Resumo
OBJETIVO: descrever a experiência no desenvolvimento de ações do Programa Saúde na Escola (PSE) e da alimentação escolar relacionadas à prevenção do excesso de peso no município de Itapevi-SP, Brasil.
MÉTODOS: o estudo descritivo contemplou 21 escolas públicas do Ciclo 1 do Ensino Fundamental aderidas ao PSE; os diagnósticos, com dados de 2014, incluíram estado nutricional dos escolares, análise qualitativa da alimentação escolar e inserção de temas relacionados à alimentação, nutrição e atividade física nas atividades curriculares e extracurriculares.
RESULTADOS: 30,6% dos 7.017 escolares apresentaram excesso de peso; alimentos ultraprocessados estiveram presentes na maioria dos cardápios do desjejum/lanche da tarde (68,4%), enquanto os alimentos in natura e minimamente processados preponderaram no almoço (92,4%); temas relacionados à alimentação, nutrição e prática de atividade física foram contemplados nas atividades curriculares de 14 escolas.
CONCLUSÃO: a avaliação das ações do PSE e da alimentação escolar indica a necessidade de ajustes no cardápio escolar.
Palavras-chave: Obesidade Pediátrica; Educação; Alimentação Escolar; Saúde Escolar; Epidemiologia Descritiva
Resumen
OBJETIVO: describir la experiencia del municipio de Itapevi-SP, Brasil, en el desarrollo de las acciones del Programa de Salud Escolar (PSE) y de la alimentación escolar relacionada con la prevención del sobrepeso.
MÉTODOS: el estudio de diseño transversal contempló 21 escuelas públicas del Ciclo I de la Educación Primaria que han adherido al PSE; los diagnósticos, fueron hechos con datos de 2014, incluyeron estado nutricional, análisis cualitativo de la alimentación escolar; inclusión de temas relacionados con la alimentación, nutrición y actividad física en las actividades curriculares y extracurriculares.
RESULTADOS: 30,6% de los 7.017 estudiantes tenían sobrepeso; los alimentos ultraprocesados representaron 68,4% de los alimentos de desayuno/merienda, mientras que los alimentos frescos y mínimamente procesados predominaron en el almuerzo (92,4%); los temas previamente mencionados fueron incluidos en las actividades curriculares de 14 escuelas.
CONCLUSIÓN: la evaluación del PSE y de la alimentación escolar indica la necesidad de ajustes en el menú de la escuela.
Palabras-clave: Obesidad Pediátrica; Educación; Alimentación Escolar; Salud Escolar; Epidemiología Descriptiva
Abstract
OBJECTIVE: to describe the experience in the municipality of Itapevi-SP, Brazil, within the framework of School Health Program and school meals related to overweight prevention.
METHODS: this cross-sectional study comprised 21 public schools of the first cycle of Primary School who adhered to the School Health Program; the diagnoses, based on 2014 data, included the students’ nutritional status, qualitative analysis of school meals, and inclusion of themes related to nutrition and physical activities in curricular and extracurricular activities.
RESULTS: overweight was present in 30.6% of the 7,017 students; ultra-processed foods represented 68.4% of the breakfast and afternoon snacks, whilst unprocessed and minimally processed foods were more present in lunch meals (92.4%); themes related to nutrition and the practice of physical activities were present in the curricular activities of 14 schools.
CONCLUSION: the assessment of the actions of the School Health Program and school meals shows the need for adjustments on school menus.
Keywords: Childhood Obesity; Education; School Feeding; School Health; Epidemiology, Descriptive
Introdução
O aumento da prevalência do excesso de peso (sobrepeso e obesidade) tem sido considerado uma pandemia. Em pouco mais de 30 anos (1975 a 2009), essa prevalência avançou entre os adultos e na população mais jovem de vários países, especialmente nos em desenvolvimento, onde teve um crescimento de cerca de 50% em crianças e adolescentes (2-19 anos).1 No Brasil, de meados da década de 1970 a final dos anos 2000, o incremento da prevalência do excesso de peso na população infanto-juvenil foi ainda mais expressivo, sendo que entre meninas e meninos de 5 a 9 anos de idade subiu de 8,6 para 32% e de 10,9 para 34%, respectivamente. Já para os adolescentes, o crescimento dessa prevalência foi de 7,6 para 19,4% no sexo feminino e de 3,7 para 21,7% no sexo masculino.2
A determinação da obesidade infantil é complexa e envolve, principalmente, fatores relacionados ao estilo de vida, como alimentação e atividade física, bem como condições socioeconômicas, culturais e demográficas, além dos fatores de ordem secundária, menos frequentes, como os genéticos e os distúrbios hormonais.3 Nesse contexto, o enfrentamento da obesidade infantil deve ser pautado em políticas públicas, entre as quais aquelas voltadas ao ambiente escolar, capazes de exercer papel fundamental na promoção da saúde, da atividade física e da educação alimentar e nutricional.4
Estudo de revisão sistemática, conduzido por Jaime e Lock,5 sobre ações de alimentação e nutrição desenvolvidas em escolas americanas e europeias encontrou evidências de boa qualidade, relativas ao impacto da adoção de guias alimentares nos cardápios escolares, especialmente na redução de gorduras totais e saturadas e aumento de frutas e verduras ofertadas.
No Brasil, revisão sistemática sobre intervenções de promoção da prática de atividade física e/ou alimentação saudável em escolares encontrou, como principais resultados, a redução do consumo de alimentos de alto valor calórico (refrigerantes, bolachas recheadas e suco artificial) e o aumento do consumo de frutas e verduras.6
No âmbito das políticas públicas brasileiras voltadas à promoção da saúde da população escolar, deve-se citar o Programa Saúde na Escola (PSE), lançado em 2007 pelos ministérios da Saúde e da Educação, tendo como proposta contribuir para a formação dos estudantes da rede pública de ensino mediante ações integradas e articuladas entre as escolas e as equipes de saúde, no âmbito da Atenção Básica.7
O PSE faz parte do eixo de Promoção da Saúde, presente no Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil - 2011-2022. O Plano tem, como um de seus objetivos, reduzir a prevalência de obesidade em crianças.8 O PSE, por sua vez, está configurado em diferentes componentes e suas respectivas ações, entre elas avaliação antropométrica, promoção da segurança alimentar, alimentação saudável, práticas corporais e atividade física, além daquelas relacionadas ao monitoramento e avaliação da saúde dos estudantes e do programa em si.7,9 O município, ao aderir ao PSE, deve realizar, minimamente, determinadas ações obrigatórias. Às escolas cabe se preparar, de modo que as atividades em saúde a serem desenvolvidas façam parte do Projeto Político Pedagógico (PPP) escolar e se vinculem às equipes de saúde de sua abrangência.7,9
O PSE tem papel fundamental no fortalecimento de ações que vinculem a saúde, a educação e outras redes de serviços sociais ao enfrentamento de vulnerabilidades - como a obesidade - que comprometem a saúde de crianças e adolescentes em idade escolar.8 É importante salientar, ademais, que há uma lacuna importante na publicação de estudos sobre o Programa.
O presente estudo teve por objetivo descrever a experiência no desenvolvimento de ações do Programa Saúde na Escola - PSE - e da alimentação escolar relacionadas à agenda da prevenção do excesso de peso no município de Itapevi, estado de São Paulo, Brasil.
Métodos
Realizou-se um estudo descritivo das ações do Programa Saúde na Escola e da alimentação escolar no município de Itapevi. Localizado na Grande São Paulo (Região Metropolitana), com população de 200.796 mil habitantes em 2010, Itapevi apresentava, no mesmo ano, índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,735.10 A rede escolar de Itapevi contava com 70 escolas municipais, das quais 41 ofereciam o Ciclo 1 do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano). Em 2013, Itapevi aderiu ao PSE ao pactuar com suas ações obrigatórias, a serem realizadas em 41 escolas municipais, sendo que 21 destas ofereciam o Ciclo 1 do Ensino Fundamental. O critério inicial de escolha das escolas para adesão ao PSE foi definido pelo setor de vigilância epidemiológica do município, considerando-se o rastreamento de tracoma e áreas de maior vulnerabilidade à doença.
Os dados a serem analisados referem-se a ações dos componentes I e II do PSE (estado nutricional, atividades curriculares e extracurriculares que tratam dos temas ‘Alimentação Saudável e Nutrição’ e ‘Atividade Física’) realizadas em 2014, nas 21 escolas do Ciclo 1 do Ensino Fundamental aderidas ao PSE, além da avaliação da alimentação fornecida nessas escolas.
Componente I do PSE:
Estado nutricional dos escolares
Foram incluídas todas as crianças (n=7.124) do Ciclo 1 do Ensino Fundamental das 21 escolas.
Os dados antropométricos foram coletados pelos professores da disciplina de Educação Física, devidamente treinados segundo as normas técnicas preconizadas pelo Ministério da Saúde.11 O peso das crianças foi aferido em balanças mecânicas Welmy, com precisão de 100 gramas e peso máximo de 150 quilogramas. Para aferição da estatura, foram construídos 43 estadiômetros com sarrafo aparelhado de 220x5x2 centímetros, desempenadeira e fita métrica, afixados em cada escola sobre parede em plano reto e sem rodapé. Para o cálculo da idade em anos e meses, foi subtraída a data de nascimento da data de coleta e dividida a diferença de dias por 365,25.
Para o diagnóstico do estado nutricional, foi calculado o índice de massa corporal (IMC) a partir da divisão do peso, em quilogramas, pelo quadrado da altura, em metros (kg/m2), considerando-se os valores de IMC, segundo sexo e idade, propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).12 A classificação do estado nutricional das crianças foi realizada em três categorias: baixo peso (<-2 escores-z), normal (≥-2 e <1 escores-z) e excesso de peso (≥1 escore-z). As faixas etárias consideradas para análise foram dos 5 aos 9 e dos 10 aos 14 anos.
Para o cálculo e análise dos dados, foi utilizado o software AnthroPlus versão 1.0.4. A existência de associação entre estado nutricional, sexo e faixa etária foi verificada pelo teste estatístico do qui-quadrado (p<0,05).
Componente II do PSE:
Atividades curriculares e extracurriculares relacionadas aos temas ‘Alimentação Saudável e Nutrição’ e ‘Atividade Física’
As informações sobre as atividades curriculares e extracurriculares, no que se refere aos temas ‘Alimentação Saudável e Nutrição’ e ‘Atividade Física’ desenvolvidos nas escolas, foram obtidas mediante aplicação de questionário sobre a inserção desses temas no planejamento e execução das atividades pedagógicas. O questionário, encaminhado aos diretores e/ou coordenadores pedagógicos (e/ou professores, se designados pelos diretores) das 21 escolas municipais pactuadas pelo PSE que oferecem o Ciclo 1 do Ensino Fundamental, foi previamente testado em uma escola não aderida ao PSE, contemplando os seguintes itens e respectivas variáveis:
-
a) Tema ‘Alimentação Saudável e Nutrição’
-
- inserção do tema em disciplinas (sim; não);
-
- disciplinas que trabalharam o tema (Língua Portuguesa, Matemática, História, Ciências, Educação Física, Artes, Geografia, outras);
-
- turmas que trabalharam o tema (1º, 2º, 3º, 4º e/ou 5º ano);
-
- temas abordados nas disciplinas (higiene dos alimentos, segurança alimentar e nutricional, guia alimentar para a população brasileira, processos de nutrição - absorção, digestão, etc. - pirâmide alimentar, alimentação saudável, outros);
-
- atividades coletivas realizadas, relacionadas ao tema (sim; não);
-
- tipos de atividades coletivas (dia/semana da alimentação saudável, degustação de alimentos, horta escolar, oficina culinária, palestra, outras);
-
- responsáveis pela organização da atividade (professor, nutricionista, merendeira, equipe multidisciplinar, coordenador pedagógico, outros);
-
- turmas que realizaram a atividade (1º, 2º, 3º, 4º e/ou 5º ano);
-
- participação dos pais (sim; não);
-
- inclusão da atividade no Projeto Político Pedagógico (sim; não);
-
- fatores facilitadores e limitadores para inclusão do tema no Projeto Político Pedagógico (internos e externos à escola).
-
b) Tema ‘Atividade Física’
-
- presença da disciplina de Educação Física na grade curricular e a ocorrência de atividade física e esporte extracurriculares (sim; não);
-
- frequência semanal das aulas (1 aula/semana, 2 aulas/semana, mais de 2 aulas/semana, outra);
-
- duração das aulas (50 a 60 minutos, 60 a 120 minutos, outra)
-
- tipos de atividades e esportes desenvolvidos (esportes com bola, esportes diversos, ginástica, jogos, atletismo, brincadeiras, outras atividades).
Os dados foram tabulados em planilha elaborada no programa Microsoft Excel Starter 2010.
Alimentação escolar
A alimentação fornecida nas escolas foi avaliada pelos cardápios referentes ao desjejum/lanche da tarde (o cardápio do desjejum, servido paras as turmas do matutino, é o mesmo servido no lanche da tarde, para as turmas do vespertino) e ao almoço, oferecidos no primeiro semestre do ano de 2014 (fevereiro a junho: a seleção desse período deve-se à disponibilidade dos dados, quando do início do projeto). Também foi consultado o memorial descritivo dos alimentos e preparações. Ressalta-se que o cardápio é o mesmo para todas as escolas, não há cantinas disponíveis e as crianças não podem levar lanches de casa para a escola.
A análise qualitativa dos cardápios foi baseada na Classificação NOVA, a qual agrupa os alimentos em quatro categorias, segundo a extensão e o propósito do processamento a que eles são submetidos13 (Figura 1).
Na avaliação realizada, os alimentos foram agrupados tão-somente em três categorias: in natura ou minimamente processados; processados; e ultraprocessados. Os alimentos que compõem o grupo ‘ingredientes culinários processados’ já estão presentes nas preparações das demais categorias de alimentos.
Contabilizou-se o número total de itens alimentares servidos nos cardápios mensais e no semestre, sua participação absoluta e relativa, de acordo com as categorias propostas.
O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo: Protocolo no 983.048, de 12 de março de 2015.
Resultados
Estado nutricional
Após exclusão de 107 (1,5%) crianças que apresentaram dados inconsistentes de peso e/ou estatura ou registro incorreto de data de nascimento, obteve-se um total de 7.017 crianças: 3.406 meninas (48,5%) e 3.611 meninos (51,5%), com idade de 5 a 14 anos (Tabela 1). A idade média das meninas foi de 8,2 anos (desvio-padrão = 1,33 anos), e a dos meninos, de 8,3 anos (desvio-padrão = 1,35 anos).
Verificou-se que o baixo peso esteve presente em 1,9% dos escolares, e o excesso de peso em 30,6% deles, independentemente do sexo (Tabela 2).
Atividades curriculares e extracurriculares:
A temática da ‘Alimentação Saudável e Nutrição’ e da ‘Atividade Física’
Para a análise das atividades curriculares e extracurriculares, contou-se com a resposta de 14 das 21 escolas.
Em 2014, o tema ‘Alimentação Saudável e Nutrição’ constou, principalmente, nas disciplinas de Ciências e Educação Física, com atividades realizadas em todas as turmas (1° ao 5° ano), nas 14 escolas. Os temas mais frequentemente trabalhados foram ‘Alimentação Saudável’, ‘Pirâmide Alimentar’ e ‘Higiene dos Alimentos’, e as atividades mais desenvolvidas nas escolas foram ‘Dia/Semana da Alimentação Saudável’, ‘Degustação de alimentos’ e ‘Oficina Culinária’. O cultivo de horta esteve presente em 5 das 14 escolas; no entanto, essas atividades foram contempladas no Projeto Político Pedagógico (PPP) de 10 escolas e, em sua maioria, os professores e os coordenadores pedagógicos foram os profissionais responsáveis por sua realização. Os diretores e/ou coordenadores pedagógicos das escolas responderam que os fatores facilitadores para inclusão do tema ‘Alimentação Saudável e Nutrição’ no PPP foram o apoio da Secretaria Municipal de Educação e dos professores, a presença de nutricionista e o planejamento dos cardápios, a rotina anual de avaliação dos dados antropométricos dos alunos e o fato de o tema ser agradável de trabalhar. Embora 7 escolas não tenham identificado fatores que dificultassem a inclusão do tema no PPP, entre os mais citados destacam-se a falta de apoio da família - e de recursos financeiros - para seguir em casa as orientações dadas na escola, não obstante metade das unidades escolares terem convidado os pais para participar dessas atividades.
Quanto ao tema ‘Atividade Física’, verificou-se que as 14 escolas ofereceram a disciplina de Educação Física na grade curricular, com frequência de duas aulas semanais de 50 a 60 minutos. As atividades mais ofertadas foram esportes diversos (frisbee, bumerangue, slackline e capoeira), seguido de esportes com bola (futebol, basquetebol, voleibol, handball, frescobol e dodgeball), ginástica, brincadeiras, jogos e atletismo. Atividades e esportes extra-aula (inclusive nos finais de semana) foram disponibilizados por 86% das escolas, com frequência de uma a duas aulas semanais de 50 a 60 minutos, sendo os esportes com bola os mais ofertados, seguidos de ginástica, brincadeiras, esportes diversos e outras atividades, como dança.
Alimentação escolar
Quando analisados os cardápios do desjejum e lanche da tarde adotados no semestre (Tabela 3), verificou-se que os alimentos ultraprocessados compuseram 68,4% do cardápio, seguidos de 22,5% de alimentos in natura ou minimamente processados e 9,1% de alimentos processados.
A categoria de alimentos ultraprocessados foi composta por achocolatados, enriquecedor de morango, bebida láctea, biscoitos, bebida à base de soja, flocos de milho, bolinhos, bisnaguinha, margarina e requeijão. Os alimentos processados foram representados pelo pão e pela geleia de frutas sem conservantes. Os alimentos in natura ou minimamente processados foram representados pelo leite e pelo iogurte de frutas, este último constando no memorial descritivo como alimento sem adição de açúcar e corantes artificiais, adicionado de polpa de frutas.
Com relação ao cardápio do almoço durante o semestre (Tabela 4), os alimentos in natura ou minimamente processados foram a base da refeição (92,4%), seguidos de 5,7% de alimentos processados e 1,9% de alimentos ultraprocessados. A primeira categoria foi composta por arroz, feijão, farinhas, verduras, legumes, frutas, suco natural sem adição de açúcar, carnes, peixes, frango, macarrão e ovo. A segunda categoria foi composta por extrato e/ou purê de tomate, em cujo memorial descritivo se apresentava como produto obtido de frutos maduros, adicionados de cloreto de sódio e açúcar, e isento de corantes artificiais. A terceira categoria foi composta por salsicha e linguiça.
Discussão
Os resultados encontrados nas escolas públicas do Ciclo 1 do Ensino Fundamental do município estudado mostram que o excesso de peso esteve presente em quase um terço das crianças. Tal prevalência é próxima daquela encontrada para o Brasil, no período de 2008-2009, em crianças de 5 a 9 anos de idade (33,5%).2 Outros estudos, realizados com o mesmo critério de diagnóstico e faixas etárias semelhantes, encontraram prevalências similares. Em 2005, Ribas e Silva14 avaliaram crianças e adolescentes de escolas públicas e privadas do município de Belém, estado do Pará, e encontraram prevalência de excesso de peso de 31,4% nas crianças de 6 a 10 anos de idade. Em 2011, Souza et al,15 ao avaliarem 1.187 crianças e adolescentes de 6 a 14 anos de idade matriculados em escolas públicas (urbanas e rurais) de Divinópolis, estado de Minas Gerais, detectaram que o excesso de peso também estava presente em 31,4% dessa população.
O Programa Saúde na Escola, em seu escopo, aborda pontos importantes para a prevenção e combate do excesso de peso infantil. Silva,9 ao avaliar municípios brasileiros aderidos ao PSE, no período de 2008 a 2013, encontrou que a temática mais citada no Componente II do Programa foi a de promoção da alimentação saudável, com destaque para palestras, ações educativas em saúde/grupos, e dia/semana da alimentação saudável.
No município estudado, verificou-se que a temática da alimentação saudável foi abordada nas 14 escolas que responderam ao questionário, principalmente em atividades como o dia/semana da alimentação saudável, degustação de alimentos, oficina culinária e horta escolar. Destaque deve ser dado às hortas escolares, que podem ter influência positiva na preferência e consumo de frutas e vegetais por parte dos alunos, no rendimento escolar, na interação social, no desenvolvimento do senso de responsabilidade, autoestima e autoconfiança, além da sensação de bem-estar geral.16
Quanto aos temas que tratam de alimentação saudável e nutrição, estiveram presentes, principalmente, em disciplinas como Ciências e Educação Física. Há, no entanto, vasta possibilidade de inserção dos mesmos em disciplinas como História, Geografia e Artes, cujas abordagens podem ser ampliadas para aspectos socioculturais e ambientais da alimentação; caso das salas de aula das escolas públicas do estado de São Paulo, onde se discutem, nas matérias de Ciências, Geografia e História, assuntos que vão desde questões sobre a terra e as crises econômicas até a globalização e a utilização sustentável dos recursos naturais.17
Com relação à atividade física, a recomendação da Organização Mundial da Saúde para crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade é a de acumular, pelo menos, 60 minutos por dia de atividade física de intensidade moderada a vigorosa, a maior parte de natureza aeróbica e - pelo menos 3 vezes na semana - exercícios que permitam fortalecer os músculos e ossos.18 Importante salientar que intervenções promotoras de atividade física, combinadas à educação nutricional, podem se mostrar ainda mais significativas na redução da massa corporal.19 O município estudado, ao oferecer duas aulas de Educação Física na grade curricular, além de atividades e esportes extracurriculares, contribui para que as recomendações propostas sejam atingidas.
A análise dos cardápios escolares por meio do referencial que trata da distribuição dos alimentos e produtos alimentícios em categorias, de acordo com o tipo de processamento empregado em sua produção,13 expõe a possibilidade de averiguação da qualidade da alimentação para além da ingestão de nutrientes e das recomendações nutricionais.
Assim, verificou-se proporção elevada de alimentos ultraprocessados no desjejum/lanche da tarde, enquanto na refeição do almoço predominaram os alimentos in natura e os minimamente processados, indicando, em parte, as condições de produção das refeições, uma vez que o cardápio proposto para o almoço é baseado em preparações culinárias, diferentemente do desjejum e do lanche da tarde, que, provavelmente pela necessidade de preparo em menor tempo disponível, contemplam em seu cardápio alimentos prontos para consumo, como achocolatados, enriquecedor de morango, bebida láctea, biscoitos, bebidas à base de soja, cereais de milho, bolinhos, bisnaguinha, margarina e requeijão. A oferta de alimentos ultraprocessados no cardápio das escolas brasileiras20-22 é passível de mudança, desde que haja planejamento e criatividade na elaboração de pequenas refeições/lanches, contribuindo, certamente, para a adoção de hábitos alimentares mais saudáveis ainda na infância.
Os processos industriais empregados na formulação dos alimentos ultraprocessados fazem com que esses produtos sejam altamente convenientes: são alimentos prontos para consumo, lucrativos devido ao baixo custo e, acima de tudo, nesse sentido competitivos em relação aos alimentos in natura e minimamente processados e às preparações culinárias. Uma dieta com alta proporção de alimentos ultraprocessados oferece, além de quantidade elevada de gorduras e açúcares, quantidade insuficiente de fibras, vitaminas e minerais.23 O consumo desses alimentos deve ser evitado e limitado, haja vista sua composição nutricional desbalanceada, sua relação com o desenvolvimento de doenças crônicas e seu impacto negativo para o meio ambiente, a cultura e a vida social.13,24
Como exemplo de produto ultraprocessado, pode-se citar as bebidas adoçadas, as quais apresentam menor poder de saciedade e, comparadas aos alimentos sólidos, contêm açúcares como únicas fontes de caloria, contribuindo para o aumento da ingestão calórica diária e, se não ajustadas ao gasto energético, ganho excessivo de peso ao longo da vida.25 Estudo de coorte realizado com crianças americanas, nascidas no ano de 2001 e acompanhadas longitudinalmente - aos 9 meses e aos 2, 4 e 5 anos de idade -, encontrou maior risco de IMC elevado entre crianças de 4 e 5 anos que consumiam regularmente bebidas adoçadas.26
Possíveis limitações do presente estudo referem-se à impossibilidade de observação direta das informações relatadas sobre as atividades curriculares e extracurriculares pautadas nos temas da alimentação, nutrição e atividade física, considerando-se que essas informações foram obtidas das respostas a um questionário autoaplicado. Além disso, ressalta-se que as informações levantadas indicam a oferta das atividades e alimentos e não a aderência ou consumo dos escolares. Tampouco foi possível mensurar o impacto que a ausência de resposta de sete escolas teve sobre os resultados encontrados, ou mais precisamente, se o grau de adesão às atividades a serem analisadas interferiu no interesse da instituição em participar do estudo.
Combater e controlar o excesso de peso infantil requer esforços de diversas áreas e setores. A escola, ao propiciar experiências e trocas de saberes, mostra-se um ambiente potencialmente favorável à formação de hábitos de vida saudáveis, não só para as crianças e adolescentes como também para seus familiares e comunidade.4
O excesso de peso nas escolas estudadas alcança cerca de uma a cada três crianças. A avaliação do estado nutricional e o desenvolvimento de temas relacionados a alimentação saudável e nutrição, além da promoção da prática de atividade física, estiveram presentes nos projetos político-pedagógicos dessas escolas.
Há necessidade de buscar maior uniformização do cardápio escolar das diferentes refeições quanto ao oferecimento de alimentos saudáveis. A presença de alimentos ultraprocessados no desjejum e no lanche da tarde é bastante expressiva, diferentemente do almoço, cuja participação de alimentos in natura e minimamente processados é satisfatória.
Programas e políticas públicas focados no ambiente escolar devem ser constantemente avaliados, monitorados e, quando necessário, modificados, sempre considerando a participação dos diversos atores envolvidos, de modo que as ações a serem realizadas sejam pensadas e construídas coletivamente.
Referências
- 1 Ng M, Fleming T, Robinson M, Thomson B, Graetz N, Margono C, et al. Global, regional and national prevalence of overweight and obesity in children and adults 1980-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet. 2014 Aug;384(9945):766-81.
- 2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.
- 3 Gupta N, Goel K, Shah P, Misra A. Childhood obesity in developing countries: epidemiology, determinants, and prevention. Endocr Rev. 2012 Feb;33(1):48-70.
- 4 World Health Organization. Population-based approaches to childhood obesity prevention. Geneva: World Health Organization; 2012.
- 5 Jaime PC, Lock K. Do school based food and nutrition policies improve diet and reduce obesity? Prev Med. 2009 Jan;48(1):45-53.
- 6 Souza EA, Barbosa Filho VCB, Nogueira JAD e Azevedo Júnior MR. Atividade física e alimentação saudável em escolares brasileiros: revisão de programas de intervenção. Cad Saude Publica. 2011 ago;27(8):1459-71.
- 7 Ministério da Saúde (BR). Ministério da Educação (BR). Caderno do gestor do PSE. Brasília: Ministério da Saúde; 2015.
- 8 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. (Série B. Textos Básicos de Saúde)
- 9 Silva ACF. Programa Saúde na Escola: análise da gestão local, ações de alimentação e nutrição e estado nutricional dos escolares brasileiros [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, 2014. 162 p.
-
10 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados São Paulo: Itapevi [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016 [citado 2017 mar 21]. Disponível em: Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=352250&search=sao-paulo|itapevi|infograficos:-informacoes-completas
» http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=352250&search=sao-paulo|itapevi|infograficos:-informacoes-completas - 11 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: norma técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. 76 p. (Série G. Estatística e Informação em Saúde).
- 12 World Health Organization. Who child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age,weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age: methods and development. Geneva: World Health Organization; 2006.
- 13 Monteiro CA, Cannon G, Levy R, Moubarac JC, Jaime P, Martins AP, et al. O sistema alimentar: classificação dos alimentos: saúde pública: nova: a estrela brilha. World Nutr. 2016 jan-mar;7(1-3):28-40.
- 14 Ribas AS, Silva LCS. Fatores de risco cardiovascular e fatores associados em escolares do Município de Belém, Pará, Brasil. Cad Saude Publica. 2014 mar; 30(3):577-86.
- 15 Souza MCC, Tibúrcio JD, Bicalho JMF, Rennó HMS, Dutra JS, Campos LG, et al. Fatores associados à obesidade e sobrepeso em escolares. Texto Contexto Enferm. 2014 jul-set;23(3):712-9.
- 16 Ohly H, Gentry S, Wigglesworth R, Bethel A, Lovell R, Garside R. A systematic review of the health and well-being impacts of school gardening: synthesis of quantitative and qualitative evidence. BMC Public Health. 2016 Mar;16:286
- 17 Fiore EG, Jobstraibizer GA, Silva CS, Cervato-Mancuso AM. Abordagem dos temas alimentação e nutrição no material didático do ensino fundamental: interface com segurança alimentar e nutricional e parâmetros curriculares nacionais. Saude Soc. 2012 out-dez;21(4):1063-74.
- 18 World Health Organization. Global recommendation on physical activity for health. Geneva: World Health Organization; 2010.
- 19 Friedrich RR, Schuch I, Wagner MB. Efeito de intervenções sobre o índice de massa corporal em escolares. Rev Saude Publica. 2012 jun;46(3):551-60.
- 20 Martinelli SS, Soares P, Fabril RK, Rodrigues VM, Ebone MV, Cavalli SB. Composição dos cardápios escolares da rede pública de ensino de três municípios da região do sul do Brasil: uma discussão perante a legislação. Demetra. 2014 abr-jun;9(2):515-32.
- 21 Vidal GM, Vieiros MB, Sousa AA. School menus in Santa Catarina: evaluation with respect to the National School Food Program regulations. Rev Nutr. 2015 May-Jun;28(3):277-87.
- 22 Conselho Regional de Nutricionistas 4º Região. Relatório sobre a qualidade da alimentação oferecida por unidades escolares estaduais no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Conselho Regional de Nutricionistas 4º Região; 2013. 13p.
- 23 Louzada MLC, Martins APB, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Impact of ultra-processed foods on micronutrient content in the Brazilian diet. Rev Saude Publica. 2015 Aug;49:45.
- 24 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
-
25 World Health Organization. Reducing consumption of sugar-sweetened beverages to reduce the risk of childhood overweight and obesity [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2017 [cited 2017 Mar 21]. Available from: http://www.who.int/elena/titles/ssbs_childhood_obesity/en/
» http://www.who.int/elena/titles/ssbs_childhood_obesity/en/ - 26 Deboer MD, Scharf RJ, Demmer RT. Sugar-sweetened beverages and weight gain in 2- to 5-year-old children. Pediatrics. 2013 Jul;132(3):1-10.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2017
Histórico
-
Recebido
18 Set 2016 -
Aceito
10 Fev 2017