Acessibilidade / Reportar erro

Comida de hoje, comida de ontem em quilombos na Amazônia Oriental do Pará

Today's food and the yesterday’s food in quilombola communities in the Amazon region of Pará state

Resumo

O objetivo do artigo é analisar a relação entre a comida de hoje e a comida de ontem, considerando a perspectiva de gênero e geração em um contexto de insegurança alimentar em três comunidades quilombolas da Amazônia paraense: Tipitinga, Jacarequara e Pimenteira. Metodologicamente, o estudo combina a revisão de literatura e de dados secundários com o levantamento de dados primários efetuado por meio de 15 entrevistas abertas com quilombolas e mediadores. Três oficinas foram realizadas em cada quilombo com 42 pessoas. As conclusões mostram que houve redução de áreas para a prática do extrativismo e exaustão do solo para a agricultura, paralelamente ao envelhecimento e à saída dos jovens para estudar e trabalhar. A maior disponibilidade de recursos financeiros permite compras e maior consumo de produtos industrializados com base nos critérios de rapidez, facilidade, sabor e estilo de vida, conformando situações sociais que evidenciam processos de transição nutricional.

Palavras-chave:
comida tradicional; desigualdade alimentar; quilombos; transição nutricional

Abstract

The aim of this article is to analyze the relationship between the today's food and the yesterday’s food, considering gender and generation in the context of food insecurity in three quilombola communities in the Amazon region of Pará state, in Brazil: Tipitinga, Jacarequara and Pimenteira. A literature and secondary data review was conducted, and primary data were collected through 15 open-ended interviews with quilombolas and community mediators. Three workshops were held in each quilombo, involving 42 participants. The main conclusions show that there has been a reduction in areas for extractivism and depletion of soil for farming, in parallel with the aging of the population and the outflow of youth to study and work. The greater availability of financial resources has enabled the purchase of industrialized products and has influenced the greater distance between yesterday's food and today's food based on the criteria of quickness, easiness, taste and lifestyle, shaping social situations that indicate a nutrition transition process.

Keywords:
traditional food; food inequality; quilombos; nutrition transition

1 INTRODUÇÃO

Na Amazônia, a cotidiana transformação de uma parte da natureza em alimentos, além da satisfação de necessidades culturais e biológicas dos grupos, implica o manejo de um bioma com a maior biodiversidade do planeta. Esse bioma está sujeito a um intenso processo de expansão da fronteira de commodities, principalmente soja, carne e minérios, com graves consequências para a integridade dos territórios e modos de vida de diversos grupos sociais e étnicos.

Sob tensão, tais grupos mantêm e recriam as suas práticas agroextrativistas que envolvem roças e quintais, o extrativismo de espécies vegetais e animais, conformando um repertório cotidiano que, sustentado nos saberes tradicionais e locais, garante somente parte dos seus alimentos (Durão et al., 2021Durão, H. L. G., Costa, K. G., & Medeiros, M. (2021). Etnobotânica de plantas medicinais na comunidade quilombola de Porto Alegre, Cametá, Pará, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais, 16(2), 245-258.; Leão, 2020Leão, V. M. (2020). Cultivando autonomia: análise da socioeconomia e agrobiodiversidade no quilombo de Providência, Salvaterra, ilha do Marajó/PA (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14835.
https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle...
; Nascimento & Guerra, 2014Nascimento, E. C., & Guerra, G. A. D. (2014). Quintais multifuncionais: a diversidade de práticas produtivas e alimentares desenvolvidas pelas famílias da comunidade quilombola do Baixo Acaraqui, Abaetetuba, Pará. Revista IDeAS, 8(2), 7-40.; Rivera, 2017Rivera, R. (2017). Trajetórias das práticas alimentares na comunidade Quilombola de Bairro Alto, ilha do Marajó, Salvaterra-Pará (Dissertação de mestrado). Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Amazônia Oriental, Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares, Universidade Federal do Pará, Belém. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/11059.
https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle...
; Silva et al., 2021Silva, J. S., Andrade, L. S., Souza, A. M., & Halmenschlager, F. (2021). Práticas produtivas da farinha de mandioca na comunidade quilombola Mocambo – Ourém – PA. Nova Revista Amazônica, 9(3), 129-146.). Essas práticas indicam também uma territorialidade específica: viabilizam-se em uma terra tradicionalmente ocupada e sob o controle efetivo de uma comunidade e de suas formas organizativas (Almeida, 2012Almeida, A. W. B. (2012). Territórios e territorialidades específicas na Amazônia: entre a “proteção” e o “protecionismo”. Caderno CRH, 25(64), 63-71.), a exemplo dos quilombos. Não obstante, mudanças importantes estão ocorrendo no aprovisionamento desses grupos, e suas consequências incidem na maior dependência por alimentos industrializados, como constatamos no Nordeste Paraense (NEP).

No NEP, é evidente que há uma relação intensa entre os grupos de quilombolas e os núcleos urbanos, motivada tanto pela ocasional comercialização de excedente da própria produção, como pela busca do acesso a recursos de programas públicos de transferência de renda e segurança social (Bolsa Família e aposentadoria). Para esses grupos, mesmo que haja a combinação entre produção e compra, são alarmantes os índices de Insegurança Alimentar (IA) na Amazônia. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do 2023 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica - IBGE (2024). PNAD Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-continua.html?edicao=39836&t=resultados Recuperado em 24 de maio de 2024.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
), 72,4% da população brasileira está em situação de Segurança Alimentar (SA), mas, no estado do Pará, o cenário é o oposto: 47,8% da população está em situação de IA. Anteriormente o último relatório da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – Penssan (II Vigisan, 2022Vigisan, I. I. (2022). Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Análise, Vol. 1, 110 p.). São Paulo: Fundação Friedrich Ebert: Rede PENSSAN.) já mostrava que a IA no Brasil era maior em lares de agricultores familiares, de pessoas pretas ou pardas, em lares chefiados por mulheres e na região Norte.

Trabalhos sobre famílias quilombolas no Pará apontam que as pressões exógenas sobre os recursos e a dependência de políticas de transferência influem na adoção do consumo de produtos industrializados e no afastamento do viver tradicional, o que tem consequências na redução da diversidade e na necessidade de dinheiro para garantir a alimentação (Ferreira-Alves & Santos-Fita, 2023Ferreira-Alves, E. S., & Santos-Fita, D. (2023). As roças e o extrativismo na comunidade quilombola do Jacarequara, Santa Luzia do Pará, Nordeste Paraense. Revista Nera, 26(66), 143-170.; Nascimento & Guerra, 2014Nascimento, E. C., & Guerra, G. A. D. (2014). Quintais multifuncionais: a diversidade de práticas produtivas e alimentares desenvolvidas pelas famílias da comunidade quilombola do Baixo Acaraqui, Abaetetuba, Pará. Revista IDeAS, 8(2), 7-40.). As compras mensais mudam hábitos tradicionais, e, ainda que persista a produção para o autoconsumo (Ferreira et al., 2020Ferreira, P. F., Alves, R. J. M., Rosário, A. S., & Pontes, A. N. (2020). Subsistência e agricultura familiar na comunidade quilombola África, Abaetetuba, Pará-Brasil. In A. N. Pontes & A. S. Rosário (Orgs.), Ciências ambientais: política, sociedade e economia da Amazônia (pp. 86-97). Belém: EDUEPA.), estudos indicam indícios de IA (Santos & Claudino, 2020Santos, A. S. C., & Claudino, L. S. D. (2020). Agricultura e segurança alimentar em comunidades quilombolas na Amazônia brasileira: o caso da produção de farinha de mandioca em Abaetetuba, Pará, Brasil. Humanidades & Inovação, 7(16), 356-370.; Silva et al., 2015Silva, R. J., Garavello, M. E. P., Navas, R., Nardoto, G. B., Mazzi, E. A., & Martinelli, L. A. (2015). Transição agroalimentar em comunidades tradicionais rurais: o caso dos remanescentes de quilombo Kalunga – GO. Segurança Alimentar e Nutricional, 22(1), 591-607.). No quilombo Bairro Alto em Marajó, por exemplo, Rivera (2017)Rivera, R. (2017). Trajetórias das práticas alimentares na comunidade Quilombola de Bairro Alto, ilha do Marajó, Salvaterra-Pará (Dissertação de mestrado). Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Amazônia Oriental, Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares, Universidade Federal do Pará, Belém. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/11059.
https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle...
enumerou 238 itens alimentares, mas constatou que a alimentação dependia cada vez mais da compra de produtos como macarrão, frango de granja, pão, bolachas, entre outros ultraprocessados. Como afirmam Louzada et al. (2021, pLouzada, M. L. C., Costa, C. S., Souza, T. N., Cruz, G. L., Levy, R. B., & Monteiro, C. A. (2021). Impacto do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde de crianças, adolescentes e adultos: revisão de escopo. Cadernos de Saude Publica, 37, 1-48.. 41), “alimentos ultraprocessados são convenientes, práticos e portáteis”, portanto, associados a preparos e a modos de comer mais rápidos em correspondência com o aceleramento da vida cotidiana, que tem exigido mais e mais trabalho para garantir o aprovisionamento nos quilombos.

Tais mudanças fazem parte de um contexto global de redução da diversidade das espécies que compõem o abastecimento alimentar. A tendência tem sido de aumento das quantidades globais de calorias, proteínas, gorduras e peso dos alimentos, com uma homogeneização dos abastecimentos alimentares nacionais, os quais se tornaram cada vez mais semelhantes nos últimos 50 anos, com predomínio do trigo, arroz, milho e soja, o que significa uma potencial ameaça para a segurança alimentar (Khoury et al., 2014Khoury, C. K., Bjorkman, A. D., Dempewolf, H., Ramirez-Villegas, J., Guarino, L., Jarvis, A., Rieseberg, L. H., & Struik, P. C. (2014). Increasing homogeneity in global food supplies and the implications for food security. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 111(11), 4001-4006. http://dx.doi.org/10.1073/pnas.1313490111, Mbow et al., 2019Mbow, C., Rosenzweig, C., Barioni, L. G., Benton, T. G., Herrero, M., Krishnapillai, M., Liwenga, E., Pradhan, P., Rivera-Ferre, M. G., Sapkota, T., Tubiello, F. N., & Xu, Y. (2019). Food Security. In P. R. Shukla, J. Skea, E. Calvo Buendia, V. Masson-Delmotte, H.-O. Pörtner, D. C. Roberts & P. Zhai (Eds.), Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems (pp. 437-550). IPCC. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/11/SRCCL-Full-Report-Compiled-191128.pdf.
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/...
). Em consequência, grandes mudanças nos padrões de dieta, na atividade física e no estado nutricional ocorreram nesse contexto de globalização e no mercado de alimentos, com investimento estrangeiro direto e muita publicidade de alimentos, o que levou ao aumento do consumo de alimentos ricos em gorduras e adoçantes, processo denominado transição nutricional (Da-Gloria & Piperata, 2019Da-Gloria, P., & Piperata, B. A. (2019). Modos de vida dos ribeirinhos da Amazônia sob uma abordagem biocultural. Ciência e Cultura, 71(2), 45-51.; Drewnowski & Popkin, 1997Drewnowski, A., & Popkin, B. M. (1997). The nutrition transition: new trends in the global diet. Nutrition Reviews, 55(2), 31-43.; Hawkes, 2006Hawkes, C. (2006). Uneven dietary development: linking the policies and processes of globalization with the nutrition transition, obesity and diet-related chronic diseases. Globalization and Health, 2, 1-18.; Popkin, 2012Popkin, B. M. (2012). The nutrition transition is speeding up: a global perspective. In N. J. Temple, T. Wilson & D. R. Jacobs Junior (Eds.), Nutritional health: strategies for disease prevention (pp. 85-99). New York: Humana Press.).

Os quilombos no Pará constituem situações sociais relevantes para compreender a natureza de tais mudanças. Segundo o Censo Nacional Quilombola de 2022, de 1.327.802 de pessoas que se autoidentificaram quilombolas, 32,1% encontram-se na Amazônia legal, e no Pará está a maior proporção de pessoas quilombolas domiciliadas em territórios titulados do país (IBGE, 2023Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2023). Censo Demográfico 2022: quilombolas: primeiros resultados do universo. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102016.pdf.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
). Considerando a problemática da transição alimentar, o objetivo deste artigo é analisar a relação entre a comida de hoje e a comida de ontem, segundo a perspectiva de gênero e geração em três comunidades quilombolas do NEP na Amazônia Oriental.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Ao estudar a comida de “hoje” e de “ontem” em quilombos, reconhecemos que esses grupos mantêm uma territorialidade amplamente variada e resultante da demanda coletiva pela pluralização dos seus direitos e pelo reconhecimento da diversidade étnica, cultural e territorial da população brasileira (Arruti, 2009Arruti, J. M. (2009). Quilombos. Jangwa Pana, 8(1), 103-122.). Esse reconhecimento significa ainda levar em consideração a afirmação de Schmitt et al. (2002)Schmitt, A., Turatti, M. C. M., & Carvalho, M. C. P. (2002). A atualização do conceito de quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Ambiente & Sociedade, 5(10), 1-6. sobre o conceito de quilombo, amplo o suficiente para enfatizar identidade e território. Segundo as autoras, o moderno conceito antropológico de quilombo abarca um legado, uma herança cultural e material, um sentimento de pertencer a um lugar específico.

Na busca desse legado e dos sentimentos de pertencimento a um lugar específico situado na Amazônia Oriental, privilegiamos a comida no quilombo a partir da perspectiva de gênero e geração, considerando que a comida sintetiza elementos materiais e simbólicos que abrangem arranjos tecnológicos, relações de produção e troca, paisagens e territórios, e também significados, identidades e sentimentos (Amon & Menasche, 2008Amon, D., & Menasche, R. (2008). Comida como narrativa da memória social. Society and Culture, 11(1), 13-21.; Appadurai, 1981Appadurai, A. (1981). Gastro‐politics in Hindu South Asia. American Ethnologist, 8(3), 494-511.). Segundo Ferro (2017), aFerro, R. C. (2017). Dimensões conceituais da gastronomia. Contextos da Alimentação: Revista de Comportamento, Cultura e Scuola, 5(2), 14-28. criação de comida implica a transformação de um objeto não simbólico, o alimento, em um objeto complexo, em um objeto simbólico. Portanto, é um fato social altamente condensado (Appadurai, 1981Appadurai, A. (1981). Gastro‐politics in Hindu South Asia. American Ethnologist, 8(3), 494-511.). Os significados da comida seguem também as transformações socioeconômicas. Poderíamos então falar da “vida social” dos alimentos (Appadurai, 1986Appadurai, A. (1986). Introduction: commodities and the politics of value. In A. Appadurai (Ed.). The social life of things: commodities in cultural perspective (pp. 3-63). Cambridge: Cambridge University Press.), entendida como a biografia sociocultural dos produtos da biodiversidade nas comunidades onde são produzidos e consumidos. Para Castro & Maciel (2013), oCastro, H. C., & Maciel, M. E. (2013). A comida boa para pensar: sobre práticas, gostos e sistemas alimentares a partir de um olhar socioantropológico. Demetra: Alimentação, Nutrição & Saúde, 8, 321-328. que é transformado em comida está configurado cultural e historicamente, segundo dinâmicas sociais específicas, que mudam ao longo do tempo.

A mudança na alimentação, resultante das transformações na produção de alimentos, é um fenômeno destacado na literatura das diversas áreas de conhecimento (Abramovay, 2021Abramovay, R. (2021). Desafios para o sistema alimentar global. Ciência e Cultura, 73(1), 53-57.; Inglis, 2012Inglis, D. (2012). Globalization and food: the dialectics of globality and locality. In B. S. Turner (Ed.), The Routledge International handbook of globalization studies (Cap. 25, pp. 492-513). Routledge.; Willett et al., 2019Willett, W., Rockström, J., Loken, B., Springmann, M., Lang, T., Vermeulen, S., et al (2019). Food in the Anthropocene: the EAT – Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems. Lancet, 393(10170), 447-492.). Considerada um processo global, essa mudança é explicada como resultado da expansão de um modelo de agricultura para o mercado de massas, centrado na produção de carne e no aumento dos rendimentos a partir do alto uso de insumos e da aceleração do processo de urbanização. Em consequência, os supermercados e as cadeias de fast food predominam nos canais de distribuição e de comercialização e moldam as preferências de consumo. Os resultados evidenciam a mudança dos padrões alimentares, com homogeneização e monotonia em cadeias alimentares longas, que obscurecem a identidade dos alimentos, sua origem e os produtores envolvidos, especialmente no processo agrícola industrial (Schneider & Gazolla, 2017Schneider, S., & Gazolla, M. (2017). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas. In S. Schneider & M. Gazolla (Orgs.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar (pp. 9-24). Porto Alegre: Editora da UFRGS.). Os termos “transição nutricional” e “transição alimentar” são alguns dos mais utilizados para a análise desse fenômeno enquadrado nas teorias de transição (Poulain, 2021Poulain, J.-P. (2021). Food in transition: the place of food in the theories of transition. The Sociological Review, 69(3), 702-724.).

Segundo Popkin et al. (2012), oPopkin, B. M., Adair, L. S., & Ng, S. W. (2012). Global nutrition transition and the pandemic of obesity in developing countries. Nutrition Reviews, 70(1), 3-21. aumento da ingestão de óleo comestível, de alimentos de origem animal e de adoçantes calóricos, principalmente em bebidas adoçadas, são as principais mudanças na dieta responsáveis por um significativo crescimento da obesidade e de outros problemas de saúde. Para os autores, tais processos indicam uma ocidentalização das dietas (Popkin et al., 2012Popkin, B. M., Adair, L. S., & Ng, S. W. (2012). Global nutrition transition and the pandemic of obesity in developing countries. Nutrition Reviews, 70(1), 3-21.) ocorrida ao longo de um conjunto de etapas que caracterizam a transição nutricional, mais acelerada nos países periféricos em comparação com os países industrializados.

Para Rocillo-Aquino et al. (2021)Rocillo-Aquino, Z., Cervantes-Escoto, F., Leos-Rodríguez, J. A., Cruz-Delgado, D., & Espinoza-Ortega, A. (2021). What is a traditional food? Conceptual evolution from four dimensions. Journal of Ethnic Foods, 8(38), 1-10., na transição nutricional e alimentar, de modo geral, os alimentos foram separados em dois grandes grupos: o dos alimentos ligados ao padrão ocidentalizado, produzidos de forma maciça e estandardizada, e o dos alimentos produzidos em pequena escala de forma mais heterogênea e localizada, denominados alimentos tradicionais. Em relação aos últimos, os autores destacam que sua denominação surgiu na Europa na década de 90 no contexto das legislações sobre patrimonialização e indicações geográficas. Para eles, quatro dimensões caracterizam a comida tradicional: lugar – a comida está ligada a um território específico; tempo – muitos alimentos são herdados de tempos ancestrais; saber fazer – conhecimentos e práticas adotados na preparação e no consumo dos alimentos; significados rituais e simbólicos – alimentos também têm um valor simbólico que se liga aos usos e costumes.

Nos quintais das comunidades estudadas, observam-se essas quatro dimensões: o espaço fica predominantemente aos cuidados das mulheres; o tempo é a condição para a socialização do saber fazer com os mais jovens; e a preparação e o consumo dos produtos seguem os marcadores culturais da adequação do tempo e da conveniência.

A tradição coexiste com processos de transição nutricional, cuja “forma mais recente consiste na incorporação de populações tradicionais em um sistema econômico global, resultando no maior consumo de alimentos industrializados e na redução da atividade física” (Da-Gloria & Piperata, 2019, pDa-Gloria, P., & Piperata, B. A. (2019). Modos de vida dos ribeirinhos da Amazônia sob uma abordagem biocultural. Ciência e Cultura, 71(2), 45-51.. 46). Em algumas comunidades ribeirinhas da Amazônia, verificou-se um consumo maior de alimentos industrializados e a redução das atividades ligadas à subsistência, com a ida mais frequente às cidades para a utilização de serviços, o recebimento de benefícios e a venda de produtos (Da-Gloria & Piperata, 2019, pDa-Gloria, P., & Piperata, B. A. (2019). Modos de vida dos ribeirinhos da Amazônia sob uma abordagem biocultural. Ciência e Cultura, 71(2), 45-51.. 46).

Em um estudo realizado no município de Mocajuba (PA) na Amazônia Oriental, analistas mostraram o aumento da oferta e da variedade de produtos agroindustriais no mercado local, cujo consumo é facilitado pela renda advinda de programas sociais, o que resulta na desvalorização dos produtos locais e dos elementos a eles relacionados, como a identidade cultural e o saber fazer (Piraux & Cuenin, 2019Piraux, M., & Cuenin, P. H. C. M. (2019). Evolução das conexões entre produção e consumo e seus impactos sobre as dinâmicas de um território: o caso de Mocajuba na Amazônia oriental – PA. Redes: Revista do Desenvolvimento Regional, 24(3), 101-117. http://dx.doi.org/10.17058/redes.v24i3.14120). Os impactos são sentidos principalmente na autonomia das famílias que dependem mais da compra. Em contraste, “[...] a marginalização da zona ‘Quilombola’, consequência da sua grande distância da sede do município e do restrito acesso aos seus serviços, inclusive à televisão, implicou uma melhor autonomia alimentar” (Piraux & Cuenin, 2019, pPiraux, M., & Cuenin, P. H. C. M. (2019). Evolução das conexões entre produção e consumo e seus impactos sobre as dinâmicas de um território: o caso de Mocajuba na Amazônia oriental – PA. Redes: Revista do Desenvolvimento Regional, 24(3), 101-117. http://dx.doi.org/10.17058/redes.v24i3.14120. 108).

Em se tratando dos quilombos no Brasil, mesmo antes dos dados da Rede Penssan, estudos mostraram que a situação alimentar era de insegurança. Pinto et al. (2014)Pinto, A. R., Borges, J. C., Novo, M. P., & Pires, P. S. (Orgs.). (2014). Quilombos do Brasil: segurança alimentar e nutricional em territórios titulados (Cadernos de Estudos de Desenvolvimento Social em Debate, No. 20). Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. encontraram, em comunidades quilombolas tituladas, uma situação de IA1 1 A insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos. É classificada em três níveis: leve, quando existe incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida; moderada, quando se dispõe de uma quantidade insuficiente de alimentos; grave, quando ocorre privação no consumo de alimentos e fome (II Vigisan, 2022). decorrente da baixa renda, que impõe o consumo de alimentos industrializados mais baratos e pobres em valor nutricional, ficando a produção para o autoconsumo restrita ao espaço do domicílio. Recentemente, em Salvador, Silva et al. (2022)Silva, S. O., Santos, S. M. C., Gama, C. M., Coutinho, G. R., Santos, M. E. P., & Silva, N. J. (2022). A cor e o sexo da fome: análise da insegurança alimentar sob o olhar da interseccionalidade. Cadernos de Saude Publica, 38(7), 1-14. analisaram a problemática da (in)segurança alimentar domiciliar sob o olhar da cor e do sexo em quase 15 mil domicílios, constatando a predominância da IA naqueles chefiados por mulheres negras, expressão da interação estrutural entre racismo e sexismo (Hirata, 2014Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 26(1), 61-73.).

Em um estudo sobre mulheres denominadas afrodescendentes na Colômbia, Turner et al. (2022)Turner, K. L., Idrobo, C. J., Desmarais, A. A., & Peredo, A. M. (2022). Food sovereignty, gender and everyday practice: the role of Afro-Colombian women in sustaining localised food systems. The Journal of Peasant Studies, 49(2), 402-428. destacam que as práticas do dia a dia contribuem para a alimentação das suas famílias, sustentando outras relações ligadas às esferas socioculturais e ecológicas que possibilitam uma maior autossuficiência no âmbito dos processos de integração à economia de mercado. O destaque das mulheres na alimentação e no interior dos grupos domésticos também foi apontado por Canesqui (2005)Canesqui, A. M. (2005). Mudanças e permanências da prática alimentar cotidiana de famílias de trabalhadores. In A. M. Canesqui & R. W. D. Garcia (Orgs.), Antropologia e nutrição: um diálogo possível (pp. 167-210). Rio de Janeiro: Fiocruz.. Embora o cozinhar seja a tarefa feminina mais importante entre as atividades domésticas da família trabalhadora, crucial para a recomposição cotidiana e a centralidade do papel de dona de casa, é posta no rol das atividades da reprodução e, assim, menos valorizada socialmente.

As mulheres, em geral, experimentam a diferenciação e a discriminação baseadas na divisão sexual do trabalho, marcada por dois princípios organizadores: o princípio da separação (trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio da hierarquia (trabalho de homem “vale” mais que trabalho de mulher). Esses princípios valem em todas as sociedades e podem ser aplicados mediante um processo específico de legitimação (Hirata & Kergoat, 2007, pHirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609.. 599).

Neste artigo, além do gênero, enfocamos a geração. Como indica Scott (2010, pScott, P. (2010). Gênero e geração em contextos rurais: algumas considerações. In P. Scott, R. Cordeiro, & M. Menezes (Orgs.), Gênero e geração em universos rurais (pp. 15-33). Florianópolis: Mulheres.. 16), gênero e geração, quando associados, revelam relações de poder entre pessoas de sexos e de idades distintas, as quais indicam hierarquias e reciprocidades. Para o autor, tais hierarquias constituem-se nas relações familiares e comunitárias, nos espaços de convivência ou institucionais, especialmente nas ações cotidianas e no exercício de micropoderes. Segundo Canesqui (2005, pCanesqui, A. M. (2005). Mudanças e permanências da prática alimentar cotidiana de famílias de trabalhadores. In A. M. Canesqui & R. W. D. Garcia (Orgs.), Antropologia e nutrição: um diálogo possível (pp. 167-210). Rio de Janeiro: Fiocruz.. 169), “[...] as ideias sobre os alimentos, as crenças nas suas propriedades, os efeitos que os acompanham envolvem valores sociais, noções de moralidade, comportamentos apropriados, relações entre distintos grupos de idade e gênero”.

A literatura registra que as mulheres são, em geral, as principais detentoras dos conhecimentos sobre a produção de alimentos e suas formas de preparação, por sua condição de responsáveis pelos cuidados da família. São elas que viabilizam as práticas que promovem a relação entre as comidas consideradas “de hoje” e “de ontem”. As primeiras são as comidas produzidas, compradas, consumidas e socializadas no presente, em 2023; as “de ontem” são aquelas produzidas, compradas, consumidas e socializadas em um tempo anterior, datado principalmente pela experiência de diferentes gerações de mulheres (neta, mãe e avô) antes dos anos 2000, marco na luta pela demarcação das terras. Esse contraste posto em prática por mulheres negras revela “a vida social das comidas no quilombo”, indicando elementos relevantes para uma análise das especificidades da transição nutricional e alimentar, de sua relação com as transformações do território e de suas implicações para a segurança alimentar.

3 METODOLOGIA

O tema do artigo é a relação entre a comida de hoje e a comida de ontem considerando a perspectiva de gênero e geração em três comunidades quilombolas do NEP na Amazônia Oriental. A pesquisa foi realizada nos quilombos Jacarequara, Tipitinga e Pimenteira no município de Santa Luzia do Pará no NEP, região mais antropizada do Pará. O quilombo Jacarequara é constituído por aproximadamente 273 pessoas agrupadas em cerca de 70 famílias, o Tipitinga, por 103 pessoas e 35 famílias e o Pimenteira, por aproximadamente 100 pessoas em 32 famílias.

Foi adotado o método de pesquisa exploratório, que permite, por meio de um estudo preliminar e aproximativo, desvendar um objeto desconhecido de modo a produzir um conhecimento que proporcione uma familiaridade inicial para subsidiar futuros estudos com maior precisão (Abramo, 1979Abramo, P. (1979). Pesquisa em ciências sociais. In S. Hirano (Org.), Pesquisa social: projeto e planejamento (pp. 21-88). São Paulo: T. A. Queiroz.; Piovesan & Temporini, 1995Piovesan, A., & Temporini, E. R. (1995). Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Revista de Saude Publica, 29(4), 318-325.).

Os procedimentos constaram da revisão de literatura e de estatísticas quanto às fontes secundárias; já as primárias incluíram observações das características da paisagem, das áreas de residência e de trabalho nos três quilombos. Foram realizadas 12 entrevistas abertas com 8 mulheres e 4 homens, e 3 oficinas com 42 pessoas2 2 Em Tipitinga, foram 9 participantes (7 mulheres e 2 homens); em Jacarequara, 18 (11 mulheres e 7 homens); em Pimenteira, 15 (13 mulheres e 2 homens). , das quais 74% eram mulheres de diferentes idades. A relação entre a comida de hoje a comida de ontem foi debatida em oficinas e descrita oralmente com o suporte de 30 desenhos. Os temas das oficinas foram: o trabalho das mulheres, a produção nas roças e nos quintais e as comidas de hoje e de ontem em associação com o acesso aos alimentos nos quilombos e nas cidades. As entrevistas trataram dos históricos dos quilombos, da produção e das suas características, com destaque para as comidas de ontem e de hoje. Em todos os casos, foram observadas as respostas na perspectiva de gênero e geração.

Para a sistematização e a interpretação dos dados e das informações das entrevistas, foram feitas análises horizontais e verticais (Michelat, 1987Michelat, G. (1987). Sobre a utilização de entrevista não diretiva em sociologia. In M. J. M. Thiollent. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária (5. ed., pp. 191-212). São Paulo: Polis.) em diálogo com os desenhos no que concerne à frequência, às compreensões e às justificativas orais para os usos dos alimentos. Os diferentes conteúdos foram agrupados em grandes temas e interpretados à luz dos conceitos de desigualdade e segurança alimentar, transição nutricional, práticas alimentares e de alimento e comida, considerando o contexto de mudanças.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos três quilombos, a memória oral guarda registros das origens, e os estudiosos têm-se dedicado à temática nos últimos anos. Em comum, destaca-se a luta pela garantia do território com desdobramentos diferentes.

4.1, Jacarequara, Pimenteira e Tipitinga: suas origens

O nome Jacarequara, comunidade associada aos indígenas Tembé, deve-se à abundância de jacarés na região no rio Guamá (Job & Vasconcelos, 2013Job, S. M., & Vasconcelos, A. C. (2013). Mulheres a(es)quecidas: o quilombo de Jacarequara. In Anais eletrônicos do Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 – Desafios Atuais dos Feminismos. Florianópolis. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1381425188_ARQUIVO_SandraMariaJob_1_.pdf.
http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.c...
). O quilombo Jacarequara, com área de 1.236 ha, foi reconhecido territorialmente como remanescente quilombola em 13 de maio de 2008. Quanto ao Pimenteira, seu nome é associado aos pés de pimenteiras que quilombolas do quilombo da Narcisa traziam e, “quando iam embora, jogavam o restante da pimenta e nasciam os pés de pimenta. Então colocaram o nome” (D. S., 59 anos, agricultora, liderança do quilombo Pimenteira). Apesar do estudo antropológico, o quilombo Pimenteira aguarda o reconhecimento legal. O quilombro Tipitinga – cujo nome na língua tupi significa água barrenta (Farias & Araújo, 2018Farias, A. E., & Araújo, A. S. (2018). Comunidade quilombola Tipitinga: organização, identidade e direito à terra. Nova Revista Amazônica, 6(1), 83-101.) – também foi reconhecido em 13 de maio de 2008 e tem uma área de 633 ha.

Nos três quilombos, as principais atividades são a agricultura, especialmente para o autoconsumo (mandioca, açaí, feijão e milho), o extrativismo animal (caça e peixes), o extrativismo vegetal (murumuru3 3 No caso do murumuru, os frutos são comercializados pela Cooperativa Mista dos Agricultores entre os Rios Caeté e Gurupi (Coomar) e vendidos a uma empresa de cosméticos. e açaí), a criação de pequenos animais e o artesanato. Nos três quilombos, não há diferenças importantes no acesso à terra: cada família dispõe de aproximadamente 18 ha, o que é insuficiente para manter os sistemas tradicionais de cultivo, que dependem de pousio, pela queda na fertilidade dos solos. Há impedimento de acesso a áreas circunvizinhas para a prática do extrativismo porque foram privatizadas. Essas condições provocam, por um lado, mudanças na produção dentro do quilombo como reflexo da prevalência da pecuária e do consumo de carnes; por outro, causam a redução do extrativismo. Por fim, constata-se uma maior homogeneização da paisagem e uma maior monotonia alimentar em razão da redução de alimentos e da maior dependência da compra.

4.2 Comida de hoje, comida de ontem: quais os registros?

Nos três quilombos, a memória oral registra um “ontem” no qual plantar roças, coletar frutos e cipós na mata e pescar nos rios e igarapés garantiam grande parte dos alimentos necessários para o consumo. Relatos indicam que a prioridade dos cultivos era o consumo em processos que mesclavam a produção com o aprendizado dos mais jovens, como afirmou um entrevistado, em Jacarequara: “Sempre aprendi a plantar da forma que meu pai fazia, plantar banana, malva, cará, outras espécies para a gente se alimentar, não é?” (M. V., 42 anos, quilombola, presidente da associação de Jacarequara).

Em Tipitinga, por sua vez, foi reforçada a relevância do trabalho e do aprendizado indicando a relevância de produzir para o consumo: “A gente trabalhava com arroz, fazia farinha, tirava goma [...] e a gente produzia nossa tapioca, nosso queijo, o que desse para aproveitar da gente, e aí assim a gente ia se mantendo” (R. R. F., 64 anos, agricultor). Uma entrevistada afirmou: “Chegamos e pedimos autorização para plantar milho, arroz, feijão, mandioca (para farinha), jerimum e cará [...], sempre fomos de criar” (M. R., 76 anos, agricultora).

No caso de Pimenteira, os cultivos demarcaram o território quilombola de famílias que residiam nas proximidades, mas sofriam com a escassez de terras para fazer roçados. Explicou uma entrevistada: “Quem botou o primeiro roçado aqui [no Pimenteira] foi meu avô, meu pai e três tios meus. Vamos plantar arroz, feijão e maniva para a família. Elas vinham com marido plantar roçado, e foram se acostumando e então cada qual foi fazendo o seu barracão” (D. S., 59 anos, liderança do quilombo Pimenteira).

De modo geral, as descrições reforçam a importância dos cultivos para o aprovisionamento em um tempo de dificuldades no deslocamento para as sedes municipais, de poucas compras e de menor disponibilidade de dinheiro. “Muito pouco se comprava, somente o açúcar, açúcar, sabão, algum enlatado como sardinha em lata (C. R., 46 anos, agricultora).

Em suas apreciações, os entrevistados falam de um tempo passado em que a segurança alimentar era maior, mas também era maior o sacrifício do peso do trabalho nas roças e da vida em geral. A fartura coexistia com a dificuldade de conseguir dinheiro para adquirir outros itens porque viviam longe de tudo e não tinham emprego. A aposentadoria é considerada um alívio: “Hoje eu já vou lá no 47 comprar ou vou aí do outro lado do rio, que é mais barato comprar carne, frango, tudo” (A. A. dos R., 85 anos, aposentada, quilombo de Jacarequara). A maior frequência de compras coincide com a unanimidade quanto à redução das roças no sistema de corte e queima e à diminuição dos produtos do extrativismo – situação crítica que dificulta a maior autonomia no aprovisionamento e aumenta a dependência de produtos externos.

Os fatores que explicam tal situação são: a diminuição da área disponível por causa da expansão de fazendas, que atingiu principalmente as áreas de uso comum (chamadas “patrimônio”); a perda da fertilidade do solo e a redução do tempo de pousio, o que exige mais trabalho (por exemplo, capinar e outros cuidados dos cultivos); a diminuição da força de trabalho familiar como resultado da migração das gerações mais jovens para as cidades em busca de estudo e de trabalho e da predominância de famílias com menos filhos que as gerações mais velhas (avós versus mães). Ademais, há o envelhecimento da força de trabalho dos pais que ficam nos quilombos.

As mudanças incidem fortemente na disponibilidade de alimentos e na socialização de jovens no que diz respeito à produção e ao consumo; consequentemente, influem na transição alimentar. Considerando tais constatações, a literatura e informações obtidas em entrevistas, os participantes, em três oficinas realizadas em 2023, foram estimulados a desenhar os alimentos consumidos nos três quilombos: os de “ontem e os de “hoje”. A lista relativa aos dois diferentes momentos indica a intensidade do consumo e prováveis tendências tendo em conta o contexto. Os dados relativos aos quilombos Tipitinga, Jacarequara e Pimenteira podem ser visualizados nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Mudanças no consumo e no acesso aos principais alimentos in natura citados nos quilombos Jacarequara, Pimenteira e Tipitinga entre “ontem e hoje”, com a indicação de manutenção (=), diminuição (-) ou aumento (+).
Tabela 2
Mudanças no consumo e no acesso aos principais alimentos minimamente processados, processados e ultraprocessados nos quilombos Jacarequara, Pimenteira e Tipitinga entre “ontem e hoje”, com a indicação de manutenção (=), diminuição (-) ou aumento (+).

No total de itens listados pelos participantes nas oficinas, alimentos in natura tiveram destaque ao longo do tempo (ontem e hoje) e nas três comunidades, incluindo várias espécies da sociobiodiversidade, como o açaí, que predominou sobre outros frutos, como o taperebá e o tucumã apenas mencionados ocasionalmente. No entanto, os alimentos processados e ultraprocessados marcam uma diferença importante entre o hoje e o ontem, sendo atualmente mais frequentes nas refeições cotidianas. Cruzando o conteúdo das observações, os diálogos nas oficinas e os desenhos, constatamos que há unanimidade quanto a importantes mudanças na obtenção, no processamento e no consumo de alimentos oriundos da comunidade ou comprados. Houve predominância da ideia de um “ontem” com maior diversidade, dificuldade, despreocupação e mais trabalho e um “hoje” com menos diversidade, facilidades, preocupação e menos trabalho.

Quando se observam os desenhos das comidas, constata-se que o grupo de alimentos obtidos pelas compras substituíram preparações tradicionais, como o mingau, que era consumido frequentemente no café da manhã e nas merendas, refeições em que se comem hoje principalmente pão e bolacha, facilmente acessíveis. No conjunto das comidas preparadas e consumidas no “ontem”, tiveram destaque o mingau de arroz e de jerimum, temperado com açúcar ou sal.

A provisão de alimentos proteicos também teve uma mudança importante: atualmente o consumo de mortadela e de frango “de granja” é mais frequente, inclusive acompanhados de açaí e de farinha. Outras mudanças intermediárias foram indicadas, como a fonte de alimentos in natura que são básicos no consumo cotidiano: feijão e arroz. Anteriormente eram quase exclusivamente produtos da agricultura familiar; hoje são, especialmente o arroz, obtidos principalmente pela compra em supermercados e atacados. Outra observação: quanto maior a participação de jovens nos relatos, menor a diversidade de alimentos ontem e hoje, e maior o apelo à memória dos pais e avós para rememorar. Portanto, jovens ouvem dizer que eles consumiam tal ou tal produto. No geral, há muita crítica às mudanças na pauta de consumo, especialmente ao aumento da circulação dos chamados alimentos ultraprocessados, expressão usual nas falas dos quilombolas.

O contraste entre maior e menor diversidade é explicado pelo menor consumo de produtos oriundos da comunidade, seja pela dificuldade para transformá-los em comida (ex. mingau de cará no café da manhã), seja pela redução da oferta dos produtos do extrativismo animal e vegetal em decorrência do desmatamento, da apropriação privada e da escassez de pescado nos rios.

Os entrevistados reconhecem que comidas tradicionais, como o bolo de macaxeira e o mingau, ainda são feitas, mas afirmam que há diminuição do consumo em decorrência da presença de pessoas vendendo outras comidas na comunidade: “já tem os comércios que não tinha antes, aí a gente já vai comprando”. Por outro lado, tanto as mulheres como os jovens têm transitado mais frequentemente por outros lugares: elas, por ocasião das idas à cidade para recebimento do Bolsa Família e cumprimento das condicionalidades; eles, porque saem para estudar e trabalhar em outros lugares, inclusive em Mato Grosso. Adiciona-se ainda “a quentura”, que tem impedido maior tempo de permanência na roça. Tudo isso contribui para afirmações como “Eu estou comprando é tudo, antes quase tudo produzia no lote, tinha fartura” (M. S. N. L., 36 anos, agricultora, quilombo de Tipitinga). Paradoxalmente, as mudanças acarretam situações de preocupação e maior estresse pela dependência da compra e do dinheiro, especialmente para as mulheres que têm a alimentação da família sob sua responsabilidade e que reconhecem ter estado mais tranquilas quanto a essa questão “ontem”.

Assim, o contraste entre as trajetórias das distintas gerações de mulheres quilombolas (avós, mães, netas) indica aspectos relevantes para a compreensão da transição nutricional e alimentar nessas comunidades.

O predomínio da produção para o autoconsumo “no ontem” era fruto da participação das mulheres de todas as gerações na agricultura e no extrativismo. “No hoje”, as compras fora da comunidade, principalmente realizadas nos supermercados e atacados, ganharam um espaço importante na provisão de alimentos, graças ao incentivo das políticas públicas de transferência de renda, como Bolsa Família e aposentadoria, segundo as entrevistadas. As compras em supermercados são inclusive maiores do que nas feiras locais, outras trocas e intercâmbios além da compra e venda também acontecem. É consenso que as compras mensais mudam hábitos tradicionais, mesmo que se mantenha a produção para o autoconsumo (Ferreira et al., 2020Ferreira, P. F., Alves, R. J. M., Rosário, A. S., & Pontes, A. N. (2020). Subsistência e agricultura familiar na comunidade quilombola África, Abaetetuba, Pará-Brasil. In A. N. Pontes & A. S. Rosário (Orgs.), Ciências ambientais: política, sociedade e economia da Amazônia (pp. 86-97). Belém: EDUEPA.). As políticas de transferência de renda possibilitam a compra de alimentos externos, mas estudos indicam que persistem indícios de IA (Santos & Claudino, 2020Santos, A. S. C., & Claudino, L. S. D. (2020). Agricultura e segurança alimentar em comunidades quilombolas na Amazônia brasileira: o caso da produção de farinha de mandioca em Abaetetuba, Pará, Brasil. Humanidades & Inovação, 7(16), 356-370.; Silva et al., 2015Silva, R. J., Garavello, M. E. P., Navas, R., Nardoto, G. B., Mazzi, E. A., & Martinelli, L. A. (2015). Transição agroalimentar em comunidades tradicionais rurais: o caso dos remanescentes de quilombo Kalunga – GO. Segurança Alimentar e Nutricional, 22(1), 591-607.). Mostram ainda que o Bolsa Família contribui para a autonomia de mulheres quilombolas, fortalecendo atividades de reciprocidade (Lopes et al., 2020Lopes, M. R., Medeiros, M., & Tecchio, A. (2020). Bolsa Família e a construção das capabilities entre agricultoras familiares quilombolas do Baixo Tocantins, Pará. Revista Agricultura Familiar: Pesquisa, Formação e Desenvolvimento, 14(2), 86-106.) e aumentando o poder decisório na família, especialmente nas gerações de avós e mães (Dimenstein et al., 2022Dimenstein, M., Belarmino, V. H., Macedo, J. P., Leite, J. F., & Dantas, C. (2022). Programa Bolsa Família e a dinâmica de famílias quilombolas. Revista Psicologia Política, 22(55), 554-572.). Os recursos ganhos com a venda da produção também têm a mesma destinação, confirmando que o problema da alimentação é mais complexo porque marcado pelas ofertas locais e pelos fatores determinantes da transição nutricional acima apontados, situando-se, portanto, para além de decisões pessoais.

Segundo o Painel de especialistas em alimentação e nutrição da FAO, as escolhas alimentares dos consumidores são influenciadas pelo ambiente alimentar, pelo conjunto de espaços e condições físicas, econômicas, políticas e culturais que determinam o acesso aos alimentos e a sua qualidade, o que abrange estabelecimentos, preços, informações e publicidade, políticas públicas, entre outros elementos (High Level Panel of Experts, 2017High Level Panel of Experts - HLPE. (2017). Nutrition and food systems. A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security (HLPE Report, No. 12). Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://www.fao.org/3/i7846e/i7846e.pdf.
https://www.fao.org/3/i7846e/i7846e.pdf...
). Dessa forma, as escolhas e os comportamentos alimentares das pessoas respondem ao tipo de ambiente alimentar no qual elas se encontram. Para Story et al. (2008), oStory, M., Kaphingst, K. M., Robinson-O’Brien, R., & Glanz, K. (2008). Creating healthy food and eating environments: policy and environmental approaches. Annual Review of Public Health, 29, 253-272. ambiente alimentar inclui: o ambiente social formado pelas interações familiares e comunitárias que modelam as escolhas por meio de normas sociais e de relações de apoio; o ambiente físico formado pelos diversos locais onde os alimentos são adquiridos e consumidos e pelos fatores ambientais de nível macro, que incluem as políticas públicas, a estrutura de preços, o marketing de alimentos e outros que operam no conjunto da sociedade. No Brasil, entre 1974 e 2003, houve um aumento no consumo domiciliar de 425% para refrigerantes, de 2018% para biscoitos, de 173% para embutidos e de 100% para carne de frango, o que evidencia uma enorme mudança no ambiente alimentar (Batista Filho & Batista, 2010Batista Filho, M., & Batista, L. V. (2010). Transição alimentar/nutricional ou mutação antropológica? Ciência e Cultura, 62(4), 26-30.).

O contraste entre o consumo de alimentos ontem e hoje mostra essas mudanças no ambiente alimentar, as quais favorecem a disponibilidade de alimentos processados e ultraprocessados e limitam as condições de produção e o extrativismo. Tais mudanças refletem a iniquidade e a desigualdade estruturais históricas que têm moldado o sistema alimentar no Brasil. Em estudo na Bahia, famílias quilombolas tiveram piores níveis de IA (64,9%) em comparação com famílias rurais não quilombolas (42%) na mesma região, além de diferenças significativas nas condições econômicas, de moradia, escolaridade, renda e acesso a água (Silva et al., 2017Silva, E. K. P., Medeiros, D. S., Martins, P. C., Sousa, L. A., Lima, G. P., Rêgo, M. A. S., Silva, T. O., Freire, A. S., & Silva, F. M. (2017). Insegurança alimentar em comunidades rurais no Nordeste brasileiro: faz diferença ser quilombola? Cadernos de Saude Publica, 33(4), 1-14.).

As limitações e restrições crescentes para a agricultura e o extrativismo decorrem de uma perda dos territórios e da expansão de fazendas nos arredores das três comunidades. Para Penna (2022), oPenna, C. (2022). O agro é branco? Seletividade racial e política fundiária no Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, 30(2), 1-25. racismo estrutural manifesta-se na política fundiária brasileira, por meio das articulações entre o público e o privado, que condicionam as agendas, as políticas e a atuação do Estado, marcadas por uma seletividade estrutural e racial: por um lado, resguardam e favorecem a propriedade privada e o modelo agroexportador de commodities; por outro, omitem-se e não cumprem os dispositivos legais que garantiriam o acesso à terra para grupos não brancos. Como resultado, embora a maioria da população rural seja negra (61% do total) e a região Norte tenha a maior proporção de população negra no campo (75,8%), esse segmento só controla 28,3% das terras. A área média dos estabelecimentos de pessoas negras é de 38,1 ha; em contraste, os estabelecimentos de pessoas brancas têm 91,5 ha de área média (Girardi, 2022Girardi, E. P. (2022). A indissociabilidade entre a questão agrária e a questão racial no Brasil: análise da situação do negro no campo a partir dos dados do Censo Agropecuário 2017. São Paulo: Editora Unesp.).

As mudanças no ambiente alimentar também se refletem nas experiências das gerações de jovens. Foi apontado nas discussões das oficinas que, ontem, as pessoas mais novas – adolescentes e crianças – eram socializadas na agricultura e no extrativismo nos espaços comunitários (áreas de uso comum para pesca, coleta etc.) e familiares (roça, quintal, casa). Assim, tais atividades eram essencialmente educativas para as crianças, e as comidas dali oriundas eram centrais para a formação dos hábitos alimentares em casa. Já hoje, nas gerações mais jovens, há uma reduzida participação na produção de alimentos, principalmente no extrativismo, nas roças e nos quintais. Por outro lado, diversificam-se os espaços de refeição na escola e na universidade, experiências que contribuem para novos hábitos alimentares, como informaram as jovens quilombolas que moram na cidade “para fazer faculdade”. Nos dois casos, há deslocamento da centralidade da cozinha de casa na atual conformação dos hábitos alimentares da juventude. Assim, os sentidos mobilizados pelas novas gerações sobre as comidas de “ontem” aparecem como uma memória da comida das avós e não como uma vivência própria.

Se as gerações mais jovens têm novas experiências, parentes que residem nos centros urbanos demandam produtos oriundos das comunidades, que são transportados por ocasião de visitas para resolver problemas e receber dinheiro. Isso também foi identificado por Maluf e Zimmermann (2020, pMaluf, R. S., & Zimmermann, S. A. (2020). Antigos e novos hábitos na alimentação de famílias agrícolas de Chapecó e região. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(1), 48-77.. 69) em outro contexto, evidenciando a importância da inter-relação entre o urbano e o rural na conformação de “[...] de uma via de mão dupla que preserva antigos e forma novos hábitos alimentares, além de constituir fonte de aprovisionamento de alimentos na forma de compras, trocas e compartilhamentos”. Gonçalves et al. (2022)Gonçalves, M. C., Silva, F. R., Cantelli, D., Santos, M. R., Aguiar, P. V., Santos, E., & Hanazaki, N. (2022). Agricultura tradicional e soberania alimentar: conhecimento quilombola no manejo de plantas alimentícias. Journal of Ethnobiology, 42(2), 105-109. abordam essa inter-relação ao analisar as redes de troca e doação entre famílias quilombolas da comunidade São Roque, na bacia do rio Mampituba. Ali as famílias cuja produção é mais diversa são as principais fornecedoras de alimentos para os parentes.

A cozinha nas casas de mulheres entrevistadas também passou por mudanças importantes em termos de eletrodomésticos para o preparo das comidas, a trituração de café e a conservação dos alimentos, as quais expressam as mudanças boas no modo de viver. Duas entrevistadas afirmaram: “A gente não quer voltar para o passado” e “Melhorou porque tem geladeira, você compra mais e gela, às vezes o que salgava nem sempre ficava bom e estragava”.

Mesmo com as mudanças resultantes da redução da fartura e da diversidade local e com a substituição dos alimentos pela compra, alguns produtos persistem na pauta de consumo, sempre afinados com a maior demanda de mercado, como é o caso da farinha de mandioca, do açaí e das frutas que circulam nos mercados locais e garantem recursos para a aquisição de outros bens.

As frutas e os animais de criação situam-se nos quintais, os quais, além de abrigar uma alta diversidade de frutíferas, com 11 das 21 espécies listadas na Tabela 1, mantêm uma importante estabilidade como fonte de alimentos nos três quilombos. Os quintais são espaços estratégicos para a segurança alimentar em que se impõe o protagonismo das mulheres. A literatura mostra a importância dos quintais em comunidades quilombolas com destaque para a diversidade de espécies frutíferas, medicinais, hortaliças etc. e pequenos animais. São espaços de práticas agroecológicas e de inovações para o reaproveitamento de resíduos orgânicos e também essenciais para o lazer e o convívio familiar e comunitário, além de fonte de alimentos para as redes de troca e doações familiares e comunitárias (Dias et al., 2020Dias, O. C., Lopes, M. R., Aguiar, A., Medeiros, M., & Tecchio, A. (2020). Quintais agroflorestais amazônicos: o protagonismo das mulheres quilombolas no Baixo Tocantins, PA. Desenvolvimento Rural Interdisciplinar, 3(1), 46-73.; Nascimento & Guerra, 2014Nascimento, E. C., & Guerra, G. A. D. (2014). Quintais multifuncionais: a diversidade de práticas produtivas e alimentares desenvolvidas pelas famílias da comunidade quilombola do Baixo Acaraqui, Abaetetuba, Pará. Revista IDeAS, 8(2), 7-40.; Pereira et al., 2017Pereira, L. A., Lima-Barbosa, J. R., Almeida, M. Z., & Guimarães, E. F. (2017). Diversidade de plantas em quintais quilombolas, conhecimento local sobre uso e cultivo de pimentas na Amazônia Oriental, Brasil. Revista de Biologia Neotropical/Journal of Neotropical Biology, 14(1), 56-72.).

Entre as comidas, cará e mandioca constam nos cardápios de hoje e de ontem, com várias semelhanças: são tubérculos, prestam-se ao preparo de bolos e mingaus e podem ser armazenados. Se ontem tinham consumo semelhante, hoje o cará declina, mesmo que ambos sejam apreciados na região. Assim, as suas inserções no consumo e nos circuitos comerciais são bem diferentes e demonstram a problemática de um alimento tradicional que quase cai em desuso e de outro que persiste fortemente. Tomamos os dois como exemplos para analisar como as mudanças são vivenciados pelos quilombolas.

4.3 Mandioca e cará de hoje e de ontem: quais as mudanças?

Coexistem diferentes ideias sobre o consumo alimentar dos quilombolas. Alguns afirmam que os quilombolas comem predominantemente o que plantam; outros alertam para problemas com a segurança alimentar. Há consenso de que eles vivenciam mudanças que não se limitam ao alimento, com a redução do acesso aos recursos naturais e o aumento do acesso à cidade e aos meios de comunicação, a preferência pela facilidade de preparo, entre outras (Gonçalves et al., 2022Gonçalves, M. C., Silva, F. R., Cantelli, D., Santos, M. R., Aguiar, P. V., Santos, E., & Hanazaki, N. (2022). Agricultura tradicional e soberania alimentar: conhecimento quilombola no manejo de plantas alimentícias. Journal of Ethnobiology, 42(2), 105-109.; Leão, 2020Leão, V. M. (2020). Cultivando autonomia: análise da socioeconomia e agrobiodiversidade no quilombo de Providência, Salvaterra, ilha do Marajó/PA (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14835.
https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle...
; Silva et al., 2021Silva, J. S., Andrade, L. S., Souza, A. M., & Halmenschlager, F. (2021). Práticas produtivas da farinha de mandioca na comunidade quilombola Mocambo – Ourém – PA. Nova Revista Amazônica, 9(3), 129-146.).

Apesar de tantas mudanças, persiste o consumo da mandioca e dos seus subprodutos. Originada e domesticada na Amazônia, segundo evidências arqueológicas e históricas, a mandioca é uma herança ameríndia, com destaque para grupos tupi-guarani. O tubérculo tem sido fundamental na provisão de alimentos para consumo cotidiano em momentos de crise e também para festejos e rituais (Albuquerque & Cardoso, 1983Albuquerque, M., & Cardoso, E. M. R. (1983). Utilização da mandioca na Amazônia. Belém: EMBRAPA-CPATU.; Costa, 2012Costa, M. S. (2012). Mandioca é comida de quilombola? Representações e práticas alimentares em uma comunidade quilombola da Amazônia brasileira. Amazônica, 3(2), 408-428.; Watling et al., 2018Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLoS One, 13(7), 1-28.). Estudos em comunidades quilombolas mostram a produção de farinha como uma das suas principais atividades econômicas (Costa, 2012Costa, M. S. (2012). Mandioca é comida de quilombola? Representações e práticas alimentares em uma comunidade quilombola da Amazônia brasileira. Amazônica, 3(2), 408-428.; Portela et al., 2021Portela, L. J. P., Santos, P. R., & Silva, J. C. (2021). A roça e o trabalho coletivo na produção da farinha de mandioca nas comunidades quilombolas Matá e Silêncio em Óbidos, Pará, Brasil. Geographia Opportuno Tempore, 7(1), 72-84.; Silva et al., 2021Silva, J. S., Andrade, L. S., Souza, A. M., & Halmenschlager, F. (2021). Práticas produtivas da farinha de mandioca na comunidade quilombola Mocambo – Ourém – PA. Nova Revista Amazônica, 9(3), 129-146.).

Embora uma das espécies de cará seja amazônica (Dioscorea trifida), conhecido como cará-roxo (Oliveira & Yamaguchi, 2021Oliveira, E. V., & Yamaguchi, K. K. L. (2021). Conhecimento tradicional e o ensino de Ciências: uso de cará-roxo (Dioscorea trifida) como indicador de ácidos e bases. Revista Insignare Scientia, 4(6), 495-507.), esse tubérculo contrasta com a marcante origem e diversidade amazônica da mandioca. O cará tem ampla distribuição nas terras baixas tropicais e uma presença importante na agricultura tradicional dos grupos amazônicos evidenciada na diversidade de tipos e nos conhecimentos tradicionais associados ao seu manejo. Tem certa relevância econômica na comercialização como tubérculo fresco em algumas regiões da Amazônia. Não oferece, porém, uma grande diversidade de subprodutos e de preparações como a mandioca (Castro et al., 2012Castro, A. P., Fraxe, T. J. P., Pereira, H. S., & Kinupp, V. F. (2012). Etnobotânica das variedades locais do cará (Dioscorea spp.) cultivados em comunidades no município de Caapiranga, estado do Amazonas. Acta Botanica Brasílica, 26(3), 658-667.; Souza et al., 2021Souza, R. P., Maia, A. G., Melo, N. G. M., Dantas, L. O., Moreno, M. N., & Martim, S. R. (2021). Farinha de Dioscorea bulbifera: uma alternativa tecnológica para valorização de tubérculo disponível na Amazônia. Research. Social Development, 10(15), 1-9.).

Com base nesse contraste, analisamos os aspectos mais relevantes da produção, do processamento e do consumo dos dois tubérculos nas três comunidades quilombolas, visando elucidar a relação entre a comida de hoje e a comida de ontem.

4.3.1 Mandioca: farinha passa por todos os tempos, todo mundo gosta

Durante muitos anos, a mandioca foi a principal cultura do roçado. A tradição do consumo diário da sua farinha e a diversidade de subprodutos, como puba, carimã, goma, tucupi e a folha, foram citadas repetidamente. A farinha é consumida diariamente, das mais diferentes formas – com feijão, com ovo, com açaí, com frutas, com água, pura, com gergelim etc. – e por diferentes pessoas – bebês, crianças, jovens adultos e idosos. Portanto, “se come farinha com tudo”, afirmou uma jovem quilombola. Não obstante, há declínio persistente do cultivo da mandioca nas roças dos três quilombos, com repercussão na menor disponibilidade dos demais subprodutos da mandioca. Os argumentos para o “sumiço” da mandioca são o problema da fertilidade do solo que, após sucessivos cultivos “tem mato demais”, a podridão radicular, o calor extenuante, o grande volume de trabalho para o processamento e o valor de venda pouco remunerativo. Contrariamente, o consumo da farinha é diário, e parece não se alterar mesmo que seja obtida por meio da compra.

A produção, o processamento e o consumo da mandioca constam na Figura 1.

Figura 1
Principais características da atual produção, do processamento e do consumo da mandioca (Manihot esculenta).

Mesmo que o hábito se mantenha, há mudanças importantes também no modo de processamento da mandioca, como explicou um entrevistado: “O que mudou é que agora a gente já está produzindo a farinha lavada. [...] Ela tem baixa acidez, ela quase não prejudica a saúde, qualquer pessoa pode comer” (R. R. F., 64 anos, quilombo de Tipitinga).

A explicação indica três mudanças importantes entre a farinha de ontem e a de hoje na família do entrevistado: o processamento, um critério atrelado a uma nova exigência de consumo por um produto considerado saudável e a produção, principalmente para atender a um mercado externo à comunidade. Na atualidade, os municípios vizinhos do quilombo são os destinos preferidos para a comercialização, por via de estradas, com maior facilidade de atendimento das exigências externas.

Além da farinha, a goma marca o “ontem” e o “hoje” pela apreciação da chamada “tapioquinha”, que persiste como uma comida importante nos cafés das famílias. Os entrevistados reconhecem que a mecanização do processamento da mandioca proporciona uma maior quantidade de goma pelo maior volume de raízes raladas: “[...] Uma maior proporção porque antigamente a pessoa fazia aquele ali só para consumo, fazia farinha de tapioca, fazia o tacacá, que sempre nós gostamos aqui e a tapioquinha para tomar com café”. O trabalho nas casas de farinha, também chamadas “retiro”, conta com a participação de homens e de mulheres segundo uma divisão do trabalho na qual a torragem é exclusividade dos homens.

Outra comida bastante apreciada é a maniçoba, que atravessa o tempo: uma espécie de feijoada, cuja base são as folhas de mandioca – as manivas – no lugar do feijão e com carnes de diferentes partes do porco e de bovinos. Um dos entrevistados reconhece que o modo de fazer mudou porque “Era toucinho de porco, do mocotó, carne da cabeça, parte ela desossa todinha [...] sem ter muito esses apetrechos que as cozinheiras compram lá fora agora, sabe?” (R. R. F., 64 anos). As “cozinheiras” são as mulheres do quilombo Tipitinga. Se “ontem” as idas à cidade eram de responsabilidade dos homens, “hoje” as mulheres parecem predominar e, assim, escolhem também ingredientes que são mais fáceis de usar.

As comidas feitas de mandioca persistem fortemente na pauta alimentar, muito embora as roças diminuam. Portanto, a mudança é na produção pelas razões mencionadas, enquanto as comidas são ressignificadas e circulam em diferentes circuitos.

4.3.2 Cará: uma planta generosa, mas quase ninguém compra...

Diferentemente da mandioca, o cará é considerado de fácil produção e fortemente relacionado aos mingaus. Entretanto, é pouco demandado pelo mercado. Explica uma entrevistada: “Então, uma vez por ano, só plantava e tirava. Então passava uns bons meses sem cará, passava uns bons meses sem cará?” (M. V., 42 anos, quilombola, presidente da associação de Jacarequara). Uma outra afirmou: “Agora em setembro já é hora de trabalhar com ele. Vai setembro e outubro, passou de outubro, já começa a nascer, e ele nasce de qualquer jeito. Tanto esteja no seco como no molhado ele dá, ele é fácil” (D. S., 59 anos, liderança do quilombo Pimenteira).

A facilidade do cultivo e a persistência e a reprodução no solo foram destacadas por uma entrevistada: “Desde a primeira vez que planta, só faz aumentar porque, quando arranca ele, que você joga uma cabecinha, qualquer coisa, que ele possa pegar na terra, ele aumenta”. Ela reconhece que a geração passada os plantou: “Esse que nós estamos arrancando, ele não é quase que a gente planta, ele vai nascendo assim, foram roçados do nosso pai” (D. S., 59 anos, liderança do quilombo Pimenteira). Paralelamente à constatação de que ontem existia um estoque importante e de que todas as famílias cultivavam o cará, ela reconhece que somente algumas pessoas o cultivam hoje.

Mulheres quilombolas na oficina do quilombo Pimenteira afirmaram que os cultivos de cará foram herdados dos antigos que se dedicaram ao plantio. A colheita frequente tem ocasionado uma redução significativa e cada vez mais distante das suas residências. Uma delas destacou que plantou nas proximidades da residência para que não faltasse. Um outro afirmou: “Sempre venho cuidando com as sementes todo ano, plantando cará e o pouco que tem, mas sempre plantando” (M. V., 42 anos, quilombola, presidente da associação de Jacarequara).

Um entrevistado reverencia a ação dos antigos, dos que já foram embora. “Hoje vocês comem cará porque é do tempo dos antigos”. Do mesmo modo, reconhece a importância da ação dos “antigos” para o uso comum, ele reivindica a manutenção da atitude porque é necessário plantar para manter e ter cará “mais na frente, para não acabar”. Ele reconhece que as ameaças existem porque “O fazendeiro está tomando de conta e aonde ele vai, já sabe, ele roça, depois o mato começa a crescer, está com veneno, que o veneno desmata, tudo acaba com tudo, só fica o capim” (F. L. S., agricultor, 46 anos, comunidade Pequiazinho). A produção, o processamento e o consumo do cará constam na Figura 2.

Figura 2
Principais características da atual produção, do processamento e do consumo do cará (Dioscorea spp.).

Em diferentes depoimentos, mandioca e cará são comparados, destacando-se as dificuldades para manter a primeira e a facilidade para conservar o segundo. Mesmo sem mercado, o cará é uma opção de alimento na residência, muito embora seja pouco apreciado pelos jovens e seja associado ao passado, à comida das gerações anteriores de acordo com os dados das três oficinas.

Quanto à preparação e ao consumo, vários modos de preparo coexistiam “no ontem”. Os mingaus, o purê e a própria raiz cozida eram predominantemente consumidos no café da manhã e nas chamadas merendas. “Mesmo ele é duro, metia debaixo da cinza e deixa assar. E aí tirava de lá, de debaixo da cinza, ele estava todo mole. Ele fica todo mole” (M. V., 42 anos, quilombola, presidente da associação de Jacarequara). Os entrevistados reconhecem que já não se fazem os mesmos processos, somente os lembram.

Um dos membros da família fundadora do quilombo Tipitinga recorda o cará como uma opção alimentar em um contexto de poucos recursos para as compras, mas também de inovação para criar opções de comida. “A gente sempre teve assim uma infância um pouco limitada em relação às finanças, as nossas mães, nossos antepassados, eles inventavam de tudo às vezes, até da própria cabeça para ter comida em casa” (R. R. F., 64 anos, agricultor, quilombo Tipitinga). Um entrevistado reconhece que a comercialização do cará sempre foi mais difícil: “Até porque é coisa que eu venho observando, que às vezes tem muito no município e ninguém compra” (M. V., 42 anos, quilombola, presidente da associação de Jacarequara).

O preparo do cará varia conforme a mistura de diferentes tipos (roxo e branco), a consistência (mais ou menos espesso e purê), a adição de líquidos (água, leite de vaca ou de coco), o uso de açúcar ou de sal e os tipos de comidas (mingau, purê e juntamente com a carne). O consumo ocorria no café da manhã e na chamada merenda para os mingaus. Entretanto, o uso do cará “no hoje” é reduzido porque “É mais trabalho fazer as coisas do cará, o negócio aqui está mais fácil para servir o café, só o que nós usamos aqui é sempre a tapioquinha” (R. R. F., 64 anos, agricultor, quilombo Tipitinga).

Recentemente, o cará tem sido comercializado para o preparo de farinhas artesanais na Rede Quirera4 4 A Rede Quirera, fruto de uma parceria entre a Rede Bragantina e a Embrapa, desenvolve o projeto “Farinhas alimentícias para a inclusão socioprodutiva da agricultura familiar paraense”. . O uso da farinha de cará foi incentivado por uma mediadora da Rede Bragantina preocupada com a dinamização das economias familiares com base em alimentos saudáveis. “Eu pensei a única coisa que é a farinha, igual à da banana, eu descasquei o cará, amassei, levei para o sol e quando ele estava bem, que passou um dia secando. Aí eu coloquei no pilão” (D. S., 59 anos, liderança do quilombo Pimenteira).

As comidas feitas de cará praticamente desaparecem da pauta alimentar e são citadas como uma comida dos antigos, muito embora a produção exija menos do que a mandioca. Diminuem os cultivos, muito embora sejam pouco exigentes. Portanto, a mudança no consumo repercute fortemente na produção pelas razões citadas.

5 CONCLUSÕES

O objetivo do artigo foi analisar a relação entre a comida de hoje e a comida de ontem, considerando a perspectiva de gênero e geração em contexto de insegurança alimentar em três comunidades quilombolas da Amazônia paraense.

Duas constatações gerais e inter-relacionadas fundamentam as nossas conclusões: a significativa redução da atividade produtiva relacionada ao agroextrativismo e uma mudança significativa na pauta de consumo. Consequentemente, planta-se e coleta-se menos e compra-se mais com a redução da diversidade no campo e no prato, evidências da transição alimentar – um fenômeno simultaneamente local e global.

Dentre os argumentos aventados para explicar a queda na produção de alimentos da agricultura e do extrativismo, foi destacada a perda da fertilidade dos solos devido à diminuição do tempo do pousio necessário para a recuperação – uma mudança que revela uma limitação na disponibilidade das terras necessárias para a reprodução do modelo de agricultura tradicional centrado na roça. Por outro lado, os arredores dos quilombos, apropriados por monocultivos, não mais ofertam recursos para a prática do extrativismo, e a perda das áreas de floresta tem atingido em especial a disponibilidade de caça.

Quanto à força de trabalho, observou-se uma transição demográfica entre as gerações de avós e filhas: o número de filhos e filhas por família reduziu-se de 7 a 10 para 3 a 4 pessoas, e a mão de obra conhecedora da agricultura e do extrativismo envelheceu. As pessoas mais jovens migram em busca de trabalho ou estão nas escolas. Também se agravaram as condições climáticas, o sol inclemente impede uma jornada de trabalho agroextrativista mais longa. Por conseguinte, as desigualdades de poder resultantes das diferenças na condição de classe (fazendeiros ganham) e de raça (pessoas negras perdem) provocam a subtração de recursos (áreas para a prática do extrativismo), evidenciando como opera o racismo estrutural na configuração da situação alimentar de comunidades quilombolas. Em compensação, os quintais são espaços privilegiados de oferta de alimentos porque se situam mais perto das residências e estão sob o controle absoluto da família, especialmente das mulheres. Neles são manejadas práticas acessíveis e criativas que garantem a oferta regular de uma ampla diversidade de frutos.

Na pauta de comidas, a mandioca mantém a sua centralidade em se tratando de gênero e de geração, independentemente de ser cultivada nos quilombos, especialmente a farinha, a comida de maior apreço na Amazônia. A sua pauta de subprodutos amplia-se e atende a novas exigências dos consumidores. Diferentemente, o cará sobressai como alimento dos antigos e de difícil preparo. Assim, concluímos que, quando se compara a comida de “ontem” com a de “hoje”, predominam como critérios para a escolha a rapidez, a facilidade de preparo, o sabor e o estilo de vida, conformando situações sociais que evidenciam processos de transição nutricional influenciados pela facilidade de compra, pelas informações, pela publicidade e pelas políticas públicas, entre outros elementos.

Nas condições expostas, a menor produção no quilombo, a maior disponibilidade de recursos (aposentadoria, Bolsa Família e remessas dos que trabalham fora), a maior frequência de refeições fora das residências pelos jovens, a maior oferta de produtos industrializados nas sedes municipais e nas próprias comunidades e a maior circulação das mulheres nas cidades contribuem para o maior número de compras. Esses elementos reconfiguram o ambiente alimentar dessas comunidades quilombolas e refletem a transição alimentar que, sendo um fenômeno global, foi analisada a partir de uma perspectiva de gênero e geração para revelar desigualdades e iniquidades específicas que se ampliam na transição entre as comidas de “ontem” e de “hoje”.

  • 1
    A insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa não tem acesso regular e permanente a alimentos. É classificada em três níveis: leve, quando existe incerteza quanto ao acesso a alimentos em um futuro próximo ou quando a qualidade da alimentação já está comprometida; moderada, quando se dispõe de uma quantidade insuficiente de alimentos; grave, quando ocorre privação no consumo de alimentos e fome (II Vigisan, 2022Vigisan, I. I. (2022). Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Análise, Vol. 1, 110 p.). São Paulo: Fundação Friedrich Ebert: Rede PENSSAN.).
  • 2
    Em Tipitinga, foram 9 participantes (7 mulheres e 2 homens); em Jacarequara, 18 (11 mulheres e 7 homens); em Pimenteira, 15 (13 mulheres e 2 homens).
  • 3
    No caso do murumuru, os frutos são comercializados pela Cooperativa Mista dos Agricultores entre os Rios Caeté e Gurupi (Coomar) e vendidos a uma empresa de cosméticos.
  • 4
    A Rede Quirera, fruto de uma parceria entre a Rede Bragantina e a Embrapa, desenvolve o projeto “Farinhas alimentícias para a inclusão socioprodutiva da agricultura familiar paraense”.
  • Como citar: Mota, D. M., Felicien, A., Peixoto, Q. M., & Ghirardi, N. R. (2024). Comida de hoje, comida de ontem em quilombos na Amazônia Oriental do Pará. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(3), e283292. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.283292
  • JEL Classification: D10, D20, I31, Q10, Q23, Z10.

REFERÊNCIAS

  • Abramo, P. (1979). Pesquisa em ciências sociais. In S. Hirano (Org.), Pesquisa social: projeto e planejamento (pp. 21-88). São Paulo: T. A. Queiroz.
  • Abramovay, R. (2021). Desafios para o sistema alimentar global. Ciência e Cultura, 73(1), 53-57.
  • Albuquerque, M., & Cardoso, E. M. R. (1983). Utilização da mandioca na Amazônia. Belém: EMBRAPA-CPATU.
  • Almeida, A. W. B. (2012). Territórios e territorialidades específicas na Amazônia: entre a “proteção” e o “protecionismo”. Caderno CRH, 25(64), 63-71.
  • Amon, D., & Menasche, R. (2008). Comida como narrativa da memória social. Society and Culture, 11(1), 13-21.
  • Appadurai, A. (1981). Gastro‐politics in Hindu South Asia. American Ethnologist, 8(3), 494-511.
  • Appadurai, A. (1986). Introduction: commodities and the politics of value. In A. Appadurai (Ed.). The social life of things: commodities in cultural perspective (pp. 3-63). Cambridge: Cambridge University Press.
  • Arruti, J. M. (2009). Quilombos. Jangwa Pana, 8(1), 103-122.
  • Batista Filho, M., & Batista, L. V. (2010). Transição alimentar/nutricional ou mutação antropológica? Ciência e Cultura, 62(4), 26-30.
  • Canesqui, A. M. (2005). Mudanças e permanências da prática alimentar cotidiana de famílias de trabalhadores. In A. M. Canesqui & R. W. D. Garcia (Orgs.), Antropologia e nutrição: um diálogo possível (pp. 167-210). Rio de Janeiro: Fiocruz.
  • Castro, A. P., Fraxe, T. J. P., Pereira, H. S., & Kinupp, V. F. (2012). Etnobotânica das variedades locais do cará (Dioscorea spp.) cultivados em comunidades no município de Caapiranga, estado do Amazonas. Acta Botanica Brasílica, 26(3), 658-667.
  • Castro, H. C., & Maciel, M. E. (2013). A comida boa para pensar: sobre práticas, gostos e sistemas alimentares a partir de um olhar socioantropológico. Demetra: Alimentação, Nutrição & Saúde, 8, 321-328.
  • Costa, M. S. (2012). Mandioca é comida de quilombola? Representações e práticas alimentares em uma comunidade quilombola da Amazônia brasileira. Amazônica, 3(2), 408-428.
  • Da-Gloria, P., & Piperata, B. A. (2019). Modos de vida dos ribeirinhos da Amazônia sob uma abordagem biocultural. Ciência e Cultura, 71(2), 45-51.
  • Dias, O. C., Lopes, M. R., Aguiar, A., Medeiros, M., & Tecchio, A. (2020). Quintais agroflorestais amazônicos: o protagonismo das mulheres quilombolas no Baixo Tocantins, PA. Desenvolvimento Rural Interdisciplinar, 3(1), 46-73.
  • Dimenstein, M., Belarmino, V. H., Macedo, J. P., Leite, J. F., & Dantas, C. (2022). Programa Bolsa Família e a dinâmica de famílias quilombolas. Revista Psicologia Política, 22(55), 554-572.
  • Drewnowski, A., & Popkin, B. M. (1997). The nutrition transition: new trends in the global diet. Nutrition Reviews, 55(2), 31-43.
  • Durão, H. L. G., Costa, K. G., & Medeiros, M. (2021). Etnobotânica de plantas medicinais na comunidade quilombola de Porto Alegre, Cametá, Pará, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais, 16(2), 245-258.
  • Farias, A. E., & Araújo, A. S. (2018). Comunidade quilombola Tipitinga: organização, identidade e direito à terra. Nova Revista Amazônica, 6(1), 83-101.
  • Ferreira, P. F., Alves, R. J. M., Rosário, A. S., & Pontes, A. N. (2020). Subsistência e agricultura familiar na comunidade quilombola África, Abaetetuba, Pará-Brasil. In A. N. Pontes & A. S. Rosário (Orgs.), Ciências ambientais: política, sociedade e economia da Amazônia (pp. 86-97). Belém: EDUEPA.
  • Ferreira-Alves, E. S., & Santos-Fita, D. (2023). As roças e o extrativismo na comunidade quilombola do Jacarequara, Santa Luzia do Pará, Nordeste Paraense. Revista Nera, 26(66), 143-170.
  • Ferro, R. C. (2017). Dimensões conceituais da gastronomia. Contextos da Alimentação: Revista de Comportamento, Cultura e Scuola, 5(2), 14-28.
  • Girardi, E. P. (2022). A indissociabilidade entre a questão agrária e a questão racial no Brasil: análise da situação do negro no campo a partir dos dados do Censo Agropecuário 2017. São Paulo: Editora Unesp.
  • Gonçalves, M. C., Silva, F. R., Cantelli, D., Santos, M. R., Aguiar, P. V., Santos, E., & Hanazaki, N. (2022). Agricultura tradicional e soberania alimentar: conhecimento quilombola no manejo de plantas alimentícias. Journal of Ethnobiology, 42(2), 105-109.
  • Hawkes, C. (2006). Uneven dietary development: linking the policies and processes of globalization with the nutrition transition, obesity and diet-related chronic diseases. Globalization and Health, 2, 1-18.
  • High Level Panel of Experts - HLPE. (2017). Nutrition and food systems. A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security (HLPE Report, No. 12). Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://www.fao.org/3/i7846e/i7846e.pdf
    » https://www.fao.org/3/i7846e/i7846e.pdf
  • Hirata, H. (2014). Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, 26(1), 61-73.
  • Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), 595-609.
  • Inglis, D. (2012). Globalization and food: the dialectics of globality and locality. In B. S. Turner (Ed.), The Routledge International handbook of globalization studies (Cap. 25, pp. 492-513). Routledge.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2023). Censo Demográfico 2022: quilombolas: primeiros resultados do universo Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102016.pdf
    » https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv102016.pdf
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica - IBGE (2024). PNAD Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-continua.html?edicao=39836&t=resultados Recuperado em 24 de maio de 2024.
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-continua.html?edicao=39836&t=resultados
  • Job, S. M., & Vasconcelos, A. C. (2013). Mulheres a(es)quecidas: o quilombo de Jacarequara. In Anais eletrônicos do Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 – Desafios Atuais dos Feminismos Florianópolis. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1381425188_ARQUIVO_SandraMariaJob_1_.pdf
    » http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1381425188_ARQUIVO_SandraMariaJob_1_.pdf
  • Khoury, C. K., Bjorkman, A. D., Dempewolf, H., Ramirez-Villegas, J., Guarino, L., Jarvis, A., Rieseberg, L. H., & Struik, P. C. (2014). Increasing homogeneity in global food supplies and the implications for food security. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 111(11), 4001-4006. http://dx.doi.org/10.1073/pnas.1313490111
  • Leão, V. M. (2020). Cultivando autonomia: análise da socioeconomia e agrobiodiversidade no quilombo de Providência, Salvaterra, ilha do Marajó/PA (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14835
    » https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14835
  • Lopes, M. R., Medeiros, M., & Tecchio, A. (2020). Bolsa Família e a construção das capabilities entre agricultoras familiares quilombolas do Baixo Tocantins, Pará. Revista Agricultura Familiar: Pesquisa, Formação e Desenvolvimento, 14(2), 86-106.
  • Louzada, M. L. C., Costa, C. S., Souza, T. N., Cruz, G. L., Levy, R. B., & Monteiro, C. A. (2021). Impacto do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde de crianças, adolescentes e adultos: revisão de escopo. Cadernos de Saude Publica, 37, 1-48.
  • Maluf, R. S., & Zimmermann, S. A. (2020). Antigos e novos hábitos na alimentação de famílias agrícolas de Chapecó e região. Estudos Sociedade e Agricultura, 28(1), 48-77.
  • Mbow, C., Rosenzweig, C., Barioni, L. G., Benton, T. G., Herrero, M., Krishnapillai, M., Liwenga, E., Pradhan, P., Rivera-Ferre, M. G., Sapkota, T., Tubiello, F. N., & Xu, Y. (2019). Food Security. In P. R. Shukla, J. Skea, E. Calvo Buendia, V. Masson-Delmotte, H.-O. Pörtner, D. C. Roberts & P. Zhai (Eds.), Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems (pp. 437-550). IPCC. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/11/SRCCL-Full-Report-Compiled-191128.pdf
    » https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/11/SRCCL-Full-Report-Compiled-191128.pdf
  • Michelat, G. (1987). Sobre a utilização de entrevista não diretiva em sociologia. In M. J. M. Thiollent. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária (5. ed., pp. 191-212). São Paulo: Polis.
  • Nascimento, E. C., & Guerra, G. A. D. (2014). Quintais multifuncionais: a diversidade de práticas produtivas e alimentares desenvolvidas pelas famílias da comunidade quilombola do Baixo Acaraqui, Abaetetuba, Pará. Revista IDeAS, 8(2), 7-40.
  • Oliveira, E. V., & Yamaguchi, K. K. L. (2021). Conhecimento tradicional e o ensino de Ciências: uso de cará-roxo (Dioscorea trifida) como indicador de ácidos e bases. Revista Insignare Scientia, 4(6), 495-507.
  • Penna, C. (2022). O agro é branco? Seletividade racial e política fundiária no Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, 30(2), 1-25.
  • Pereira, L. A., Lima-Barbosa, J. R., Almeida, M. Z., & Guimarães, E. F. (2017). Diversidade de plantas em quintais quilombolas, conhecimento local sobre uso e cultivo de pimentas na Amazônia Oriental, Brasil. Revista de Biologia Neotropical/Journal of Neotropical Biology, 14(1), 56-72.
  • Pinto, A. R., Borges, J. C., Novo, M. P., & Pires, P. S. (Orgs.). (2014). Quilombos do Brasil: segurança alimentar e nutricional em territórios titulados (Cadernos de Estudos de Desenvolvimento Social em Debate, No. 20). Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
  • Piovesan, A., & Temporini, E. R. (1995). Pesquisa exploratória: procedimento metodológico para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Revista de Saude Publica, 29(4), 318-325.
  • Piraux, M., & Cuenin, P. H. C. M. (2019). Evolução das conexões entre produção e consumo e seus impactos sobre as dinâmicas de um território: o caso de Mocajuba na Amazônia oriental – PA. Redes: Revista do Desenvolvimento Regional, 24(3), 101-117. http://dx.doi.org/10.17058/redes.v24i3.14120
  • Popkin, B. M. (2012). The nutrition transition is speeding up: a global perspective. In N. J. Temple, T. Wilson & D. R. Jacobs Junior (Eds.), Nutritional health: strategies for disease prevention (pp. 85-99). New York: Humana Press.
  • Popkin, B. M., Adair, L. S., & Ng, S. W. (2012). Global nutrition transition and the pandemic of obesity in developing countries. Nutrition Reviews, 70(1), 3-21.
  • Portela, L. J. P., Santos, P. R., & Silva, J. C. (2021). A roça e o trabalho coletivo na produção da farinha de mandioca nas comunidades quilombolas Matá e Silêncio em Óbidos, Pará, Brasil. Geographia Opportuno Tempore, 7(1), 72-84.
  • Poulain, J.-P. (2021). Food in transition: the place of food in the theories of transition. The Sociological Review, 69(3), 702-724.
  • Rivera, R. (2017). Trajetórias das práticas alimentares na comunidade Quilombola de Bairro Alto, ilha do Marajó, Salvaterra-Pará (Dissertação de mestrado). Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Amazônia Oriental, Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares, Universidade Federal do Pará, Belém. Recuperado em 17 de janeiro 2024, de https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/11059
    » https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/11059
  • Rocillo-Aquino, Z., Cervantes-Escoto, F., Leos-Rodríguez, J. A., Cruz-Delgado, D., & Espinoza-Ortega, A. (2021). What is a traditional food? Conceptual evolution from four dimensions. Journal of Ethnic Foods, 8(38), 1-10.
  • Santos, A. S. C., & Claudino, L. S. D. (2020). Agricultura e segurança alimentar em comunidades quilombolas na Amazônia brasileira: o caso da produção de farinha de mandioca em Abaetetuba, Pará, Brasil. Humanidades & Inovação, 7(16), 356-370.
  • Schmitt, A., Turatti, M. C. M., & Carvalho, M. C. P. (2002). A atualização do conceito de quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Ambiente & Sociedade, 5(10), 1-6.
  • Schneider, S., & Gazolla, M. (2017). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas. In S. Schneider & M. Gazolla (Orgs.), Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar (pp. 9-24). Porto Alegre: Editora da UFRGS.
  • Scott, P. (2010). Gênero e geração em contextos rurais: algumas considerações. In P. Scott, R. Cordeiro, & M. Menezes (Orgs.), Gênero e geração em universos rurais (pp. 15-33). Florianópolis: Mulheres.
  • Silva, E. K. P., Medeiros, D. S., Martins, P. C., Sousa, L. A., Lima, G. P., Rêgo, M. A. S., Silva, T. O., Freire, A. S., & Silva, F. M. (2017). Insegurança alimentar em comunidades rurais no Nordeste brasileiro: faz diferença ser quilombola? Cadernos de Saude Publica, 33(4), 1-14.
  • Silva, J. S., Andrade, L. S., Souza, A. M., & Halmenschlager, F. (2021). Práticas produtivas da farinha de mandioca na comunidade quilombola Mocambo – Ourém – PA. Nova Revista Amazônica, 9(3), 129-146.
  • Silva, R. J., Garavello, M. E. P., Navas, R., Nardoto, G. B., Mazzi, E. A., & Martinelli, L. A. (2015). Transição agroalimentar em comunidades tradicionais rurais: o caso dos remanescentes de quilombo Kalunga – GO. Segurança Alimentar e Nutricional, 22(1), 591-607.
  • Silva, S. O., Santos, S. M. C., Gama, C. M., Coutinho, G. R., Santos, M. E. P., & Silva, N. J. (2022). A cor e o sexo da fome: análise da insegurança alimentar sob o olhar da interseccionalidade. Cadernos de Saude Publica, 38(7), 1-14.
  • Souza, R. P., Maia, A. G., Melo, N. G. M., Dantas, L. O., Moreno, M. N., & Martim, S. R. (2021). Farinha de Dioscorea bulbifera: uma alternativa tecnológica para valorização de tubérculo disponível na Amazônia. Research Social Development, 10(15), 1-9.
  • Story, M., Kaphingst, K. M., Robinson-O’Brien, R., & Glanz, K. (2008). Creating healthy food and eating environments: policy and environmental approaches. Annual Review of Public Health, 29, 253-272.
  • Turner, K. L., Idrobo, C. J., Desmarais, A. A., & Peredo, A. M. (2022). Food sovereignty, gender and everyday practice: the role of Afro-Colombian women in sustaining localised food systems. The Journal of Peasant Studies, 49(2), 402-428.
  • Vigisan, I. I. (2022). Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Análise, Vol. 1, 110 p.). São Paulo: Fundação Friedrich Ebert: Rede PENSSAN.
  • Watling, J., Shock, M. P., Mongeló, G. Z., Almeida, F. O., Kater, T., Oliveira, P. E., & Neves, E. G. (2018). Direct archaeological evidence for Southwestern Amazonia as an early plant domestication and food production centre. PLoS One, 13(7), 1-28.
  • Willett, W., Rockström, J., Loken, B., Springmann, M., Lang, T., Vermeulen, S., et al (2019). Food in the Anthropocene: the EAT – Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems. Lancet, 393(10170), 447-492.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2024
  • Aceito
    12 Jun 2024
Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural Av. W/3 Norte, Quadra 702 Ed. Brasília Rádio Center Salas 1049-1050, 70719 900 Brasília DF Brasil, - Brasília - DF - Brazil
E-mail: sober@sober.org.br