Uma análise do programa Agentes Locais de Inovação nos processos produtivos da criação de animais no Nordeste brasileiro

Resumo

O Programa de Agentes Locais de Inovação (ALI) é uma iniciativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) que oferece acompanhamento especializado para promover o aumento da produtividade por meio da inovação. O ALI tem um papel fundamental em promover a melhoria da competitividade das micro e pequenas empresas brasileiras. O sucesso do Programa em micro e pequenas empresas dos setores de comércio e serviço foi responsável pela expansão da metodologia para os negócios rurais. Diante deste contexto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar o impacto da metodologia do Programa ALI nos processos produtivos da criação de animais (bovinos, caprinos e ovinos) no Rio Grande do Norte, Brasil. Para isto, foram analisadas duas sub dimensões do Radar de inovação, antes e após o acompanhamento das propriedades agropecuárias, visando identificar as operações e procedimentos adotados para melhoria do processo produtivo e avaliar as soluções escolhidas para a resolução de problemas da propriedade. Os resultados demonstraram que as propriedades acompanhadas apresentaram uma melhoria de 19,74% nos seus processos produtivos após o acompanhamento e mostraram que a metodologia do Programa ALI Rural impactou positivamente na melhoria dos processos produtivos da criação de animais no RN.

Palavras-chave:
inovação; manejo produtivo; semiárido; sustentabilidade; radar de inovação

Abstract

The Local Innovation Agents Program (ALI) is an initiative of the Brazilian Micro and Small Business Support Service (Sebrae) that offers specialized support to promote increased productivity through innovation. The LIA plays a fundamental role in promoting the competitiveness improvement of Brazilian micro and small companies. The success of the Program in micro and small companies in the commerce and service sectors was responsible for the expansion of the methodology to rural businesses. Given this context, the purpose of this research was to evaluate the impact of the ALI Program methodology on the production processes of animal husbandry (cattle, goats, and sheep) in Rio Grande do Norte, Brazil. To this end, two sub-dimensions of the Innovation Radar were analyzed, before and after monitoring agricultural properties, aiming to identify the operations and procedures adopted to improve the production process and evaluate the solutions chosen to solve property problems. The results demonstrated that the monitored properties showed an improvement of 19.74% in their production processes after monitoring and that the ALI Rural Program methodology had a positive impact on improving the production processes of animal husbandry in RN.

Keywords:
innovation; productive management; semi-arid; sustainability; innovation radar

1 Introdução

No semiárido, a criação de animais iniciou no período colonial (Nunes, 2013) e, atualmente, é vista como uma atividade crucial no que se refere à convivência com a seca (Coutinho et al., 2022). Segundo Silva et al. (2018), os fatores que limitam os sistemas de produção animal em um território do sertão cearense estão relacionados a quase total ausência de assistência técnica, ao limitado acesso ao crédito, ao crescente preço dos insumos, à carência de tecnologias adaptadas, a preços pouco competitivos e, no caso da bovinocultura leiteira, à falta de tanques de resfriamento.

A incorporação de tecnologias na agropecuária possui o potencial de aumentar significativamente a produção e a produtividade animal, permitindo aos criadores garantir qualidade, redução de custos e rentabilidade (Oliveira et al., 2020). Segundo os autores, as ações que trouxeram impactos positivos na atividade foram a melhoria na produção de pastagem e silagem, atenção ao bem-estar e saúde dos animais, melhoramento genético e gestão do negócio. Tais avanços foram proporcionados, muitas vezes, por uma assistência técnica e extensão rural ativas e atuantes (Guimarães & Lima, 2021).

A Jornada de Inovação Rural do Sebrae consiste em um ciclo de atividades voltadas para a gestão do negócio, com duração de oito meses, que conta com a assistência de um Agente durante o processo. A participação no Programa permite uma gestão mais organizada e a tomada de decisões melhor fundamentada no registro e na análise das informações, definição de metas que resultam em organização e planejamento para o alcance de objetivos, bem como a inovação em processos produtivos. A metodologia une questionários, visitas técnicas, ferramentas de qualidade e planos de melhorias que focam em cinco dimensões centrais que se organizam em um Radar de Inovação (Borghezan et al., 2023).

No Brasil, até 2021, a criação de bovinos, ovinos e caprinos somava cerca de 257 milhões de animais, sendo que 0,9% desta atividade se concentrava no Rio Grande do Norte (RN) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022). Segundo Garcia et al. (2022), a agropecuária depende da produção de culturas importantes como soja e milho, sendo necessário além da ausência de problemas climáticos muito graves, um planejamento para que plantio e colheita ocorram em período adequado. De acordo com o instituto, o setor apresenta uma tendência de melhora, apesar da problemática do aumento dos custos relatada em entrevista pelo diretor de mercado da ABPA e pelo pesquisador da Embrapa Pecuária Sul, Luis Rua e Vinícius Lampert, respectivamente (Scot Consultoria, 2022).

Conforme Brito et al. (2009), a pecuária é um dos empreendimentos que mais exige competência na gestão de suas tarefas, pois estas devem se inter-relacionar harmoniosamente para assegurar a regularidade na produção e na disponibilidade do produto. Sabendo disso, o Programa de Agentes Locais de Inovação (Programa ALI) incluiu o setor Rural como uma importante área a ser trabalhada, visando orientar possíveis mudanças que, de acordo com Borghezan et al. (2023), podem aumentar a competitividade, possibilitando a adaptação e superação de desafios, além de aproveitar as oportunidades para se posicionar melhor no mercado. As pesquisas apontaram que as empresas de diferentes localidades do país, participantes do programa ALI, foram impactadas positivamente, principalmente nos indicadores de desempenho levantados pelo Radar de Inovação (Placca, 2020; Lima et al., 2020; Porem & Kunsch, 2021; Silva & Nunes, 2023b).

O Programa ALI é um projeto de extensão nacional, o maior projeto extensionista do mundo (Luz, 2017), que tem o intuito de contribuir efetivamente para o desenvolvimento e a manutenção da vantagem competitiva das micro e pequenas empresas do Brasil (Silva & Nunes, 2023b). Conforme Porem & Kunsch (2021), o agente realiza atendimentos e consultorias sistemáticas durante visitas realizadas presencialmente nas MPEs. Segundo as autoras, nos atendimentos os agentes aplicam ferramentas, metodologias, dinâmicas e planejamentos que subsidiam a gestão das MPEs.

Diante disso, o objetivo desta pesquisa foi avaliar o impacto da metodologia do Programa ALI nos processos produtivos da criação de animais bovinos, caprinos e ovinos no Rio Grande do Norte, Brasil, no período entre agosto de 2022 e novembro de 2023. Para isto, os objetivos específicos foram identificar as operações e procedimentos adotados para melhoria do processo produtivo na criação de animais e avaliar as soluções escolhidas para a resolução de problemas durante o acompanhamento realizado pela Agente de Inovação.

2 Fundamentação teórica

2.1 A agropecuária no semiárido brasileiro

Segundo a Instrução Normativa SRF nº 83/2001 (art. 2º), a atividade rural abrange agricultura, pecuária, extração e exploração vegetal e animal, exploração de atividades zootécnicas, tais como apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas de pequenos animais, atividade de captura de pescado in natura, e transformação de produtos decorrentes da atividade rural feita pelo próprio agricultor ou criador, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada (Brasil, 2001).

No Brasil, as atividades rurais são exercidas em cerca de 5 milhões de estabelecimentos agropecuários e ocupam mais de 15 milhões de pessoas, em que 77% dos estabelecimentos são classificados como agricultura familiar, 72,0% dos proprietários são produtores individuais, 81,0% do sexo masculino, em sua maioria, com idade entre 35 e 74 anos e baixo grau de instrução (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017). Segundo Fisher et al. (2016), a agricultura familiar produz alimentos básicos, principalmente alimentos in natura, destinados ao suprimento da população local e regional. Para viabilizar a propriedade agrícola gerida pela família, desenvolvem-se diversas atividades produtivas, caracterizando a pluriatividade, assim como a produção de alimentos processados artesanalmente.

Em 2006, a Lei nº 11.326 estabeleceu que o agricultor familiar é aquele que pratica atividades no meio rural, e que não detenha, a qualquer título, área maior do que quatro módulos fiscais; que utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; e dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (Brasil, 2006).

Apesar da agricultura familiar ser a maioria no país, Navarro & Campos (2014) reuniram textos que relatam a discussão sobre as dificuldades dos pequenos produtores em competir acirradamente com produtores de maior porte, em consequência da capacidade produtiva e tecnológica. Segundo os autores, os pequenos produtores são os mais impactados pela queda real dos preços das mercadorias, a elevação dos salários pagos aos trabalhadores rurais, o maior risco inerente à atividade e a crescente complexidade da gestão da atividade (inclusive pela ampliação da normatividade ambiental).

Para Fisher et al. (2016), as principais dificuldades apontadas pelos produtores, além da instabilidade nos preços dos produtos, são os baixos rendimentos da atividade agrícola, assistência técnica insuficiente, baixo poder aquisitivo, baixo volume e regularidade da produção. Além disso, outro agravante é a sucessão familiar e permanência no campo devido à ausência de perspectivas de uma vida melhor; falta de capital para investimentos na estruturação das propriedades rurais; ausência de novas oportunidades no campo; e área de terra insuficiente para cultivos em níveis rentáveis e economicamente atrativos.

Segundo Berger et al. (2021), no Brasil, a pecuária, por meio da atividade leiteira, tem um importante papel social e econômico, pois representa uma fonte de renda mensal para muitos agricultores, especialmente os familiares. Do mesmo modo, tem relevante participação na atividade econômica do País, pois está presente em quase todos os municípios, gerando empregos nos diversos segmentos da cadeia produtiva.

A exploração da pecuária requer uma combinação de diversos tipos de recursos como a disponibilidade e o uso da estrutura fundiária, bem como a infraestrutura básica e as tecnologias que permitam o desenvolvimento dessa cadeia (Gurgel & Nunes, 2019). No Rio Grande do Norte, a agropecuária exercida na região semiárida está exposta aos riscos das mudanças climáticas, como a seca, bem como pelo uso insustentável dos recursos naturais e pelas práticas agrícolas degradantes, afetando, principalmente, os pequenos produtores que dispõem de poucos recursos financeiros e tecnológicos para agregar em seus sistemas de produção (Dias et al., 2021).

Em uma região de Apodi/RN, a pecuária é exercida, em sua maioria, por pequenos produtores em construções e instalações rústicas, maquinários e equipamentos tradicionais (Gurgel & Nunes, 2019). Boa parte dos produtores não recebe assistência técnica e encontra-se endividada devido às estiagens dos anos anteriores, o que os impede de conseguir financiamentos para otimizar a produção (Gurgel & Nunes, 2019; Aquino et al., 2020). Além disso, Aquino et al. (2020) relatam que o desempenho dos produtores familiares potiguares é afetado negativamente pelas dificuldades enfrentadas para acessar o crédito rural nas agências bancárias. Segundo Dias et al. (2021), os principais problemas da criação de animais no Estado ocorreram por falta de água e por falta de manejo adequado do solo.

Isto posto, a seguir será descrita a gestão do processo produtivo na agropecuária.

2.2 Gestão do processo produtivo na agropecuária

A gestão de um processo parte da identificação de um problema, seguido da descoberta da causa raiz, da análise de todas as suas variáveis possíveis e do planejamento de objetivos, metas e ações corretivas, podendo englobar meios para otimizar processos como criação e controle de indicadores de performance (produtividade, qualidade, custos, entre outros), sistema de produção enxuta ou outros métodos (Costa Júnior, 2008). Segundo o autor, alguns dos resultados esperados dessa ação seriam a melhoria dos processos produtivos, a resolução de problemas, a melhoria da qualidade dos produtos, a redução de desperdícios e o aumento da produtividade.

É importante salientar que, na agropecuária, o ciclo de produção finaliza na venda do animal vivo ou do leite (Santos et al., 2007; Silva, 2022). Na atividade pecuária de corte podem-se destacar três fases do processo produtivo: cria (produção de bezerros que serão comercializados após o desmame), recria (produção e comercialização do novilho magro para a engorda) e engorda (produção e comercialização do novilho gordo) (Santos et al., 2007). Na pecuária de leite, as fases consistem na reprodução, nutrição, pré-parto, parto/lactação, recria, pós-parto e ordenha (Silva, 2022). Segundo Silva et al. (2020), o manejo reprodutivo, nutricional, sanitário, assim como os cuidados com o processo de abate também influenciarão nos resultados do produtor.

Além disso, nas empresas rurais, fatores podem influenciar no processo produtivo como sazonalidade, perecibilidade do alimento, safra, entressafra. Estes fatores são provocados pela existência e influência das estações do ano, introduzindo a safra e a entressafra em períodos maiores do que um ano para se ter produto pronto para comercialização, tornando as oscilações dos preços um dos principais indicadores da sazonalidade da produção (Santos et al., 2007).

2.2.1 Operações e procedimentos para melhoria do processo produtivo na agropecuária

Diante das dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais, é necessário pontuar estratégias utilizadas para garantir a permanência e o fortalecimento da atividade pecuária por meio da resolução de problemas, que reflete na redução de desperdícios e custos.

Segundo Berger et al. (2021), os principais fatores para otimização dos processos produtivos foram a sanidade e bem-estar animal (vacinação e sombra), alimentação (estoque de alimento e pastagem de qualidade), qualidade do rebanho (animais de alta lactação, genética e inseminação artificial), assistência técnica (veterinário), tecnologias (aquisição de maquinários agrícolas, sistema de irrigação, sistema de Compost Barn, ordenha mecânica e a sala de ordenha, resfriador a granel e aplicativos de celular), cooperação (produção da silagem com vizinhos, cooperativa forte e comprometida com o pagamento do leite) e incentivos financeiros.

2.2.2 Operações e procedimentos para resolução de problemas

O manejo sanitário consiste no acompanhamento dos animais visando à redução dos desconfortos que acarretam estresse e, consequentemente, redução ou perda da qualidade da produção (Ribeiro, 2021; Salman & Pfeifer, 2020). Nos relatos de Silva (2022), o manejo sanitário incluiu a adoção da higienização diária, com aplicação de vacinação, uso de medicamentos preventivos contra doenças e rotina de exames de monitoramento.

Manter uma alimentação adequada é de fundamental importância para garantir a qualidade dos subprodutos gerados da criação animal (leite, carne e crias), tanto do ponto de vista nutricional quanto econômico. Considerando o custo de produção de leite, a alimentação representa de 40 a 80%, podendo atingir percentual mais elevado (Ribeiro, 2021; Oliveira et al., 2020). Uma pastagem de melhor qualidade permite ao produtor produzir mais leite em menor área (Berger et al., 2021), assim o volumoso pode ser produzido em piquetes irrigados e complementado com a suplementação em cocho. A nutrição adequada garantirá a produção de animais saudáveis com condições de expressar todo o seu potencial ao longo da vida produtiva (Silva, 2022).

Como o mercado é altamente competitivo, os pecuaristas têm buscado atender as demandas por meio de métodos precisos para aprimorar os atributos dos animais. Nesta busca podem-se destacar dois fatores que merecem atenção: o bem-estar animal e a qualidade de seu produto final (Lobo, 2021). A rentabilidade na criação deve ser a principal meta dos produtores para atingir produtividade e retorno econômico (Ribeiro, 2021). Estas condições podem ser alcançadas pelo melhoramento genético, que consiste na classificação e seleção de animais, visa alcançar o melhor valor econômico da atividade (Lobo, 2021).

Consoante Peixoto et al. (2023), o bem-estar animal consiste no estado do organismo durante suas tentativas de se ajustar ao ambiente. Para o autor, no caso da pecuária, alguns genótipos são mais sensíveis a determinadas condições ambientais. Em locais com predominância de altas temperaturas e/ou umidade elevada, o ambiente precisa ser adequado para que os animais, principalmente os de alta produção, possam ter conforto térmico, permitindo a expressão de seu potencial genético e a manutenção da produtividade (Peixoto et al., 2023). Dentre as melhorias realizadas pelos produtores para garantir o bem-estar animal estão o condicionamento em Composto barn (Silva, 2022), espaço apropriado, área de descanso seca e ventilada, com sombreamento para garantir conforto térmico, espaço de cocho apropriado para alimento por indivíduos (garantindo a redução da competição), grupos homogêneos e ambientes saudáveis e agradáveis, além da área de fuga (Azevedo et al., 2020).

A pesquisa de Cruz et al. (2021) afirma que a assistência técnica na agropecuária pode ser realizada por profissionais das ciências agrárias como veterinários, agrônomos e zootecnistas. Estes profissionais, do setor público ou privado (Cruz et al., 2021), são responsáveis por atualizar os pecuaristas sobre as inovações em manejo e equipamentos (Berger et al., 2021). A presença do profissional é fundamental para a prevenção e o controle adequado dos problemas (Ribeiro, 2021), além de auxiliar na elaboração dos protocolos de vacinação, medicamentos, manejo, monitoramento e inseminação artificial (Silva, 2022).

É importante ressaltar que a empresa precisa ter um ambiente favorável à criação e à capacidade inovadora para adotar novas tecnologias e para manter o comprometimento durante o processo (Oliveira et al., 2020). A adoção de inovações torna-se possível por meio de incentivos financeiros e políticas de incentivo (Oliveira et al., 2020). Poucos produtores no RN (18,3%) conseguem ter acesso a qualquer tipo de crédito para investir ou custear as atividades que são desenvolvidas nos seus sítios. Isto é consequência, em parte, da falta de assistência técnica para elaborar os projetos de crédito. Boa parte do crédito rural foi aplicado, tanto na forma de financiamento de custeio-comercialização quanto na forma de investimento, bem como para a agricultura empresarial e familiar (Magro et al., 2019). Dentre os créditos rurais existentes estão o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF (Aquino et al., 2020).

A cooperação, segundo Mariani (2006), contribui para o fortalecimento do produtor, impedindo o abandono da atividade. A participação em cooperativas pode facilitar o acesso à assistência especializada (Ribeiro, 2021), a compra de insumos com vantagens e o acesso a financiamentos (Mariani, 2006). Apesar dos benefícios, há uma baixa adesão ao cooperativismo por parte dos estabelecimentos agropecuários de agricultura familiar no Brasil, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste (Silva & Nunes, 2023a).

Além da carência de assistência técnica e extensão rural, falhas gerenciais são fatores que dificultam a obtenção de resultados satisfatórios pelo produtor (Porto et al., 2013). De acordo com Berger et al. (2021), das propriedades que possuem escrituração zootécnica, o uso de cadernos é a principal ferramenta de gerenciamento. Manter um histórico de cada animal, com informações como pesagem, número do brinco de identificação e escore de condição corporal (ECC) é importante para o controle da produção (Silva, 2022). Somente com os dados passados é que se pode analisar e tomar iniciativas para suprimir ou implementar medidas que possam auxiliar o manejo sanitário do rebanho (Ribeiro, 2021).

2.3 Estudos sobre a gestão do processo produtivo

Em 2011, a dimensão de processos do Programa ALI que aborda a questão referente à melhoria de processos, além da parte administrativa, tratava da modificação de procedimentos para gerar maior eficiência, qualidade, flexibilidade, menor ciclo de produção ou benefício para terceiros (Silva Néto & Teixeira, 2011).

Ao estudar o grau de inovação de micro e pequenas empresas da cadeia têxtil-confecção em Sergipe, Silva Néto & Teixeira (2011) identificaram que a dimensão de processos, em comparação com as demais dimensões estudadas, foi a que apresentou menor grau de inovação, tanto em empresas da capital como do interior. Segundo as pesquisadoras, as empresas pesquisadas têm melhorado os seus processos com modernização de tecnologia, porém não investiram em sistemas de gestão da produção.

Ao avaliar a Jornada de inovação rural desenvolvida em Santa Catarina, Borghezan et al. (2023) observaram avanços nos indicadores em todas as dimensões, em que o valor médio do grau de inovação nos empreendimentos catarinenses passou de 2,30 (DI) para 2,80 (DF), enquanto a média nacional do indicador do radar de inovação foi de 1,90 (DI) para 2,40 (DF). Segundo eles, os indicadores que mais evoluíram foram: controles gerenciais, novos produtos (modelos de negócios) e inovação em processos de produção.

Neste estudo de Borghezan et al. (2023), os planos de melhoria priorizaram ações que resultaram na resolução dos problemas identificados nos empreendimentos rurais como elaboração de lista de afazeres e/ou cronogramas de ação; readequação de espaços e materiais para o manejo e manuseio; ajuste em processo produtivo; construção, ampliação e/ou reforma de instalações; aquisição e/ou reforma de equipamentos, material e insumos; implementação de protocolos para os processos; preenchimento de cadernos de campo; organização e divisão de tarefas; inovações nas práticas de manejo; entre outros.

Estudos de Gasparini et al. (2017) e da Silva et al. (2023) apontaram melhorias do processo produtivo agropecuário após a mudança nas atividades diárias ou a implantação de ações corretivas de gargalos existentes na produção, apontando ganhos produtivos, aumento de rendimento de produção, redução do tempo para obtenção do produto, otimização de processos e reduções significativas nos desperdícios.

3 Metodologia

Dentre os 374 produtores familiares ou pequenos produtores atendidos no Rio Grande do Norte, durante os ciclos 1 e 2 do Projeto ALI, 71 produtores (19,0%) atuaram com pecuária, exercendo bovinocultura, caprinocultura e/ou ovinocultura.

Sendo assim, esta pesquisa englobou um público-alvo de 71 propriedades rurais do setor agropecuário, com atividades focadas na bovinocultura, caprinocultura e ovinocultura do estado do Rio Grande do Norte, participantes do Programa Agentes Locais de Inovação Rural do Sebrae, no período entre agosto de 2022 e novembro de 2023.

A investigação caracterizou-se, quanto aos fins, como descritiva e explicativa, pois observou as variáveis que espontaneamente vincularam-se às operações e procedimentos da atividade produtiva estudada (Heerdt & Leonel, 2007). Além disso, acrescenta-se que os fatos foram estudados in loco e que a preocupação fundamental foi identificar os fatores que contribuíram para os impactos na produtividade da propriedade (Heerdt & Leonel, 2007).

Quanto à natureza dos dados, o método da pesquisa definiu-se como quali-quantitativo, em que foi utilizado um roteiro estruturado conhecido como Radar de Inovação, a principal ferramenta utilizada no Programa ALI para o levantamento das informações e pontuações por meio de entrevistas padronizadas. A pesquisa foi considerada qualitativa, pois investigou amostras não estatísticas, casos individuais e casos múltiplos, a informação e a compreensão (o sentido) dos comportamentos e modos de gerenciamento de produtores rurais do setor agropecuário (Amado, 2015). Além disso, pode ser considerada quantitativa por avaliar e analisar como a metodologia influenciou na melhoria do processo (Leite, 2015).

O Radar da Inovação, a principal ferramenta utilizada no Programa ALI, obtido durante o diagnóstico realizado na empresa com o proprietário do negócio, avaliou 5 dimensões, distribuídas em 21 subdimensões desenvolvidas na empresa (Borghezan et al., 2023). Este instrumento foi criado por Sawhney et al. (2006), e adaptado para o contexto das MPEs por Bachmann & Destefani (2008). Segundo Carvalho et al. (2015), esta ferramenta aponta as dimensões em que as empresas de um determinado setor inovaram ou foram pouco exploradas e que, portanto, podem diferenciá-las em relação aos seus concorrentes setoriais.

A ferramenta foi aplicada durante a primeira visita técnica da Jornada de Inovação Rural do Sebrae, conhecida como fase de diagnóstico (Borghezan et al., 2023). Neste momento, o/a Agente Local de Inovação Rural conheceu a estrutura da propriedade e os processos envolvidos na atividade rural. O radar de inovação possui perguntas abertas, de cunho qualitativo, sobre questões situacionais que são diferenciadas em escalas numéricas (1 a 5).

Na subdimensão de operações e procedimentos, as questões levantadas estavam relacionadas com a rotina da empresa rural, a delegação de tarefas, a existência de lista de afazeres e a demora no processo de atendimento ao cliente (interno e externo), enquanto na subdimensão de resolução de problemas, a principal questão avaliou como a empresa rural reagia em situações problemáticas.

Ao fim da aplicação, o radar informa pontuações médias, de 1 a 5, em que 1 representa ausência ou desenvolvimento de poucas ações voltadas para o desenvolvimento da dimensão, 3 representa a média da pontuação, e 5 representa a excelência ou alto desenvolvimento de ações. Além da dimensão de processo produtivo, o Radar avalia controles gerenciais, marketing e vendas, redução de custos e novos produtos (Figura 1).

Figura 1
Diagnóstico do Radar da inovação da Jornada de Inovação Rural.

Além dos dados obtidos no Radar da Inovação, os produtores forneceram os valores referentes ao faturamento mensal bruto do mês de início e do mês que antecedeu o final do acompanhamento.

Os valores obtidos com o Radar de Inovação no RN foram tabulados em uma planilha do Google, compartilhada em nuvem com os Agentes Locais de Inovação do Estado. Posteriormente, os dados de interesse foram transferidos e tratados no programa estatístico Minitab. No programa foi possível obter a estatística descritiva (média, desvio padrão, máximo e mínimo) e aplicar teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov, adotando o nível de significância de p < 0,01. As evoluções dos valores obtidos antes e depois do diagnóstico foram quantificadas e comparadas por meio do cálculo de porcentagem. As ações corretivas foram separadas de acordo com as grandes áreas trabalhadas na agropecuária (sanidade e bem-estar animal, alimentação, qualidade do rebanho, assistência técnica e tecnologias).

Após a análise de normalidade, o teste de Mann-Whitney foi aplicado. Este teste não-paramétrico foi utilizado para determinar se as medianas de duas amostras independentes (DI e DF) diferiram entre si, adotando o nível de significância de p < 0,05. Desta forma, foi avaliado estatisticamente se o processo produtivo das propriedades apresentou melhorias após a aplicação da metodologia do Programa ALI (Minitab, 2023).

4 Resultados e Discussão

4.1 Caracterização dos produtores agropecuários do RN

Dentre os 374 produtores familiares ou pequenos produtores atendidos no Rio Grande do Norte, durante os ciclos 1 e 2 do Programa ALI (cada ciclo durou 8 meses e cada agente atendeu até 15 produtores), 71 produtores (19,00%) atuaram com pecuária, exercendo bovinocultura, caprinocultura e/ou ovinocultura. Destes, 93,00% são homens e 7,00% mulheres. Portanto, o RN segue a tendência brasileira (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2017), em que os homens prevalecem nas atividades de criação de bovinos, caprinos e ovinos.

Na pesquisa, foi registrado que 70,40% dos produtores focam na criação de bovinos para produção de leite e/ou para corte, 1,40% dedicam-se apenas a ovinocultura, enquanto 28,20% dos produtores consorciam duas ou mais atividades rurais, que podem ser apicultura, avicultura, caprinocultura, carvoaria, fruticultura, suinocultura ou queijeira. Os principais consórcios ocorrem entre a bovinocultura e ovinocultura (9,90%), avicultura e ovinocultura (4,20%), bovinocultura e queijeira (2,8%) (Tabela 1).

Tabela 1
Principais atividades exercidas pelos criadores de bovinos, caprinos e ovinos do Rio Grande do Norte.

Tipo de Atividade	Quantidade	%
Bovinocultura	50	70,40
Bovinocultura e Ovinocultura	7	9,90
Avicultura e Ovinocultura	3	4,20
Bovinocultura e Queijeira	2	2,80
Apicultura e Ovinocultura	1	1,40
Avicultura, Bovinocultura, Caprinocultura e Suinocultura	1	1,40
Avicultura e Bovinocultura	1	1,40
Avicultura, Caprinocultura e Queijeira	1	1,40
Bovinocultura e Caprinocultura	1	1,40
Bovinocultura e Carvoaria	1	1,40
Bovinocultura e Fruticultura	1	1,40
Caprinocultura e Ovinocultura	1	1,40
Ovinocultura	1	1,40
Total geral	71	100

• Fonte: Autoria própria (2023).

O consórcio ocorre para viabilizar a propriedade agrícola gerida pela família, onde desenvolvem-se diversas atividades produtivas, caracterizando a pluriatividade, assim como ocorre na produção de alimentos processados artesanalmente (Fisher et al., 2016). Grande parte dos produtores optam pela pecuária (50,0%), por meio da atividade leiteira, pois representa uma fonte de renda mensal para muitos agricultores, especialmente os familiares, além de gerar empregos nos diversos segmentos da cadeia produtiva (Berger et al., 2021).

4.2 Gestão do processo produtivo na agropecuária do RN

Os resultados do Radar de Inovação apontaram que, em média, os produtores apresentaram evolução em todas as dimensões analisadas. Contudo, a dimensão de processos produtivos foi a área que teve uma evolução menos expressiva quando comparada às demais (Figura 2).

Figura 2
Radar da inovação com as médias das dimensões avaliadas e faturamento mensal bruto médio registrados nos diagnósticos, antes e depois, da Jornada de Inovação Rural.

Estes dados corroboram os estudos de Silva Néto & Teixeira (2011) que apontaram que a dimensão de processos, em comparação com as demais dimensões estudadas, foi a que apresentou menor grau de inovação, principalmente nas empresas distantes da capital. Os dados de Melhoria dos Processos Produtivos levantados no Radar de Inovação foram próximos aos valores médios do grau de inovação nos empreendimentos catarinenses e nacionais, levantados por Borghezan et al. (2023), demonstrando evoluções semelhantes ao longo da Jornada de Inovação Rural.

No período estudado, os produtores relataram oscilações nos preços de mercado, como aumento dos preços dos insumos e queda nos preços de venda dos produtos da agropecuária. Apesar disso, o levantamento da média do faturamento mensal bruto apontou para um aumento de 117,57%, sinal de melhoria na renda dos produtores atendidos.

Os resultados do teste de normalidade apontaram a distribuição não-normal ou não-paramétrica dos dados, enquanto o teste de Mann-Whitney mostrou uma melhoria no processo produtivo das propriedades após a participação no Programa ALI (Tabela 2).

Tabela 2
Estatística descritiva e teste de Mann-Whitney para o diagnóstico inicial e final da dimensão de Processo Produtivo coletados durante o Programa de Agente Locais de Inovação.

Grau do Radar de Inovação	Dimensão		Subdimensão
	Processo Produtivo		Operações e Procedimentos		Resolução de problemas
	Inicial	Final	Inicial	Final	Inicial	Final
Média	2,40	3,00	3,00	3,80	2,93	4,33
Mediana	2,33	3,00	3,00	3,00	3,00	3,00
Máximo	5,00	4,33	3,00	5,00	5,00	5,00
Mínimo	1,00	1,67	3,00	3,00	2,00	3,00
Desvio Padrão	0,6956	0,6138	0,0000	1,0140	0,8840	0,7240
Kolmogorov-Smirnov	0,235	0,142	0,531	0,368	0,270	0,288
	p < 0,010	p < 0,010	p < 0,010	p < 0,010	p < 0,010	p < 0,010
Mann-Whitney
W	3759,00		703,00		588,50
	p < 0,05		p < 0,05		p < 0,05
Confiança atingida	95,03%		95,16%		95,16%
Diferença entre medianas	-0,67		-0,00		-1,00
Intervalo de confiança	−1,00 e −0,34		−2,00 e −0,00		−2,00 e −1,00

• Fonte: Autoria própria (2023).

Após o acompanhamento, constatou-se que as propriedades monitoradas apresentaram uma melhoria de 19,74% nos seus processos produtivos, em que 26,67% foram nos procedimentos e operações e 47,78% aconteceram na resolução de problemas.

O diagnóstico inicial (DI) da dimensão do processo produtivo, observado nas propriedades visitadas, apresentou uma média de 2,40. Neste nível, os produtores têm domínio aparente de suas operações, porém com perdas consideráveis durante o processo, reverberando na baixa produtividade e nos reflexos negativos sobre a lucratividade do empreendimento, o que evidencia um potencial para melhoria de processos pré-operacionais. No diagnóstico final (DF), a média foi 3,00. Após o acompanhamento, os produtores passaram a ter uma preocupação em se antecipar para a preparação para novas safras, em corrigir processos no manejo, o que impactou em perdas moderadas de matérias-primas e/ou de retrabalho, otimizando os ganhos financeiros.

No DI, os relatos dos produtores eram “não temos uma programação diária, acho que isso pode melhorar”, “é difícil de se comunicar com o funcionário, já tivemos problemas de qualidade por descuido deles”, “não anoto o que preciso fazer, então eu acabo esquecendo”, “já tivemos a perda de burregos de forma precoce, durante o nascimento devido a falta de conhecimento prévio, e falta do controle de medicamentos”.

No DF, os relatos passaram a ser “depois que você chegou não tinha como esquecer, porque tinha uma cobrança mensal (do planejamento)”, “agora eu tenho o quadro de atividades e o cronograma de produção, identifico os problemas e soluções junto com ele (colaborador)”, “minha filha, que faz veterinária, me ajudou na medicação e vacinação dos animais, não tivemos mais perdas”, “as mortes pararam com adoção do sal suplementar, recebi o tanque de leite, e consegui receber as visitas do Consultor que me ajudou com a vermifugação e vacinação”.

Portanto, o Programa ALI foi um incentivo para organizar as atividades, garantir o comprometimento e motivar a realização do plano de ação. Estes relatos reforçam a busca constante das propriedades por alta performance e competitividade para aumentar os lucros (Costa Júnior, 2008). Na agropecuária, apesar de outros fatores influenciarem no processo produtivo como sazonalidade, safra, entressafra (Santos et al., 2007), o programa ALI incentivou os produtores a otimizar a performance das propriedades por meio de melhorias na área de operações e procedimentos e resolução de problemas.

4.2.1 Operações e procedimentos para melhoria do processo produtivo na agropecuária

O DI da subdimensão de operações e procedimentos apresentou uma média de 3,00 e DF de 3,80. Portanto, os produtores iniciaram o Programa com um conhecimento prévio sobre as operações e procedimentos, porém, sem uma organização direcionada sobre a forma de realizar os procedimentos, gerando ganhos financeiros pouco expressivos. Após o acompanhamento do(a) Agente, o produtor rural tem domínio de suas operações, conhecendo melhor o ciclo de produção da atividade com ações registradas e acompanhadas regularmente, sendo possível identificar perdas.

Segundo Porto et al. (2013), as falhas gerenciais são fatores que dificultam a obtenção de resultados satisfatórios pelo produtor. No início do acompanhamento do Programa ALI, apesar de uma minoria utilizar cadernos de controles de indicadores, formas de comunicação e planejamentos manuais, boa parte dos produtores relataram que não possuíam uma programação diária ou mensal, cronogramas, listas de atividades ou quadros para acompanhamento das ações da propriedade. Segundo os gestores, as diversas atividades do dia a dia tiraram o foco em relação a otimizar os afazeres. As ações eram esquecidas ou incompletas por falta de anotações.

Para a melhoria da gestão do processo produtivo na agropecuária do RN, os produtores relataram a necessidade de delegação, sistematização ou revisão das atividades diárias. Após o ALI, foi observado a melhoria do fluxo de atividades com a adoção de ferramentas com planejamento das atividades mensais, monitoramento, quadro visual de tarefas diárias, cronogramas ou whatsapp para facilitar a comunicação com os funcionários e andamento das ações na propriedade. Um dos produtores acompanhados conseguiu aderir ao diagrama de Ishikawa para identificar os problemas e soluções com o colaborador.

Dentre as ações de gestão observadas nos produtores acompanhados durante o Programa estão a contratação de uma pessoa para monitorar e acompanhar as atividades; o uso de uma assistente virtual para criação de listas de tarefas, marcação de lembretes, organização de informação das atividades nos horários agendados e fornecimento de previsão meteorológica; a adoção de cronogramas de produção para facilitar a organização e para acompanhamento das ações; o uso de quadro de controle de indicadores no estábulo, no caderno, em aplicativos ou em planilhas eletrônicas; a divisão de tarefas entre a família, gestão do trabalho por meio do whatsapp; e o envolvimento de outros membros da família que não eram atuantes na atividade rural.

De acordo com as mudanças, confirma-se que além dos cadernos, os produtores acompanhados buscaram artifícios e aderiram a novas ferramentas para facilitar a gestão da agropecuária, como relatado nos estudos de Berger et al. (2021), Silva (2022) e Borghezan et al. (2023).

4.2.2 Operações e procedimentos para resolução de problemas

O DI da subdimensão de operações e procedimentos apresentou uma média de 2,93 e DF de 4,33. Portanto, em média, os produtores iniciaram sua Jornada de Inovação realizando alguns controles de produção que auxiliam na identificação dos problemas e na realização de pequenas ações corretivas. Após a Jornada, os produtores passaram a solucionar e tomar medidas para alterar as tarefas diárias, assegurando que o problema não aconteça novamente.

Os produtores relataram 13 problemáticas do processo produtivo da criação de animais que foram organizados no Diagrama de Ishikawa (Figura 3).

Figura 3
Gargalos do processo produtivo da criação de animais (bovinos, caprinos e ovinos) no Rio Grande do Norte.

Em relação aos métodos, falta o conhecimento sobre os manejos mais produtivos como creep-feeding e controle de monta; além disso, é perceptível que muitos produtores não aplicavam técnicas adequadas para o convívio com a seca. Os produtores relataram a dificuldade em manter a sanidade e o bem-estar animal, com falhas no controle de medicamentos, falta de ração (altos custos com a compra, uso de culturas não adaptadas à seca), baixa produtividade dos animais (leite, engorda, entre outros), extrapolação da capacidade produtiva da propriedade e ausência ou baixa presença de assistência técnica. Estes fatores causaram maiores índices de doenças (tristeza bovina, mastite, verminoses, entre outras) e aumento da mortalidade, sazonalidade do negócio (longos períodos de fêmeas sem crias), baixa constância no fluxo das vendas e acúmulo de dívidas proveniente das secas.

Durante o acompanhamento, os produtores focaram as ações corretivas na melhoria de sanidade e bem-estar animal (28,17%), na garantia de alimentação adequada (21,13%), no uso de tecnologias para otimizar o processo produtivo da criação de animal (18,31%), na contratação de assistência técnica (16,90%) e na qualidade do rebanho (15,49%) (Figura 4).

Figura 4
Ações corretivas propostas após a aplicação do Radar de Inovação e aderidas pelos produtores para melhorar o processo produtivo da criação de animais no Rio Grande do Norte, Brasil.

O manejo sanitário baseado no acompanhamento dos animais reduziu as doenças e a mortalidade, bem como contribuiu para o ganho de peso da criação, assim como relatado por Ribeiro (2021) e Silva (2022) (Figura 3). Em locais com predominância de altas temperaturas, como no semiárido, o ambiente precisa ser adequado para que os animais possam ter conforto térmico, permitindo a expressão de seu potencial genético e a manutenção da produtividade (Peixoto et al., 2023). Ao adotar as ações de manejo sanitário e bem-estar dos animais, como espaço apropriado, área de descanso seca e ventilada, com sombreamento para garantir conforto térmico, espaço de cocho apropriado para alimento por indivíduos (e reduzir competição), ambientes saudáveis e agradáveis (Azevedo et al., 2020).

Para evitar problemas com o uso de produtos, mudança de dieta ou implantação de culturas, alguns produtores optaram por realizar testes experimentais antes de aplicar ações com alto custo; houve a adoção do banco de leite para a amamentação como prática de prevenção; plantio de BRS Capiaçu; uso do açude para plantio de forragem para fornecimento de alimento e água. Após o acompanhamento, os produtores otimizaram o plantio de capins e palmas para o próximo ano; a adoção de pastejo rotativo em piquetes; a adoção de manejo de irrigação. Desta forma, os produtores conseguiram fazer o estoque, melhorar a oferta e o balanceamento da ração, além de reduzir as dívidas das secas.

As inovações adotadas ajudaram a manter uma alimentação adequada, visando garantir a qualidade dos subprodutos gerados da criação animal (leite, carne e crias). Sabendo que a alimentação representa de 40 a 80% (Ribeiro, 2021; Oliveira et al., 2020), os produtores balancearam suas receitas, ficando menos dependentes de insumos externos. Além disso, ter pastagem fresca disponível na propriedade permitiu ao produtor produzir mais leite em menor área (Berger et al., 2021). Assim, os produtores sentiram a melhoria na produção, devido à nutrição adequada garantir a produção de animais saudáveis com condições de expressar todo o seu potencial ao longo da vida produtiva (Silva, 2022).

A melhoria da qualidade do rebanho, principalmente na criação de bovinos, aconteceu por meio da contratação do Sebraetec de melhoramento genético. Durante o acompanhamento da ALI, foi possível notar que os produtores se organizaram para garantir o controle da monta dos caprinos e de bovinos. Além disso, os produtores passaram a realizar o descarte de animais improdutivos. Por meio destes métodos, os produtores conseguiram obter resultados satisfatórios para aprimorar os atributos dos animais, a sua produtividade e a qualidade da produção final (Ribeiro, 2021; Lobo, 2021).

Outro fator importante foi a adesão ou a intensificação da presença de assistência técnica (administrativa, veterinário ou zootecnista) nas propriedades. Após o acompanhamento da Agente, os produtores passaram a aderir às assistências, utilizar novas ferramentas, ler materiais sobre o manejo das atividades, ter maior participação dos filhos e de outros familiares na atividade, bem como melhorar a constância das visitas e a comunicação com os profissionais por meio do repasse de indicadores mais precisos.

Neste caso, a assistência técnica não foi apenas responsável por orientar e atualizar os pecuaristas sobre inovações em manejo, transformação digital e ferramentas, mas também por fortalecer as relações familiares e promover uma possível sucessão familiar. Esta pesquisa reforçou os estudos de Ribeiro (2021), Berger et al. (2021) e Silva (2022) sobre a importância dos profissionais para prevenir e controlar adequadamente os problemas das propriedades.

Durante o Programa, a Agente de Inovação observou a adoção de tecnologias como o tanque de leite para cooperação e vendas coletivas. Tal cooperação, segundo Mariani (2006), contribuiu para o fortalecimento do produtor, impedindo o abandono da atividade. Outra inovação dos processos foi a aquisição da máquina de ordenha que melhorou as condições de trabalho e garantiu a permanência dos funcionários na propriedade, além de reduzir o tempo do produtor nessa atividade. Os produtores também aderiram ao cronograma de ultrassons para monitorar as condições das fêmeas e o sucesso da inseminação artificial.

Desta forma, é possível notar que o Programa ALI Rural criou um ambiente favorável que impulsionou a criação e a capacidade inovadora para adotar novas tecnologias e manter o comprometimento durante o processo, como já observado por Oliveira et al. (2020).

No estudo sobre a Jornada de Inovação Rural em Santa Catarina e no Brasil, Borghezan et al. (2023) apontaram que os planos de melhoria das propriedades rurais priorizaram ações que resultaram na resolução dos problemas identificados nas atividades, assim, muitas ações estavam vinculadas à elaboração de lista de afazeres e/ou a cronogramas de ação, ajuste em processo produtivo, implementação de protocolos para os processos, preenchimento de cadernos de campo e inovações nas práticas de manejo.

Assim como constatada na metodologia ALI Rural, outros estudos como de Gasparini et al. (2017) e da Silva et al. (2023) apontaram melhorias do processo produtivo agropecuário após a mudança nas atividades diárias ou implantação de ações corretivas de gargalos existentes na produção, apontando ganhos produtivos, aumento de rendimento de produção, redução do tempo para obtenção do produto, otimização de processos e reduções significativas nos desperdícios.

5 Conclusões

Neste estudo foi possível confirmar o impacto positivo do Programa Agente Locais de Inovação do Sebrae na melhoria dos processos produtivos da criação de animais no RN, Brasil. Após o acompanhamento, as propriedades acompanhadas apresentaram uma melhoria de 19,74% nos seus processos produtivos (DI = 2,40; DF = 3,00), em que 26,67% foram nos procedimentos e operações (DI = 3,00; DF = 3,80) e 47,78% aconteceram na resolução de problemas (DI = 2,93; DF = 4,33). Os produtores aderiram, principalmente, às inovações de processos, e para isso apostaram em tecnologias e ferramentas, além de contar com o envolvimento de outros membros da família na atividade rural.

O fortalecimento das operações e procedimentos da produção agropecuária do RN foi possível por meio da melhoria do fluxo de atividades com a adoção de ferramentas como planejamento das atividades mensais, monitoramento, quadro visual de tarefas diárias, cronogramas ou whatsapp para facilitar a comunicação com os funcionários e andamento das ações na propriedade. As principais ações adotadas para a resolução de problemas focaram na melhoria da sanidade e bem-estar animal (28,17%) e em garantir alimentação adequada (21,13%) para os animais.

De acordo com o relato dos produtores acompanhados, o Programa ALI foi um incentivo para otimizar a performance da propriedade, garantir o comprometimento e motivar a realização do plano de ação, gerando um aumento médio na renda das propriedades estudadas. É importante salientar que, no segmento estudado, a melhoria do processo produtivo e a adequação do produto à comercialização, por vezes, acarreta custos e investimentos elevados para se enquadrar nas normativas de inspeção sanitária. Comparados com outros setores da economia, estes fatores, somados à proximidade geográfica dos clientes e concorrentes, podem limitar o ganho de competitividade.

Como sugestão para pesquisas futuras está a quantificação dos impactos financeiros de cada melhoria no faturamento da empresa, tendo em vista que muitas ações possuem retornos a longo prazo. Uma dificuldade enfrentada foi avaliar as estratégias particulares da criação de animais por espécie (bovinos, caprinos e ovinos) por falta de um número amostral significativo. Durante o acompanhamento foi possível notar a necessidade unânime dos produtores por inovações que dialogassem com a seca, desde a produção de alimento, o manejo de pastagem, até o fortalecimento das cadeias produtivas, associativismo e políticas públicas.

• Como citar: Paula, Y. L., & Silva, N. G. A. (2024). Uma análise do programa Agentes Locais de Inovação nos processos produtivos da criação de animais no Nordeste brasileiro. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(4), e282057. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.282057pt
• JEL Classification: Q16

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  02 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  07 Jan 2024
• Aceito
  13 Abr 2024