-10-novembro-1999-369585-publicacaooriginal-1-pl.html
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei...
). Apesar de valorizar pessoas vulneráveis, a organização denominada de cooperativa social no Brasil não aborda a questão da multissocietariedade e nem direciona seu olhar para o tema do desenvolvimento do território. Ademais, as cooperativas brasileiras que eventualmente aceitam diferentes públicos em seu quadro social o fazem sem reconhecer essa diversidade em seus planos de negócios ou regras de governança. Ou seja, atuam na lógica da unissocietariedade.

Comumente, iniciativas que abordam a melhorias na questão alimentar ou o desenvolvimento territorial sustentável (DTS) esbarram em limites culturais, organizacionais e operacionais, muitas vezes devido à presença de um público heterogêneo interessado no projeto. Cazella et al. (2022)Cazella, A. A., Dorigon, C., & Pecqueur, B. (2022). Da economia de escala à especificação de recursos territoriais: introdução ao dossiê “Desenvolvimento rural e a Cesta de bens e serviços territoriais”. Raízes, 42, 01-21. assinalaram, por exemplo, que a pilotagem de projetos de DTS depende de uma forte capacidade de articulação institucional, capaz de lidar com vários coletivos de pessoas físicas e jurídicas e uma diversidade de interesses. Do mesmo modo, as percepções dos atores territoriais são normalmente muito variadas quando se avalia os resultados práticos das políticas de desenvolvimento (Nunes et al., 2020Nunes, E. M., Silva, P. S. G., Silva, M. R. F., & Sá, V. C. (2020). O Índice de Condições de Vida (ICV) em Territórios Rurais do Nordeste: evidências para os territórios Açu-Mossoró e Sertão do Apodi, no Rio Grande do Norte. Revista de Economia e Sociologia Rural, 58(1), e190917. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.190917
http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020...
). Uma retaguarda jurídica, que reconheça a multissocietariedade como fundamento legal de cooperativas territoriais (van de Ploeg, 2008van de Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: UFRGS.), abre portas para se enfrentar os desafios sociais e econômicos que esse tipo de complexidade organizacional exige.

Como a vocação multisocietária não faz parte da cultura do cooperativismo brasileiro, seu potencial não pode ser plenamente dimensionado. Mesmo assim, foi possível prospectar espaços de atuação para as cooperativas multissocietárias em atividades, relacionadas diretamente ou indiretamente com a questão alimentar e os ambientes rurais (ver Quadro 5):

Quadro 5
Possibilidades de ação das cooperativas multissocietárias em espaços rurais no Brasil

Em suma, os resultados desta pesquisa demonstraram que as cooperativas Scic estão construindo algo ainda pouco praticado no mundo cooperativo moderno: mobilizações combinadas entre diferentes atores sociais, compostos por pessoas físicas e jurídicas, para conduzir um projeto de interesse comum e coletivo. Flexibilidade para abrigar pequenos negócios ou empreendimentos mais amplos, que dependem da mobilização de um número grande de atores, é também um atrativo desse modelo organizacional.

5 Conclusão

Desde o século XIX, as cooperativas têm contribuído para a criação de sociedades mais solidárias e igualitárias em termos sociais e econômicos. Esta pesquisa revelou que, para sobreviver e/ou aproveitar melhor as oportunidades que surgem, muitas cooperativas acabam apostando em estratégias alheias às suas próprias tradições e à cultura histórica do cooperativismo. Outras, no entanto, trilham o caminho oposto ao reforçar os laços territoriais e os negócios na ótica da economia de proximidade.

Para alcançar seu objetivo, este trabalho se pautou por três questões. A primeira visou compreender o modelo multissocietário das Scic, tendo em conta as suas principais características em termos jurídicos-institucionais e modo de governança. A segunda abordou a pertinência do estatuto para o aprimoramento geral do cooperativismo do Brasil e a terceira discutiu se o modelo multissocietário pode servir como suporte organizacional a iniciativas em torno das SAT e projetos de desenvolvimento de territórios rurais. Quanto à primeira indagação, os resultados indicaram que o modelo das Scic é muito peculiar e está permitindo a distintos públicos se unirem na montarem negócios na França. A pesquisa mostrou também que a concepção e estrutura organizacional das Scic ajudam o movimento cooperativo a oferecer respostas diante das críticas relacionadas ao isomorfismo institucional e o enfraquecimento da identidade das cooperativas, sinalizados por Bancel (2022)Bancel, J. (2022). L’enjeu de l’identité coopérative à l’heure où la mondialisation est bousculée. Recma, 364, 16-26. e Draperi (2017)Draperi, J. F. (2017). De la coopérative à la coopération... Et réciproquement. Recma, 343(1), 4-6.. Em relação à segunda, a investigação comprovou que a Scic está gerando melhorias importantes na cultura e nas práticas cooperativas, que também são muito importantes para o aprimoramento do cooperativismo brasileiro. Sobre a terceira, a multissocietariedade se revelou como instrumento estratégico para aumentar a sustentabilidade dos sistemas alimentares e dos projetos de desenvolvimento em territórios rurais. Em suma, o estatuto multissocietário é uma inovação organizacional promissora, que deve se melhor compreendida e adaptada no Brasil.

Elementos apontados por Draperi & Margado (2016)Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35. e por esta pesquisa demonstraram que o reconhecimento desse novo modelo estatutário na França se deu pela combinação de vários fatores, muitos dos quais particulares ao contexto daquele país. Desse modo, não será possível simplesmente tentar copiar o estatuto das Scic para o marco jurídico brasileiro. Esforços para a sua adaptação dependerão de um trabalho reflexivo e prospectivo, que leve em conta as institucionalidades e tradições socioculturais do nosso país. Tal empreitada envolve diversas ações, tais como: novos estudos sobre as implicações dessa inovação na cultura cooperativista nacional; investigações sobre a introdução da multissocietariedade no marco legal do cooperativismo brasileiro; criatividade sistêmica nas formulações e testagem de novas regras estatuárias e modos de governança; estratégias de mobilização de atores chaves ligados às estruturas de representação do cooperativismo nacional, e; como bem assinala o quinto princípio cooperativista, ações na área da educação, formação e informação para ampliar o número de defensores da proposta.

  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Representa um dos resultados do pós-doutoramento efetuado pelo autor entre setembro de 2022 e julho de 2023 em Montpellier (França), por meio do projeto “Sistemas agroalimentares e políticas públicas: construção de inovações teóricas e metodológicas para análise de experiências internacionais”, aprovado no Edital n.12/2019 do Programa Capes/Cofecub.
  • 2
    Todas a cooperativas francesas precisam definir seu modo de funcionamento comercial antes de começar a operar. No caso das Scic, a legislação permite a escolha entre três modelos societários: sociedade de responsabilidade limitada (SARL), sociedade anônima (SA) ou sociedade por ações simplificada (SAS). Cada uma dessas sociedades prevê diferentes formas de governança, a necessidade de uma direção executiva, gestão por meio de um conselho administrativo e outras, bem como responsabilidades e livros contábeis específicos. Quando assume a forma de uma SARL ou SAS, não há um montante mínimo na composição do capital social, mas quando assume a forma de SA esse montante é de pelo menos 18.500 euros (Confederation Generale des Scop et des Scic, 2024Confederation Generale des Scop et des Scic. (2024). Les Scic. Recuperado em 15 de abril de 2023, de https://https://www.les-scic.coop/.
    https://https://www.les-scic.coop/...
    ).
  • Como citar: Burigo, F. L. (2024). Sociedades cooperativas de interesse coletivo: inspiração para o cooperativismo brasileiro do futuro? Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(3), e284695. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.284695
  • JEL Classification: Q10; Q16

6 Referências

  • Ansart, S., Artis, A., & Monvoisin, V. (2014). Les coopératives: agent de régulation au cœur du système capitaliste? La Revue des Sciences de Gestion, 269-270(5-6), 111-119.
  • Bancel, J. (2022). L’enjeu de l’identité coopérative à l’heure où la mondialisation est bousculée. Recma, 364, 16-26.
  • Becuwe, A., Chebbi, H., & Pasquet, P. (2020). La gouvernance coopérative, condition du référentiel durable d’une organisation?La Revue des Sciences de Gestion, 6(306), 11-18.
  • Bonnemaizon, A., & Béji-Bécheur, A. (2018) Démocratie du statut à l’action. Étude de cas d’une SCIC dans le secteur des musiques actuelles.Revue Française de Gestion, 276(7), 123-142.
  • Brasil. (2023). Lei n. 9.867, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais, visando à integração social dos cidadãos, conforme especifica. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 24 de maio de 2024, dehttps://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1999/lei-9867-10-novembro-1999-369585-publicacaooriginal-1-pl.html
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1999/lei-9867-10-novembro-1999-369585-publicacaooriginal-1-pl.html
  • Cáceres, D. H. (2023). Social enterprises in the social cooperative form. In H. Peter, C. V. Vasserot & J. A. Silva (Eds.), The international handbook of social enterprise law: benefit corporations and other purpose-driven companies (pp. 173-192). Genebra: Springer.
  • Cazella, A. A., Dorigon, C., & Pecqueur, B. (2022). Da economia de escala à especificação de recursos territoriais: introdução ao dossiê “Desenvolvimento rural e a Cesta de bens e serviços territoriais”. Raízes, 42, 01-21.
  • Confederation Generale des Scop et des Scic. (2024). Les Scic Recuperado em 15 de abril de 2023, de https://https://www.les-scic.coop/
    » https://https://www.les-scic.coop/
  • Coop Fr. (2023). Panorama des entreprises coopératives. Edition 2022. Paris: Coop Fr.
  • DiMaggio, P., & Powell, W. (1983). The ironcage revisited institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48(2), 47-160.
  • Draperi, J. F. (2017). De la coopérative à la coopération... Et réciproquement. Recma, 343(1), 4-6.
  • Draperi, J. F., & Margado, A. (2016). Les Scic, des entreprises au service des hommes et des territoires. Recma, 340(2), 23-35.
  • Dubrion, B. (2021). Dépasser les tensions liées au multisociétariat: une analyse exploratoire institutionnaliste commonsienne du cas d’une Scic de la filière alimentaire. Revue Française de Socio-économie, 26(1), 195-214. La découverte.
  • Duverger, T. (2019). Les trajectoires de la coopération aux XIXe-XXe siècles: un mode original d’institution des communs. In C. Ferraton & D. Vallade (Eds.), Les communs, un niveau regard sur l’économie social et solidaire? Collection Territoires en Mutation (pp. 25-38). Montpellier: Presses Universitaires de la Méditerranée.
  • Emin, S., & Guibert, G. (2009). Mise en œuvre des sociétés coopératives d’intérêt collectif (Scic) dans le secteur culturel. Diversités entrepreneuriales et difficultés managériales. Innovations, 30, 71-97.
  • Filippi, M., Frey, O., & Mauget, R. (2008). Les enjeux des entreprises coopératives agricoles, la gouvernance coopérative face à l’internationalisation et la mondialisation des marchés? Les entreprises coopératives agricoles. In Colloque Safer (pp. 28-29). Paris: Safer.
  • Lamine, C. (2011). Transitions vers l’agriculture biologique Pour, 5: l’échelle des systèmes agro-alimentaires alimentaires territoriaux. (212), 129-136.
  • Le Velly, R. (2017). Sociologie des systèmes alimentaires alternatifs: une promesse de différence. Paris: Presses des Mines. Collection Sciences Sociales
  • Margado, A. (2002). Scic, société coopérative d’intérêt collectif. Recma, 284, 9-30.
  • Margado, A. (2005). Les SCIC, une coopérative encore en devenir. Recma, 295, 17-30.
  • Mauget, R. (2008). Les coopératives agricoles: un atout pour la pérennité de l’agriculture dans la mondialisation. Recma, 307, 46-57.
  • Mazzucato, M. (2020). O valor de tudo. São Paulo: Portfólio-Penguin.
  • Moraes, S., Búrigo, F. L., & Cazella, A. A. (2021). Cooperativismo de crédito e desenvolvimento sustentável: a aplicação do sétimo princípio cooperativista - interesse pela comunidade. Pegada - A Revista da Geografia do Trabalho, 22(2), 232-262.
  • Namorado, R. (2013). O mistério do cooperativismo: da cooperação ao movimento cooperativo. Coimbra: Almedina.
  • Nunes, E. M., Silva, P. S. G., Silva, M. R. F., & Sá, V. C. (2020). O Índice de Condições de Vida (ICV) em Territórios Rurais do Nordeste: evidências para os territórios Açu-Mossoró e Sertão do Apodi, no Rio Grande do Norte. Revista de Economia e Sociologia Rural, 58(1), e190917. http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.190917
    » http://dx.doi.org/10.1590/1806-9479.2020.190917
  • Organização das Nações Unidas. (2014). Measuring the size and scope of the cooperative economy: results of the 2014 global census on co-operatives New York: ONU. Recuperado em 15 de abril de 2023, de https://www.entreprises.coop/system/files/inline-files/report_davegrace_onu_april_2014_0.pdf
    » https://www.entreprises.coop/system/files/inline-files/report_davegrace_onu_april_2014_0.pdf
  • Purseigle, F., & Hervieu, B. (2022). Une agriculture sans agriculteurs. Paris: Presses de Sciences.
  • Rosanvallon, P. (1981). La crise de l’État-providence. Paris: Seuil.
  • Saïsset, L.-A., & Cheriet, F. (2012). Grandir, oui, mais comment? Analyse de la concentration par fusions des coopératives vinicoles du Languedoc-Roussillon. Recma, 326(1), 45-63.
  • Sibille, H. (2012). Contexte et genèse de la création des sociétés coopératives d’intérêt collectif (Scic). Recma, 324, 110-117.
  • Suarez, N., Triboulet, P., Arnaud, C., Terrisse, P. C. (2022). Les réponses des Scic aux enjeux agricoles émergeants: panorama et dynamiques. Recma, 363(1), 64-82.
  • Thomas, F. (2008). Scic et agriculture Recma, 310: le temps des défricheurs. (4), 17-30.
  • Union Regionale des Scop Auverne-Rhone-Alpes. (2023). Garantir une production alimentaire locale de qualité et l’accès au métier de paysanne : l’exemple de la Ferme de Sarliève. Lyon: Communiqué de Presse. Scop Auverne- Rhone Alpes.
  • van de Ploeg, J. D. (2008). Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: UFRGS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2024
  • Aceito
    31 Maio 2024
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural Av. W/3 Norte, Quadra 702 Ed. Brasília Rádio Center Salas 1049-1050, 70719 900 Brasília DF Brasil, - Brasília - DF - Brazil
E-mail: sober@sober.org.br