Próximo ao dia mundial de combate à tuberculose (TB), celebrado em 24 de março, e ao primeiro marco (milestone), em 2020, da nova estratégia de controle da tuberculose, denominada Estratégia Fim da Tuberculose, da Organização Mundial da Saúde (OMS),1 cabe dimensionar a situação da TB no Brasil em tempos de pandemia da Covid-19, cujo agente é o coronavírus SARS-CoV-2.
A Covid-19, detectada pela primeira vez em Wuhan, China, em dezembro de 2019, pode causar pneumonia viral, cujas complicações podem levar ao óbito. A convergência das duas doenças - TB e Covid-19 - parece sinalizar para um cenário pessimista. Ainda que alguns avanços tenham sido implementados, como o teste rápido, a dose fixa combinada, o comprimido de 300mg de isoniazida, entre outros, estes foram insuficientes para se avançar no controle da TB. Ademais, a TB é doença negligenciada, com pouco estímulo ao investimento da indústria e do governo na descoberta de novos fármacos ou novos métodos diagnósticos, e agora, diante da pandemia, cobrará pesada conta.
Os fatores de risco associados à Covid-19 exigem ainda esclarecimentos. Todavia, é plausível que a infecção por M. tuberculosis (MTB), o patógeno que causa TB e infecta latentemente cerca de 25% da população global, pode ser um fator de risco para infecção por SARS-CoV-2 e pneumonia grave por Covid-19, conforme sugeriu estudo realizado na China. Nesse estudo de casos e controles, a infecção por MTB foi mais comum do que outras comorbidades (36%, : diabetes, 25%; hipertensão, 22%; doença coronariana, 8%; e DPOC, 5%). Ao se comparar o estado de infecção por MTB entre casos de pneumonia por Covid-19 com gravidade leve/moderada e severa/crítica, a coinfecção por MTB mostrou-se menor no primeiro grupo (22%) em comparação com o segundo (78%), com diferença estatística entre eles (p=0,005). Estes achados, ainda preliminares, apontam para a necessidade de se avaliar se a infecção por MTB é fator de risco para a Covid-19 e se existe uma relação de causalidade.4
No Brasil, não será alcançada a meta da Estratégia Fim da TB, de serem reduzidas em 95% a mortalidade por TB e em 90% sua incidência, no período de 2015 a 2035. De fato, publicação do Ministério da Saúde sobre dados de TB, em 2019, revela aumento de incidência desse agravo no país. Se tomarmos como exemplo os dois estados que mais contribuem com a endemia no Brasil, pois apresentam as maiores taxas de incidência de TB - o Amazonas e o Rio de Janeiro -, e olharmos o crescimento do diagnóstico, observaremos que, no Amazonas, onde o diagnóstico aumentou de 68,3%, na publicação de 2018, para 72,4%, na publicação de 2019, a incidência diminuiu de 74,1 para 72,9 casos/100 mil habitantes. No Rio de Janeiro, onde o percentual de diagnóstico não se alterou (61,7% em ambos os anos), a incidência aumentou de 63,5 para 66,3 casos/100 mil hab.2,3
A elevada ocorrência da TB nos estados brasileiros, aliada à grande densidade populacional, especialmente nas grandes cidades, em um cenário marcado pelo subfinaciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), compõem um cenário que permite antever dificuldades no enfrentamento à Covid-19.
Uma simulação matemática produzida pelo Imperial College Covid-19 Response Team prevê que a medida isolada mais eficaz para achatar a curva de demanda por atendimento hospitalar crítico na epidemia de Covid-19, na Grã-Bretanha, é o distanciamento social e a quarentena de idosos acima de 70 anos. Isso ocorre basicamente porque cerca de 27% dos idosos nesta faixa etária que são acometidos pela Covid-19 necessitam de atendimento hospitalar.5
Considerando-se resultados preliminares que indicam que a TB é uma comorbidade importante para agravamento do quadro clínico dos casos de Covid-19, o isolamento dos casos de TB pode ser importante medida para minimizar a ocorrência de casos graves de Covid-19 e de internações pela doença nesta população. Mesmo na situação de isolamento, deve ser assegurado o acesso ao tratamento da TB, que exige regularidade. Assim, ainda que estudos estejam em fase preliminar, recomenda-se que medidas de distanciamento social sejam direcionadas de forma mais clara para as pessoas infectadas pelo MTB.
Referências
- 1 WHO. The End TB Strategy. 2015. Geneva: World Health Organization; 2015.
- 2 BRASIL. Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde. Volume 50, Nº 09. Mar. 2019.
- 3 BRASIL. Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde. Volume 49, Nº 11. Mar. 2018.
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4 Yu Chen, Yaguo Wang, Joy Fleming, Yanhong Yu, et al. Active or latent tuberculosis increases susceptibility to COVID-19 and disease severity. MedrxivmedRxiv preprint. Mar. 2020. doi: https://doi.org/10.1101/2020.03.10.20033795. Disponível em: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.10.20033795v1.full.pdf Acesso em: 20 de março de 2020.
» https://doi.org/https://doi.org/10.1101/2020.03.10.20033795» https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.10.20033795v1.full.pdf -
5 Neil M. Ferguson , Daniel Laydon, Gemma Nedjati-Gilani, Natsuko Imai, et al. Impact of non-pharmaceuticalinterventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and healthcare demand. Imperial College COVID-19. 2020. Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-NPI-modelling-16-03-2020.pdf Acesso em: 20 de março de 2020.
» https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-NPI-modelling-16-03-2020.pdf
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Abr 2020 -
Data do Fascículo
2020